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O caso dos subsídios do algodão entre Brasil e EUA.

O uso efetivo da retaliação cruzada como prova final da eficácia do sistema de solução de controvérsias da OMC: redenção ou ruína?

O caso dos subsídios do algodão entre Brasil e EUA. O uso efetivo da retaliação cruzada como prova final da eficácia do sistema de solução de controvérsias da OMC: redenção ou ruína?

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A autorização para suspender concessões e obrigações dentro do acordo de Propriedade Intelectual consagrado na OMC, por si, só não é garantia da sua eficácia, surgindo a necessidade de mudança e evolução do sistema.

Área do Direito: Tributário; Internacional.

Resumo. O estudo tem como principal objetivo a analise da efetividade da retaliação cruzada como prova da eficácia do Sistema de Solução de Controvérsias da OMC a partir do caso dos subsídios do algodão entre Brasil e EUA. O caso foi resumido e explicado até a decisão dos Árbitros que autorizaram a retaliação cruzada em propriedade intelectual, enfatizando os seus principais aspectos legais e fáticos. Em seguidas foram descritas as potenciais vantagens e problemas do uso efetivo da retaliação cruzada para o membro demandante. Daí passou-se à análise da eficácia do Sistema de Solução de Controvérsias a partir da autorização para suspender concessões e obrigações dentro do acordo de Propriedade Intelectual consagrado na OMC, concluindo que ela por si só não é garantia da sua eficácia, surgindo a necessidade de mudança e evolução do Sistema.

Palavras-chave: Retaliação cruzada. Órgão de Solução de Controvérsias. Caso dos subsídios do algodão. Eficácia do Sistema de Solução de Controvérsias da OMC. Propriedade intelectual.

Abstract. The study''s main objective is to analyze the effectiveness of cross-retaliation as evidence of the effectiveness of the System of the WTO Dispute Settlement from the case of cotton subsidies between Brazil and USA. The case was summed up and explained the decision of the Arbitrators who allowed the cross-retaliation in intellectual property, emphasizing its main factual and legal aspects. Then it described the potential benefits and problems of effective use of cross-retaliation for the member applicant. Thence to the analysis of the effectiveness of the Dispute Settlement System from the authorization to suspend concessions and obligations in the agreement on Intellectual Property embodied in the WTO, concluding that it alone is no guarantee of its effectiveness, resulting in the need for change and evolution of the system.

Keywords: Cross-retaliation. Dispute Settlement Body. Case of prohibited subsidies for cotton. Effectiveness of the System of the WTO Dispute Settlement. Intellecutal property.

Sumário: 1.Introdução; 2. Requisitos legais da Retaliação Cruzada; 3. O caso dos subsídios do algodão entre Brasil e EUA; 3.1 – Resumo do caso; 3.2 – Retaliações autorizadas. Análise das decisões WT/DS267/ARB/1 e WT/DS267/ARB/2; 3.2.1 – Determinação de conceitos. Considerações teóricas dos árbitros do que seria falta de praticidade e efetividade, e as circunstâncias graves que envolvem o caso do algodão; 3.2.2 – Análise do caso concreto. Viabilidade e efetividade em cada setor da economia brasileira – Argumentos apresentados pelo Brasil e as considerações dos Árbitros; 3.2.3 – A autorização para a retaliação cruzada a partir das circunstâncias econômicas suficientemente graves que envolvem o caso; 3.3 – A efetivação da retaliação cruzada. Atos concretos adotados pelo Brasil; 4. Retaliação cruzada no âmbito do acordo TRIPS; 4.1 – Vantagens da Retaliação Cruzada no âmbito do TRIPS; 4.2 – Problemas que envolvem a retaliação cruzada; 4.2.1 – Aplicação da decisão na ordem jurídica interna; 4.2.2 – Conflito de leis e tratados internacionais; 4.2.3 – Conseqüências econômicas adversas da Retaliação Cruzada em TRIPS; 4.2.4 – Dificuldade em determinar as nacionalidades dos atingidos pela retaliação; 4.2.5 – Cálculo monetário da suspensão em TRIPS; 4.3 – Considerações Finais; 5. A eficácia do Sistema de Solução de Controvérsias da OMC; 5.1 – Propostas de mudanças no Sistema de Solução de Controvérsias; 6. Conclusão; Referências


1 – Introdução

Em 06 de novembro de 2009 o Conselho de Ministros da Câmara de Comércio Exterior do Brasil, mais conhecida como "CAMEX", publicou a Resolução nº 74 onde instaurou no seu artigo 1º "procedimento de consultas públicas relativa à Lista Preliminar de códigos da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM), que poderão estar sujeitos à aplicação de contramedidas em decorrência do não cumprimento, por parte dos Estados Unidos da América, das decisões e recomendações adotadas pelo Órgão de Soluções de Controvérsias da Organização Mundial do Comércio no contexto do contencioso ‘Estados Unidos da América – Subsídios ao Algodão’ (WT/DS 267)". Depois desta vieram as Resoluções nº 15 e 16 de março de 2010, que definiram a lista dos produtos que poderão ser sobretaxados, e consultas públicas sobre a retaliação cruzadas em propriedade intelectual, respectivamente.

Tratam-se estas resoluções dos primeiros atos concretos do Estado Brasileiro visando aplicar efetivamente as contramedidas autorizadas em 31 de agosto de 2009 pela OMC, através das decisões WT/DS267/ABR/1 e WT/DS267/ABR/2 [01], quais sejam a Retaliação Cruzada de setor (produtos) e a Retaliação Cruzada de acordos, que poderão cair sobre o Acordo Geral sobre Comércio de Serviços (GATS, sigla em inglês) e sob o Acordo sobre Aspectos de Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS, sigla em inglês). Pela primeira vez na história do Sistema de Solução de Controvérsias um país em desenvolvimento dá fortes sinais de que irá de fato retaliar um país desenvolvido. A efetivação das retaliações, principalmente da retaliação cruzada entre acordos, é o último recurso de que dispõe os membros da OMC para tentar compelir um país demandado a cumprir uma decisão do Órgão de Soluções de Controvérsias (OSC). O Brasil está pondo a prova a eficácia do atual Sistema, feito este nunca realizado por nenhum outro país membro mesmo quando autorizados pela OMC [02], o que pode significar a sua consagração ou, talvez, o início de sua ruína.

As regras do Entendimento de Solução de Controvérsias previstas no anexo II do Acordo constitutivo da OMC, o Tratado de Marrakesh, foram reconhecidas como um dos maiores avanços nas relações economicas internacionais, e um dos maiores feitos proveniente da Rodada do Uruguai. O Órgão de Soluções de Controvérsias que nada mais é que uma especialização funcional do Conselho Geral da OMC, segundo Amaral Júnior, foi criado para corrigir vícios que impregnavam o sistema anterior do GATT (artigos XXII e XXIII): a excessiva fragmentação, a morosidade procedimental, mas principalmente o não-cumprimento das recomendações e decisões dos paines. Destaca, ainda, o autor:

O Entendimento de solução de Controvérsias revigorou o papel das normas de julgamento no plano do comércio internacional, requisito imprescindível para o funcionamento do mercado global. A previsibilidade dos agentes econômicos desaparece se não houver autoridade competente para interpretar as divergências com base em normas jurídicas, por meio de um juízo de legalidade sobre as pretensoes em conflito, indispensável para que se passe do mundo abstrato das normas para o mundo concreto da realidade. A próposito o artigo 3.2 do ESC afirma: O sistema de solução de controvérsia da OMC é elemento essencial para trazer segurança e previsibilidade ao sistema multilateral de comércio. Os Membros reconhecem que esse sistema é útil para preservar direitos e obrigações dos Membros dentro dos parâmetros dos acordos abrangidos e para esclarecer as disposições vigentes dos referidos acordos em conformidade com as normas correntes de interpretação do direito internacional público. (AMARAL JÚNIOR, 2008, p.103-104)

Apesar do ESC [03] privilegiar a conciliação, a mediação e os bons ofícios para a melhor solução da demanda em qualquer fase do painel, e de terem estes aplicação muito mais destacada no Sistema multilateral do comércio internacional, este para ser confiável e acessível a todos os seus membros, principalmente os países em desenvolvimento, precisa de mecanismos que garantem a prevalência da aplicação da lei sobre o poder econômico, consagrando o verdadeiro Estado de Direito. Um Sistema Legal forte e confiável é muito interessante para os países em desenvolvimento, principalmente em demandas contra países desenvolvidos que se recusam a adotar os relatórios dos painéis do OSC.

Neste contexto surge a importância da contramedida prevista no art. 22.3 do ESC chamada de retaliação cruzada, que nada mais é do que a suspensão temporária dos direitos consagrados anteriormente nos acordos da OMC, tomada como instrumento de pressão para que um país demandado cumpra o relatório que lhe é desfavorável e que deliberadamente não o cumpre através da mudança da sua legislação interna contrária as normas do comércio internacional. Melhor dizendo, trata-se a retaliação cruzada entre acordos de uma ferramenta posta à disposição pelo ESC como último recurso possível para se fazer cumprir uma decisão da OMC, e é atualmente, talvez, a única "arma" de que dispões os países em desenvolvimento contra os países desenvolvidos, que apesar de serem os precursores de todo o sistema relutam em observá-lo quando lhe são desfavoráveis decisões do OSC.

Curiosamente, a previsão da Retaliação Cruzada no ESC foi adotada a partir da iniciativa dos Estados Unidos da América e referendada por todos os países desenvolvidos. Preocupados com a possibilidade de não cumprimento pelos países em desenvolvimento das decisões proveniente do OSC nas demandas que envolvem Propriedade Intelectual e sendo que estes países quase não possuem marcas e patentes de seus produtos nacionais ao contrário dos países desenvolvidos, uma eventual retaliação dentro do acordo TRIPS seria inócua para os primeiros. Foi prevista então no ESC a retaliação cruzada para atingir produtos e serviços dos países em desenvolvimento carente de propriedade intelectual.

Todavia, esta previsão funcionou no sentido contrário ao que pretendia os EUA, favorecendo justamente os países em desenvolvimento. De 1995 até 2008, por duas vezes a OMC autorizou a aplicação da retaliação cruzada contra a Comunidade Européia e os EUA nos casos das Bananas do Equador e do US-Gambling de Antigua e Barbuda, respectivamente, autorizando estes países a suspender os direitos decorrentes do Tratado de Propriedade Intelectual do qual se beneficiavam. Contudo, devido ao pequeno porte destas economias e da total falta de interesse político e econômico em enfrentar os maiores e os mais poderosos países do mundo, as retaliações não foram efetivadas não se chegando a testar as ultimas conseqüências do Sistema de Solução de Controvérsias.

Muito se especulou durante todos estes anos o que aconteceria se a retaliação cruzada fosse autorizada a favor de um país em desenvolvimento capaz econômica e politicamente de efetivar esta retaliação. Finalmente esta hora chegou! A OMC através das decisões WT/DS267/ABR/1 e WT/DS267/ABR/2 autorizou o Brasil a retaliar os Estados Unidos da América pelo descumprimento do relatório do painel e do Órgão de Apelação que reconheceram a ilegalidade dos subsídios dados por este último aos seus produtores de algodão. Os programas de subsídios geraram uma queda mundial do preço do produto e prejudicou injustificadamente os produtores brasileiros e de outros tantos países terceiros interessados na demanda, atingindo o mercado mundial do produto de forma relevante. Contrariamente às previsões de grandes autores e estudiosos do ESC, o Brasil conseguiu provar perante os árbitros que não seria praticável nem efetivo para a sua economia a suspensão dos direitos dos EUA com relação somente ao comércio de bens e produtos. De nada adiantaria sobretaxar os produtos americanos em 100% para se atingir o valor equivalente ao prejuízo gerado com os subsídios ilegais, mas ao contrário tal medida só iria prejudicar ainda mais o seu mercado interno. Para tanto, foi autorizada a suspensão temporária dos direitos dos EUA consagrados nos acordos de Propriedade Intelectual (TRIPS) e de serviços (GATS).

Ao contrário do que fizeram Equador e Antigua, o Brasil sinaliza abertamente a sua intenção de efetivar tais retaliações, principalmente contra o acordo de TRIPS. Contudo, muito pouco se sabe dos efeitos práticos da efetivação desta retaliação. Na história da OMC nunca um país membro chegou até este nível de indução do cumprimento da decisão. Toda retaliação, é inegável, seja ela feita em produtos, serviços ou Propriedade Intelectual gera prejuízos ao mercado interno, além de custos políticos e comerciais que podem ser maiores que os ganhos auferidos. Mesmo o Brasil que possuiu, atualmente, um comércio diversificado e não tão dependente dos EUA sofrerá prejuízos na efetivação da retaliação.

Daí pergunta-se, seria esta retaliação eficaz a ponto de forçar outros setores dos EUA que nada tem a ver com o algodão a pressionar o governo a mudar o programa de subsídios? Esta é a essência do instituto da retaliação cruzada, prejudicar um setor suficientemente forte, que não tem qualquer relação com a demanda, e que seja capaz de interferir internamente para forçar a mudança da legislação ilegal condenada pela OMC e que lhe prejudica indiretamente. E se isto não ocorrer como o planejado? E se o país demandado através de uma análise da relação do custo beneficio entre manter a política ilegal e cumprir a decisão da OMC escolher a primeira? Qual seria o próximo passo? Pelas regras do ESC não existe mais nenhuma medida a ser tomada. A medida interna ilegal se perpetuaria e a decisão da OMC seria mera opinião sem valor, e os países em desenvolvimento mais uma vez engoliriam o prejuízo, pelo seu próprio bem.

O presente artigo, portanto, busca a partir da análise deste caso emblemático entre Brasil e EUA com relação aos subsídios de algodão, analisar o instituto da retaliação cruzada entre acordos, principalmente de TRIPS, seus fundamentos legais, seus méritos e problemas de aplicação, e pretende por a prova a real eficácia do Sistema de Solução de Controvérsias até então considerado o mais efetivo dentre os Sistemas de responsabilidade internacional. Para tanto, partirá de um breve resumo de todo o Sistema, descreverá o caso dos subsídios de algodão e analisará o teor das decisões que autorizaram a retaliação cruzada. Ao final retirará conclusões cabíveis e apresentará as soluções que estão na pauta de discussão sobre o aprimoramento do Sistema de Solução de controvérsias da OMC no que se refere à fase de implementação das suas decisões.


2. Requisitos legais da Retaliação Cruzada.

Os princípios e os procedimentos legais para a autorização da retaliação cruzada estão previsto no art. 22.3 do ESC, e devem seguir a seguinte ordem:

a) Retaliação paralela ou de mesmo setor: o princípio geral é o de que a parte reclamante deverá procurar primeiramente suspender concessões ou outras obrigações relativas ao mesmo setor em que o grupo especial ou órgão de Apelação haja constatado uma infração ou outra anulação ou prejuízo;

b) Retaliação cruzada entre setores: se a parte considera impraticável ou ineficaz a suspensão de concessões ou outras obrigações relativas ao mesmo setor, poderá procurar suspender concessões ou outras obrigações em outros setores abarcados pelo mesmo acordo abrangido;

c) Retaliação cruzada entre acordos: se a parte considera que é impraticável ou ineficaz suspender concessões ou outras obrigações relativas a outros setores abarcados pelo mesmo acordo abrangido, e que as circunstâncias são suficientemente graves, poderá procurar suspender concessões ou outras obrigações abarcadas por outro acordo abrangido.

Ao aplicar os princípios acima, a parte deverá levar em consideração (art. 22.3, d):

i) o comércio no setor ou regido pelo acordo em que o grupo especial ou órgão de Apelação tenha constatado uma violação ou outra anulação ou prejuízo, e a importância que tal comércio tenha para a parte;

ii) os elementos econômicos mais gerais relacionados com a anulação ou prejuízo e as conseqüências econômicas mais gerais da suspensão de concessões ou outras obrigações.

Ainda, o art. 22.3 (f) também define o que é setor e o que é acordo para os propósitos da retaliação:

i) no que se refere a bens, todos os bens;

ii) no que se refere a serviços, um setor principal dentre os que figuram na versão atual da "Lista de Classificação Setorial dos Serviços" que identifica tais setores; Na lista integrante do Documento MTN.GNG/W/120 são identificados onze setores.

iii) no que concerne a direitos de propriedade intelectual relacionados com o comércio, quaisquer das categorias de direito de propriedade intelectual compreendidas nas Secções 1, 2, 3, 4, 5, 6 ou 7 da Parte II, ou as obrigações da Parte III ou da Parte IV do Acordo sobre TRIPS.

Para efeito do 22.3 parágrafo g, entende-se por "acordo":

i) no que se refere a bens, os acordos enumerados no Anexo 1A do Acordo Constitutivo da OMC, tomados em conjunto, bem como os Acordos Comerciais Plurilaterais na medida em que as partes em controvérsia sejam partes nesses acordos;

ii) no que concerne a serviços, o GATS;

iii) no que concerne à direitos de propriedade intelectual, o Acordo sobre TRIPS.

