Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/16007
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Ação civil pública para regularização de loteamentos

Ação civil pública para regularização de loteamentos

Publicado em . Elaborado em .

ACP contra o Município de Campo Grande, obrigando-o a regularizar a situação de todos os loteamentos irregulares daquela cidade e a lhes dar toda a estrutura necessária, de acordo com o plano urbanístico.

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL
PROMOTORIA DE JUSTIÇA DO CONSUMIDOR, HABITAÇÃO E
URBANISMO DA COMARCA DE CAMPO GRANDE

Exmo. Senhor Juiz de Direito da _____ Vara da Fazenda Pública e Registros Públicos da Comarca de Campo Grande, MS:

URGENTE: HÁ PEDIDO DE LIMINAR

O Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul, ora representado pelo Promotor de Justiça de Defesa do Consumidor desta Comarca, que ao final subscreve e que recebe intimações, pessoalmente, à Rua Íria Loureiro Viana, 415, Vila Oriente, nesta, com fundamento no artigo 129, III e IX da Constituição Federal, somado aos artigos 1º, II e IV; 2º; 3º; 5º, caput; 11 e 12, da Lei 7.347, de 24.07.85, que disciplina a Ação Civil Pública; nos artigos 6º, VI; 81, parágrafo único e incisos I e II; 82, I; 83; 84, caput e parágrafos 3º e 4º; 90 e 91 do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 11.09.90), art. 40, caput, da Lei 6.766, de 19.12.79, que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano e ancorado nos fatos apurados nos Procedimento Administrativo nº 012/96, doravante referenciado apenas por "PA 012/96", propõe a presente

Ação Civil Pública com Preceito Cominatório de Obrigação de Fazer,
com Pedido de Liminar

em face do Município de Campo Grande - MS, pessoa jurídica de direito público interno, a citado na Avenida Afonso Pena, nesta capital, endereço de sua Procuradoria Geral, pela razões de fato e de direito que passa a expor:


I. DOS FATOS:

Sob os olhares complacentes e omissos do Município de Campo Grande, a Empresa Ego Construções de Rondônia S.A. parcelou uma área de 27.213,00m2, resultante do desmembramento do lote 30.c do Bairro Desbarrancado, nesta cidade, dando origem ao loteamento "Jardim São Judas Tadeu", e, posteriormente, comercializou os lotes de terrenos daí resultantes sem que houvesse sequer o registro do loteamento.

O próprio instrumento de compromisso de compra e venda de imóveis urbanos (f. 122 do PA 012/96) denunciava a clandestinidade do loteamento que estava sendo negociado, nos seguintes termos:

"CLP Construção e Projetos Ltda. (....) e do outro lado João Deeniozevicz (....) contratam entre si a compra e venda do lote 10 da Quadra 01 da área 30-C do loteamento Jardim São Judas Tadeu, em fase de aprovação junto a Prefeitura Municipal de Campo Grande/MS".

Apesar de constar na Cláusula Quarta do referido instrumento que a Promitente Vendedora se comprometia a lavrar a escritura de compra e venda tão logo fosse liberada a aprovação do loteamento pelo Município, o vendedor e representante da loteadora, Valdir Ailton Marques da Cruz, informava, falsamente, aos interessados de que a escritura seria lavrada de 45 a 60 dias a partir da assinatura do contrato (reclamação de f. 84 e abaixo-assinado de f. 167 dos autos de PA 012/86).

As irregularidades não param por aí. Após receber todos os valores relativos aos imóveis vendidos (documentos comprobatórios, por exemplificação, f. 439-516 do PA 012/96), Valdir Ailton Marques da Cruz - sem aprovar e registrar o loteamento e sem promover as obras de infra-estrutura prometida - tomou rumo ignorado, deixando os consumidores impossibilitados de até escriturar seus imóveis.

Alguns consumidores mais precavidos, antes de adquirir lotes, procuraram o réu para saber da legalidade do loteamento, quando foram informados por funcionários deste que o parcelamento estava aprovado, o que animou a muitos deles a adquirirem imóveis no predito parcelamento, para ali construir sua casa e dela fazer seu lar. Eis as palavras dos consumidores ludibriados pela informação enganosa, por omissão, dada pelos empregados do réu:

"Antes de efetuarmos a compra dos referidos lotes, alguns dos compradores foram até a Prefeitura se inteirar da situação do loteamento, e foram informados que o referido loteamento " estaria aprovado" .

