Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/14975
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Direitos humanos e fundamentais.

Os princípios da progressividade, da irreversibilidade e da não regressividade social em um contexto de crise

Direitos humanos e fundamentais. Os princípios da progressividade, da irreversibilidade e da não regressividade social em um contexto de crise

|||

Publicado em . Elaborado em .

1.Direitos Humanos – cultura e ideologia

Discute-se na doutrina se os chamados direitos humanos ou direitos do homem são efetivamente direitos ou meros critérios morais indispensáveis à convivência humana. Para algumas vozes, a natureza de direito é afastada quando não há a integração no direito positivo. Ao contrário, quando positivados, passariam a ser denominados direitos fundamentais.

Apenas nos ocuparemos desta distinção no item seguinte. Interessa-nos, no momento, refletir se as diferentes culturas e ideologias dos povos podem ser equalizadas de modo a defender uma possível universalidade dos direitos humanos, através de uma postura crítica que persiga novos paradigmas.

Historicamente, trata a doutrina pátria e estrangeira das três dimensões dos direitos humanos em que a primeira é a dos Direitos Civis individuais [01] e encerram direitos de abstenção do Estado perante o indivíduo (direitos negativos); a segunda é dos Direitos Políticos [02] e tratam de direitos de prestação do Estado ao indivíduo (direitos positivos); e, por fim, a terceira dimensão que é a de Direitos Sociais [03] em que o indivíduo tem participação ativa na esfera pública de decisões do Estado.

A partir da Declaração dos Direitos do Homem de 1948, começa a estruturar-se uma quarta dimensão dos direitos humanos que é a dos Direitos de Solidariedade em que os indivíduos, tanto nas esferas privadas como públicas, atuam em regime de cooperação. É a primeira vez que se consolida a universalidade dos direitos humanos. [04]

Inicialmente, o debate acerca da universalidade deu-se no eixo ideológico comunismo-capitalismo e na diversidade religiosa e cultural entre os países participantes. Atualmente, há discussões múltiplas, cabendo especial destaque àquelas realizadas entre países desenvolvidos, em desenvolvimento e subdesenvolvidos.

Como adverte Herrera Flores [05], cabe rever o panorama que norteou a declaração dos Direitos Humanos de 1948, e as suas mudanças, que, decerto, culminaram na atual dialética e postura crítica ante a dita universalização dos direitos chamados "de essência".

Em 1948, os objetivos para a declaração dos direitos "do homem" eram dois: (i)a descolonização dos países e regiões submetidos ao poder e ao saqueio imperialista das grandes metrópoles; e (ii) a consolidação de um regime internacional ajustado à nova configuração de poder surgida depois da terrível experiência das duas guerras mundiais, a qual culminou na Guerra Fria entre dois sistemas contrapostos. Neste contexto, a declaração apresentava uma visão "ideal" e "metafísica" da pessoa humana, com definição universal, ante as múltiplas resistências da época. [06]

Em verdade, o conceito de direitos humanos que se impôs neste momento baseou-se em dois fundamentos: a universalidade absoluta dos direitos humanos e o fato de fazerem parte inata do ser humano. Apresentavam-se como essências imutáveis e não como produtos de hábitos e culturas surgidas de contextos históricos específicos. [07]

Destarte, ninguém poderia contrariar tais conceitos, sob pena de contrariar as características da natureza e os mistérios de um conceito de dignidade da pessoa humana vago e genérico. [08]

Este conceito surgiu como uma forma de proteção do ser humano contra a as atrocidades históricas praticadas (escravidão, os campos de concentração, os genocídios).

O fundamento de validade dos direitos humanos, aqui, é o próprio homem em sua dignidade substancial de pessoa, diante da qual as especificações individuais e grupais são sempre secundárias. [09]

A abstração e a "universalização absoluta" dos direitos essenciais, em busca da "proteção do ser humano" e sua individualização contra o próprio homem opressor, na época, foram defendidas e textualizadas em vários documentos normativos. Pode-se citar, como exemplos, a afirmação primeira da Declaração Universal dos Direitos do Homem, através da afirmação de que "todos os seres humanos nascem livres e iguais, em dignidade e direitos" (art. 1º). A Constituição da República Italiana, de 27 de dezembro de 1947, declara que "todos os cidadãos têm a mesma dignidade social" (art. 3º). A Constituição da República Federal Alemã, de 1949, proclama solenemente em seu art. 1º que "a dignidade do homem é inviolável. Respeitá-la e protegê-la é dever de todos os Poderes do Estado". Analogamente, a Constituição Portuguesa de 1976 se inaugura com a proclamação de que "Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária". Para a Constituição Espanhola de 1978, "a dignidade da pessoa, os direitos invioláveis que lhe são inerentes, o livre desenvolvimento da personalidade, o respeito à lei e aos direitos alheios são o fundamento da ordem política e da paz social" (art. 10). A Constituição Brasileira de 1988, por sua vez, põe como um dos fundamentos da República "a dignidade da pessoa humana" (art. 1º - III).

A necessidade premente de se "proteger de si mesmo" acabou por exteriorizar o movimento humano de criação e manutenção de suas garantias como ser integrante da sociedade e, porque não dizer, da história da humanidade, através da delegação de valores intrínsecos a uma ordem abstrata, universal, e que, na época, se consubstanciava no Estado do Bem Estar Social, responsável pela garantia os ditos valores. O pensamento, aqui, se revela símile ao que já havia teorizado Kant, em seu imperativo categórico, isto é, uma "lei prática incondicional" ou absoluta, que serve de fundamento último para todas as ações humanas [10].

Contudo, se inicialmente o conceito ideal e abstrato dos direitos humanos representava uma medida de emergência satisfatória a defender, de forma imediata, a humanidade dos horrores provocados pelo próprio homem no contexto pós-guerra, verificou-se, com o passar do tempo, que os benefícios eram menores do que os malefícios de uma postura que acabava por se mostrar passiva diante da evolução da sociedade. A primeira consequência é o surgimento de uma postura negativa, segundo Flores [11], pois se todos os homens possuem todos os direitos e liberdades pelo mero fato de ter nascido e existir, todos são responsáveis por não assegurar a eficácia daquilo que já tem.