Para a parte demandante conseguir a autorização para a retaliação cruzada entre setores deverá seguir todos estes princípios e procedimento, mas principalmente fundamentar junto aos árbitros que a retaliação paralela no mesmo setor não será praticável e efetiva, ou seja, não capaz de atingir o grau de prejuízo auferido pela infração, ou que se esta retaliação irá prejudicar mais o país demandante do que o país demandado. Ainda, para conseguir a retaliação cruzada entre acordos além de provar a falta de praticidade e efetividade, deverá o pais demandante provar que as circunstâncias que envolvem o caso são suficientemente graves e prejudiciais para a sua economia para autorizar o pleito.

Outro ponto muito importante da Jurisprudência da OMC é que para se conseguir a autorização da retaliação cruzada entre acordos o demandante não precisa provar que esta será praticável e efetiva no caso concreto. Tem que somente provar que a retaliação entre setores não o é. (SPADANO, 2008, p. 526). Isto é de grande valia, uma vez que nunca se saberá ao certo e ainda mais de forma antecipada quais efeitos a aplicação prática da retaliação causará, até mesmo porque ela nunca chegou a ser implementada.

Por fim, os árbitros se restringem a estes aspectos legais e econômicos descritos no art. 22.3 em suas análises, e muito se especulou se um país em desenvolvimento com grandes economias como Brasil, Índia e China, conseguiria provar a falta de praticidade e eficácia em um eventual pedido de retaliação. Esta dúvida, contudo, foi sanada em 31 de agosto de 2009 com a autorização do Brasil em retaliar os Estados Unidos no caso do algodão, caso este que será analisado a seguir.


3. O Caso dos Subsídios do Algodão entre Brasil e EUA.

A demanda, iniciada em setembro de 2002 com pedido de consulta por parte do Brasil, envolveu o questionamento de subsídios concedidos pelos Estados Unidos à produção e à exportação de algodão no período de 1999 a 2002, e recebeu o número no OSC DS/267. Foram questionados tanto subsídios "acionáveis" como "proibidos" nos termos do Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias da OMC. O total de subsídios questionados foi da ordem de US$12,5 bilhões.

Além de Brasil e Estados Unidos figuram como terceiras partes: Argentina, Austrália, Benin, Canadá, Chade, China, Comunidades Européias, Índia, Japão, Nova Zelândia, Paquistão, Paraguai, Taiwan e Venezuela.

Em 21 de março de 2005, o Órgão de Solução de Controvérsias (OSC) da OMC adotou os relatórios do Painel (WT/DS267/R) e do Órgão de Apelação (WT/DS267/AB/R). As decisões adotadas no contencioso condenaram amplamente os subsídios norte-americanos, tanto com relação aos subsídios proibidos, como no tocante aos subsídios acionáveis.

No que diz respeito aos subsídios proibidos, o Painel e o Órgão de Apelação consideraram que três programas de garantias de crédito à exportação [05] — GSM 102, GSM 103 e SCGP — configuravam subsídios à exportação, aplicados de forma incompatível com os compromissos dos EUA no Acordo sobre Agricultura da OMC, não somente com relação ao algodão mas a um conjunto mais amplo de produtos agrícolas. Julgou-se que tais subsídios eram violatórios tanto de disposições do Acordo sobre Agricultura como do Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias. Como resultado, os EUA deveriam retirar os subsídios "sem demora, e não mais tarde que 1o de julho de 2005".

Com respeito aos subsídios acionáveis, o Painel e o Órgão de Apelação consideraram que três programas de apoio interno norte-americanos — "Marketing Loan" [06], "Counter-Cyclical Payments" [07] e "Step 2" [08] — causam prejuízo grave ao Brasil, tendo gerado supressão significativa dos preços do algodão no mercado internacional, em violação ao Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias da OMC. Em decorrência, os EUA deveriam "remover os efeitos adversos causados por esses subsídios, ou retirar os subsídios, até 21 de setembro de 2005". O "Step 2", além de entrar na categoria de subsídio acionável, também foi condenado como subsídio proibido.

Vencidos os prazos para que os EUA dessem cumprimento às decisões do Órgão de Solução de Controvérsias, o Brasil solicitou, em dois pedidos separados, apresentados em julho e em outubro de 2005 (WT/DS267/23 e WT/DS267/27), autorização para retaliar em um montante total de cerca de USD 4 bilhões. No entanto, com a indicação de que poderia haver avanços no processo de implementação, o Brasil concordou em suspender os procedimentos de arbitragem iniciados para definição dos valores de retaliação (WT/DS267/25 e WT/DS267/29).

Até o momento, as medidas de implementação norte-americanas, no que se refere aos subsídios acionáveis, limitam-se à eliminação do programa "Step 2", a partir de 1º de agosto de 2006. Os principais programas de apoio interno ("Marketing Loan" e "Counter-Cyclical Payments") permanecem intocados. Com relação aos subsídios proibidos, além da revogação tardia do "Step 2", o Governo norte-americano promoveu mudanças administrativas na operação dos programas de garantias de crédito à exportação (nova escala de prêmios para os programas GSM 102 e SCGP; suspensão do GSM 103) e encaminhou à consideração do Congresso proposta que, em tese, possibilitaria tornar os prêmios cobrados para tais programas mais condizentes com seus custos e com a realidade do mercado.

Diante do escopo limitado das medidas de implementação adotadas pelos Estados Unidos, e havendo transcorrido cerca de 1 ano dos prazos estabelecidos para cumprimento das determinações do OSC, o Brasil decidiu solicitar a conformação de um painel de revisão na OMC (Artigo 21.5 do DSU) para examinar a adequação do processo de implementação levado a cabo pelo Governo norte-americano. O painel de implementação foi estabelecido em 28 de setembro de 2006.

Ao longo dos trabalhos, o Brasil argumentou que os EUA não deram pleno cumprimento às decisões do Órgão de Solução de Controvérsias (OSC) no contencioso, na medida em que os programas de apoio doméstico remanescentes ("Marketing Loan" e "Counter-Cyclical Payments") continuaram a causar prejuízo grave ao Brasil e que o programa GSM 102 de garantias de crédito à exportação, a despeito das modificações nele introduzidas, continuou a configurar subsídio proibido à exportação.

O painel de implementação, em relatório divulgado às partes em 15 de outubro de 2007 e circulado aos demais membros da OMC em 18 de dezembro de 2007 (WT/DS267/RW), confirmou a apreciação brasileira quanto à insuficiência das medidas introduzidas pelos Estados Unidos para cumprir as decisões do painel original e acatou amplamente os principais pleitos brasileiros.

O painel de revisão deu razão ao Brasil ao decidir que os subsídios "Marketing Loan" (MLs)" e "Counter-Cyclical Payments (CCPs) continuam a causar prejuízo grave sob a forma de significativa supressão do preço do algodão no mercado mundial, em violação ao artigo 6.3(c) do Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias. Para chegar a essa conclusão, o painel se apoiou nos seguintes fatores:

· magnitude da fatia de mercado dos EUA na produção e exportação mundiais de algodão (20% e 40%, respectivamente) e a correspondente influência substancial dos EUA no mercado mundial e na formação dos preços internacionais do produto;

· avaliação de que os MLs e CCPs afetam o nível de área plantada e de produção, tendo em vista sua natureza obrigatória e vinculada ao movimento de preços, bem como seu efeito estabilizador sobre a renda dos produtores. Esses subsídios isolam os produtores norte-americanos dos sinais de mercado quando da baixa de preços (ou seja, os produtores continuam produzindo independente dos preços de mercado do produto);

· considerável volume de pagamentos sob o ML e o CCP;

· hiato significativo entre os custos de produção e a renda obtida pelos produtores norte-americanos no mercado. Os subsídios seriam fator decisivo para a viabilidade da produção de algodão nos EUA; e

· o fato de todas as simulações apresentadas pelas partes na controvérsia corroborarem a percepção de que os MLs e os CCPs levaram a um aumento da produção e exportação de algodão dos EUA que, por sua vez, causaram supressão do preço internacional.

Quanto às garantias de crédito à exportação sob o programa GSM 102, o painel de implementação concluiu que os EUA continuam a violar disposições do Acordo de Agricultura e do Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias, ao concederem subsídios proibidos à exportação de diversos produtos agrícolas, incluindo o algodão. O painel considerou que o programa GSM 102 constitui subsídio à exportação por continuar a ser oferecido com prêmios inadequados para cobrir seus custos operacionais e perdas de longo prazo (alínea "j" da lista de subsídios proibidos do Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias).

O relatório do painel de revisão foi circulado em 18 de dezembro de 2007, dando novamente ganho de causa ao Brasil. Antes da adoção do documento pelo OSC, os Estados Unidos entraram, em 19 de fevereiro de 2008, com procedimento de apelação contra a decisão do painel. O OA, em relatório final circulado em 02 de junho de 2008, deu novamente ganho de causa ao Brasil, confirmando as decisões do painel de implementação.

Com a adoção dos relatórios pelo OSC em 20 de junho, o Brasil, ao amparo do artigo 22.6 do DSU, acionou, em 25 de agosto de 2008 (WT/DS267/38 e WT/DS267/39), procedimento arbitral para definir o valor e as modalidades para a eventual adoção de contramedidas em relação aos Estados Unidos. Em 31 de agosto de 2009, os árbitros divulgaram sua decisões (WT/DS267/ARB/1 e WT/DS267/ARB/2), onde foi autorizado o Brasil a retaliar os Estados Unidos, autorizando até mesmo a retaliação cruzada entre acordos podendo atingir os acordos TRIPS e GATS.

3.2 – Retaliações autorizadas. Análise das decisões WT/DS267/ARB/1 e WT/DS267/ARB/2.

O Brasil fez dois requerimentos separados no OSC (WT/DS267/38 e WT/DS267/39) requerendo a suspensão das concessões (retaliações), uma relacionada aos subsídios proibidos (STEP 2 e GSM 102) e outra com relação aos subsídios acionáveis (Counter-Cyclical Payments e Marketing Loan). Os dois requerimentos correram em paralelo onde funcionaram os mesmos árbitros que decidiram separar as decisões por tratarem de pedidos relacionados a subsídios de diferentes categorias, (WT/DS267/ARB/1 e WT/DS267/ARB/2). As decisões basicamente se dividem em duas partes, sendo a primeira parte referente à autorização para apresentar contramedidas, bem como a determinação do seu valor, e a segunda parte, diz respeito especificamente à autorização para retaliação cruzada. A primeira parte das decisões, obviamente, possui teor distinto por versarem sobre diferentes subsídios, mas no que diz respeito ao pedido de autorização para a retaliação cruzada sobre os acordos TRIPS e GATS (segunda parte) as duas decisões possuem o mesmo teor, sendo este parte o ponto central do presente estudo.

Todavia, mesmo possuindo na sua primeira parte disposições diferente, os valores das retaliações, utilizando dados do ano fiscal de 2006 como referências, foram praticamente o mesmo. Os árbitros no item 6.5 [09] da decdisão WT/DS267/ARB/1 entenderam que o Brasil estaria autorizado a impor sanções comerciais no valor de US$ 147,4 milhões em função da aplicação de subsídios proibidos GSM 102 (WT/DS267/ARB/1), e na decisão WT/DS267/ARB/2 chegou-se ao valor de US$ 147,3 milhões relacionados aos subsídios acionáveis (Countercyclical Payments e Marketing Loan), a menos que os EUA ponham fim aos programas declarados ilegais. No que concerne ao valor do "gatilho" para se passar à retaliação cruzada em TRIPS e GATS, este foi o mesmo nas duas decisões (US$ 409,00 milhões).

Como o programa de crédito à exportação GSM 102 possui um maior impacto no custo das retaliações, o presente item deste estudo fará referencias na maior parte das vezes à decisão WT/DS267/ARB/1. Todavia, todos os comentários e análises também se aplicam à decisão WT/DS267/ARB/2.

A WT/DS267/ARB/1 foi divida em seis partes da seguinte forma: I – Introdução; II – Abordagens gerais dos árbitros sobre o caso; III – Propostas do Brasil de contramedidas contra o programa Step 2; IV – Propostas do Brasil de contramedidas contra o programa GSM 102; V – Requerimento de autorização do Brasil para aplicar contramedidas sobre os acordos TRIPS e GATS; VI – Conclusões e decisão.

Sobre os capítulos I e II da decisão trata-se de uma repetiçao do caso, o que não foge ao disposto no item 3.1 deste trabalho pelo que não se vê necessidade de uma análise mais apurada neste momento. Sobre o capítulo III, os árbitros decidiram que não há que se falar em aplicações de contramedidas, pois os Estados Unidos retiraram do seu ordenamento jurídico interno o programa Step2, tal como também já foi destacado no item 3.1, pelo que entenderam prejudicado o pedido de contramedidas do Brasil neste ponto específico.

Apesar da importância do capitulo IV, que foi a parte da decisão que realmente autorizou a aplicar contramedidas (retaliação no mesmo setor) e que calculou os seus valores com base nos prejuízos causados pelos subsídios e na expectativa de benefícios a serem auferidos pelo Brasil com a aplicação das retaliações, uma análise mais apurada desta parte da decisão iria alongar demais o trabalho. A análise mais apurada deste capítulo foge ao principal tema do presente estudo que é a efetivação da retaliação cruzada e a sua eficácia no Sistema de solução de controvérsias da OMC.

Contudo, comentários breves dos itens 4.278 e 4.279 do Capítulo IV da decisão são essenciais para se entender todo o caso, pois são neles que se encontram a autorização e a definição dos valores de contramedidas a que o Brasil tem direito, selando de uma vez por todas o caso DS 267, não havendo mais que falar que este não está sendo prejudicado pelo não cumprimento do relatório do OSC por parte dos Estados Unidos.

O item 4.278 [10] destaca a conclusão dos Árbitros de que o total de US$ 1.122 bilhões de dólares propostos pelo Brasil não é o valor adequado para as contramedidas. Segundo eles, com base numa visão mais acurada das distorções do mercado causados pelo programa GSM 102, modificando os cálculos propostos pelo Brasil, chegou-se à conclusão de que o valor mais apropriado para as contramedidas levando em consideração as transações entre os dois países no ano fiscal de 2006 que envolvem o programa GSM 102, seria de US$ 147.7 milhões de dólares.

Apesar de afastarem os cálculos brasileiros, os Árbitros no item 4.279 [11] atenderam ao pedido do Brasil para que nos próximos anos fiscais se possa fazer novo cálculo das contramedidas variável de acordo com "o total de pedidos de exportação requeridos sobre o programa GSM 102 para o mais recente ano fiscal concluído". Destacaram que o cálculo destes novos valores será feito com base em um formula pré-definida que garantirá a transparência e a aplicação apropriada das contramedidas e variará de acordo com o ano fiscal mais recente concluído e dependerá, entre outras coisas, do total de valor das transações tomadas sobre o programa GSM 102 entre Brasil e Estados Unidos. Os termos desta variação estão contidos na formula prevista no Anexo 4 [12] da decisão e nos itens 5.231 e 5.232 da decisão.

O tópico 3.2 e seguintes do presente trabalho, portanto, sempre tendo por base os itens 4.278 e 4.279, se dedicará à analise mais acurada dos capítulos V e VI da decisão, que tratam especificamente da autorização da retaliação cruzada sobre TRIPS e GATS. Demonstrará como o Brasil tentou e conseguiu em parte provar junto aos árbitros que a retaliação somente em produtos não seria praticável (viável) e efetiva, e que o caso envolve circunstâncias suficientemente graves que autorizariam o uso da retaliação cruzada. Para tanto, o Brasil primeiro descreveu os princípios que envolvem o artigo 22.3 da ESC e o que entendia ser "praticável e efetivo" na teoria, e demonstrou setor por setor da economia brasileira destacando porque a retaliação neste setor não o seria, e por fim descreveu as circunstâncias graves do caso.

Analisará também a conclusão dos árbitros que destacaram que o Brasil apesar de não ter conseguido provar de forma direta e incontroversa que a retaliação em bens somente não seria viável e efetiva em relação à economia brasileira, diante das graves circunstâncias econômicas que envolvem o caso, e da decisão em se adotar um cálculo variável para adoção das contramedidas dependendo do volume de importações dos Estados Unidos para o Brasil do último ano fiscal concluído, ficou reconhecido que esta retaliação somente em bens poderia significar um grave e irracional prejuízo ao país demandante, sendo-lhe autorizada a retaliação cruzada em TRIPS e GATS (itens 5.200 e 5.201 da decisão).

3.2.1 – Determinação de conceitos. Considerações teóricas dos árbitros do que seria falta de praticidade e efetividade, e as circunstâncias graves que envolvem o caso do algodão.

Para conseguir a autorização para a retaliação cruzada entre acordos, nos termos do art. 22.3 do ESC, o Brasil fundamentou o seu pedido com base nos princípios descritos nos seus itens, a, b, c, d. Teve o desafio e a obrigação de provar junto aos árbitros que as contramedidas somente em bens não seriam praticáveis e efetivas em relação a economia brasileira. Não precisava, outrossim, de provar que a retaliação cruzada seria de fato viável e efetiva, o que é de grande vantagem para o país demandante e neste ponto andou bem a jurisprudência da OMC, uma vez que até o momento não se sabe antecipadamente se a retaliação cruzada será de fato viável e efetiva já que nunca chegou a ser utilizada como força de indução ao cumprimento de uma decisão do OSC.