As vendas do lotes, conforme se comprova pelos documentos juntados nos autos do PA 012/96, começaram em 1993. Como exemplo, pode-se citar os casos de Antônio Rodrigues Freire que adquiriu um lote no dia 18.08.93 (contrato de f. 145 do PA 012/96); João Gonçalves Padilha que adquiriu em 26.10.93; Waldemar Cândido Sobrinho que adquiriu em 08.08.94; Joel Barbieris Campos Leite que adquiriu em 27.08.94; João Deeniozevicz, em 06.02.95 (PA 012/96, f.84); Eucalina Theodoro de Paula, em 14.04.97 (PA 012/96, f. 488/489), sendo certo que a maioria dos lotes foram vendidos antes mesmo da aprovação do projeto do loteamento que só se deu em 07.08.95,

Os lotes foram adquiridos todos em condições precárias de habitabilidade, posto que o empreendimento não possuía rede de água, de energia elétrica, de iluminação pública e de esgoto, bem como as ruas não possuíam pavimentação, calçadas, galeria de recolhimento de água pluvial, guias e sarjetas. Sem o nivelamento adequado das ruas, com as chuvas, as vias transformavam-se em lagoas, por onde não passava sequer o transporte coletivo e a comunidade ficava praticamente ilhada. Os matagais, as águas empoçadas e os lixos que tomavam conta do bairro dão condição propícia para proliferar os mosquitos da dengue e outros insetos e animais transmissores de doença. A própria Secretaria de Saúde do Município foi, no dia 6 de maio de 1997, no local, a requerimento da Promotoria de Justiça do Consumidor e constatou a realidade dos fatos (Termo de reclamação de f. 84 e Relatório de fiscalização de f. 138 do PA 012/96).

Para resolver, de imediato, a questão de sobrevivência, alguns moradores tiveram que furar poços (f. 163 do PA), outros, em virtude de sua situação financeira, tiveram que adquirir água e energia elétrica de forma clandestina.

Buscando minorar seus prejuízos, os adquirentes dos lotes vem ao longo desses anos mendigando o que lhe é seu por direito: condições dignas, ainda que mínimas, de moradia, com acesso a infra-estrutura e saneamento básico garantindo sua saúde, segurança, educação e lazer. Durante as campanhas eleitorais "trocaram" sua liberdade e direito de escolha por favores e promessas vindas de políticos eleitoreiros que sabidamente desaparecem após o pleito. E foi dessa forma que hoje esses moradores-consumidores contam com rede de água e de energia elétrica, que pagaram com o próprio suor ou a custo de seu direito de voto, sendo que os demais benefícios que até hoje não foram implantados.

A própria iluminação pública que lhes era cobrada pelo réu através da Enersul era inexistente no local, fato este confessado pela própria concessionária de energia elétrica. (f. 84, 153/156 e 167 dos autos de PA 012/86). Isso sem dizer que a energia elétrica, no início, era fornecida de forma ineficiente e precária, o que ocasionou inúmeros acidentes, dos quais resultaram perdas de grandes quantidades de aparelhos eletrodomésticos. A própria Enersul concordou com a deficiência, tanto é que deu as explicações que tinha para o problema, que entre ele se encontrava a falta de planejamento na instalação da rede elétrica (f. 91, 92, 135 e 151-156).

Muitos adquirentes de lotes não ousaram construir casas no local, com medo da fiscalização do Município réu omisso que ameaçava cobrar multas e embargar as obras, sob o pretexto de que o loteamento era clandestino, como se fossem os consumidores que tivessem dado caso à ilegalidade.

Até os que procuravam vender seus lotes para terceiros saíam no prejuízo, posto que tinham nas mãos uma mercadoria de difícil comércio por ser fruto de parcelamento ilegal. Mesmo quando conseguiam vender, tinham que fazer por preço bem abaixo do mercado.

Segundo informações dos consumidores lesados, vários loteamentos que se encontram ao redor do Jardim São Judas Tadeu estão em idêntica situação, isto é, foram loteados pela mesma empresa e por ela comercializados sem atender as exigências legais.

Neste exato momento em que esse digno juízo está lendo esta petição, os representantes do réu estão omissos e coniventes com muitos outros loteamentos irregulares, com enormes prejuízos aos consumidores campograndenses.

Apesar de todo o ocorrido, o réu manteve-se impassível, omisso e conivente diante da situação dos consumidores espoliados.

Instados a se pronunciarem a respeito dos problemas enfrentados pelo consumidor e a dar uma solução objetiva e definitiva para o caso, os organismos competentes, quando se manifestavam, contentavam-se em afirmar que os projetos estavam dentro dos padrões e das normas técnicas, demonstrando, assim, seu completo descaso em atender os consumidores lesados.