Se o homem é o próprio fundamento de validade dos direitos humanos e, por excelência, é sujeito ativo das relações que se constroem na história da sociedade, esta mesma história acabou por mostrar a impossibilidade de manutenção da visão globalizada e genérica dos direitos humanos. [12]

Trilhando senda paralela, Boaventura de Sousa Santos, em trabalhos publicados sobre o tema, afirma categoricamente que não se pode dizer que os direitos humanos, em um contexto de sobreposição cultural pelo imperialismo da globalização hegemônica, possa ser considerado universal.

Sustenta que, na verdade, os valores ocidentais são impostos como se fossem universais. Destaca o autor:

"Enquanto forem concebidos como direitos humanos universais, os direitos humanos tenderão a operar como localismo globalizado e, portanto, como uma forma de globalização hegemônica. Para poderem operar como forma de cosmopolitismo, como globalização contra-hegemônica, os direitos humanos têm de ser reconceitualizados como multiculturais" [13]

Defende, assim, a construção de um novo paradigma através do diálogo cultural e de uma hermenêutica diatópica [14] que possibilitará a comunicação intercultural e a transformação dos topoi [15] das diversas culturas, de forma a tornarem-nas uma política cosmopolita, mutuamente inteligíveis e traduzíveis.

Conclui o texto, reconhecendo a dificuldade de implementação de sua teoria, mas se mantendo firme em seus ideais:

"Este projecto pode parecer demasiado utópico. Mas, como disse Sartre, antes de ser concretizada, uma ideia tem uma estranha semelhança com a utopia. Seja como for, o importante é não reduzir o realismo ao que existe, pois, de outro modo, podemos ficar obrigados a justificar o que existe, por mais injusto ou opressivo que seja." [16]

Flores [17], retomando o discurso crítico sobre os direitos humanos, adverte que: "A impossibilidade de imposição de valores fixos e universais in abstractu, ante a velocidade da mutação e fragmentação das relações, remete à urgência de uma nova estruturação da ordem mundial, a qual não visa a transformação das relações sociais e econômicas na sua totalidade, mas tem a finalidade concreta de evitar o abismo econômico entre os mais e menos afortunados no marco do Estado interventor".

"Sinaliza-se o início de consciência direcionada à resistência ativa a postura passiva do ser humano como ser que já traz, em si mesmo ou delega integralmente a ente, todos os valores necessários à expressão dos direitos humanos. A mudança de paradigmas consiste em práticas sociais "nômades", ou mobilidade intelectual para adequar práticas políticas, deveres do ser humano em relação à sociedade e sua efetivação, movimentos sociais, sejam positivados através de norma legal, ou em grau relevante de atuação fática." [18]

Em outras palavras, devem ser criadas "possibilidades", através do desenvolvimento das capacidades e da criação de condições que permitam a apropriação e o desdobramento de tais capacidades por parte de indivíduos, grupos e culturas [19]. Afinal, na espécie humana, não há técnicas imutáveis nem limitadas ou estanques: a evolução é constantemente dirigida pela aptidão inventiva do ser humano. Os fins são postos livremente e os meios mais aptos a alcança-los são criados.

Continua o Prof. Flores: "A mudança, aqui, é de postura, não de essência, ethos. Desde a sua origem, não há como se separar os direitos humanos, seu conceito , como aplicação da natureza do homem, ser racional, inventivo, espiritual, pensante, evolutivo, e, sobretudo, desigual. Talvez por isso a ciência jurídica, aqui, trace um paralelo com a filosofia, a antropologia e a sociologia, por ciências ligadas intimamente a esta noção de pensamento, movimento, sentimento. E o direito nada mais é do que a positivação e a construção teórica destas características, como meio de adequar o homem, com todas as suas peculiaridades, à realidade social a que está inserido, de modo a tentar, incessantemente, alcançar a almejada "paz social"." [20]

Por fim, o jurisfilósofo de Sevilla destaca:

" Trabajar com y para los derechos humanos supone, pues, ir contra la banalización de las desigualdades e injusticias globales que um pensamento acrítico defiende. Luchar contra esa banalización es el principal desafio com el que nos encontramos los que nos comprometemos teórica y prácticamente com los derechos humanos. Ahí reside la función social del conocimiento, sobre todo, de um conocimiento que no olvida ni invibiliza las condiciones en las que se situa y a las que pretende transformar". [21]

Fica esse breve registro de um tema que merece, evidentemente, um enfrentamento aprofundado. Com o mesmo espírito, abordaremos a seguir a relação entre direitos humanos e direitos fundamentais.


2.Direitos fundamentais e direitos humanos

"Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade" (art. I da Declaração Universal dos Direitos Humanos).

A análise do artigo inaugural da Declaração Universal de 1948 induz uma visão jusnaturalista do direito, pois o texto em questão não pretende criar direitos ao ser humano, mas antes reconhecê-los como inatos. Essa conhecida constatação impõe que se debruce sobre os conceitos de direitos humanos e direitos fundamentais para o presente estudo, por não haver necessária coincidência entre tais institutos, como abaixo apresentado.

Em primeiro lugar, há quem efetue a distinção entre direitos humanos e direitos fundamentais em função da localização da previsão do direito.

Direitos fundamentais seriam aqueles previstos na Constituição de um país, ou seja, positivado em seu ordenamento jurídico interno na Carta Fundamental. Os direitos humanos, por outro lado, seriam aqueles previstos em tratados ou atos internacionais, de forma universal.

Tal distinção não abarca a problemática da matéria de forma completa, pois referida concepção é demasiado formalista e não atende a uma perspectiva mais consistente sobre o assunto, mormente diante da possibilidade de reconhecimento interno de direitos fundamentais em outras normas, ainda que infraconstitucionais.

De fato, também serão direitos fundamentais os que mesmo não previstos na Constituição estão ligados aos princípios dela, os chamados princípios materialmente fundamentais. A Constituição do Brasil, por exemplo, adotou tal possibilidade em seus arts. 5º, §§ 2º e 3º:

"Os direitos e garantias expressas nessa Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte".

"Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais"

Referidos textos normativos revelam que os direitos que estão na Constituição são direitos fundamentais, mas também podem ser considerados como tais os que estiverem em tratados internacionais ou em leis, desde que intimamente ligados aos princípios e ao regime instituído em nossa Constituição, configurando-se direitos que são materialmente fundamentais.

Como exemplo de direito materialmente fundamental pode-se citar, no caso brasileiro, a proibição, prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu art. 67, de trabalho penoso para menores de dezoito anos, previsão esta não existente expressamente na Carta Magna como se observa do art. 7º, XXXIII, verbis:

"proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos"

Ora, a prevalecer o rigor da tese de que apenas quando previsto na Constituição um direito pode ser considerado fundamental, ter-se-ia que autorizar o labor em condições penosas ao menor, o que obviamente levaria a um absurdo, já que a previsão legal infraconstitucional encontra-se intimamente ligada aos princípios constitucionais, mormente no que diz respeito, neste caso, à proteção especial destinada ao trabalho dos menores.

Surge, portanto, a necessidade de se investigar a distinção dos conceitos de direitos humanos e direitos fundamentais por um segundo prisma.

Para parte da doutrina, direitos humanos seriam aqueles direitos de origem jus naturalista inerentes à condição humana, como por exemplo os seguintes direitos: liberdade, locomoção e vida

Já os direitos fundamentais, para esta perspectiva, seriam direitos situados historicamente em função do momento evolutivo em que a sociedade se encontra, como por exemplo o direitos do consumidor, pois em eras passadas inexistia a sociedade de consumo, o sigilo da comunicação de dados, a proteção do patrimônio genético do indivíduo etc.

Embora mais completa a distinção ora apresentada, há que se reconhecer que esse conceito impõe a adoção, pelo intérprete, da teoria do jus naturalismo, o que reduz a possibilidade de fixação de um conceito universal sobre a matéria em análise.

Dessa forma, desenvolveu-se uma terceira concepção para distinção dos direitos humanos para os direitos fundamentais, onde estes constituiriam um gênero do qual aqueles seriam uma das espécies.

Direitos humanos seriam, portanto, espécies de direitos fundamentais, mais especificamente aqueles direitos fundamentais que por sua natureza só podem ser titularizados por seres humanos.

A análise do rol de direitos fundamentais revela, basicamente, que há direitos fundamentais que são reconhecidos para seres humanos e que também valem para pessoas jurídicas, como por exemplo o direito de propriedade, o direito ao sigilo de correspondência, o direitos ao mandado de segurança, o direito a informação.

Assim, quando o direito fundamental é de natureza tal que só pode ser titularizado por ser humano, surge sua conceituação como típico direito humano. Pode-se citar, como exemplos, o direito à vida, intimidade e liberdade de consciência, pois só se pode falar de tais direitos quando voltados para o ser humano.

Apresentadas as três teorias para distinção dos conceitos de direitos humanos e direitos fundamentais, há que se registrar, ainda, que a expressão direitos fundamentais possui contorno bastante amplo, sendo possível divisar dentro desse conceito variados direitos, tais como: individuais, sociais, políticos, da nacionalidade, difusos e coletivos.

Os direitos individuais são aqueles que permitem ao titular adotar uma conduta, cabendo aos outros, inclusive ao Estado, respeitar referidos direitos, surgindo a ideia de que os direitos individuais seriam direitos de prestações negativas. Referidos direitos tutelam a individualidade da pessoa, são direitos que possibilitam diferenças entre as pessoas, valor este protegido pela Constituição da República brasileira.

Os direitos sociais, por sua vez, permitem ao indivíduo exigir que alguém faça alguma coisa, reconhecendo-se que são direitos a prestações positivas. O devedor por excelência de direitos sociais é o Estado, mas não o único, pois o próprio art. 7º da Constituição brasileira, por exemplo, reconhece direitos sociais do trabalhador que são exigíveis do empregador, o que sempre possui o objetivo de se garantir o mínimo existencial, ou seja, as condições de vida que não se pode negar a nenhuma pessoa.

Por outro lado, os direitos políticos, como o direito de votar, possibilitam a participação na vida política do País, tratando-se de verdadeira subespécie dos direitos individuais na perspectiva da individualidade política do cidadão sendo afirmada.

Quanto aos direitos da nacionalidade, reconhece-se que a nacionalidade é uma relação jurídica que vincula a pessoa a certo Estado, daí surgindo deveres a cumprir pelo cidadão, mas reversamente aquele Estado fica obrigado a conferir a essa pessoa proteção na ordem internacional, donde se conclui que todo indivíduo tem direito a pelo menos uma nacionalidade.

Finalmente, os difusos e coletivos, também conceituados como transindividuais, são aqueles cuja titularidade vai para além de uma só pessoa, tendo sido reconhecidos a partir do momento em que se constatou que a vida moderna impõe a existência de interesses dessa matiz, como a preservação do meio ambiente e do patrimônio histórico e cultural.

Em resumo, pode-se concluir, no que concerne aos direitos fundamentais e humanos, que a melhor conceituação reconhece que os direitos fundamentais constituem um gênero, com uma gama de aspectos em sua formulação, como os direitos individuais, os direitos sociais, os direitos políticos, os direitos da nacionalidade e os difusos e coletivos, sendo certo que os direitos humanos seriam espécie de grande gênero, referindo-se aos direitos fundamentais que especificamente somente podem ser titularizados por seres humanos.


3.O direito do trabalho como expressão dos direitos humanos – o princípio da progressividade, a irreversibilidade social ou não regressividade social

das normas sobre direitos humanos. A progressividade, em um primeiro momento, referia-se à gradação por vários instrumentos internacionais e por textos constitucionais à aplicação dos direitos humanos, conforme estabelecia o art. 427 do Tratado de Versalhes. Em um segundo momento, apresenta-se como uma característica dos direitos humanos fundamentais, incluídos os trabalhistas, que, segundo a ordem pública internacional, possuem uma vocação de desenvolvimento progressivo no sentido de uma maior extensão e proteção dos direitos sociais.