O Brasil primeiramente discorreu sobre a teoria que envolve estes princípios, em um segundo momento apontou setor por setor da sua economia o porquê que as contramedidas em bens não seriam viáveis ou efetivas no caso concreto, e demonstrou aos árbitros de forma clara e objetiva que os aspectos econômicos que envolvem as contramedidas em bens, tais como aumento da inflação, diminuição do bem estar dos consumidores, diferença das economias das partes envolvidas, o perigo de estagnação do desenvolvimento do país, as graves distorções que os subsídios do programa GSM 102 causaram e causam no mercado mundial dos produtos agrícolas e o reflexo político do caso, seriam circunstâncias suficientemente graves para autorizar a retaliação cruzada, nos termos da letra "d" do art. 22.3 do ESC.

Os Árbitros seguiram basicamente este roteiro no advento da sua decisão, e primeiro conceituaram a ausência de praticidade (viabilidade) e efetividade da retaliação, e as circunstâncias suficientemente graves para autorizar a retaliação cruzada enfatizando que estes requisitos previstos no artigo 22.3 do ESC seriam cumulativos e não alternativos como defendia o Brasil, apesar de estar escrito na lei "impraticável ou ineficaz". Contudo, no item 5.70 voltaram atrás e adotaram o posicionamento do Brasil de que para se conseguir a autorização para retaliação cruzada bastaria provar que a retaliação seria inviável ou inefetiva, não havendo necessidade de se provar os dois requisitos cumulativamente. (itens 5.69 e 5.70)

Sobre a ausência de praticidade (viabilidade) da retaliação, os árbitros adotaram a argumentação do Brasil, e dos casos precedentes das Bananas (Equador e C.E.) e do US-Glambling (Antigua e EUA) de que "praticidade" de uma suspensão de direitos seria a possibilidade de sua aplicação na prática, e a essência de sua aplicação é a sua disponibilidade real e sua viabilidade diante de um caso concreto. (5.71 a 5.73)

No que diz respeito à "efetividade", a decisão não adotou o argumento brasileiro, baseado no caso precedente das Bananas, de que a ausência de efetividade seria a falta de capacidade de induzir o cumprimento da decisão da OMC. O Brasil considerou que a efetividade de uma retaliação seria medida de acordo com a sua capacidade e sua força de fazer cumprir uma decisão. A efetividade seria, segundo este, diretamente proporcional à força de se induzir ao implemento de uma decisão. Concordou, contudo, com a visão dos árbitros do caso das Bananas de que existiria falta de efetividade na retaliação caso a suspensão de certos direitos e obrigações ao invés de trazer benefícios para o país demandante lhe causariam na verdade mais males e prejuízos. Em outras palavras, quando a parte reclamante causar para si mesmo um prejuízo desproporcional que de fato lhe não lhe permitiria utilizar a retaliação, isto seria uma base para conclusão de que esta suspensão não seria "efetiva". E concordou com o argumento dos Estados Unidos que a capacidade de induzir a implementação da decisão não é o ponto central da discussão sobre a efetividade, mas sim se a parte teria a capacidade e a possibilidade de implementar a retaliação, que no fim teria o poder de induzir a implementação. Esta seria, portanto, a conseqüência e não a causa da "efetividade". (5.79 e 5.81)

Por fim, tomando como referência o caso do US-Gambling, enfatizou que o art. 22.3, c, do ESC não traz qualquer parâmetro ou referência especifica para ajudar os Árbitros a definir o que seriam "circunstâncias suficientemente graves", e para tanto deve-se basear tal definição nos elementos trazidos pela letra "d" do art. 22.3. Deve ser levando em conta a anulação ou prejuízo do comércio afetado, e qual a sua importância para o país demandante, e os elementos econômicos que envolvem o caso. Todavia, reconheceu que se está diante de um conceito indeterminado que comporta alto grau de flexibilidade na avaliação das circunstâncias, e que estas podem ainda ser mais abrangentes que os parâmetros da letra "d", e adotando o posicionamento do caso US-Gambling, chegou-se a conclusão que tal verificação ser daria caso a caso. (5.82 a 5.84).

Com estes conceitos definidos, os árbitros passaram a analisar a plausibilidade da determinação de que não seria praticável ou efetivo no caso do algodão suspender as obrigações somente no comércio de bens, e se as circunstâncias seriam graves o suficiente, para autorizar a suspensão das obrigações resguardadas nos acordo TRIPS e GATS. (5.91)

3.2.2 – Análise do caso concreto. Viabilidade e efetividade em cada setor da economia brasileira – Argumentos apresentados pelo Brasil e as considerações dos Árbitros.

Antes de adentrar especificamente às circunstâncias fáticas que envolviam o caso, os árbitros indagaram e responderam duas questões: primeira, qual seria o montante de retaliação a ser considerado para se averiguar a sua praticidade e viabilidade para a economia Brasileira? Melhor dizendo, os montantes das duas decisões sobre subsídios acionáveis e proibidos poderiam ser somados nesta consideração ou se aplicaria o montante de apenas uma delas? Segunda, quais seriam as implicações da diferença do nível de contramedidas solicitadas pelo Brasil e o montante considerado aceitável pelos árbitros, sendo a diferença de mais de dois bilhões de dólares? Seria ainda possível com uma diferença tão brutal de valores justificar a necessidade da retaliação cruzada?

A resposta a primeira foi demasiada simples. Tendo em vista que as contramedidas das duas decisões seriam aplicadas ao mesmo tempo não havia porque não considerar a soma das duas decisões (que perfaziam o valor de US$ 294,7 milhões), para se averiguar a praticidade e viabilidade das retaliações somente em bens, e as circunstâncias graves do caso. (5.101)

Com relação à segunda indagação o Brasil correu o risco de ver o seu pleito de retaliação cruzada ser indeferido diante da monumental diferença entre o pedido total de retaliação de US$ 2.681 bilhões e o valor considerado adequado pelos árbitros de US$ 294,7 milhões. Se a diferença encontrada foi tão grande, e o pedido do Brasil foi anterior e fundamentado com base no valor de quase três bilhões de dólares, como provar, levando em conta as argumentações precedentes, que a retaliação em U$ 294.7 milhões de dólares não seria prática nem efetiva para a economia brasileira? Os Árbitros consideraram esta diferença o aspecto mais crítico do caso, e justamente pelo fato de o Brasil ter chegado a valor tão alto e tão dispare com o que entenderam ser o plausível ficou claro que o país demandante (Brasil) não apreciou corretamente os princípios do art. 22.3 do ESC, pelo que concluíram que não foram observados os procedimentos e princípios deste artigo, o que inviabilizaria o pedido de retaliação cruzada brasileiro. (5.104)

Contudo, foi reconhecido que o Brasil, mesmo assim, teria o direito de apresentar um novo pedido de contramedidas no mesmo nível que o apresentado na decisão (art. 22.7 do ESC), e não seria racional e instrutivo não apreciar as razões apresentadas, e se decidiu aplicar o valor de U$ 294.7 milhões de dólares no contexto descrito pelo o Brasil, a fim de provar a falta de praticidade e viabilidade somente na retaliação em bens. (5.108)

A bem da verdade, o pedido brasileiro, que primeiramente chegou até US$ 4 bilhões, não foi irresponsável ou exagerado e se baseou na jurisprudência da OMC que na maioria dos casos leva em conta todo o prejuízo mundial decorrente dos subsídios ilegais e não só dos prejuízos sofrido pelo Brasil. Não se tratou, como a primeira vista poderia parecer, de um "chute" ou de um pedido exagerado onde se requer o "muito mais" para se garantir "alguma coisa". A decisão de incluir todo o prejuízo mundial no calculo baseado na jurisprudência do OSC foi legítimo, mas por muito pouco não foi o responsável por uma eventual derrota brasileira.

A decisão por sua vez jogou muito para baixo o valor das contramedidas, o que deixou bem nítida as cautelas que envolvem a autorização da tão complexa retaliação cruzada para países em desenvolvimento do calibre do Brasil contra países desenvolvidos. Tanto é assim, que os advogados americanos que cuidaram do caso o consideraram mais vitorioso para os EUA do que para o Brasil, o que é um absurdo dado o longo período em que os subsídios ilegais vêm causando prejuízos para o mercado mundial e os lucros para o país que justamente deveria cumprir a decisão da OMC de livre vontade.

Respondidas as duas indagações os árbitros passaram a analisar o caso concreto, e como primeiro fator consideraram o perfil global das importações de mercadorias vindas dos Estados Unidos para o Brasil e rejeitaram o principal argumento Brasileiro de que as diferenças das economias dos dois países por si só já seria prova suficiente de que a retaliação somente em mercadorias não seria viável e efetiva. Segundo o Brasil, o comércio de bens entre os dois países significa 15% do seu total de importações (US$ 18.7 bilhões), e este valor representa somente 1,7% do total das exportações dos EUA (US$ 1.16 trilhões), o que demonstra que uma sobretaxa nas tarifas de importações não iria afetar suficientemente as exportações americanas de forma a tornar a retaliação de fato efetiva, sendo que as condutas ilegais continuariam a se perpetuar.

Todavia, segundo os Árbitros, estes números demonstraram que o Brasil na verdade tinha a sua disposição US$ 18.7 bilhões de exportações americanas que potencialmente poderiam suspender as concessões e outras obrigações, devendo-se provar no caso concreto, setor por setor que os US$ 294.7 milhões em bens não seriam suficientes para garantir a viabilidade e praticidade da retaliação. Esta decisão foi tomada com base nos marcos teóricos descritos no item 3.2.1 do presente trabalho, onde se determinou que a "praticidade e viabilidade" da retaliação deveria ser verificada na prática, não levando em consideração aspectos gerais e teóricos como a diferença das economias entre países, e com relação à efetividade esta não teria como base a capacidade de indução ao implemento da decisão, como queria demonstrar o Brasil. Assim, se passou a analise de setor por setor das importações dos EUA para o Brasil. (5.135 a 5.143)

Passando ao perfil detalhados das exportações entre os países demandantes, os árbitros decidiram que em relação a bens de capital, bens intermediários e outros bens que constituem insumos para a economia brasileira, representando 95% do total de US$ 18.7 bilhões de importações dos EUA, e diante da ausência de qualquer contra argumentação, aceitou-se que não seria viável ou eficaz suspender concessões ou outras obrigações em relação a essas categorias de bens, sem prejudicar a economia e o desenvolvimento do Brasil (5.153) O mesmo posicionamento recebeu o setor de computadores, onde também não houve maiores contra argumentos por parte dos americanos (5.175)

Por outro lado no que concerne aos bens de consumo tais como medicamentos, alimentos, armas, livros e setor automotivo, que representam 86% dos US$ 1.27 bilhões que sobraram das exportações dos EUA sem os bens de capital, os árbitros não se convenceram que não seria viável ou efetivo a retaliação envolvendo todos estes bens, tal como ficou reconhecido nos bens de capital.

Sobre medicamentos o Brasil argumentou que estes representam US$ 909.5 milhões anuais (2007) das exportações entre este e os EUA, e que a elevação de preços dos produtos iria por demais dificultar a busca destes em outros mercados. Além disto, as compras de antibióticos são feitas pelo Ministério da Saúde, após árduas negociações de preços e seguindo as dificultosas e morosas regras da contratação pública. O aumento dos custos destes, portanto, iriam prejudicar a saúde e o bem estar do seu povo. Todavia, estes argumentos foram afastados, por entenderem os árbitros que o Brasil não forneceu indicações precisas de como seria inviável buscar os mesmos medicamentos em outros mercados, e quais seriam as dificuldades práticas neste troca que iriam encarecer o produto no mercado. (5.167-5.168)

Com relação aos produtos alimentícios, que representam US$ 88.7 milhões, o Brasil argumentou que mais brasileiros têm renda suficiente hoje para comprar itens alimentares do que antes e que o desenvolvimento econômico e social deveria ser preservado a todo custo. Entretanto, o Brasil aceitou que determinados itens classificados como alimentos, poderiam ser considerados produtos de luxo, embora a quantidade e o valor desses produtos sejam bastante limitados. Os árbitros reconheceram que se a suspensão de concessões ou outras obrigações gerarem a conseqüência de privar os consumidores da oportunidade de aquisição de alimentos poderia-se legitimamente concluir que tal suspensão não seria "viável ou eficaz". No entanto, isso só seria possível caso não houvesse oportunidade de substituir as fontes destes produtos, sejam elas nacionais ou importadas. Todavia, segundo eles, o Brasil não conseguiu explicar as dificuldades de se buscar novas fontes para todos os produtos alimentícios, o que inviabilizou o reconhecimento da falta de "praticidade e efetividades" da retaliação no que diz respeito a estes bens de consumo. (5.170-5.171)

Melhor sorte levou o Brasil com relação aos livros, para o qual se estima o valor total das importações dos Estados Unidos em US$ 28,9 milhões. O Brasil observou que o aumento das tarifas seria altamente prejudicial para o objetivo político e social de maior acesso da população à educação e à melhoria da qualidade do ensino . Além disso, o artigo 150, inciso VI (d), da Constituição Federal brasileira isenta publicações impressas de impostos de importação, de modo que não seria possível adotar contramedidas em relação à livros. Os Árbitros decidiram que os livros, quase por definição, são produtos totalmente diferenciados, de tal forma que não é possível presumir que um título seja facilmente substituído por outro, mesmo levando em consideração que existem muito mais livros dedicados à diversão do que ao ensino propriamente dito. (5.172)

Por fim quanto ao setor automotivo (para o qual as importações provenientes dos Estados Unidos ascendem US$ 62,6 milhões por ano) o Brasil argumentou que não deveria ser atingido pela retaliação, uma vez que contramedidas em carros de "General Motors", e "Ford", por exemplo, provavelmente iriam atingir suas subsidiárias brasileiras afetando as suas operações no Brasil, o que também seria prejudicial para a sua economia. As importações de veículos dos Estados Unidos dependem de estabelecidas redes de distribuidores autorizados e serviços de manutenção, o que tornaria praticamente impossível para os importadores mudarem de fornecedor. Os Árbitros reconheceram o mérito dos argumentos brasileiros relativos à estrutura do chamado "Comércio Intra-firma" do setor automotivo de que a suspensão poderia ser prejudicial para subsidiárias brasileiras de importação dos carros e também concordaram que as auto-peças de diferentes fabricantes não são necessariamente substituíveis umas pelas outras. À luz destes elementos, e na ausência de argumentos específicos dos Estados Unidos contra a situação no mercado automotivo no Brasil, aceitou-se que a suspensão neste setor implicaria "custos graves e irracionais". (5.173)

Os árbitros, portanto, concluíram que com base nos elementos apresentados acima, o Brasil não conseguiu provar que não seria "praticável" nem "efetivo" a suspensão das obrigações relacionadas com toda a gama de produtos de consumo, sendo que o Brasil poderia buscar outros fornecedores para grande parte destes. (5.177)

Apesar desta conclusão (somente a partir daqui o Brasil pode se considerar vencedor da demanda), reconheceram que dentro das grandes categorias de "medicamentos" e "alimentos", determinados produtos não poderiam ser facilmente substituídos, em particular, alguns medicamentos, incluindo aqueles que estão sujeitos aos direitos de propriedade intelectual e provenientes de um fornecedor específico. Reconheceram, também, o mérito da argumentação do Brasil de que certos medicamentos, como antibióticos, são fornecidas através de licitação pública de tal forma que uma mudança de fornecedor pode se tornar impraticável. Ainda, constaram que os medicamentos e alimentos considerados como um todo e em conjunto, representam a grande maioria dos bens de consumo do Brasil relativos às importações provenientes dos Estados Unidos e que ambos contêm uma vasta gama de produtos, que vão de escovas de dente e pasta dental até medicamentos e itens de segurança. Nestas circunstâncias, entenderam que a parte das importações nessas categorias de produtos que cabe aos Estados unidos poderia fornecer um bom indicador do risco para a economia brasileira em se buscar outras fontes de abastecimento disponíveis no mercado. (5.180)

Feitas estas observações, os Árbitros chegaram ao ponto mais importante de toda a decisão (item 5.181) que abriu caminho para a autorização da retaliação cruzada (itens 5.200 e 5.201), onde estabeleceram sem qualquer precisão matemática exata para essa determinação, que até o limite de 20% das exportações dos EUA para o Brasil, este poderia ser capaz de encontrar fontes alternativas de abastecimento para estas três categorias restantes de bens de consumo (armas, medicamentos, e alimentos). Seria, portanto, viável ou efetivo para o Brasil retaliar os EUA somente em bens até este limite de 20% do total de suas importações destes produtos. Acima deste limite reconheceram a dificuldade em se buscar outros fornecedores o que acarretaria custos graves e irracionais ao mercado brasileiro.