Uma coisa é o texto "frio" dessas normas e padrões dos projetos aprovados, outra é a sua real aplicação e fiscalização por parte do poder público competente, o que, efetivamente, não ocorreu.

Tendo sido feitas vistorias no local, foi constatado o descaso total e a falsidade das informações prestadas.

Como que para confirmar as conclusões da vistoria, inúmeras reclamações chegaram até este órgão ministerial, os quais davam conta da falta de infra-estrutura e da impossibilidade de legalização dos terrenos, por falta de registro do loteamento.

Na tentativa de resolver as irregularidades detectadas, a Promotoria de Justiça do Consumidor convocou uma reunião entre todos os interessados. Compareceram representantes da Enersul, da Sanesul, da Prefeitura Municipal, o advogado do loteador, Dr. Mário Edson Monteiro, o engenheiro responsável pelo projeto, Dr. Renê Alvares Possik e vários adquirentes dos lotes do Empreendimento "Jardim São Judas Tadeu".

Nesta reunião, ficou estabelecido que o representante do ora réu dispensaria esforços no sentido de liberar o loteamento sem a necessidade de pavimentação (ver ata de f. 140-142 do PA 012/96), mas nada, absolutamente nada, foi feito neste sentido.

Como se não bastasse a má vontade, a omissão e o descumprimento da lei por parte do réu, o Senhor Secretário da Semur, certa vez, instado a tomar uma posição para proteger os adquirentes dos lotes, teve o desplante de dizer ao subscritor desta peça que o Município não tinha obrigação alguma de defender os direitos dos consumidores. Claro fica que o réu só enxerga o cidadão como contribuinte, para espoliá-lo e sugar tudo o quanto pode.

O que de mais positivo se conseguiu do Município réu para solucionar a questão se encontra no ofício de f. 323-324 dos autos de PA 012/96, onde o Senhor Prefeito Municipal e o Senhor Secretário Municipal de Controle Urbanístico afirmaram, "in verbis", que

"suprida a vontade do loteador e registrado o loteamento no Cartório de Registro de Imóveis, a Prefeitura Municipal de Campo Grande, através da Secretaria Municipal de Controle Urbanístico, dispõe-se a proceder a regularização do Empreendimento."

Achando, a princípio, que seria a solução para o problema, o Ministério Público consultou os consumidores lesados os quais, através do requerimento de f. 449-451 do predito PA 012/96, abriram mão da pavimentação das ruas para que fosse possível a regularização do loteamento e, assim, pudessem escriturar seus imóveis.

Ocorre que, após uma melhor análise, viu-se que a proposta do município não satisfazia as exigências legais para se proceder o registro do loteamento, posto que o que faltava não era suprir a vontade do loteador, mas que o próprio Município réu abrisse mão da pavimentação asfáltica para tornar possível a regularização do empreendimento ou ele próprio fizesse tal pavimentação, já que, com sua omissão, assumiu para si tal responsabilidade. Diante desse fato, o Ministério Público percebeu que o único meio para sanar a questão era ingressar com a presente ação civil pública em face do Poder Público omisso.

E por falar em omissão, deve-se deixar claro aqui quais foram as atitudes nefastas do Município em prejuízo do consumidor.

O réu - que tem a obrigação constitucional e legal de defender o consumidor e de elaborar e executar a política de desenvolvimento urbano, com o objetivo de ordenar as áreas habitadas do Município, propiciando assim o pleno desenvolvimento da cidade, garantindo o bem estar dos seus habitantes, o acesso a todos aos bens e aos serviços urbanos e as condições de vida e moradia compatíveis com o estágio de desenvolvimento do município - não tomou nenhuma medida administrativa concreta para que os lotes não fossem comercializados antes da feitura do registro do loteamento e, mesmo depois que percebeu sua omissão, não a corrigiu, regularizando o loteamento como determina a lei.

Poderia e deveria ele, como pode e deve, realizar fiscalizações tendentes a tomar conhecimento de todos os novos empreendimentos que surgem na cidade, com o fim de efetuar diligências e vistorias na áreas; embargar os empreendimentos clandestinos; cientificar os responsáveis acerca de sua ilegalidade; evitar vendas de lotes não regularizados; cadastrar os consumidores que já adquiram lotes irregulares, com vistas à consignação do valor das prestações, com fundamento na norma do artigo 38, parágrafo 1º, da Lei 6.766/79 e, por fim, para, se nada disso surtir efeito, ingressar em juízo com ações próprias, de forma a cumprir sua função social e legal. Mas, no caso do loteamento São Judas Tadeu, nada disso ele fez e os consumidores, órfãos, foram ludibriados, com a conivência de quem os devia defender. Dessa forma, estão até hoje amargando os prejuízos sofridos.