Complementando e aprofundando esse princípio, encontramos a irreversibilidade ou o dever de não regressividade: a impossibilidade de redução da proteção já existente, concedida aos direitos humanos no PIDCP e no PIDESC (art. 4º de ambos) [30]. Esses estatutos vinculam os estados que o ratificaram aos direitos humanos, excluindo regras que privem os trabalhadores da fruição dos direitos e garantias fundamentais já previamente reconhecidos. [31]

BARBAGELATA conclui que esses princípios são "uma consequência do critério da conservação ou não derrogação do regime mais favorável para o trabalhador, o qual pode reputar-se como um princípio ou regra geral no âmbito do Direito do Trabalho", consagrado no inciso VIII do art. 19 da Constituição da OIT e aceito universalmente. [32]

O dever de não regressividade consiste, pois, na proibição de políticas, medidas, orientações e atos que piorem o patamar de direitos econômicos, sociais, culturais da população. [33]

Os princípios de Maastricht consideram violações dos direitos sociais, culturais e econômicos a derrogação ou suspensão da legislação necessária para o gozo desses direitos.

A proibição de regressividade, por outro lado, importa em parâmetro para o juízo acerca das medidas e atos que resultam aplicáveis pelo judiciário. [34]

A irreversibilidade constitui uma clara limitação que tratados e convenções internacionais e os textos constitucionais impõem à (des)regulamentação dos direitos sociais, econômicos e culturais [35], vedando, como já ressaltado, a quem pode tratar da normatização desses direitos sua derrogação ou redução.

Esse dever de não regressividade, oriundo da progressividade dos direitos, não advém, como já registramos, somente do Direito Internacional. Também no Direito Constitucional reside sua fonte. Note-se que constitucionalistas do porte de KONRAD HESSE incluem nessa moldura a teoria da irreversibilidade (Nichtumkehrbarkeitstheorie), segundo a qual toda medida regressiva que afete o conteúdo essencial dos direitos sociais é inconstitucional. Trata-se da irreversibilidade das conquistas sociais alcançadas. [36]

No Direito Constitucional brasileiro há expressa previsão acerca da progressividade associada à irreversibilidade ou à proibição da regressão no tocante aos direitos sociais fundamentais do trabalhador. Com efeito, o art. 7º, caput, dispõe que são direitos dos trabalhadores, além todo o elenco apontado em seus incisos, quaisquer outros que possam ser acrescidos por atos normativos ou negociais que impliquem na melhoria das condições do trabalhador.


4.Crise, ajustes econômicos e os Direitos Humanos fundamentais e sociais.

O sistema capitalista vive em crise e das crises. Suas crises são cíclicas, algumas são superdimensionadas, outras têm fortes tons de artificialidade. E quando as crises terminam, o sistema sai reforçado para uma nova crise...

No Brasil, antes mesmo que a recente crise financeira alcançasse as empresas, estas já estavam programando dispensas coletivas, reivindicando mais flexibilização dos direitos trabalhistas, criando um clima de pânico e tensão que pudesse favorecer as "reformas trabalhistas necessárias ao desenvolvimento do país". [37] De quebra, pressionaram entidades sindicais para que aceitassem negociações coletivas danosas aos trabalhadores, inclusive em caráter preventivo. [38]

Nesse contexto, o Presidente de uma gigante na área de Mineração liderou um infeliz manifesto pela desregulamentação da legislação laboral, ao mesmo tempo em que dispensava 1.300 empregados, apesar dos incomensuráveis lucros acumulados nos últimos anos (R$ 20.006 bilhões em 2007; R$ 13.431 bilhões em 2006). Não bastasse, nesse ano de 2009, apresentou no 1º bimestre lucros recordes após dispensar centenas de obreiros "por conta da crise..." Em maio último, comunicou "a quem interessar possa" que despediria de 250 a 300 porque "a recuperação do mercado ainda não aconteceu como a (omissis) esperava". [39]

Outra face dessa "crise", criada com fins de realimentar o capital, é a das reestruturações oriundas de planos de "reengenharia empresarial", com cortes do quadro funcional, mesmo quando a empresa apresenta bons índices de lucratividade. Talvez seja esta uma das faces mais perversas do "mercado". Dezenas, centenas, quando não milhares, são postos no "olho da rua" para dar ainda maior lucro, para aumentar a competitividade ou, ainda, para recuperar índices anteriores de ganhos. Paradoxalmente, ou nem tão paradoxalmente assim, as ações sobem, assim como o rendimento dos acionistas, sócios, diretores e gerentes. [40]

Essas crises alimentam ainda o quadro apontado no item anterior, oriundo do capitalismo turbinado pós-moderno com nefastas consequências na organização dos sindicatos e no poder de reivindicação dos trabalhadores, favorecendo a perda da centralidade obreira e sindical e, também, a destruição do trabalho fixo e contínuo, dando lugar àquilo que ROMAGNOLI [41] chama de "deslaborización" das relações de trabalho e BAYLOS de uma " ruída del derecho del trabajo. [42]

As consequências da crise, por conseguinte, contribuem para o processo de erosão do Direito do Trabalho e o enfraquecimento das entidades laborais, facilitando a reconstituição ou aumento dos ganhos do capital, tornando a mítica figura do "mercado" ainda mais poderosa ("primero, las mercancías; después, los pasajeros..." [43] ). [44]

Cresce de dimensão essa crise por conta dos "criadores de opinião", que produzem discursos incessantes contra o Estado Social [45], as entidades sindicais e os trabalhadores que gozam (ainda) dos seus direitos sociais fundamentais. Desvalorizam, deste modo, a cultura dos direitos no acelerado e desmemoriado imaginário social - fomentado pela mídia, empresários e até por alguns acadêmicos e juristas. Os direitos humanos e fundamentais, notadamente os de cunho social, são apresentados como questionáveis, relativos a uma fase histórica superada.


5.Negociação Coletiva. Progressividade e Irreversibilidade dos Direitos

Fruto nefasto do quadro exposto acima, é a negociação coletiva em detrimento do trabalhador, voltada para beneficiar a empresa e, mais amplamente, o mercado e o sistema econômico e financeiro vigente.