Excluídos os bens de capital, os bens intermediários, os insumos, e os computadores, livros e automóveis, com base no ano fiscal de 2006 e nas importações de 2007, 20% do total destas importações naquele ano de medicamentos, alimentos, armas, e outros bens de consumo chegou-se ao valor de US$ 409.7 milhões, o que mais tarde ficou estabelecido como o "gatilho" ou limite para se começar a utilizar a retaliação cruzada em TRIPS e GATS. Percebe-se que as contramedidas autorizadas nas duas decisões no valor de US$ de 294.7 milhões não superaram o limite de US$ de 409.7 milhões, o que levou à conclusão que o Brasil, com base naquele ano fiscal não poderia sequer utilizar a retaliação cruzada. (itens, 5.182 e 5.183)

Contudo, o valor da retaliação cruzada é variável a cada ano fiscal, sendo que com base no ano fiscal de 2008, chegou-se ao total do valor de retaliações a que o Brasil teria direito em US$ 829.3 milhões, e o "gatilho" em US$ 561.0 milhões [13]. Os itens 5.180, 5.181 e 5.182 são fundamentais para se entender a essência da decisão, onde os Árbitros reconhecem de maneira direta a falta de praticidade e efetividade das contramedidas quando ultrapassado o limite de 20% do total de importações entre EUA e Brasil em alimentos, medicamentos, armas e outros bens de consumo. [14] Este entendimento serviu de fundamentos para autorização da retaliação cruzada, selada no item 5.201 da decisão WT/DS267/ARB/1. Pode-se, portanto, dizer que a partir deste momento e sobre estas condições, autorizada estava a retaliação cruzada entre acordos.

3.2.3 – A autorização para a retaliação cruzada a partir das circunstâncias econômicas suficientemente graves que envolvem o caso.

À luz do exposto acima, os Árbitros chegaram à seguinte conclusão: com base nos elementos apresentado na época da decisão, o Brasil não poderia plausivelmente ter chegado à conclusão de que não seria viável ou eficaz suspender concessões ou outras obrigações somente em matéria de comércio de bens, levando em consideração que o valor das contramedidas encontradas não ultrapassaram US$ 294,7 milhões. (item 5.200 [15])

Todavia, os Árbitros ressalvaram (aqui se encontra na decisão a autorização para a retaliação cruzada) que o valor das contramedidas admissível no presente processo é variável (item 4.279). Este valor de US$ 294.7 milhões foi calculado com base no ano fiscal de 2006 e nas importações do Brasil em bens de consumo no ano de 2007. Ainda levando em consideração os mesmo dados, ficou estabelecido que poderão ser objeto de contramedidas os bens de consumo importados dos Estados Unidos até o limite de US$ 409,7 milhões de dólares ("gatilho"). Caso o valor das contramedidas a que o Brasil teria direito em um determinado ano aumentar para um valor que excede esse limite, atualizado em virtude da mudança do total das importações do Brasil provenientes dos Estados Unidos (fórmula descrita no item 5.231), ficou entendido que a suspensão de concessões ou obrigações aplicadas somente ao comércio de bens não seria mais "praticável ou eficaz" na acepção do artigo 22.3 (c) do ESC. (item 5.201 [16]). Ou seja, restou autorizada a retaliação cruzada entre acordos quando, e somente se, o valor das contramedidas transpor este limite.

Ainda, fez-se questão de enfatizar na decisão que para se conseguir suspender as obrigações na acepção do art. 22.3 (c) do ESC, além de demonstrar que não seria "viável ou efetiva" a retaliação no âmbito do mesmo acordo, era necessário provar que as "circunstâncias que envolvem o caso são suficientemente graves". Neste ponto o Brasil teve o seu mérito reconhecido pelos Árbitros, tendo em vista que foram observados os princípios da letra (d) do art. 22.3 do ESC, e que a determinação do que seriam "circunstâncias graves" que envolveriam o caso foram destacados o impacto das contramedidas sobre o comércio de bens do Brasil, e as conseqüências econômicas mais amplas sofridas em decorrência do não cumprimento pelos EUA das recomendações da OMC no caso especifico das exportações subsidiadas pelo programa GSM 102. (itens 5.212 a 5.215)

Afastou-se o argumento dos Estados Unidos de que os produtores brasileiros mantiveram-se muito competitivos no setor agrícola durante todo o período da contenda, mesmo com os subsídios e sem aplicação das contramedidas, uma vez que essa consideração não altera a essência da situação. Permanecer competitivo não modifica o essencial fato de que estes subsídios têm o efeito gravíssimo de distorcer o comércio no mercado mundial do algodão e de outros produtos. Dada a estrutura e a concepção dos subsídios em questão, e tendo em conta o período de tempo durante o qual estão em vigor, estas distorções são virtualmente, como foi colocado pelo Brasil, um elemento "estrutural" e indissociável do mercado mundial para os produtos afetados, incluindo o algodão, enquanto continuarem a viger. De acordo com a determinação do nível das contramedidas admissível nesta decisão, ficou demonstrado que os efeitos da distorção comercial não são insignificantes, e esses impactos são sentidos não só nos mercados dos Estados Unidos e do Brasil, mas em outros mercados para os produtos em causa. Por fim o Brasil observou que em tempos de crise de crédito, o impacto ao comércio será ainda maior na medida em que o programa GSM 102 continuar em voga. Essas considerações, aos olhos dos Árbitros os levaram à conclusão de que "as circunstâncias são suficientemente graves", e autorizaram a retaliação cruzada nos termos do art. 22.3 do ESC. (5.220)

Assim, pela terceira vez na histórica da OMC, foi autorizada a retaliação cruzada que no caso do algodão é variável a cada ano fiscal subseqüente concluído, cujo cálculo do seu valor dependerá da variação das importações dos EUA para o Brasil, nos termos da formula apresentada nos itens 5.231 [17] e 5.232 [18] e da metodologia prevista no anexo IV da decisão WT/DS267/ARB/1.

Com base nesta formula, como já foi dito no item acima, o governo brasileiro auxiliado pela CAMEX [19], utilizando os dados do último ano fiscal disponível dos dois países (2008), calculou que o Brasil poderá retaliar os Estados Unidos em bens no valor de US$ 561,0 milhões, e acima deste valor começaria a possibilidade da retaliação cruzada em TRIPS e GATS até a quantia máxima de US$ 829.3 milhões. [20]

3.3 – A efetivação da retaliação cruzada. Atos concretos adotados pelo Brasil.

Ao contrário de Equador no caso das Bananas e Antigua no caso do US-Gambling que foram autorizados a retaliar de forma cruzada entre acordos, o Brasil já adotou uma série de atos concretos que demonstram a sua nítida intenção de realmente usufruir do seu direito legal à retaliação.

O Poder Executivo brasileiro através da sua Câmara de Comércio Exterior – CAMEX, órgão integrante do Conselho de Governo, que tem por objetivo a formulação, adoção, implementação e a coordenação de políticas e atividades relativas ao comércio exterior de bens e serviços, incluindo o turismo, publicaram as Resoluções nº 74, de 06 de novembro de 2009, nº 15 de 08 de março de 2010, e nº 16 de 15 de março de 2010, que buscam traçar os procedimentos técnicos da retaliação cruzada a serem aplicados na prática, dentre eles consultas públicas, divulgação de listas de produtos, prazo para implementação e propostas de medidas de retaliação em propriedade intelectual. A intenção da CAMEX ao fazer consultas aos setores interessados é de nítida divisão de responsabilidades, de transparência e reciprocidade com o mercado brasileiro para que seja diminuído ao máximo o prejuízo natural gerado com a sobretaxa de qualquer produto importado, e com a suspensão dos direitos envoltos a propriedade intelectual.

A Resolução nº 74, de 06 de novembro de 2009, instaurou "procedimento de consultas públicas relativa à Lista Preliminar de códigos da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM), que poderão estar sujeitos à aplicação de contramedidas em decorrência do não cumprimento, por parte dos Estados Unidos da América, das decisões e recomendações adotadas pelo Órgão de Soluções de Controvérsias da Organização Mundial do Comércio no contexto do contencioso ‘Estados Unidos da América – Subsídios ao Algodão’ (WT/DS 267)". Foi dada a oportunidade para vários setores do mercado brasileiro demonstrarem, através do roteiro de manifestação previsto na Resolução, o quanto poderiam ser prejudicados caso fossem sobretaxados os produtos importados dos quais necessitam para produzir ou comercializar.

Depois de ouvidos os setores interessados, a CAMEX em 08 de março de 2010, através de sua Resolução nº 15, divulgou a "lista de mercadorias objeto de suspensão de concessões assumidas pelo Brasil em razão do Acordo Geral de Tarifas e Comércio de 1994, em relação aos Estados Unidos da América e fixa as alíquotas do Imposto de Importação, com vigência de 365 dias, para as mercadorias referidas no art. 1º, quando originárias dos Estados Unidos da América, conforme Anexo a esta Resolução. [21]"

A partir de 07 de abril de 2010, ou seja, 30 dias após a publicação da lista (art. 4º), esta resolução entraria em vigor e a sobretaxa de 102 produtos americanos de toda a variedade, que vai de 12% até 100%, seria necessariamente aplicada nas importações. Estas sobretaxas expressam através de estimativas de comércio um valor máximo de retaliação em bens de US$ 591.0 milhões, ou seja, U$S 30.0 milhões a mais do que o Brasil poderia retaliar em bens como margem de segurança, sobrando para a retaliação em TRIPS US$ 238.0 milhões, medidas estas que começaram a ser tomadas através da Resolução nº 16, de 15/03/2010, e que de fato irão pressionar os interesses americanos. Estes valores poderiam ter sido impugnados pelos EUA na OMC assim que foram enviados pelo Brasil, mas não o foram.

Em complementação às medidas já adotadas, a Resolução nº 16 em seu art. 1º instaurou, "nos termos da Medida Provisória nº 482, de 10 de fevereiro de 2010, o procedimento de consulta pública sobre as medidas de suspensão de concessões ou obrigações do País relativas aos direitos de propriedade intelectual e outros, em relação aos Estados Unidos da América." Assim com se fez na retaliação em bens, a CAMEX resolveu consultar todos os interessados, preferencialmente as associações, antes de adotar as medidas concretas de retaliação cruzada em TRIPS.

Uma serie de propostas de medidas, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, se encontram no Anexo III da Resolução, sobre as quais podem os interessados livremente dar a sua sugestão. Estas medidas foram baseadas na MP nº 482/2010, escrita e publicada com o objetivo específico de dar fundamentação legal ao ato executivo da CAMEX.

Segundo o Anexo IV, item 5 da Resolução que trata de sua fundamentação, "o Anexo III contém minuta das medidas que poderão ser tomadas pelo Governo brasileiro, de forma isolada ou cumulativa, e que incidem sobre certos direitos de propriedade intelectual, bem como sobre a remuneração que for devida, e visam a atingir requerentes, titulares ou licenciados de direitos de propriedade intelectual que sejam pessoas naturais nacionais dos Estados Unidos da América ou nele domiciliadas, ou ainda pessoas jurídicas domiciliadas ou com estabelecimento naquele país. As medidas listadas no Anexo III têm por fundamento a Medida Provisória nº 482, de 2010, em especial os incisos II, III, IV, V, VII e VIII de seu artigo 6º." [22]

Com a adoção destas medidas do Poder Executivo brasileiro, o Brasil se mostra confiante que estas sejam suficientes para induzir os EUA a cumprir a decisão do OSC, ou pelo menos fechar um acordo descente que encerre de uma vez por todas o caso DS/267, e cessem os prejuízos causados ao país e ao mercado mundial pelos subsídios ilegais americanos.


4. Realiação Cruzada no âmbito do Acordo TRIPS.

Relatado todo o caso do algodão entre Brasil e Estados Unidos e demonstrada a real intenção de se efetivar a retaliação cruzada em bens e no âmbito dos acordos TRIPS, tal como se vê nas Resoluções da CAMEX nº 74/2009 e nº 15 e nº 16 de 2010, e na Medida Provisória nº 482, de 10 de fevereiro de 2010, é necessário analisar quais as conseqüências práticas desta efetivação, ou seja, quais os benefícios e os prejuízos poderão advir na prática.

Infelizmente muito pouco se sabe sobre assunto, e quase não existem estudos sobre ele. A OMC agora com o caso do algodão somente autorizou a retaliação cruzada por três vezes na sua história, sendo que nas duas primeiras no caso das Bananas do Equador x Comunidade Européia, e no caso dos Jogos eletrônicos de azar de Antigua x EUA, a retaliação não foi efetivada. Pela primeira um país em desenvolvimento que possui uma grande economia pretende fazê-lo. Trata-se de um assunto na sua essência muito novo e sem qualquer parâmetro de comparação.

A retaliação cruzada sem dúvida possui seus méritos e a lógica sobre a qual foi construída é de inegável valor. Na ausência de uma autoridade internacional capaz de fazer cumprir a decisão da OMC, atingir dentro do país infrator outros setores suficientemente influentes para forçar a mudança das condutas ilegais, é atualmente a única medida coercitiva disponível dos países em desenvolvimento nas contendas com os países desenvolvidos, que são avessos a cumprir as decisões do Sistema por eles mesmo criado.

Todavia, esta efetivação tem um custo muito grave. Toda retaliação, invariavelmente, afeta a economia interna do próprio país retaliador na medida em que se encarecem os produtos importados, podendo gerar desabastecimento interno, além de todo o desgaste político e comercial envolvido, entre outras conseqüências.

Segundo Gregory Shaffer, muito embora o sistema judicial da OMC seja caracterizado pelo legalismo procedimental e pela aplicação da lei, ele permanece sendo orientado pelo poder econômico na sua essência. A retaliação é um mecanismo que depende do poder que o país exerce no mercado. "Assim, os países desenvolvidos podem pressionar os menos desenvolvidos a obedecer as regras e normas da OMC, posto que o acesso aos mercados dos maiores é essencial para a exportação dos menores. Os países pequenos já não exercem tal influência". (2007, p. 183). Daí que a indução ao cumprimento de uma retaliação depende muito mais do poderio econômico do que do aparto legal, situação esta que tende muito mais a favor dos países desenvolvidos. Esta lógica, infelizmente, ainda é inegável também e pode ser visa na própria jurisprudência da OMC.

O presente tópico, portanto, se dedica a analisar quais os méritos e quais as conseqüências da efetivação da retaliação cruzada no caso do algodão, caso o Brasil de fato resolva implementá-la no âmbito do acordo TRIPS. Começará descrevendo as vantagens da retaliação cruzada e depois os problemas de sua aplicação tal como obstáculos provenientes da legislação internacional e interna, ou da falta dela, quais os possíveis prejuízos econômicos e comerciais envolvidos, passará para a questão da dificuldade em se verificar a nacionalidade do detentor prejudicado da propriedade intelectual, e finalizará pela questão da dificuldade do cálculo monetário da retaliação neste âmbito. Não se dedicará, outrossim, a falar da retaliação entre setores e entre acordo de serviços (GATS), uma vez que as conseqüências são praticamente as mesmas, e sem dúvida a retaliação em TRIPS é a que causa a maior preocupação nos países desenvolvidos, detentores da maioria das marcas e patentes no mundo, e que é capaz de gerar os maiores benefícios ao Brasil. Ainda, vale ressaltar que o Brasil através da Resolução nº 16 da CAMEX e a MP 482/2010, se dedicou somente a retaliação em TRIPS, demonstrando a nítida escolha para a retaliação somente neste acordo.

4.1 – Vantagens da Retaliação Cruzada no âmbito do TRIPS.

Segundo Lucas Spadano, muitos países em desenvolvimento quando da rodada do Uruguai foram contrários ao acordo TRIPS. Eles consideravam que proteger a propriedade intelectual causaria prejuízos para suas economias, uma vez que os países pobres são mais imitadores do que inovadores da tecnologia. Todavia, é justamente por isto que a retaliação cruzada funcionaria tão bem contra os países desenvolvidos. A suspensão dos direitos à propriedade intelectual possibilitaria aos países em desenvolvimento desenvolver produtos a preços bem mais baixos, sem observância das regras de marcas e patentes e sem o pagamento de royalties, não afetando em nada a sua economia, o que por si só já é uma grande vantagem. (2008, p. 533)

A segunda e mais forte vantagem é que a retaliação cruzada no âmbito do TRIPS pode mirar setores muito influentes da economia do país demandado. E a razão principal disto é que certo detentores dos direitos de propriedade intelectual nos países desenvolvidos, tais como a indústria farmacêutica e de computação, são poderosos lobistas. Caso sejam retirados seus direitos inerentes à propriedade intelectual por causa de políticas adotadas em outro setor da economia, conta-se com a idéia de que estes setores fariam o seu melhor dentro do país retaliado para retirar as práticas que foram consideradas ilegais pela OMC.