O réu contentou-se em, com base na Lei Municipal n° 2.567/88 e através do processo n° 75.970/93-78, aprovar, em 07.08.95, o projeto do indigitado loteamento, de propriedade da empresa Ego Construções de Rondônia S.A., tendo sido expedido, em 24.08.95, Termo de Início de Obras - TIO n.o 003/95, para que a empreendedora em 02 anos executasse as obras de infra-estrutura (PA 012/96, f. 29 e 30, 100 e 183, item 5).

Ocorre que quando o Município réu resolveu fazer isso a maioria dos lotes já haviam sido vendidos e muitas famílias já moravam na área e ele nenhuma providência tomou para salvaguardar os direitos dos adquirentes e fazer respeitar o planejamento diretor de urbanização de Campo Grande.

Quando o loteador solicitou a aprovação do loteamento, o réu de pronto deveria ter enviado seus fiscais no local para tudo ver e de tudo ficar ciente, momento em que teria constatado as vendas que já haviam sido feitas e, a partir daí, embargar novas vendas, requerer instauração de inquérito policial, informar o Ministério Público das irregularidades, orientar o consumidor a não pagar as parcelas diretamente para o loteador, aprovar, posteriormente, o loteamento tão somente mediante hipoteca de terrenos em quantidade suficiente para garantir a feitura das obras de infra-estrutura e não sem as garantias devidas, como foi feito.

O empreendedor estava obrando com má-fé e o réu só não agiu porque com ele se encontrava conivente. Nas condições em que se encontrava o loteamento, a aprovação sem a exigência da hipoteca constituiu-se em um ato omissivo ao extremo, conivente e criminoso.

Mesmo após ter aprovado, tardiamente, em 07.08.95, o projeto do loteamento e expedido, em 24.08.95, o termo de início de obras, teria muita coisa para o Município réu fazer em prol do comprador dos lotes e nada fez. Ele sequer acompanhou o andamento das obras e tão somente em 19.05.97, quase dois anos depois, é que foi constatar irregularidades no referido parcelamento, quando por lá passou um fiscal seu, Carlos Roberto Silva (f. 109/110 do PA). Mas mesmo constatando o total descaso do loteador nenhuma providência foi tomada. O referido fiscal, apesar da visita feita ao loteamento não foi capaz de perceber que o mesmo já se encontrava habitado, tanto é que não anotou o fato como anormal, apesar de ter conversado com moradores do local, conforme faz menção no relatório que elaborou. O fato de o empreendimento estar habilitado é relevante, dado que demonstrava que o loteador havia vendido e estava vendendo lotes sem o registro competente do parcelamento respectivo, o que constitui crime previsto no art. 50 da Lei 6.766/79.

Como que por encanto, outro fiscal do réu, Osório R. Miranda, às 15h e 10m do dia seguinte, isto é, no dia 20.05.97, por lá passou também e registrou no documento de n.o 1.563, encontrado á f. 330 do PA 012/96, que o loteador havia cometido o crime previsto no parágrafo único, inciso I, do Artigo 50 da Lei 6.766/79. Mas também só constatou o fato e não tomou nenhuma providência concreta, posto que a notificação que diz ter expedido de nada serviu. O loteador sequer se encontrava mais no município de Campo Grande. Neste caso, embora tardiamente, deveria o réu proceder na forma prevista no artigo 49(1) da Lei n.o 6.766/79.