A Convenção Coletiva e os Acordos Coletivos de Trabalho caracterizam-se pela sua normatividade complementar às regras estabelecidas nos tratados e convenções internacionais, normas e preceitos da Constituição Federal e nas leis complementares e ordinárias. Tal ocorre porque é impossível prever toda a gama de eventos e circunstâncias que surgem no curso das relações laborais.

Assim, os grandes textos normativos estabelecem um patamar mínimo de direitos sobre o qual às partes, em negociação coletiva, faculta-se, dentro da concepção da progressividade do direito (art. 7º, caput da Constituição Federal brasileira), estabelecer outros mais.

A normatividade que norteia estes instrumentos coletivos, por conseguinte, não pode atentar contra o que já consagrado nos diplomas que compõem o direito internacional, os princípios e regras da Constituição e toda a legislação que lhes dá forma, aperfeiçoa ou aprofunda.

De sorte que inteiramente dissociadas dos postulados da progressividade e do dever de não regressividade são as convenções e acordos coletivos que autorizam a redução, supressão ou modificação in pejus de direitos laborais que guardem relação, mesmo que indireta, com os direitos humanos e fundamentais.

Chegamos, pois, ao ponto nodal de nossa tese: a negociação coletiva in pejus contraria, em se tratando de direitos humanos e fundamentais, compreendidos neste rol os sociais-trabalhistas que guardem vínculo imediato ou mediato com aqueles, os princípios da progressividade, da irreversibilidade ou não regressividade. [46]

Enunciada nossa tese, enfrentaremos aqui o caso específico da última crise, a financeira de 2007/2009, iniciada com o estouro da "bolha imobiliária" no EUA. Para combater ou remediar as suas consequências, propõe-se a aplicação do art. 7º, VI da Constituição Federal brasileira, que permite a redução de salários via negociação coletiva.

Sucede que o dispositivo em referência, segundo o princípio da progressividade, desautoriza a redução pura e simples dos salários, pois isso não representa uma melhora nas condições do trabalhador ("São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social" - art. 7º, caput da Constituição Federal brasileira) ...

Portanto, não é o instrumento coletivo que irá legitimar a contrariedade aos princípios constitucionais da progressividade e da irreversibilidade e ao direito fundamental do obreiro a uma remuneração digna e de acordo com o valor social do seu trabalho. [47]

Dentro desse espírito, a Lei 4.923/1965 estabelece como condição para redução o limite máximo de 25% (vinte e cinco por cento) do salário contratual, respeitado o salário-mínimo e a duração máxima de 3 meses; a redução correspondente da jornada ou dos dias trabalhados; a necessidade econômica devidamente comprovada e a impossibilidade de contratação por 6 (seis) meses de novos empregados depois da cessação da situação ensejadora do regime especial, antes de concedida a oportunidade para a readmissão daqueles dispensados anteriormente. Moralizando ainda mais o procedimento de redução de salário, a lei exige, outrossim, a redução proporcional da remuneração e das gratificações de gerentes e diretores, mandamento que deve ser estendido também aos sócios e acionistas (art. 2º, caput).

Outro diploma que trata da negociação coletiva em tempos de crise, resguardando os princípios e parâmetros mencionados neste ensaio, é a Lei 11.101/05 que, para preservar empregos, admite como instrumento de recuperação judicial, a "redução salarial, compensação de horários e redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva" (art. 50, VIII). Este estatuto, que atualmente regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência da sociedade empresária, demanda a exposição "das causas concretas da situação patrimonial" da empresa e "das razões da crise econômico-financeira" (art. 51, II), além da "demonstração de sua viabilidade econômica" (art. 53, II) , entre outras exigências.


6.Conclusões

De todo o exposto, concluímos:

1.Controvertida é a natureza dos direitos humanos, assim como sua dimensão universal, ao menos nos parâmetros postos pelo liberalismo e pelo neoliberalismo;

2.Os direitos humanos, para que tenham caráter realmente universal, devem ser reconceitualizados como multiculturais, evitando o unilateralismo que ainda prevalece no discurso dominante no mundo ocidental;

3.Os direitos humanos não devem ser táticas ou instrumentos retóricos das nações capitalistas desenvolvidas, mas meio eficaz para superar as desigualdades e injustiças que assolam o nosso mundo, hoje dominado pela ideologia e pelas práticas de mercado que elegem o lucro, a produção e o consumo como finalidades principais da nossa sociedade;

4.Intimamente vinculado com o tema dos direitos humanos e fundamentais é a concepção da progressividade dos direitos sociais que deságua na proibição de regressividade destes direitos;

5.A progressividade, característica dos direitos humanos e fundamentais, incluídos neste rol os trabalhistas, consagra maior extensão e proteção aos direito sociais. Completando e aprofundando esse princípio, emerge a irreversibilidade ou o dever da não regressão: não são admitidos atos normativos que privem os trabalhadores da fruição das garantias e direitos fundamentais;

6.Os princípios da progressividade e da irreversibilidade ou da vedação da regressão social dão origem ao cânone da conservação ou não derrogação do regime mais favorável para o trabalhador, reputado como fundamento primeiro do Direito do Trabalho;

7.O Brasil consagra expressamente a progressividade e a irreversibilidade no art. 7º, caput da Constituição Federal quando dispõe que são direitos dos trabalhadores os direitos ali elencados além de todos aqueles que melhorem sua condição social. Em suma, todos os direitos e garantias que foram ou venham a ser obtidos após a edição da Carta de 1988, a par daquilo que já tipificado em tratados e convenções internacionais e normas anteriores à própria Constituição, são protegidos pelos referidos princípios;

8. As convenções e acordos coletivos, que são dotados de indiscutível normatividade, estão adstritos à progressividade, à irreversibilidade ou não regressividade, conforme já acontece com as emendas constitucionais, leis complementares e ordinárias, medidas provisórias, decretos e outros atos normativos e regulamentadores dos direitos sociais fundamentais.