A combinação destas duas vantagens pode levar a conclusão de que a suspensão das obrigações sobre o acordo TRIPS pode potencialmente, ser mais efetivo como um mecanismo de indução ao cumprimento das decisões da OMC pelos países desenvolvidos do que a retaliação em bens ou serviços (SPADANO, 2008, p. 534). Na teoria esta prática só iria atingir o país demandado nunca o demandante. Todavia, existem muitos outros problemas na aplicação da retaliação cruzada que quebram esta premissa.

4.2 – Problemas que envolvem a retaliação cruzada.

Apesar das vantagens aparentes e do sistema legal sólido que escora a retaliação cruzada, a sua aplicação efetiva não é uma tarefa que pode ser considerada fácil. Até mesmo a sua definição técnica se mostra difícil. Basta ver a quantidade de respostas e discussões que geraram as consultas públicas propostas pela CAMEX no caso do algodão e a dificuldade em se elaborar a lista de produtos que sofreriam a retaliação e neste momento a definição de quais medidas de restrição a propriedade intelectual serão tomadas.

Embora na teoria a retaliação sobre TRIPS seja vantajosa por não afetar o país demandado, a sua efetivação pode sim gerar prejuízos aos demandantes tais como o aumento da pirataria, a escassez de produtos importados essenciais no mercado consumidor, por exemplo, medicamentos e produtos de informática, pode interferir na propriedade privada de importadores brasileiros que verão seu negócio ruir, e que podem gerar uma séria de demandas judiciais internas por ser a retaliação incompatível com as leis internacionais e internas, podendo-se até mesmo argüir a inconstitucionalidade dessas. Ou seja, uma serie de conseqüências adversas podem ser aventadas hipoteticamente. Diga-se mais uma vez em hipótese, porque nunca a retaliação cruzada foi efetivada. Os problemas que serão apontados são apenas os que potencialmente podem ocorrer e somente com a efetivação se comprovará todas estas teses contrárias à retaliação.

4.2.1 – Aplicação da decisão na ordem jurídica interna.

O primeiro possível problema da efetivação da retaliação cruzada se encontra no próprio âmbito legal interno do país demandante, ou melhor, na ausência de uma lei que garanta a aplicação da decisão da OMC dentro do próprio país demandante. A retaliação, seja ela qual for, por sua própria natureza sempre gera prejuízos, é o que se pode chamar de injustiça inerente da retaliação. Por ser ela temporária na essência, mas indefinida no tempo, detentores de propriedade intelectual americanos podem tentar barrar sua aplicação na ordem jurídica Brasileira por considerar a suspensão das obrigações do TRIPS inconstitucionais e ilegais a luz da Constituição Federal Brasileira, uma vez que atentam contra o direito a propriedade privada.

Uma possível solução para este problema seria a previsão em âmbito interno de normas que consagrem as decisões da OMC e que as entendam totalmente aplicáveis no país. Com a iminência da efetivação da retaliação e diante da ausência de uma lei neste sentido, o Poder Executivo brasileiro, se valendo do art. 62 da Constituição Federal, publicou em 10 de fevereiro de 2010 a Medida Provisória nº 482, que "dispõe sobre medidas de suspensão de concessões ou outras obrigações do País relativas aos direitos de propriedade intelectual e outros, em casos de descumprimento de obrigações do Acordo Constitutivo da Organização Mundial do Comércio - OMC."

A MP no inciso IV do art. 2º define o que seriam direitos de propriedade intelectual sujeitas a retaliação: a) obras literárias, artísticas e científicas; b) artistas intérpretes ou executantes, produtores de fonogramas e organismos de radiodifusão; c) programas de computador; d) marcas; e) indicações geográficas; f) desenhos industriais; g) patentes de invenção e de modelos de utilidade; h) cultivares ou variedades vegetais; i) topografias de circuitos integrados; j) informações confidenciais ou não divulgadas; e k) demais direitos de propriedade intelectual estabelecidos pela legislação brasileira vigente. 

No seu artigo 3º estabelece quais são as possibilidades de medidas a serem aplicadas contra pessoas naturais nacionais ou domiciliadas em determinado Estado, ou pessoas jurídicas domiciliadas ou com estabelecimento efetivo neste, quando este deixar de implementar decisões do OSC em detrimento do Brasil, in verbis: "I - suspensão de direitos de propriedade intelectual; II - limitação de direitos de propriedade intelectual; III - alteração de medidas para a aplicação de normas de proteção de direitos de propriedade intelectual; IV - alteração de medidas para obtenção e manutenção de direitos de propriedade intelectual; V - bloqueio temporário de remessa de royalties ou remuneração relativa ao exercício de direitos de propriedade intelectual; e VI - aplicação de direitos de natureza comercial sobre a remuneração do titular de direitos de propriedade intelectual."

Por fim, o art. 6º determina os modos de implementação das contramedidas, que poderão ser aplicados isolada ou cumulativamente, e que foram adotadas na Resolução nº 16 da CAMEX, sempre em caráter temporário:

I - postergação do início da proteção a partir de data a ser definida pelo Poder Executivo, com a consequente redução do prazo de proteção, para pedidos em andamento de proteção de propriedade intelectual;

II - subtração do prazo de proteção, por prazo determinado, em qualquer momento de sua duração;

III - licenciamento ou uso público não comercial, sem autorização do titular;

IV - suspensão do direito exclusivo do titular de impedir a importação e comercialização no mercado interno de bens que incorporem direitos de patente, ainda que o bem importado não tenha sido colocado no mercado externo diretamente pelo titular dos direitos de propriedade intelectual ou com seu consentimento;

V - majoração ou instituição de adicional sobre os valores devidos aos órgãos ou entidades da administração pública para efetivação de registros de direitos de propriedade intelectual, inclusive sua obtenção e manutenção;

VI - bloqueio temporário de remessas de royalties ou remuneração relativa ao exercício de direitos de propriedade intelectual dos licenciados nacionais ou autorizados no território nacional;

VII - aplicação de direitos de natureza comercial sobre a remuneração a que fizer jus o titular de direitos de propriedade intelectual; ou

VIII - criação de obrigatoriedade de registro para obtenção e manutenção de direitos de propriedade intelectual. 

Apesar de ter perdido força com a publicação da MP 482/2010, o projeto de Lei 1.893/2007 do Deputado Federal Paulo Teixeira (PT/SP), que "Dispõe sobre medidas de suspensão e diluição temporárias ou extinção da proteção de direitos de propriedade intelectual no Brasil em caso de descumprimento de obrigações multilaterais por Estado estrangeiro no âmbito da Organização Mundial do Comércio", corre em paralelo até que a MP 482/2010 seja convertida em lei. Segundo o deputado, o projeto de lei por si só já seria um forte mecanismo de indução ao cumprimento das decisões da OMC, uma vez que o Brasil teria de antemão um aparato legal pronto para aplicar imediatamente as retaliações autorizadas pelo OSC.

O Projeto de Lei prevê que (Art. 5º): "(...) o Presidente da República decretará a suspensão, diluição ou extinção da proteção de direitos de propriedade intelectual de que trata a presente Lei, objetivando, alternada ou cumulativamente" entre outras medidas: "a rejeição temporária de pedidos de registro de direitos de propriedade intelectual (...); interrupção temporária do procedimento de análise desses pedidos de registro (...); o bloqueio temporário de remessas de ‘royalties’ ao exterior (...); o licenciamento compulsório desses direitos (...); a não concessão de registro para explorar economicamente o objeto da proteção da propriedade intelectual; o estabelecimento de domínio público temporário desses direitos (...); a extinção de direitos de propriedade intelectual".

Com efeito, os detentores de propriedade intelectual estrangeiros prejudicados com a retaliação poderiam questionar nos tribunais brasileiros a constitucionalidade da MP 482/2010 por serem os direitos de propriedade intelectual garantias fundamentais previstas pelo art. 5º, XXVII, XXVIII e XXIX da Constituição Federal:

Art. 5º, XXVII - aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar;

Art. 5º, XXVIII - são assegurados, nos termos da lei:

a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas;

b) o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que participarem aos criadores, aos intérpretes.

Art. 5º, XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País.

Contudo, os direitos fundamentais não são absolutos e muitos deles comportam hipóteses de limitação em vista do interesse público e da função social. O art. 5º, XXIX, por exemplo, comporta esta limitação. Se em uma demanda judicial se considerar que a observância das normas da OMC, principalmente das decisões do OSC, é de suma importância para o interesse social e o desenvolvimento econômico do País, não há que se falar em inconstitucionalidade. Numa disputa ferrenha de poder tal como é travada no comércio internacional, é de extremo interesse social e econômico para o Brasil que o seu sistema legal interno garanta a efetividade das retaliações que lhe forem autorizadas pela OMC. Depois de tanta luta para se conseguir a autorização do OSC para retaliar os EUA, como foi o caso do algodão, barrar a sua efetivação por falta de respaldo jurídico interno é jogar por terra todo o prestígio e todo o trabalho do Brasil perante a OMC, o que sem dúvida demonstrará em âmbito internacional a fraqueza do país e a insegurança do seu sistema jurídico. Os reflexos no comércio internacional, principalmente na negociação e nos investimento, serão imediatos. Daí que não há que se falar em inconstitucionalidade da MP 482/2010 e do projeto de Lei 1.893/2007. A plena aplicação das decisões da OMC no direito interno é de sumo interesse público, econômico e social.

Alguns especialistas sobre a matéria, como André Zonaro Giacchetta, Renê Guilherme S. Medrado, e Márcio Junqueira Leite criticam a pouca efetividade de algumas medidas do art. 6º [23],como a "postergação do início da proteção" ou a "redução do prazo de proteção" para pedidos em andamento, já que nem todos os direitos de propriedade intelectual dependem de registro, dispensável no caso dos direitos autorais. Além disto, os depositantes de marcas, patentes e desenhos industriais no Instituto Nacional da Propriedade Intelectual - INPI possuem mera expectativa de direito, não sendo intensamente afetados com a "postergação do prazo de proteção". No caso das patentes, há mais uma dificuldade, uma vez que a sua proteção retroage à data do depósito, independentemente da demora do exame pelo INPI.

Ainda sobre o Projeto de Lei 1.893/2007, os mesmo especialistas apontam inúmeras impropriedades técnicas. Segundo estes somente as três últimas contramedidas seriam efetivas: (i) o incremento na retribuição devida aos órgãos públicos que realizam registros de direitos de propriedade intelectual; (ii) o bloqueio temporário da remessa de "royalties" e pagamento de assistência técnica, resultantes da exploração dos direitos de propriedade intelectual; e (iii) o licenciamento compulsório de direitos, que, ao menos em relação às patentes, têm regras definidas nos artigos 68 e seguintes da Lei da Propriedade Industrial, autorizando a exploração apenas a determinadas pessoas, mediante justa remuneração. Todas as demais não passam de medidas já previstas na Lei de Propriedade Intelectual, ou são por si mesmos inócuas.

Estas críticas, por sua vez, de nada afetam a legitimidade das decisões da OMC no Ordenamento Jurídico interno, mas ao contrário são muito bem vindas e devem ser dirigidas às comissões do Congresso Nacional que são as responsáveis pela analise e aprovação do Projeto de Lei ou a Conversão em Lei da MP 482/2010. O debate é o mais importante neste momento para que o Brasil possa contar com uma lei de efetivação das retaliações clara, eficiente e tecnicamente adequada, para aí sim se tornar uma ameaça concreta para os países desenvolvidos no que diz respeitos a sua propriedade intelectual protegida pelo TRIPS. Somente assim esta lei seria capaz de produzir indução ao cumprimento das decisões da OMC. Portanto, a atual legislação sobre o assunto, por mais que ainda não se encontre perfeita, é válida e se torna uma importante ferramenta a disposição dos nossos diplomatas e negociadores do comércio internacional, quando estiverem a volta de questões envolvendo a fase de implementação das decisões da OMC.

4.2.2 – Conflito de leis e tratados internacionais.

Um ponto interessante sobre eventuais problemas de aplicação da retaliação cruzada em TRIPS apontado por Lucas Spadano (2008, p. 535-536) diz respeito ao aparente conflito de normas e tratados internacionais que protegem a propriedade intelectual e que podem ser alegados nos tribunais nacionais e até mesmo no âmbito da OSC.

O autor cita um interessante possível conflito entre nas normas da OMC e outras normas internacionais conforme foi questionado no caso das Bananas do Equador onde houve uma discordância entre as partes da contenda se o Acordo TRIPS permitiria a suspensão de direitos de propriedade intelectual que estariam protegidas e administradas pela Organização Mundial de Propriedade Intelectual (WIPO em inglês). O artigo 2.2 do Acordo TRIPS determina que "nada nas Partes I a IV deste Acordo derrogará as obrigações existentes que os Membros possam ter entre si, em virtude da Convenção de Paris, da Convenção de Berna, da Convenção de Roma e do Tratado sobre a Propriedade Intelectual em Matéria de Circuitos Integrados." [24] Assim, em uma disputa entre dois membros que também são partes das convenções da Organização Mundial de Propriedade Intelectual, uma suspensão de patentes por exemplo poderia violar a Convenção de Paris (artigo 2 º), a de direitos autorais poderia violar a Convenção de Berna (artigos 9, 13, 14, 16) ou o Convenção de Roma (artigos 2, 10, 13, 14).

Apesar dos árbitros declararem a sua incompetência para manifestar sobre a matéria, enfatizaram que o aludido artigo 2.2 não menciona a Parte V do Acordo TRIPS, que se refere à resolução de litígios e a aplicabilidades das normas do OSC. O artigo 22.3 do ESC, por sua vez, menciona explicitamente o TRIPS como um acordo que pode sofrer pedido de suspensão de suas obrigações. Assim, nada no ESC ou no acordo TRIPS sugere que uma suspensão de direitos de propriedade intelectual seria proibida pelas normas da OMC.

Esta questão, portanto, poderia ser levado a um tribunal nacional argüindo um aparente conflito de normas entre as leis da OMC e da WIPO. Todavia, de acordo com o entendimento do professor Spadano, do qual este estudo comunga, esta questão pode ser facilmente resolvida através da aplicação do artigo 30 da Convenção de Viena sobre as leis dos Tratados que consagra os princípios da lex specialis derogat generali e lex posteriori derogat priori, daí justamente a aparência do conflito. A autorização da suspensão dos direitos de propriedade intelectual do artigo 22.3 do ESC é uma norma muito mais especifica do que os seus Tratados de proteção geral. Ainda, além de serem as normas da OMC bem mais especificas são mais recentes, não restando qualquer dúvida sobre a sua prevalência.

Outro potencial conflito pode aparentemente acontecer caso exista entre o país demandante e o pais demandado um Tratado Bilateral de Investimentos (BITs sigla em inglês) que expressamente garanta a propriedade intelectual, um potencial conflito de leis pode ser alegado. A solução para este conflito também se daria pela aplicação do artigo 30 da Convenção de Viena sobre as leis dos Tratados (lex specialis derogat generali), prevalecendo as normas da OMC.

4.2.3 – Conseqüências econômicas adversas da Retaliação Cruzada em TRIPS.

Os aspectos econômicos da Retaliação Cruzada em TRIPS são os principais problemas que serão vistos e sentidos pela população tanto do país retaliador como do retaliado. Tanto é assim que o art. 22.3(d) do ESC é claro quando solicita seja considerado o impacto sobre o comércio no setor atingido pela violação, e o impacto econômico mais amplo sobre a economia, bem como as conseqüências graves da medida de suspensão e outras obrigações. A leitura do dispositivo aponta para a consideração do grau de violação e suas conseqüências não somente relacionadas com o comércio afetado, mas os efeitos mais amplos sobre a economia do país (PINHEIRO, 2007, p. 176).

Apesar disto, os árbitros no caso do algodão não consideram como conseqüências suficientemente graves para autorizar a retaliação cruzada, o impacto inflacionário na economia brasileira, a possibilidade de interrupção do desenvolvimento econômico brasileiro e o bem-estar do seu mercado consumidor. Somente levou em consideração o impacto dos subsídios no mercado mundial de algodão e os prejuízos que lhe foram causados. Todas estas circunstâncias econômicas dizem respeito unicamente aos prejuízos causados quando a retaliação somente em bens não é praticável ou efetiva. Pouco se sabe, contudo, quais seriam as conseqüências da efetivação em si da retaliação cruzada.

Subramanian e Watal (2000, p. 414) destacam que a primeira conseqüência econômica adversa da retaliação cruzada sobre o TRIPS seria desencorajar investimentos estrangeiros na área de propriedade intelectual e em outros setores. Estes autores concluíram que a quantidade e disponibilidade dos investimentos estariam ligados diretamente a como e com que freqüência a retaliação cruzada é aplicada. Uma aplicação temporária e bem desenhada da retaliação em alguns setores pré-determinados podem minimizar este efeito contrário aos investimentos. Todavia, mesmo sendo a proteção à propriedade intelectual um dos motivos determinantes para investidores estrangeiros decidirem investir em uma economia de um país em desenvolvimento, esta não parece ser uma preocupação destes, o que causa certa estranheza para estes autores, tendo em vista a importância que tais investimentos exercem sobre a sua economia.