Mister se faz relembrar que nas datas em que os fiscais do réu conseguiram "notar" irregularidades no loteamento e a prática de crime contra o parcelamento do solo, há muito o representante legal da loteadora, Valdir Airton Marques da Cruz havia desaparecido da cidade com o dinheiro do consumidor, tanto é que em 22 de maio de 1996, quando o Ministério Público expediu a primeira notificação para o referido cidadão não mais logrou êxito em localizá-lo (PA f. 13 e 18 a 20). Assim, não se sabe com qual finalidade foi lavrada a notificação de f. 330 dos autos de PA 012 e quem foi notificado, uma vez que, como já dito, o loteador já não mais se encontrava em Campo Grande e ninguém, absolutamente ninguém, recebeu tal notificação. Pior ainda. Segundo aquela notificação, o loteador deveria regularizar o loteamento em dois dias. Exigir a regularização do empreendimento em dois dias é a demonstração clara de que a notificação não era ato sério. Para a regularização do loteamento várias providências deveriam ser tomadas, entre elas a de realizar todas as obras de infra-estrutura. E como tal façanha poderia ser feita em dois dias? Além do mais, a exigência era descabida posto que o prazo dado, em 24.08.95, pelo TIO n.o 003/95, se findaria em 23.08.97 e não em 22.05.97, dois dias após a notificação. Diminuir, através de uma mera notificação, o prazo anteriormente dado em um ato administrativo solene era impossível. Essa exigência do Senhor fiscal soava como uma confissão da omissão e conivência do réu para com o loteador trapaceiro. Assim, mais uma vez o réu demonstrou que suas ações eram despidas de qualquer bom senso e objetivo prático. O que efetivamente deveria ter feito o demandado era ter exigido hipoteca de tantos lotes quantos fossem necessários para garantir a feitura das obras. Exigências absurdas agora feitas para ninguém não tinha sentido algum.

A incongruente e descabida notificação em comento só tentou dissimular, em vão, a responsabilidade do Município réu.

Mister se faz ainda esclarecer que quando os fiscais do réu acordaram, o Ministério Público já estava, há tempo, investigando os fatos e cobrando ação mais eficaz do réu, tanto é verdade que o representante do "Parquet" requisitou, em 7 de abril de 1997, a instauração de inquérito policial para apurar os crimes previstos no artigo 50 da Lei 6.766/79 e no artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor (f. 86 do PA).

Além de nada fazer em benefício do consumidor, recentemente o réu, ao completo arrepio da Constituição e da lei, fez doações de terrenos naquele loteamento; loteamento este tido por ele mesmo como irregular. Como se apurou, o Município através da Secretaria de Assuntos Fundiários, utilizou-se de parte da área institucional, destinada a implantação de equipamentos urbanos, para ali assentar 6 (seis) famílias, sendo este também o número de terrenos doados. Incentivando com isso novos empreendimentos do mesmo naipe e em visível prejuízo aos consumidores adquirentes dos lotes que haviam pago por essa área.

A arbitrariedade, contradição e omissão do réu são tantas que seus fiscais chegam até a ameaçar embargar obras naquele empreendimento de quem pagou pelos lotes com o suor de seus rostos. E, por outro lado, permitem que famílias sem teto tomem conta e construam na área institucional paga pelo próprio consumidor adquirente que fica assim duplamente lesado.

Para quem pagou pelos lotes, o loteamento é clandestino. Mas para quem nada contribuiu, tudo é possível, até construir em área regularizada pertencente ao próprio parcelamento irregular.

Após a constatações da lesões que vinham sendo causadas aos adquirentes de lotes do predito empreendimento, o Ministério Público tentou, por muito tempo e em vão, localizar bens da empreendedora ou de seu representante legal, mas não conseguiu. O que de mais positivo obteve foi o Sr. Ailtom Marques da Cruz se encontrava em Rondônia, mas sem qualquer bem em seu nome, o que tornou inviável qualquer medida contra ele ou contra sua ex-empresa.

Diante dessas constatações só restou ao Ministério Público responsabilizar o Município de Campo Grande pelos prejuízos causados aos consumidores, já que o mesmo agiu com omissão, além de ter a responsabilidade legal de regularizar todo e qualquer loteamento clandestino ou irregular.


    II – DO DIREITO:

A. Introdução:

É Importante fazer, primeiramente, para se ter uma idéia global da situação ora discutida, uma breve exposição dos passos exigidos pelas legislações federal e municipal para se aprovar e regularizar o parcelamento do solo urbano, desde seu nascedouro até sua implantação definitiva, com o arquivamento do processo correspondente na Prefeitura Municipal.