Bibliografia

. São Paulo: Max Limonad, 2002

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos, Globalização Econômica e Integração Regional. São Paulo: Max Limonad, 2002

R. Ergec (Ed.), Les Droits Économiques, Sociaux et Culturels dans la Constitution, Bruxelas, 1995.

SARLET, Ingo Wolfgang "O Estado Social de Direito, a proibição de retrocesso e a garantia fundamental da propriedade, Revista Diálogo Jurídico, ano I, vol. I, nº 07, Salvador,

SARLET, Ingo Wolfgang "Os direitos sociais como cláusulas pétreas", Revista Interesse Público, C7, 2003,

SARLET, Ingo Wolfgang. "A Eficácia dos Direitos Fundamentais", 9ª ed., Livraria do Advogado Editora, Porto Alegre, 2007

SOUSA SANTOS, Boaventura de (I). Por uma concepção multicultural de direitos humanos. In: SOUSA SANTOS, Boaventura de (Org). Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitismo cultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003

SOUSA SANTOS, Boaventura de (II). As tensões da modernidade. Disponível no site Globalismo Jurídico http://globalismojuridico.blogspot.com/2008/08/pensamento.html. Acesso em 24/06/2009.

SUPIOT, Alain . Droit du Travail, 18ª ed. EDITORA Paris: 1996

SUPIOT, Alain. Le Travail en perspectives. L.G.D.J, p.1, Paris, 1998

TAUCHERT, Maicon Rodrigo. Transição Epistemológica: Direitos Humanos e Multiculturalismo na Pós-Modernidade. Disponível no site Universo Jurídico. http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/5854/Transicao_Epistemologica_Direitos_Humanos_e_Multiculturalismo_na_Pos-Modernidade. Acesso em 24/06/2009.

Periódico

Jornal O Globo", sábado, 30/05/2009, p. 30, Caderno Economia.