Outra questão que tem grandes conseqüências econômicas diz respeito ao contraste entre a natureza temporária da suspensão das obrigações em TRIPS e os investidores domésticos que irão aproveitar desta suspensão. Nos termos do art. 22.8 do ESC, "a suspensão de concessões ou outras obrigações deverá ser temporária e vigorar até que a medida considerada incompatível com um acordo abrangido tenha sido suprimida, ou até que o Membro que deva implementar as recomendações e decisões forneça uma solução para a anulação ou prejuízo dos benefícios, ou até que uma solução mutuamente satisfatória seja encontrada."

Diante da natureza temporária da suspensão e da iminência de a qualquer momento esta se acabar, como convencer um empresário brasileiro a investir o seu dinheiro, por exemplo, na produção de um remédio onde foi temporariamente autorizada a quebra de patente do seu dono americano, sem oferecer a ele nenhuma garantia? Se o mercado doméstico ficar desabastecido do remédio importado e não se conseguir comprar de nenhum outro país, será que alguma empresa brasileira se prontificaria a investir recursos com base em uma medida que pode acabar a qualquer momento sem nenhuma garantia do seu investimento? E ainda, como ficaria o consumidor brasileiro em volta de tantos interesses econômicos?

A fim de minimizar esta insegurança o art. 10 da MP 482/2010, destaca o caráter temporário da retaliação vinculada ao tempo da autorização da OMC, e no seu parágrafo único garante que o restabelecimento das concessões e obrigações outrora suspensas: "I – não importa a restauração de direitos que tenham sido afetados pela aplicação das medidas; e II – não prejudicará os interesses legítimos de terceiros decorrentes de contratos firmados ou de usos autorizados pelo Poder Executivo, durante a aplicação de medidas adotadas com fundamento nesta Medida Provisória."

Este parágrafo único tem endereço certo. Serve para resguardar os direitos dos investidores domésticos e estrangeiros interessados em aproveitar a suspensão temporária dos direitos de Propriedade Intelectual. Apesar da excelente intenção do Poder Executivo em garantir os direitos de terceiros, na prática a Medida Provisória, por obvio não determinou como se dará esta proteção. Fica nítido que este investidor caso o próprio mercado o engula com o fim das suspensões terá que buscar a sua reparação no Poder Judiciário, sem qualquer garantia da Administração. Será que seria isto um bom negócio diante da "eficiência" e "celeridade" do Judiciário brasileiro? É muito provável que não. Daí apesar do resguardo legal, que pode até mesmo não vir a sê-lo caso a Medida Provisória não seja convertida em lei nos mesmos termos que foi publicada primeiramente, o investidor ainda assim ficará sem qualquer garantia ou proteção efetiva. Isto diminui em muito a possibilidade de se encontrar fontes alternativas, principalmente domésticas, dos produtos que terão as patentes quebradas, o que anulará todos os possíveis benéficos que as suspensões de obrigações e concessores poderiam gerar para o país demandante.

Segundo Vranes (2003, p. 128), este seria sem dúvida o problema prático mais grave que envolve o tema da retaliação cruzada em TRIPS. Uma solução parcial seria concentrar as retaliações nas remessas de pagamento de Royalties, que não afetaria o mercado consumidor do país demandante, mas isto não resolve o problema posto aqui.

Portanto, no que diz respeito aos efeitos econômicos que envolvem a retaliação cruzada, se esta não for adotada com ótimos parâmetros técnicos pode-se se tornar um tiro no pé, uma vez que significará aumento de preços para os consumidores e a redução do bem estar geral dos consumidores dos países retaliadores, além de trazer sérios prejuízos para o setor importador e para as relações comerciais entre os países demandantes e demandados. Para Hudec (2000, p. 387) a retaliação cruzada somente deve ser adotada quando tiver o objetivo de ajudar a remover a violação (indução de cumprimento da decisão), ou pelo menos para obter equivalentes propostas comerciais em compensação. De outra forma a retaliação cruzada significará sempre prejuízo para o demandante. É o que pode ocorrer com o Brasil no caso do algodão.

4.2.4 – Dificuldade em determinar as nacionalidades dos atingidos pela retaliação.

Em certas categorias de propriedade intelectual não é tão fácil determinar a nacionalidade de seus proprietários, o que pode ocasionar um problema na efetivação da retaliação. Por exemplo, no caso de marcas e patentes de empresas holding que podem ter múltiplas identidades, e produtores e artistas da indústria fonográfica que podem também não ter a mesma nacionalidade. Isto pode ser um grave problema na identificação da propriedade intelectual sobre certos produtos e marcas. (SPADANO, p. 537).

Outro eventual problema nesta identificação existe em relação a produtos que possuem processos de produção patenteados, cujas etapas deste processo pertença a mais de um dono de países diferentes. Como retaliar um produto, hipoteticamente, inglês, cujo processo de produção possui patentes americanas, francesa e alemãs? Uma possível solução para estes problemas seria não escolher um tipo de propriedade intelectual onde possa gerar tal dúvida de nacionalidade, contudo isto não resolve a questão da aplicabilidade prática da retaliação nestes casos.

4.2.5 – Cálculo monetário da suspensão em TRIPS.

Calcular em termos monetários o valor da propriedade intelectual é uma tarefa árdua. Diferentes métodos de cálculo podem levar a diferentes resultados. Se a suspensão em TRIPS for calculada para o futuro, controvérsias entre os demandantes podem aparecer caso o valor da suspensão ultrapasse o prejuízo sofrido. A adoção de um método transparente poderia minimizar o problema, mas o cálculo do valor dos prejuízos sofridos nestes casos são muito complicados, pois envolvem estimativas de perdas reais e potenciais oportunidades de comércio, com vários contra-pontos, e ainda a dificuldade dos árbitros em encontrar o método mais adequado para o caso concreto. (SPADANO, p. 538)

Os possíveis métodos de cálculo podem variar dependendo da categoria de propriedade intelectual envolvida. No caso do Equador, para os direitos autorais sobre a produção sonora consideraram que cada álbum reproduzido deveria corresponder em "valor de suspensão" ao valor equivalente ao de um álbum novo a ser comercializado (segundo estimativa da Federação Internacional da Indústria Fonográfica). Quanto às indicações geográficas, o critério para determinar o valor da suspensão seria diretamente proporcional à quantidade de substituição dos produtos protegidos pelos não protegidos. (SPADANO, p. 538)

Todavia, por mais que seja esta matéria problemática, não deve ser ela por si só capaz de barrar a sua adoção pelos países demandantes. Dependendo do volume de dinheiro a ser retaliado e do interesse envolvido, tem-se a certeza de que os agentes técnicos dos Poderes Executivos encarregados de aplicar a retaliação serão criativos o suficientes para encontrar o método mais adequado e eficiente para conciliar todos os aspectos da demanda. Pode-se de dizer, portanto, que este é um problema complexo do ponto de vista técnico, mas de menor importância política.

4.3 – Considerações Finais.

Diante de todas as dificuldades apontadas acima, o Brasil terá bastante trabalho em elaborar um sistema de retaliações em propriedades intelectuais que ao mesmo tempo alcance o seu objetivo maior, que é induzir o implemento da decisão do caso do algodão, sem prejudicar os investidores e consumidores brasileiros.

A concessão de licenças ou o licenciamento público não comercial sem autorização do titular, apesar de ser uma boa medida de retaliação ainda esbarra no problema da imprevisibilidade do investidor diante da possibilidade de revogação da suspensão da concessão a qualquer momento tão-logo seja implementada a decisão da OMC ou as partes cheguem a um acordo. O art. 10 da MP 482/2010 apesar de consagrar os direitos de terceiros, não garante qualquer indenização ao investidor, que deverá recorrer ao moroso e incerto judiciário brasileiro.

Uma possível solução para se angariar investidores que já foi até mesmo sinalizada pelo governo brasileiro e divulgada pela imprensa, seria a escolha por conceder licenciamentos que estão com prazo de proteção a ponto de expirar. Até que sejam autorizadas as suas renovações seria possível conceder ao investidor um tempo razoável para recuperar o seu investimento, mesmo após a revogação da suspensão. É claro que esta garantia não seria eterna, mas escolher licenças com prazo de validade a expirar seria mais acertado do que o contrário.

Lucas Spadano, ainda, defende que na concessão de licenças em certas categorias de propriedades intelectuais, tais como direitos autorais e marcas registradas, esta incerteza pode ser menos importante, porque os investimentos iniciais são mais baixos que a concessão para produção de produtos patenteados, que demandam muito mais tempo entre o inicio e o fim do seu processo de produção. Direitos referentes a gravações e reproduções de som, por exemplo, são mais baratas e fáceis. Mesmo com relação a quebra de patentes, pode-se escolher produtos com tempo de produção menor em que há a possibilidade dos concorrentes voltarem rapidamente ao mercado. (2008, p. 540)

Contudo, a principio, as opções mais viáveis que não gerariam prejuízos reflexos, são as medidas dos incisos, V, VI, e VII do art. 6º da MP 482/2010: "V - majoração ou instituição de adicional sobre os valores devidos aos órgãos ou entidades da administração pública para efetivação de registros de direitos de propriedade intelectual, inclusive sua obtenção e manutenção;VI - bloqueio temporário de remessas de royalties ou remuneração relativa ao exercício de direitos de propriedade intelectual dos licenciados nacionais ou autorizados no território nacional; VII - aplicação de direitos de natureza comercial sobre a remuneração a que fizer jus o titular de direitos de propriedade intelectual;", destacando entre estas a suspensão das remessas de royalties. Estas medidas evitariam o problema da identificação da nacionalidade do detentor da propriedade intelectual, da incerteza dos investidores nacionais, além de facilitar o cálculo do valor da suspensão. Tratam na verdade, de medidas de natureza fiscal e cambial, que não demandam grande dificuldade técnica para sua aplicação.

Finalizadas as consultas públicas previstas pela Resolução nº 16, e o prazo previsto na Resolução nº 19 e na Resolução nº 20 [25], todas da CAMEX de 2010, o governo brasileiro provavelmente adotará uma destas três medidas, ou mais de uma. O que não se pode cogitar seria a não efetivação da retaliação cruzada em TRIPS por não se vislumbrar uma solução técnica adequada para tanto. Tal conduta poderá gerar ainda maiores prejuízos para Brasil. Confia-se que o Poder Executivo Brasileiro através de seus agentes, conseguirá de forma criativa e inovadora adequar o interesse público e os interesses privados para que autorização concedida ao Brasil, após tão custoso processo na OMC, seja aplicada em sua plenitude.


5. A Eficácia do Sistema de Solução de Controvérsias.

Depois da exposição das vantagens e problemas que envolvem o uso efetivo da retaliação cruzada, algumas perguntas vêm à tona: a sua efetivação por si só garantiria a eficácia do Sistema de Soluções de Controvérsias OMC? Sendo a retaliação cruzada o último recurso e atualmente o único mecanismo de indução potencialmente lesivo que dispõem os países em desenvolvimento contra os desenvolvidos, seria ela capaz de induzir de fato ao cumprimento das decisões da OMC? Será que o mero recurso à retaliação cruzada já não seria uma prova do fracasso do Sistema que se baseia predominantemente na mediação e no multilateralismo? Existem outros mecanismos que podem ser incluídos no Sistema que garantiriam a sua eficácia?

O Sistema de Solução de Controvérsias da OMC é festejado, e por muitos considerados, como o único Sistema de responsabilização internacional que de fato é eficaz. Os que acreditam nesta assertiva destacam que a maioria absoluta das contendas são resolvidas na fase das consultas, ou durante os procedimentos dos painéis, com base nas conciliações e nas mediações que são propostas repedidas vezes ao longo do procedimento. Ainda, acreditam que caso se chegue à fase de implementação, estas serão facilmente executáveis através das propostas de compensações e das autorizações de contramedidas, confiando na sobretaxa de produtos ou nas retaliações cruzadas.

Todavia, esta visão legalista e simplista do Sistema não é o que acontece na prática. O mundo do comércio internacional é cruel e na sua essência é regrado muito mais pelo poderio econômico dos seus agentes do que pelos dispositivos legais. Por isto um mecanismo de implementação forte é necessário para garantir a eficácia das regras do comércio internacional. Levando em consideração que as práticas ilegais dos subsídios iniciaram em 1999 e perduram até 2010, são onze anos que o Brasil e demais países interessados do mundo sofrem prejuízos com as práticas consideradas ilegais.

Gregory Shaffer citando Hudec (2007, p. 182-183) destaca que "os países maiores e mais poderosos – acostumados a viver sob normas projetadas a seu favor – tendem a buscar sempre um resultado menos equilibrado. Para eles, o pacote ideal de sanções seria aquele que funciona muito bem contra os outros, mas não tão bem contra eles. Esta tendência – também deve ser considerada para explicar o porquê das sanções da OMC funcionarem como funcionam atualmente".

Alberto do Amaral Júnior enfatiza que "os aperfeiçoamentos do ESC não solucionaram o problema da assimetria do poder na fase de execução das recomendações do Órgão de Soluções de Controvérsias. A Ausência de um mecanismo eficaz que assegure a execução das decisões e garanta o ressarcimento dos danos beneficia países desenvolvidos em prejuízo das nações em desenvolvimento". E aponta quatros razões para tanto:

1) Os remédios previstos, quando aplicados pelos países desenvolvidos ao comércio com as nações em desenvolvimento, tendem a ser mais eficazes e exercem maior pressão devido a importância do seu mercado consumidor;

2) As sanções impostas pelas nações em desenvolvimento lhes acarretam efeitos econômicos consideráveis, dada a sua maior dependência em relação ao países desenvolvidos;

3) Os países desenvolvidos se abstêm de executar as recomendações porque não há instrumentos que os forcem a proceder dessa maneira; e

4) As regras atuais incentivam a manutenção da medida incompatível por longo período até que se concluam todas as fases do contencioso, sem que o membro violador sofra alguma sanção. (2007, p. 115)

Sobre a prática comum dos países desenvolvidos em procrastinar os feitos, Shaffer (2007, P. 181-182) destaca que a principal razão para isto está no fato de que as sanções da OMC estão voltadas unicamente para perspectivas de futuro. "Isto é, as sanções parecem coibir aquelas perdas que se iniciam a partir da data da adoção das medidas, e não da data da violação. (...) Como resultado, os réus simplesmente fecham seus mercados sem incorrer em nenhuma sanção por anos a fio", e por fim conclui:

O incentivo à procrastinação na litigância possui efeitos que são particularmente observados no uso de salvaguardas ou medidas de proteção. Mesmo que um país venha a perder num caso de salvaguarda, ele pode vir a fechar seu país à importação, por quase três anos sem que haja nenhuma conseqüência. Para medir a eficiência de um sistema, deveria ser levado em conta o impacto que a lei exerce sobre o comportamento da parte e não quantas vitórias ela obteve nos Tribunais. Para sabermos se os casos foram bem sucedidos, devemos observar o comportamento do país no que tange ao uso das medidas de proteção de que ele dispõe.

A distorção existente no sistema pode ser observada na decisão WT/DS267/ARB/1 do caso base deste estudo, a começar pela enorme disparidade de valores das contramedidas que os árbitros entenderam como adequados e os solicitados pelo Brasil. Este, seguindo a Jurisprudência da OMC, baseou o seu pedido de acordo com os prejuízos globais gerados pelo programa GSM 102 dos EUA, e chegou ao valor de US$2.681 bilhões (vale destacar que em outros pedidos este valor chegou até US$ 4 bilhões). Contudo, a decisão não levou em consideração o prejuízo mundial, mas somente o prejuízo brasileiro e se chegou a um valor considerado adequado de US$ 294,7 milhões, ao contrário do que sempre foi decidido em outras contendas do OSC.

Ainda, causou estranheza o fato de não se adotar o argumento brasileiro, baseado no caso precedente das Bananas, de que a ausência de efetividade seria a falta de capacidade de induzir o cumprimento da decisão da OMC. Em vários momentos da decisão os Árbitros enfatizaram que a capacidade de induzir a implementação da decisão não é o ponto central da discussão sobre a efetividade, mas sim se a parte teria a capacidade e a possibilidade de implementar a retaliação, que no fim teria o poder de induzir a implementação. (itens 5.79 e 5.81 da decisão). Ora, esta argumentação é diretamente contrária a própria lógica da autorização para suspensão das concessões e obrigações do art. 22.3(c) do ESC, que foi criada justamente para induzir os países violadores resistentes a implementarem o relatório do OSC.

Por fim, vale destacar a grande dificuldade da decisão em se dar uma autorização direta para se retaliar entre acordos, sem rodeios e pormenores, em um caso como o do algodão que estava bem claro que a razão se encontrava do lado brasileiro. Rejeitaram-se a grande maioria dos argumentos do Brasil, e a todo momento da decisão os Árbitros fizeram questão de destacar que não ficou provada que a retaliação somente em bens não seria viável ou efetiva, mas que diante das circunstancias graves que envolviam o caso, e as dificuldades em se encontrar outros fornecedores para os produtos sobretaxados, estaria autorizada a suspensão das concessões, se e somente se, fossem ultrapassados um limite, ou "gatilho", por eles determinados.