Eis - dentro do sistemática traçada pela Lei Federal n.o 6.766/79 – as várias etapas que deve percorrer o loteador para que o parcelamento seja tido como regular:

          1. solicitação à Prefeitura Municipal das diretrizes para o uso do solo, do traçado dos lotes, do sistema viário, dos espaços livres e das áreas reservadas para equipamento urbano e comunitário, apresentando, para este fim, requerimento e planta do imóvel (Artigo 6º);

2. indicação pela Prefeitura Municipal, nas plantas apresentadas junto com o requerimento, de acordo com as diretrizes de planejamento estadual e municipal: das ruas ou estradas; do traçado básico do sistema viário principal; da localização aproximada dos terrenos destinados a equipamento urbano e comunitário e das áreas livres de uso público; das faixas sanitárias do terreno necessárias ao escoamento das águas pluviais e das faixas não edificáveis; da zona ou zonas de uso predominante da área, com indicação dos usos compatíveis (Artigo 7º);

3. apresentação à Prefeitura Municipal do projeto, contendo desenhos e memorial descritivo, acompanhado do título de propriedade, certidão de ônus reais e certidão negativa de tributos municipais, todos relativos ao imóvel (Artigo 9º);

4. aprovação pela Prefeitura Municipal do projeto do loteamento (Artigo 12);

5. pedido de registro do loteamento ao CRI competente dentro de 180 dias da aprovação do projeto, sob pena de caducidade da aprovação (Artigo 18). O pedido deve ser acompanhado de competente instrumento de garantia para a execução das obras;

6. registro propriamente dito, caso não haja impugnação ou, se houver, esta for tida como improcedente (Artigo 19);

7. suspensão, pelos compradores, dos pagamentos restantes e notificação do loteador para suprir a falta, quando for verificado que o loteamento não se acha registrado ou regularmente executado (Artigo 38). A Prefeitura Municipal ou o Ministério Público poderá promover a notificação ao loteador prevista no caput deste artigo e na forma determinada pelo Artigo 49 (Artigo 38, § 2).

8. efetivação dos depósitos das prestações devidas junto ao Registro de Imóveis competente, que as depositará em estabelecimento de crédito, segundo a ordem prevista no inciso I do Artigo 666 do Código de Processo Civil, em conta com incidência de juros e correção monetária, cuja movimentação dependerá de prévia autorização judicial, no caso de ocorrer a suspensão do pagamento das prestações restantes, na forma do caput deste artigo (Artigo 38, § 1);

9. levantamento judicial dos valores depositados pelo loteador, após ter regularizado o loteamento (Artigo 38 § 3);

10.regularização, pela Prefeitura Municipal, do loteamento não autorizado ou executado sem observância das determinações do ato administrativo de licença, caso seja desatendida pelo loteador a notificação, para evitar lesão aos seus padrões de desenvolvimento urbano e na defesa dos direitos dos adquirentes de lotes (40).

Observações importantes: A Prefeitura Municipal, quando promover a regularização, na forma deste artigo, obterá judicialmente o levantamento das prestações depositadas, a título de ressarcimento das importâncias despendidas com equipamentos urbanos ou expropriações necessárias para regularizar o loteamento (Artigo 40, § 1º). Se os depósitos feitos não cobrirem as importâncias despendidas pela Prefeitura Municipal para regularização do loteamento, este exigirá a parte faltante do loteador (Artigo 40, § 2º). No caso de o loteador não cumprir o estabelecido no parágrafo anterior, a Prefeitura Municipal poderá receber as prestações dos adquirentes, até o valor devido (Artigo 40, §, 3º). A Prefeitura Municipal, para assegurar a regularização do loteamento, bem como o ressarcimento integral de importâncias despendidas, ou a despender, poderá promover judicialmente os procedimentos cautelares necessários aos fins colimados (Artigo 40, § 4);

11.obtenção do registro de propriedade do lote adquirido, valendo para tanto o compromisso de venda e compra devidamente firmado, após o pagamento integral do lote adquirido;

          A Lei Municipal n.o 2.567, de 08 de Dezembro de 1988, que trata do ordenamento de uso e de ocupação do solo do Município de Campo Grande, por sua vez, em suplementação a Lei Federal 6.766/79, estabelece, de forma mais detalhada, os seguintes passos para a efetivação de um parcelamento do solo de forma regular:

  1. solicitação, pelo empreendedor, da definição das diretrizes para o uso do solo, antes da elaboração do projeto (Item A.3.1.I);
  2. devolução, pela Prefeitura Municipal, ao loteador interessado de uma via da planta da área a ser loteada (Item A.3.1.II);
  3. apresentação à Prefeitura, para aprovação, do projeto do loteamento (Item A.4.2.1).
  4. Observação: a aprovação do projeto pode ser feita sem ou com garantia. Dependendo da forma de aprovação, ocorrerá os seguintes desdobramentos:

* - APROVAÇÃO SEM HIPOTECA:

          a. aprovação do projeto de loteamento e, posterior, expedição de termo de licenciamento para início das obras – TIO, válido por dois anos (Item A.4.2.2.I.a e c);

b. execução prévia, pelo loteador, das obras de infra-estrutura (Item A.4.2.2.I)

c. solicitação, pelo loteador, da vistoria técnica após a execução de todas as obras (Item A.4.2.2.I.d).

d. aceitação das obras pela Prefeitura, que expedirá o Termo de Verificação da Execução das Obras (TVO), bem como do Ato de Aprovação do Loteamento, liberando-o, desta forma, para o registro no Cartório de Registro de Imóveis e para, conseqüente, feitura de publicidade e venda dos imóveis (A.4.2.2.I."e" e "f");

          * - APROVAÇÃO COM HIPOTECA

          apresentação do Cronograma Físico-Financeiro de execução das obras de infra-estrutura, requerendo à prefeitura municipal o Ato de aprovação (A.4.2.2.II.a);

b. aprovação, pela Prefeitura, do referido Cronograma Físico-Financeiro (A.4.2.2.II.b);

c. determinação, através de avaliação, do número de lotes a serem hipotecados à Prefeitura, para garantir a execução das obras (A.4.2.2.II.b e c);

Observação: o número de lotes deverá corresponder ao valor das obras a serem realizadas pelo empreendedor.

          d. expedição do instrumento de garantia hipotecária de execução das obras (A.4.2.2.II.e);

e. liberação do loteamento para registro no Cartório de Registro de Imóveis, registro este que deve ser feito no prazo máximo de 180 dias (A.4.2.2.II.e)

f. registro, pelo empreendedor, do loteamento, no CRI competente e apresentação ao Município da certidão que comprove a efetivação do registro, mediante o que o Poder Público expedirá o Termo de Licenciamento para Início das Obras, que deverão ser concluídas em 2 anos, a menos que haja prorrogação por mais 1 ano, a pedido justificado do loteador (A.4.2.2.II.f);

g. execução da hipoteca pela Prefeitura, que se subroga nas obrigações do loteador na execução das obras (A.4.2.2.II.g)


Observações finais:

          1) a lei municipal não fixa responsabilidade para o Município no caso de o loteador não realizar as obras de infra-estrutura, quando a aprovação se dá sem a exigência da garantia. E não o faz sob o falso entendimento de que a Prefeitura Municipal não falhará no seu mister de fiscalizar o andamento das obras. No entanto, o Poder Público Municipal, sabedor de suas responsabilidades, fixa no fluxograma de implantação de loteamento, o seu dever de "Verificar in loco a implantação das quadras" (f. 434, do PA 012);

2) o artigo 50 da Lei 6.766/79 estabelece como crime contra a Administração Pública dar início, de qualquer modo, ou efetuar loteamento do solo para fins urbanos sem autorização do órgão público competente, ou em desacordo com as disposições desta lei federal de parcelamento do solo urbano ou das normas pertinentes do Estados e Municípios.

3) o parágrafo único deste artigo 50 prevê a qualificação do crime acima se ele for cometido por meio de venda, promessa de venda, reserva de lote ou quaisquer outros instrumentos que manifestem a intenção de vender lote em loteamento ou desmembramento não registrado no Registro de Imóveis competente;

1. já o Artigo 51 prevê que quem, de qualquer modo, concorra para a prática dos crimes previstos no artigo 50 incide nas penas a estes cominadas;

2. mister se faz deixar claro aqui, para melhor compreensão da situação em comento o que seja loteamento clandestino e irregular. Loteamento clandestino é aquele não existe no mundo jurídico, ou seja, não foi levado a registro. Já o loteamento irregular é aquele que tendo sido registrado, o empreendedor não realizou, no tempo hábil, as obras de infra-estrutura. Ou, as tendo realizado, o fez em desacordo com o projeto aprovado pelo Poder Público competente;

3. nas condições acima, pode-se afirmar que o loteamento Jardim São Judas Tadeu é clandestino, posto que sequer está aprovado pelo Município e, por conseqüência, não foi registrado. Sua regularização não demanda apenas o registro do loteamento como também a realização - nas condições impostas pela lei e pelo próprio Município no ato da aprovação do projeto - de todos os atos, obras e benfeitorias que o loteador estaria obrigado a fazer;

4. não há óbice legal em que o registro seja feito antes das obras de infra-estrutura. Aliás, nas condições em que se encontram o referido parcelamento e os consumidores, o pronto registro do loteamento se impõe como medida de direito e justiça.