Notas

  1. Nascida a partir das Declarações de Virgínia de 1776 e Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789
  2. A partir do século XIX com o advento da Revolução Industrial.
  3. A partir do início do século XX, com o advento da Revolução Russa, Constituição Mexicana de 1917 e Constituição de Weimar de 1919.
  4. De se ressaltar que, apesar do projeto de universalização, o grupo de trabalho da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, encarregado da redação do Projeto da Declaração Universal de Direitos Humanos, incluía nacionais dos seguintes países: Bielorússia, Estados Unidos, Filipinas, União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, França e Panamá. Durante a aprovação do texto final, dos cinquenta e oito Estados membros das Nações Unidas no ano de 1948, quarenta e oito votaram a favor, nenhum contra, oito se abstiveram e dois estavam ausentes. Os países que se abstiveram foram: Bielorússia, Checoslováqia, União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, Polônia, Ucrânia, África do Sul, Iugoslávia e Arábia Saudita, como nota Flavia Piovesan em obra sobre o tema. PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Max Limonad, 2002, p. 145, nota 181
  5. FLORES ,Joaquin Herrera: Los Derechos Humanos como Productos Culturales- Crítica Del Humanismo Abstracto, Los Libros de La catarata, Madrid, 2005., p. 69
  6. FLORES ,Joaquin Herrera, ob.cit. p. 70
  7. FLORES ,Joaquin Herrera, ob.cit. p. 71
  8. FLORES ,Joaquin Herrera, ob.cit. p. 71
  9. FLORES ,Joaquin Herrera, ob.cit. p. 71
  10. KANT , IMMANUEL, Werkausgabe, ed. Suhrkamp ,vol. III, 1992, pp. 125 e ss.
  11. Flores, Joaquin Herrera (II), A (re) invenção dos direitos humanos- Florianópolis-Editora Fundação Boiteux, 2009, p. 52
  12. FLORES ,Joaquin Herrera (II), ob.cit. p. 53
  13. SOUSA SANTOS, Boaventura de (I). Por uma concepção multicultural de direitos humanos. In: SOUSA SANTOS, Boaventura de (Org). Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitismo cultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 438.
  14. " A hermenêutica diatópica baseia-se na idéia de que os topoi de uma dada cultura, por mais fortes que sejam, são tão incompletos quanto a própria cultura a que pertencem. Tal incompletude não é visível do interior dessa cultura, uma vez que a aspiração à totalidade induz a que se tome a parte pelo todo. O objectivo da hermenêutica diatópica não é, porém, atingir a completude — um objectivo inatingível — mas, pelo contrário, ampliar ao máximo a consciência de incompletude mútua através de um diálogo que se desenrola, por assim dizer, com um pé numa cultura e outro, noutra. Nisto reside o seu caráter dia-tópico." SOUSA SANTOS, Boaventura de (II). As tensões da modernidade. Disponível no site Globalismo Jurídico http://globalismojuridico.blogspot.com/2008/08/pensamento.html. Acesso em 24/06/2009.
  15. " Os topoi são os lugares comuns retóricos mais abrangentes de determinada cultura. Funcionam como premissas de argumentação que, por não se discutirem, dada a sua evidência, tornam possível a produção e a troca de argumentos. Topoi fortes tornam-se altamente vulneráveis e problemáticos quando "usados" numa cultura diferente" SOUSA SANTOS, Boaventura de. ob.cit (II). Acesso em 24/06/2009.
  16. SOUSA SANTOS, Boaventura de. ob.cit (II). Acesso em 24/06/2009.
  17. FLORES ,Joaquin Herrera, ob.cit. p. 76
  18. Joaquin Herrera Flores sugere, para esta nova perspectiva, que sejam utilizados elementos de integração : "já não podemos falar de duas classes de direitos humanos: os individuais ( liberdades públicas) e os sociais, econômicos e culturais. Só há uma classe de direitos para todas e todos: os direitos humanos. A liberdade e a igualdade são as duas faces da mesma moeda. Uma sem a outra nada são"- fls. 74. Defende que não mais seja utilizada a definição clássica das dimensões de direitos, sob pena de se criar certa hierarquia entre elas), crítica ( vinculação entre os direitos humanos e as políticas de desenvolvimento social, não podem ser dois momentos distintos, mas devem ocorrer de forma concomitante, sob pena de um não acompanhar o outro, acarretando a maior disparidade entre as classes sociais) e práticas sociais emancipadoras ( trata-se do intervencionismo humanitário, ou a contextualização dos direitos humanos através de luta de grupos sociais empenhados em promover a "emancipação humana"- ob. cit, p. 77-78.
  19. Neste diapasão, Feuerbach, L- Princípios da filosofia do futuro- Edições 70- Textos Filosóficos- "homem como tal é quem não exclui de si nada essencialmente humano"
  20. FLORES ,Joaquin Herrera, ob.cit. p. 77
  21. Joaquin Herrera Flores: Los Derechos Humanos como Productos Culturales- Crítica Del Humanismo Abstracto, Los Libros de La catarata, Madrid, 2005, pag 183.
  22. Alain Supiot ("Le Travail en perspectives" L.G.D.J, p.1, Paris, 1998) constata que "Le changements techniques et politiques se conjugeuent pour augmenter la part du commerce international et saper les instituitions nationales autour du premier rang desquelles les droits du travail, suspectés, à l´ínstar des corporations de jadis, d´entraver l´efficacité economique. Signe des temps: l´Organisation Mondiale du Commerce s´est installé dans les anciens locaux de l´Organisation Interncional du Travai sur les berges verdoyantes du Lac Léman ..."
  23. "Le travail n´est pas un "matérial humain" (v. Kemperer) ajustable aux impératifs de l´industrie ou du commerce. Et pourtant depuis vingt ans il a éte envisagé dans le monde comme une questión secondaire, comme l´objet d´une "engénierie" de la ressource hummaine. D´une main on s´est employé à faire du travail un materiau "flexible", adaptable "en temps réel" aux besoin de l´economie, de l´autre on a fait du "social" ou de l´"humanitaire" pour assurer un minimum de subsistance ou d´occupations au flot grandissant de ceux qui se trouvent ainsi privés de la possibilité de vivre de leur travail. Cette approche du problème, que mêle efficiency et " bons sentiments" et subordonne la questíon du travail à toutes les autres, est condamnée à l´échec. On n´imagine que des masses hummaines entières se laisseront indefinément relegués dans le ghetto des "inutiles au monde". Le statut conféré au travail ne peut être réduit à un problème d´ingéniere de la ressource humaine, car il est le point nodal d´une ordre juste" (Supiot, ob.cit, p. 12)
  24. Não se pode perder de vista, ainda, que os direitos sociais protegem a dignidade do trabalhador. Daí porque estão inseridos na categoria dos direitos humanos.(Jean Mouly "Les droits sociaux à l''épreuve des droits de l''homme", Droit Social, 09/10/2002, nº 9/10, p. 799, Paris.)
  25. Ob. cit., p.10.
  26. Idem, p. 12.
  27. Ob. cit., p. 428.
  28. Por Todos: FLÁVIA PIOVESAN ("Direitos Humanos, Globalização Econômica e Integração Regional", p. 70-1, Max Limonad, SA, São Paulo: 2002, com ampla citação da doutrina internacional sobre o tema.
  29. "Os Princípios de Direito do Trabalho de Segunda Geração", in Cadernos da Amatra IV, 7, abr/jun 2008, ano III, HS Editora, Porto Alegre, p. 24 e 25.
  30. BARBAGELATA, ob. cit., p. 24.
  31. BARBAGELATA, ob. cit., p. 24 e 25.
  32. IDEM, idem.
  33. ABRAMOVICH, Victor & COURTIS, Christan. Los derechos sociales como derechos exigibles. Madrid: 2004, Editoral Trotta, p. 94.
  34. ABRAMOVICH & COURTIS, ob. cit., p. 95.
  35. Idem