É possível perceber em toda a decisão WT/DS267/ARB/1, mas principalmente nestas partes, que os Árbitros se acautelaram de todas as formas para conceder a retaliação cruzada, que diante da complexidade do caso é até natural. Mas não há como negar que a autorização da suspensão de concessões do art. 22.3 (c) do ESC para um país em desenvolvimento do tamanho do Brasil, ainda é bem dificultosa e não parece agradar os países desenvolvidos. Conceder uma retaliação de grande vulto e nos termos que foram requeridos pelo Brasil poderia dar ainda mais confiança aos países em desenvolvimento em buscar este tipo de retaliação, o que não seria de nenhum interesse para os membros mais ricos da OMC.

Na verdade, o uso efetivo da retaliação cruzada interessa muito mais aos países em desenvolvimento. Um país desenvolvido dificilmente conseguirá provar junto aos árbitros do OSC que a retaliação em um mesmo acordo não será praticável e efetiva a ponto de se autorizar uma retaliação cruzada. Mesmo o Brasil por ter uma economia considerada grande e diversificada teve dificuldades em conseguir a autorização para retaliar. Tanto foi assim que as decisões WT/DS267/ARB/1 e WT/DS267/ARB/2 estabeleceram um gatilho para este tipo de retaliação em um nível da qual a sobretaxa somente em bens não seria mais praticável e efetiva. Poder-se-ia concluir que atualmente somente países em desenvolvimento como Índia, Brasil, e África do Sul, possuem economias suficientemente "modestas" a ponto de conseguir a autorização para a retaliação cruzada e suficientemente "grandes" para se conseguir efetivá-las, o que não deixaria de ser uma bela de uma contradição. Todavia, esta é uma afirmação que não pode ser concluída, simplesmente porque não se tem exemplo práticos suficientes para comprová-la.

Daí porque o caso do algodão entre Brasil e EUA se torna emblemático. Nunca na história da OMC um país em desenvolvimento retaliou um país desenvolvido, e pela primeira vez isto tem chance de acontecer. Toda a confiabilidade no Sistema está posta em prova, tendo em vista que se chegou agora até o ultimo recurso disponível no Sistema de Solução de Controvérsias. Caso fique provado que nem mesmo o Brasil, com o seu poderio econômico privilegiado em relação aos países em desenvolvimento, conseguirá induzir o cumprimento da decisão da OMC, qual membro poderá confiar na eficácia do Sistema de Solução de Controvérsias? Seria assim o começo da ruína do Sistema atual e esperança na mudança para um Sistema mais efetivo? Ou ao contrário, caso se prove que a retaliação cruzada surtiu todos os efeitos benéficos previstos pelos seus criadores, seria este um sinal nítido que o Sistema é confiável e qualquer mudança seria um mero capricho?

A intenção concreta do Brasil em efetivar a retaliação externada através das Resoluções nº 74/2009 e nº 15 e nº 16 ambas de março de 2010, começam a surtir os primeiros resultados concretos. A Resolução nº 15, após listar 102 produtos americanos que seriam sobretaxados entre 12% e 100% com vigor a partir de 07 de abril de 2010, levou autoridades de peso do governo americano, um dia antes do final do prazo, a anunciarem uma proposta de acordo, solicitando um adiamento do inicio da efetivação das contramedidas, o que foi concedido pela CAMEX, através de sua Resolução de nº 19 de 05 de abril de 2010 e também da Resolução nº 20 de 20 de abril de 2010, que protelou o início das retaliações para o dia 21 de junho de 2010 [26].

Brasil e Estados Unidos assinaram em 20/04/2010 um "Memorando de Entendimento" no âmbito do contencioso do algodão. O memorando estabeleceu o marco jurídico entre os dois países que permitiu a criação de um fundo para a transferência de recursos que serão destinados ao setor cotonicultor brasileiro no valor de US$ 147,3 milhões, o qual operaria até que o governo americano suspenda os subsídios ou haja um acordo final sobre a disputa com o Brasil [27]. Os EUA também se comprometeram a uma negociação bilateral de novos termos para o funcionamento do programa de garantia de crédito à exportação GSM-102, que subsidia compradores estrangeiros do algodão estadunidense [28]. Por fim, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA sigla em inglês) abriram em 16 de abril de 2010 consulta pública para reconhecer o Estado de Santa Catarina como livre de várias doenças, tais como a febre aftosa, que afetam bovinos e suínos, na prática tirando da gaveta um processo que pode levar à abertura de exportações de carnes para o mercado americano [29]. Tudo isto está em negociação que tem até o dia 21 de junho de 2010 para encerrá-las, caso contrário as retaliações em bens e em TRIPS poderão retomar o seu curso normal, o que é um ponto favorável para o Brasil na negociação.

Pode-se, portanto, dizer que o oferecimento do acordo demonstra que a autorização para a retaliação cruzada atingiu o seu objetivo maior de indução ao implemento da decisão da OMC? Garantida estaria a eficácia do Sistema de Solução de Controvérsias? Esta pergunta pode ter duas respostas a depender do ângulo em que for olhada a questão. O que o governo brasileiro mais queria era de fato a solução do caso. Melhor ainda se ela viesse através de um acordo antes mesmo da necessidade de se concretizar as contramedidas que iriam causar graves prejuízos na economia brasileira. Nesta perspectiva, e caso as negociações em volta do acordo proposto evoluem a ponto de se dar a contenda por finalmente encerrada, pode-se dizer, a princípio, que a retaliação cruzada garantiu a efetividade do Sistema de Soluções de Controvérsias da OMC.

Por outro lado, o que de fato fez com os EUA oferecessem um acordo depois de tanto tempo não foi a utilização efetiva da retaliação cruzada, mas sim a sua ameaça potencial, e não os prejuízos que a retaliação causaram. Neste aspecto, pode-se dizer que o oferecimento do acordo, em nada prova que a retaliação cruzada garantiu a eficácia do Sistema porque ela não chegou a ser utilizada de fato, sendo na verdade o acordo uma saída somente diante da ameaça da efetivação da retaliação cruzada, não tendo o presente caso nenhuma contribuição para a Evolução do Sistema, ou mesmo a comprovação de sua efetividade.

Todos os membros da OMC estão atentos para o desenrolar do caso. Se ao final o acordo não se concretizar e as retaliações de fato forem aplicadas ficará demonstrado que a retaliação de fato induziu os EUA a cumprirem a decisão, e muito outros países em desenvolvimento que não apostam no Sistema ou simplesmente não têm capacidade econômica e técnica para tanto sentirão muito mais confiança e buscarão conhecimentos para fazê-lo. Caso esta perspectiva falhe, a confiança no Sistema vai ruir, estar-se-ia mais uma vez perto da lei da selva do mercado internacional. E neste contexto os países em desenvolvimento não irão mais aceitar as regras impostas pelos países desenvolvidos, em um movimento parecido com o que existe hoje no impasse criado na rodada de Doha. Seguindo este raciocínio, os países em desenvolvimento proporão uma mudança imediata do Sistema, e terão os países desenvolvidos um grande dificuldade em contrapô-las.

Ao que tudo indica até o momento, se o caso dos subsídios do algodão se resolver de fato através de um acordo, perde-se uma excelente oportunidade para a evolução do Sistema de Solução de Controvérsias no que diz respeito a sua tão dificultosa fase de implantação. Ainda, mais uma vez não se saberá ao certo quais serão os efeitos da efetivação das suspensões das concessões e obrigações entre acordos, não havendo como de fato responder se estas garantem da eficácia do Sistema de Solução de Controvérsias.

5.1 – Propostas de mudanças no Sistema de Solução de Controvérsias.

O Sistema de Solução de Controvérsias tal como vigora hoje não é perfeito como se imaginava. Por mais que se tenha evoluído com relação ao Sistema do GATT ainda apresenta problemas principalmente na sua fase de implementação. A simples possibilidade de protelação injustificada do cumprimento da decisão já é falha suficientemente grave para se buscar a sua modificação. Um mecanismo efetivo de indução ao cumprimento da decisão é necessário para que os países em desenvolvimento confiem no Sistema de Solução de Controvérsias da OMC e através dele possam se proteger contra abusos cometidos pelos membros mais poderosos da Organização.

É claro que em um mundo ideal, seja na ordem jurídica interna ou internacional, o recurso a medidas de força para se fazer cumprir uma decisão já é por si só um fracasso. Sempre que se buscam métodos de coerção para se fazer cumprir uma decisão as probabilidades de êxito tendem a diminuir. Todavia, é justamente por causa disto que se deve elaborar instrumentos de indução inteligentes e eficazes que não frustrem as expectativas de reparação dos prejudicados.

Ao longo dos 15 anos de existência da OMC várias sugestões de alteração do ESC foram propostas visando justamente assegurar o cumprimento das decisões do OSC, bem como diminuir as perdas sofridas pelos membros que foram atingidos por violações. Logicamente existem muito mais propostas dos países em desenvolvimento do que dos países desenvolvidos, uma vez que as regras atuais lhe favorecem, como ficou bem explicado no item acima.

A primeira mudança proposta pelo México, que causou e ainda causa muita polêmica sobre a sua efetividade e viabilidade prática, é a compensação financeira ao país demandante através da aplicação de uma multa imposta ao membro infrator sempre que este não cumprir o relatório do OSC. Tal proposta tem um aspecto positivo de possibilitar ao país com economia menos favorecida de efetivamente ser indenizado pelos prejuízos que lhe foram ilegalmente causados, e tais recursos poderiam ser direcionados para os setores domésticos diretamente prejudicados com a prática contrária aos acordos e normas da OMC.

Sobre o aspecto negativo da proposta, Garbelini Junior destaca que "entre os pontos criticados, está a dificuldade de recolher tal penalidade, já que o ordenamento jurídico interno de muitos membros impõe uma seria de restrições para tanto, como as de natureza orçamentária, ou da observância da ordem cronológica de pagamento (precatórios), como ocorre no Brasil" (2007, p. 214), sem mencionar a ausência de uma autoridade supranacional com poderes para impor o pagamento desta multa, a exemplo do que ocorre com as decisões da Corte Internacional de Justiça em muitos casos. Outra crítica, diz respeito, à possibilidade dos países ricos "comprarem" a manutenção da prática ilegal, contrariando os princípios do livre comércio, mas que, todavia, pode ser um bom negócio para as duas partes, principalmente quando o pequeno país demandante com economia infinitamente menor que o demando ver-se impossibilitado de aplicar na prática a autorização de suspensão de concessões e obrigações concedidas, tal como ocorreu nos muitas vezes citados casos das Bananas com o Equador, e dos Jogos de Azar com Antigua.

Proposta interessante diz respeito à supressão da autorização do OSC nos moldes do art. 22.3 (c) para se retaliar em outros acordos como. As partes não precisariam mais demonstrar a falta de viabilidade ou efetividade para fazer a retaliação cruzada em GATS ou TRIPS, o que seria especialmente favorável para países em desenvolvimento do porte de Brasil, China e Índia, que podem encontrar dificuldade em conseguir a autorização. Até mesmo para países pequenos como Equador não é fácil provar a ausência de praticidade ou efetividade na retaliação somente em bens. O ponto negativo seria que neste caso o Sistema mudaria muito pouco e o problema da falta deliberada do cumprimento das decisões da OMC pelos países desenvolvidos não se resolveria a princípio.

O Equador, por sua vez, propôs a negativa de acesso ao Órgão de Solução de Controvérsias sempre que o membro demandado não cumprir a decisão que lhe foi imposta, com o fim de preservar a credibilidade do Sistema, e desencorajar a não implementação dos relatórios dos painéis e do Órgão de Apelação. Apesar de na teoria tal proposta se apresentar até certo ponto lógica, uma vez que não se pode dar acesso às proteções do Sistema para aquele que deliberadamente não o respeita em sua integralidade, o principal perigo em negar acesso ao OSC a um membro da OMC é o risco deste membro simplesmente se retirar da Organização e ainda levar outros membros consigo. Portanto, esta proposta ao contrário de solucionar o problema traz o risco desagregar a Organização o que não é nem um pouco interessante para o crescimento do comércio mundial. (WOLFF, 2008, p. 806). O contraponto a esta critica, por sua vez, é que todas as propostas de mudanças trazem este risco da saída de um ou outros membros da OMC. Mas as bases e os objetivos que levaram a criação da OMC seriam muito maiores o que praticamente afasta este risco. Os países membros não irão dissolver a organização simplesmente porque não agradam de uma ou outra proposta de mudança no Sistema de Solução de Controvérsias, mas ao contrário irão buscar um consenso ainda maior no sentido de reforçar cada vez a união em torno de um livre comércio cada vez mais amplo e mais forte.

O México, além da proposta de multa, apresentou inúmeras outras através do documento TN/DS/W/23. Sugeriu i) a introdução de mecanismos que permitissem a apuração do nível de anulação ou prejuízo sofrido pelo demandante já na fase inicial do painel; ii) pleiteou também que fosse possível a determinação retroativa dos prejuízos sofridos pelo demandante, com forma de acabar com o incentivo aos membros de atrasarem o cumprimento das decisões da OMC; e iii) finalmente defendeu a possibilidade de autorização da negociação do direito de suspensão de concessões entre os Membros da OMC. Isso facultaria a um Membro impossibilitado de encontrar um setor (acordo) no qual pudesse suspender a concessão sem prejuízo à sua economia, negociar com outro membro tal direito, ficando esse último autorizado a utilizá-lo contra o membro infrator. (GARBELINI JUNIOR, 2007, p. 213)

A proposta de retaliação multilateral com possibilidade de negociação do direito de suspensão das concessões e obrigações é que encontra maior apoio dos países em desenvolvimento e pode ser a grande saída para o problema da indução ao cumprimento das decisões da OMC. Esta proposta também foi defendida recentemente pelo Grupo Africano, Quênia, Cuba e Honduras, entre outros, e busca introduzir a retaliação coletiva na OMC. Todavia, tal instrumento só poderia ser usado por países em desenvolvimento contra países desenvolvidos. Acredita-se que a retaliação coletiva compensaria a debilidade econômica e política de certos Estados e seria de grande utilidade para instaurar maior equilíbrio entre os contendores. Alvo de critica dos países desenvolvidos, que enfatizam o seu particularismo, a sugestão formulada precisaria superar as objeções segundo as quais a retaliação coletiva estende a terceiros o direito adquirido pelo litigante em uma dada disputa. (AMARAL JUNIOR, 2008, p. 114).

A quantidade e a variedade das propostas apresentadas pelos países em desenvolvimento denotam a falta de confiança destes na eficácia do Sistema de Solução de Controvérsias, e na capacidade da retaliação cruzada por si só de induzir o implemento das decisões da OMC. A falta de confiança é nítida, e por mais que se possa falar que seja o melhor instrumento disponível estes não o querem aceitar como único. A retaliação multilateral, por sua vez, pode gerar os efeitos benéficos pretendidos quando da elaboração do art. 22.3 do ESC já que divide a responsabilidade e a possibilidade prática de aplicação das suspensões de concessões e obrigações entre vários países de médias e pequenas economias que sozinhos nunca a fariam.

Até o momento não há qualquer prova real de que a retaliação cruzada por si só pode garantir a eficácia do Sistema de Solução de Controvérsias da OMC. No caso do algodão foi a simples ameaça de se efetivar a retaliação, diante do poderio econômico brasileiro, que levaram os EUA a oferecerem um acordo para o Brasil, mas se esta ameaça não for mais suficiente e o próprio acordo for retirado sem a supressão dos subsídios ilegais? Poderia a efetivação da retaliação cruzada gerar prejuízos suficientemente graves em outros setores capazes de fazer com os EUA reavaliem a continuidade dos programas de exportação subsidiada? Este é uma pergunta, que por absoluta falta de experiência prática sobre a matéria, não é possível responder. Contudo, é possível com toda a certeza afirmar que um Sistema de Solução de Controvérsias da grandeza e da importância da OMC não pode ter como último recurso de coerção um instrumento que por seu único mérito não garanta o cumprimento das suas decisões. O Sistema não pode depender de um critério totalmente subjetivo como a percepção casuística de um país, que decidirá somente diante do caso concreto e do porte econômico do outro país, se a ameaça da retaliação é suficientemente grande para se oferecer um acordo ou simplesmente cumprir uma decisão. Esta é a insegurança que traz o Sistema de Solução de Controvérsias e a retaliação cruzada, que é sentida por todos os países em desenvolvimento.


6 – Conclusão.

O caso dos subsídios do algodão entre Brasil e EUA é realmente emblemático. Não só pela complexidade jurídica e econômica que envolve a comprovação dos prejuízos causados pelos subsídios americanos ao algodão e a outros produtos agrícolas, e sua grave repercussão no mercado mundial, mas principalmente pela carga política que significa autorizar um país em desenvolvimento de grande peso como Brasil a suspender concessões e obrigações consagradas nos acordos TRIPS e GATS contra o membro da OMC mais poderoso do mundo. De fato este caso pode significar uma quebra de paradigma do Sistema de Solução de Controvérsias da OMC.