  36. cf. K. HESSE. Grunzüge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland, Heidelberg-Karlsruhe, 1978, p.p. 86-87, cit. por L. Parejo Alfonso, "Estado Social y Administración Pública", Madrid , 1983, p.p. 53-54). Em sentido similar, na Espanha L. LÓPEZ GUERRA, <<Um Estado Social>>, em J. Esteban e L. López Guerra, "El Regimen Constitucional Español I, Barcelona, 1980, pp. 313 ss).A mesma doutrina foi defendida pela Corte de Arbitragem da Bélgica também no campo dos direitos sociais. Um panorama amplo acerca dessa questão no direito constitucional daquele país pode ser encontrado em R. Ergec (Ed.), Les Droits Économiques, Sociaux et Culturels dans la Constitution, Bruxelas, 1995.Na Argentina, V. Abramovich e C. Courtis trazem à colação decisões jurisprudenciais bem ilustrativas (v. Em Vega, Humberto Atilio C. Consórcio de Proprietarios del Edificio Loma Verde y otros s/ accidente ley 9688 del 16/12/93; el caso Martinelli, Oscar Héctor Cirilo y otros C. Coplinco Compañia Platense de la Industria y Comercio S.A. del 16/12/93; el caso Jáuregui, Manuela Yolanda c. Unión Obreros y Empleados del Plástico). Em Portugal, J. J. CANOTILHO expõe essa concepção à luz da Constituição portuguesa: "O princípio da proibição do retrocesso social pode formular-se assim: o núcleo essencial dos direitos sociais já realizado e efectivado através de medidas legislativas (‘lei de segurança social’, ‘lei do subsídio de desemprego’, ‘lei do serviço de saúde’) deve considerar-se constitucionalmente garantido, sendo inconstitucionais quaisquer medidas que, sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam na prática de uma ‘anulação’, ‘revogação’, ou ‘aniquilação’ pura e simples desse núcleo essencial. A liberdade de conformação do legislador e inerente auto-reversibilidade têm como o núcleo essencial já realizado" (Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 3ª Ed., 1999, p. 327, Coimbra, Almedina). No Brasil, a proibição da regressividade é sustentada por doutrina de escol, com reflexos na jurisprudência. Podemos divisar tendências mais voltadas ao Direito Internacional ou ao Direito Constitucional, todas comprometidas, entretanto, com o escopo do social welfare rights que leva o direito internacional e o direito constitucional a sério.Logo, princípios e regras provenientes de tratados e convenções internacionais, assim como da Constituição, são resguardados pelo dever de não-regressividade. (FLÁVIA PIOVESAN, p. 71 e ss. Sob enfoque semelhante, tratando do princípio "não retrocesso social": ANA PAULA DE BARCELOS, "A Eficácia dos Princípios Constitucionais, o princípio da dignidade da pessoa humana, Renovar, Rio de Janeiro, 2004, 2ª tiragem, p. 68/71 e INGO SARLET: "A Eficácia dos Direitos Fundamentais", 9ª ed., Livraria do Advogado Editora, Porto Alegre, 2007, p. 436/462. "Os direitos sociais como cláusulas pétreas", Revista Interesse Público, C7, 2003, p. 56 "O Estado Social de Direito, a proibição de retrocesso e garantia fundamental da propriedade, Revista Diálogo Jurídico, ano I, vol. I, nº 07, Salvador, p. 1 e ss.).Registre-se que, para o último autor, os direitos sociais estariam cobertos pela técnica da cláusula pétrea (art. 60,§ 4º, IV da Constituição Federal). Em outras palavras, estariam a salvo, inclusive, da sanha reformadora de governantes e parlamentares descomprometidos com os direitos humanos e seus desdobramentos no campo dos direitos sociais.
  37. Registre-se que há também setores que não só ficaram a salvo das tormentas econômicas, como aumentaram os seus ganhos. São os "sem-crise"(alimentação, bebida, perfumaria, materiais esportivos, recreação e lazer, shopping-centers e livrarias). Fonte: "O Globo, Economia, 04/09, p.30 (Mirian Leitão) e p.31.
  38. JORGE LUIZ SOUTO MAIOR sustenta que esta estratégia poderia até configurar crime contra a ordem econômica, nos termos da lei 8.884/1994."Negociação Coletiva de Trabalho em Tempos de Crise Econômica, Revista IOB, 03/09, 237, p. 49, São Paulo.
  39. Fonte: "Jornal O Globo", sábado, 30/05/2009, p. 30, Caderno Economia. Merece ser destacado ainda que essa mesma empresa anunciou que está discutindo com o grupo alemãoTHYSSEN-KRUPP uma participação adicional na Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA). Sua participação pularia de 10% para 30% no maior investimento privado em andamento no Brasil ("O Globo", Economia, p.33, 04/07/09)...
  40. Aliás, mesmo quando a crise é real, esses distintos senhores recusam a redução de seus benefícios e, quando aceitam, o fazem de forma relutante, como noticiou recentemente a grande imprensa dos EUA e da Europa sobre a atual crise.
  41. Citados por Enrique OLIVAS, in "Desórdenes Sociales y Ajustes Constitucionales", p. 481, Globalizacion y Derecho, Editorial Dilex. SL, Madrid: 2004 Coord. Jesús Lima Torrido, Enrique Olivas y Antonio Ortíz-Arce de la Fuente
  42. GRAU, Antonio Baylos. La ruída del derecho del trabajo: tendencias y límites de la deslaboralización. Alárcon/Miron (coord.) "el trabajo ante el cambio del siglo: un tratamiento multidisciplinar, Madrid
  43. OLIVAS, Enrique ob.cit p. 489.
  44. "A todos estas ideologías de la desregulación" les mueve un verdadero <afán destructor de derechos>, publicitando de forma intensa la exclusiva legitimación de la eficacia y los rendimientos económicos extraordinarios – ignorando la drástica reducción del "capital" natural no sustituíble -; actuando com un criterio general de comprensión y translación de costes, y, simultáneamente, observando como disfuncional el papel estructural de los sindicatos". OLIVAS, Enrique ob.cit. p. 508
  45. Perdem de vista inclusive o caráter civilizatório que o Estado Social cumpre, como bem destaca Zygmunt Bauman: "Um Estado é "social" quando promove o princípio do seguro coletivo, endossado de modo comunitário, contra o infortúnio individual e suas consequências. É basicamente esse princípio – declarado, posto em operação e que se acredita estar em funcionamento – que remodela a ideia, de outra forma abstrata, de "sociedade" na experiência de uma comunidade sentida e vivida, substituindo a "ordem do egoísmo" (para empregar os termos de John Dunn), que tende a gerar uma atmosfera de desconfiança e suspeita mútuas, pela "ordem da igualdade", que inspira confiança e solidariedade. É o mesmo princípio que eleva os membros da sociedade à condição de cidadãos, ou seja, que os torna depositários, além de acionistas: beneficiários, mas também atores – os guardiões e vigias do sistema de "benefícios sociais", indivíduos com um interesse agudo no bem comum entendido como uma rede de instituições compartilhadas em que se pode confiar, e ter uma expectativa realista, para garantir a solidez e fidedignidade da "política de seguro coletivo" promulgada pelo Estado.
  46. A aplicação desse princípio pode proteger, o que com frequência faz, homens e mulheres da praga da pobreza; e ainda mais importante, contudo, é que pode se tornar uma abundante fonte de solidariedade, capaz de reciclar a "sociedade" num bem comum, compartilhado, de propriedade comum e conjuntamente cuidado, graças à defesa que fornece contra os horrores gêmeos da miséria e da indignidade – ou seja, os horrores de ser excluído, cair ou ser empurrado para fora do veículo do progresso em rápida aceleração, ser condenado à "redundância social", sendo-lhe negado o respeito merecido pelos seres humanos, e ser designado como "dejeto humano"." ("Vida para consumo. A transformação das pessoas em mercadoria", Zahar, Rio de Janeiro, 2008, p. 177 e 178.)

  47. Repetimos que estes postulados dizem respeito a qualquer ato normativo, estatal ou não, pelo que não é lícito ao Judiciário furtar-se à apreciação da compatibilidade das cláusulas pactuadas em sede coletiva com tais princípios.
  48. Destarte, o art. 7º, VI da Constituição Federal brasileira há que se aplicado segundo a razoabilidade e a proporcionalidade, e em consonância com outros princípios, entre eles, o da progressividade e da irreversibilidade.

Autores


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CALVET, Otavio Amaral; MENEZES, Claudio Armando Couce de et al. Direitos humanos e fundamentais. Os princípios da progressividade, da irreversibilidade e da não regressividade social em um contexto de crise. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2531, 6 jun. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14975. Acesso em: 19 abr. 2024.