Esta potencialidade de quebra de paradigma foi sentida pelos Árbitros, que ao proferirem as decisões WT/DS267/ABR/1 e WT/DS267/ABR/2 se cercaram ao máximo de cautelas. A todo momento a decisão ressaltou que o Brasil não provou de forma contundente que a retaliação somente em bens não seria viável ou efetiva e que a falta de efetividade não teria correlação direta com a indução do implemento das decisões. A retaliação cruzada contra os EUA, por sua vez, somente foi autorizada diante das graves circunstancias que envolviam o caso concreto, e se fosse ultrapassado um limite por eles estabelecido a depender do crescimento das importações entre os dois países a cada ano fiscal concluído. As determinações das decisões foram tão cautelosas e modestas que o estabelecimento do "gatilho" para se poder começar a retaliar de forma cruzada entre acordos, bem como o baixo valor das contramedidas estabelecido como adequado (menos de 10% do pedido inicial brasileiro), levaram os advogados americanos a declarem vitória sobre o caso. Percebe-se, portanto, que a autorização para retaliação cruzada foi indireta, circunstanciada, e condicionada.

Não obstante, e mesmo sobre certas condições, depois de anos de prejuízos, negociações e disputas judiciais, foi-se autorizada a suspensão das concessões e obrigações entre os acordos como último recurso disponível para se fazer cumprir o relatório do Órgão de Apelação da OMC. O Brasil, pela primeira vez na historia, decidiu levar o caso dos subsídios do algodão até este último recurso, mesmo diante das grandes dificuldades técnicas de sua aplicação e dos incertos reflexos econômicos, políticos e comerciais que envolvem a efetivação da retaliação cruzada.

Sobre as dificuldades técnicas de aplicação, restou demonstrado que a criatividade dos agentes público na escolha dos instrumentos corretos, tal como os previstos nos incisos V, VI, VII da MP 482/2010, viabilizam a efetivação das contramedidas em TRIPS, destacando a suspensão da remessa de Royalties como a melhor solução até o momento. Todavia, nenhuma medida de caráter técnico que envolve a retaliação ficará livre de um reflexo econômico ou político, ou ambos. E é justamente por causa deste aspecto que se levanta a real eficácia do Sistema de Solução de Controvérsias da OMC que se baseia na aplicação de contramedidas, mais especificamente na retaliação cruzada. O problema da metodologia da aplicação não é o mais grave, de uma forma ou de outra se buscará o melhor caminho, o ponto central de fato é: o uso efetivo da retaliação cruzada alcançará seu objetivo principal que é induzir o cumprimento de uma decisão do OSC caso um país demandante decida internamente não o fazê-lo?

Tomando como exemplo o atual estágio do caso do algodão, em que os EUA, um dia antes do inicio da vigência da Resolução nº 15 da CAMEX, que sobretaxou de 12% a 100% 102 produtos americanos, ofereceram um acordo suficientemente benéfico, inclusive com a promessa da revisão do programa de exportação subsidiada, GSM 102, que levaram as autoridades brasileiras a diferirem o início da efetivação das contramedidas, poder-se-ia dizer que a retaliação cruzada de fato garantiu a eficácia do Sistema de Solução de Controvérsias da OMC.

Por outro lado, não foi a efetivação da retaliação cruzada que a garantiu, mas sim a sua simples ameaça, uma vez que não se pode garantir que esta causaria prejuízos suficientemente grandes em outros setores (dentre eles de propriedade intelectual) a ponto de pressionar o governo americano a revisar os programas de subsídios. A eventual comprovação de que a efetivação da retaliação cruzada não garantiria a eficácia do Sistema de Solução de Controvérsias implicaria na real possibilidade de sua revisão, o que não interessa diretamente os países desenvolvidos. Sobre este ponto de vista, e se o caso do algodão de fato findar através de um acordo, não se terá qualquer prova de que a eficácia do Sistema estaria resguardada pela sistemática do art. 22.3 do Entendimento de Solução de Controvérsias, continuando tudo como está.

Isto não quer dizer que a retaliação cruzada não tenha seus méritos, tanto que foi a ameaça de sua efetivação que arrancou no último segundo um acordo dos EUA no caso em comento. A retaliação cruzada, em propriedade intelectual principalmente, com todos os seus problemas técnicos e suas incertezas, ainda é a única "arma" de que dispõe os países em desenvolvimento contra os países desenvolvidos que se recusam a cumprir decisões da OMC que lhes são desfavoráveis. Trata-se de um mecanismo jurídico consagrado no direito comercial internacional, conhecido por todos e temidos por muitos, pelo menos na teoria. Lembrando as palavras de Hudec (2002, p. 90), destacadas por Lucas Spadano (2008, p. 542), "será necessária muito mais análises de experiências práticas para que fique claro se a retaliação cruzada é a chave para este problema longo e preocupante da insuficiência das contramedidas em favor dos países em desenvolvimento". É justamente por isto que a sua solicitação e efetivação devem ser mais exploradas e aprimoradas pelos países em desenvolvimento, até o momento em que todos os seus efeitos sejam muito bem conhecidos na prática.

Em contrapartida, deve-se ter a consciência de que os países em desenvolvimento que pretendem implementar uma retaliação cruzada tem grande chance de sofrer perdas no seu mercado interno e nas suas relações políticas e comerciais com os países membros da OMC, o que pode talvez até gerar maiores malefícios do que benefícios. Por isto não se deve contar com este único mecanismo como o maior garantidor da eficácia do Sistema, principalmente quando se tem fortes indícios, através de alguns poucos, mas contundentes exemplos práticos, de que a sua utilização não alcançará os efeitos desejados, diante de circunstâncias técnicas, econômicas e político-comerciais que irão envolver cada caso concreto. Daí a necessidade da mudança do Sistema não se fazendo mais possível confiar em apenas uma única forma de indução ao cumprimento das decisões da OMC, destacando-se entre as principais propostas de mudança a "retaliação coletiva" como a solução aparentemente mais viável.

O Sistema não é tão eficaz como se imaginava na rodada do Uruguai. Vários erros e varias propostas de mudanças foram apontadas nestes 15 anos. Todavia, nenhum desfecho de caso teve repercussões suficientemente grandes para compelir os membros da OMC a efetivamente mudarem o seu Sistema de Solução de Controvérsias, principalmente no que diz respeito a sua fase de implementação. O caso dos subsídios do algodão tem este potencial e esta sendo acompanhado muito de perto tanto por países em desenvolvimento como por países desenvolvidos. Caso fique demonstrado que nem o Brasil conseguiu se beneficiar efetivamente de um caso da OMC que chegou até a fase final da implementação, será que algum outro país em desenvolvimento conseguirá? Cairão por terra, então, o espírito de igualdade e multilateralidade que paira sobre o Sistema de Solução de Controvérsias da OMC e a sua tão festejada eficácia?

Portanto, restou demonstrado que a ameaça da efetivação da retaliação cruzada no caso do algodão garantiu, até pelo menos o dia 21 de junho de 2010, um acordo que tem a promessa de reparar o setor cotonicultor brasileiro e cassar os subsídios ilegais americanos. Todavia, não foi a retaliação cruzada por si só que garantiu a eficácia do Sistema, mas sim a simples ameaça de sua efetivação. É inegável que a aplicação prática da retaliação cruzada se mostra tecnicamente dificultosa, e complexa no que diz respeito aos seus reflexos políticos e econômicos. Justamente por isto a efetividade da fase de implementação do Entendimento de Solução de Controvérsias não pode se pautar de um único mecanismo difícil de ser aplicado e que depende de fatores casuísticos como o "sentimento de ameaça" diretamente dependente dos portes econômicos dos países membros envolvidos em uma contenda. A Organização Mundial do Comércio e os seus países membros merece contar com um Sistema de Solução de Controvérsias que ofereça não só um único mecanismo de indução, para que se torne mais seguro e confiável, e que seja compatível com a importância do livre comércio que tanto almeja ampliar e proteger.


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Notas

  1. As siglas significam: WT – World Trade, DS – Dispute Settlement, 267 o número da demanda junto ao OSC, e ABR – Decisão proveniente dos Árbitros especialmente designados para analisar o pedido de retaliação (art. 22.6 do Entendimento de Solução de Controvérsias, ESC)
  2. A OMC autorizou um país membro a fazer a retaliação cruzada entre acordos somente em dois outros casos: o caso do Equador x Comunidade Européia (WT/DS27/52), e o segundo caso entre Antigua x EUA (WT/DS285/22). Todavia, em nenhum destes dois casos a retaliação cruzada autorizada foi efetividade, entre outras razões, mas principalmente, em virtude das diferenças das economias dos países envolvidos. Em ambos os casos se buscaram soluções diplomáticas para as demandas.
  3. Entendimento de Solução de Controvérsias (anexo II do tratado constitutivo da OMC)
  4. O total de páginas das decisões que envolvem o caso do algodão é de no mínimo 3.000 páginas. Somente as duas decisões que concederem autorização para a retaliação cruzada, possuem cada uma 150 páginas em sua versão em inglês. Daí que o resumo apresentado neste trabalho é uma mescla de informações disponibilizadas no site do Ministério das Relações Exteriores e na redação da Resolução nº 74 da CAMEX.
  5. Dados disponíveis e retirados no site do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, Coordenação-Geral de Contenciosos, CGC. http://www.mre.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=437&Itemid=351

  6. Garantias de Crédito à Exportação: facilitam a obtenção de crédito por importadores não americanos, aumentando a competitividade do produto norte-americano, em detrimento dos demais competidores naquele mercado importador.
  7. "Marketing Loan Program": garante aos produtores renda de 52 centavos de dólar por libra-peso da produção de algodão. Se os preços ficarem abaixo desse nível, o Governo norte-americano completa a diferença. É o mais importante subsídio doméstico concedido pelo Governo norte-americano ao algodão.
  8. "Counter-Cyclical Payments" (Lei agrícola de 2002): realizado tendo como parâmetro o preço de 72,4 centavos de dólar por libra-peso. Tais recursos custeiam a diferença entre os 72,4 centavos de dólar por libra-peso ("target price") e o preço praticado no mercado ou o valor de 52 centavos de dólar por libra-peso ("loan rate"), o que for mais alto.
  9. "Step 2": pagamentos feitos a exportadores e a consumidores (indústria têxtil) norte-americanos de algodão para cobrir a diferença entre os preços do algodão norte-americano, mais altos, e os preços do produto no mercado mundial, aumentando dessa forma a competitividade do algodão norte-americano.
  10. 6.5 Accordingly, the Arbitrator determines that:
  11. a)Brazil may request authorization from the DSB to suspend concessions or other obligations under the Agreements on trade in goods in Annex 1A, at a level not to exceed the value of US$147.4 million for FY 2006, or, for subsequent years, an annual amount to be determined by applying the methodology described in Annex 4.

    b)In the event that the total level of countermeasures that Brazil would be entitled to in a given year should increase to a level that would exceed the threshold described in paragraph 5.201, updated to account for the change in Brazil''s total imports from the United States, then, Brazil would also be entitled to seek to suspend certain obligations under the TRIPS Agreement and/or the GATS, as identified in footnote 468, with respect to any amount of permissible countermeasures applied in excess of that figure.

  12. 4.278 - The Arbitrator determines that the amount of US$1.122 billion proposed by Brazil will not result in appropriate countermeasures. The Arbitrator has consequently made modifications to the calculation of the interest rate subsidy and additionality in order to more accurately calculate the trade-distorting impact of the GSM 102 programme on Brazil. Based on these modifications and in the light of other determinations above, we find that the amount of countermeasures which can be authorized as being appropriate, based on the amount of GSM 102 transactions in FY 2006, is US$147.4 million.
  13. The Arbitrator has taken note of Brazil''s request for an amount of countermeasures authorization that would be variable on an annual basis, depending on "the total of exporter applications received under GSM 102 ... for the most recent concluded fiscal year". The Arbitrator has also noted that the United States does not dispute that it would be permissible for the level of appropriate countermeasures to be determined through a formula, provided that this formula was sufficiently well defined so as to make it applicable in a transparent and predictable manner. We have therefore decided to authorize an amount of countermeasures that would be variable on an annual basis and that would depend on, among other things, the total amount of GSM 102 transactions in the most recent concluded fiscal year. The terms of this variable amount of countermeasures are contained in Annex 4.
  14. Ver anexo I do trabalho.
  15. http://www2.desenvolvimento.gov.br/sitio/camex/camex/competencia.php
  16. Os Árbitros deixaram claro na parte final do item 5.181 que este parâmetro de 20% foi a escolha deles no caso concreto destes autos, e que este não deve ser levado em consideração em outros casos, nem ao menos como parâmetro.
  17. 5.200 In light of all the above, we conclude that, on the basis of the elements presented to us and at current levels, Brazil could not plausibly have reached the conclusion that it is not practicable or effective to suspend concessions or other obligations in trade in goods alone, even if it had considered the "necessary facts", i.e. taking into account a level of permissible countermeasures not exceeding US$294.7 million.
  18. We recall, however, that the level of countermeasures that we have determined to be permissible in these proceedings is variable. We have based our determinations above on the level of countermeasures as calculated on the basis of FY 2006 and on the basis of Brazil''s imports of consumer goods in the year 2007. Given the volume and composition of Brazil''s imports of consumer goods in the year 2007, we determined that there was at least US$409.7 million worth of Brazil''s imports of consumer goods from the United States that could be the subject of countermeasures ("threshold"). However, in the event that the level of countermeasures that Brazil would be entitled to in a given year should increase to a level that would exceed this threshold, updated for the same year in a manner described in Section Erro! A origem da referência não foi encontrada. to account for the change in Brazil''s total imports from the United States, then, we find that it would be concluded, on the basis of the elements presented to us, that the suspension of concessions or obligations applied to trade in goods alone would not be "practicable or effective" within the meaning of Article 22.3(c) of the DSU
  19. 5.231 As stated in the previous paragraph, in order to determine whether suspension of certain obligations under the TRIPS Agreement or the GATS is permissible in a given year, the threshold should be updated to account for the change in Brazil''s total imports from the United States. For year 2008, for example, the updated amount of the threshold would be equal to US$409.7 million multiplied by (1 + g2008), where g2008 is the percentage change in the value of Brazil''s total imports from the United States between the years 2007 and 2008, or in the absence of the trade data for years 2007 and 2008, the percentage change in the value of Brazil''s total imports from the United States based on the last available annual trade statistics.469 In general, the following difference equation and initial condition shall determine the updated amount of the threshold: T2007 = US$ 409.7 milhões. Tt+1=threshold value in year t+1; Tt =threshold value in year t; gt+1 = percentage change in the value of Brazil''s total imports from the United States between the years t and t+1, or in the absence of the trade data for years t and t + 1, the percentage change in the value of Brazil''s total imports from the United States based on the last available annual trade statistics.
  20. 5.232 The "same" year shall mean that the amount of countermeasures, calculated based on GSM 102 transactions in, for example, fiscal year 2008 (1 October 2007 to 30 September 2008) and the fixed amount from the Decision by the Arbitrator contained in WT/DS267/ARB/2, shall be compared to the value of the threshold in year 2008 (1 January 2008 to 31 December 2008).
  21. O governo brasileiro instituiu Grupo Técnico (GT) através da Resolução nº 63 de 28 de setembro de 2009, com o objetivo identificar, avaliar e formular propostas de implementação das contramedidas autorizadas. http://www.mdic.gov.br/arquivos/dwnl_1256834381.pdf
  22. http://www2.desenvolvimento.gov.br/sitio/camex/camex/competencia.php.
  23. O inteiro teor da lista e a Resolução nº 15 da CAMEX se encontra em http://www.mdic.gov.br/sitio/interna/interna.php?area=1&menu=2462&refr=434
  24. O inteiro teor das minutas de medidas propostas no Anexo III da Resolução nº 16 de 15/03/2010 se encontra em http://www.mdic.gov.br/sitio/interna/interna.php?area=1&menu=2462&refr=434
  25. http://www.pinheironeto.com.br/upload/tb_pinheironeto_artigo/pdf/030310101105anexo_bi2095.pdf
  26. www.inpi.gov.br/menu-esquerdo/indicacao/pasta_acordos/TRIPS.doc
  27. Para entender as Resoluções nº 19 e 20 da CAMEX, ver item 5.
  28. http://www.mdic.gov.br/arquivos/dwnl_1270562875.pdf
  29. http://www.mdic.gov.br/sitio/interna/noticia.php?area=1&noticia=9753
  30. http://ictsd.org/i/news/pontesquinzenal/74171/
  31. https://conteudoclippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2010/4/16/para-evitar-retaliacao-eua-podem-abrir-mercado-para-carnes-de-santa-catarina

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TORRES, Edgard Marcelo Rocha. O caso dos subsídios do algodão entre Brasil e EUA. O uso efetivo da retaliação cruzada como prova final da eficácia do sistema de solução de controvérsias da OMC: redenção ou ruína?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2521, 27 maio 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14927. Acesso em: 25 abr. 2024.