A. Das responsabilidades do réu para com os consumidores que adquiriram lotes no Jardim São Judas Tadeu:

          1. Da obrigação do demandado de regularizar o loteamento São Judas Tadeu, de acordo com a Lei n.o 6.766/79:

          A princípio, o dever de executar as obras de infra-estrutura e de regularizar é da empreendedora. Na omissão desta, a obrigação é repassada, prontamente, para o Município, por força de disposição expressa do artigo 40 da Lei Federal nº 6.766/79, " in verbis":

" Art. 40 – A Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, se desatendida pelo loteador a notificação, poderá regularizar loteamento ou desmembramento não autorizado ou executado em observância das determinações do ato administrativo de licença, para evitar lesão aos seus padrões de desenvolvimento urbano e na defesa dos direitos dos adquirentes dos lotes.

(....).

§ 2 - As importâncias despendidas pela Prefeitura Municipal, ou pelo Distrito Federal quando for o caso, para regularizar o loteamento ou desmembramento, caso não sejam integralmente ressarcidas conforme o disposto no parágrafo anterior, serão exigidas na parte faltante do loteador, aplicando-se o disposto no Artigo 47 desta Lei.

(....).

§ 4 - A Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, para assegurar a regularização do loteamento ou desmembramento, bem como o ressarcimento integral de importâncias despendidas, ou a despender, poderá promover judicialmente os procedimentos cautelares necessários aos fins colimados."

É essencial também destacar na íntegra o item "g", A.4.2.2, II, Lei Municipal n.º 2.567/88:

"g) findo os prazos do cronograma da prorrogação, se houver, a Prefeitura Municipal executará hipoteca mencionada, subrogando-se nas obrigações do loteador, e os recursos financeiros oriundos dos lotes hipotecados, serão alocados em sub-conta específica do Fundo Municipal de desenvolvimento Urbano, destinados a execução das obras de infra-estrutura."

Assim, tendo o loteador vendido lote clandestino; e tendo seu representante legal deixado este Município sem cumprir as obrigações assumidas e impostas pela lei, cabe ao Município de Campo Grande a responsabilidade de regularizar o parcelamento em questão.

Note-se que a lei não impõe o dever ao Município de regularizar o loteamento tão somente quanto ele agir com culpa, a única exigência é a de que o loteador não tenha cumprido essa tarefa. Assim, a responsabilidade do réu é objetiva.

2. Da obrigação do Município de regularizar o loteamento São Judas Tadeu, de acordo com a Constituição Federal e as lei municipais em vigor:

A urbanização é tarefa eminentemente pública e o empresário-loteador, antes de fracionar o solo, deve submeter seu intento às conveniências da coletividade, para que este seja tido por viável, dentro da obrigação da função social do uso da propriedade.

A realização de loteamento em total desacordo com as leis que regem o parcelamento do solo constitui-se em ato danoso, capaz de gerar situação prejudicial para os adquirentes desavisados, bem como para a Municipalidade, que se vê obrigada a conviver com situação de risco potencial e desrespeito ao bem estar público.

Neste contesto, o Poder Público municipal tem papel preponderante a realizar, quer fiscalizando todas as áreas urbanas que compõe o município, para detectar, debelar, coibir e determinar a correção de parcelamentos clandestinos e irregulares; quer analisando, corrigindo e aprovando projetos de parcelamento; quer regularizando todos os loteamentos clandestinos e irregulares.

É, exatamente, pela existência de tamanha responsabilidade do Município que a Constituição da República Federativa do Brasil prevê, em seu artigo 182, que compete à Administração Municipal disciplinar, no âmbito de seu território, o uso da propriedade com vistas ao cumprimento de sua função social.

Eis o teor do referido artigo:

Art. 182 - A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

§ 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.

§ 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.

De pouco adiantaria se ter um plano diretor, como instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana, se o Executivo se mantém omisso, não o cumprindo nem o fazendo cumprir, bem como é vã a previsão constitucional de que a propriedade deve atender sua função social se o Poder Público municipal não toma as medidas necessárias para que tal mandamento se concretize no município.

Ainda, no sentido de determinar o dever-poder da Administração Público de defender o consumidor em geral, dentre eles os que compram ou que se comprometem a comprar lotes de terrenos, a mesma Carta Política determina:

"Art. 5º. (....).

"XXXII – o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;"

(....).

170 . A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

I – (...)

V – defesa do consumidor"

Quando a Constituição Federal fala em Estado, ela não está se referindo apenas aos estados-membros, mas o faz de uma forma genérica, querendo, com isso, abranger, latus sensus, todos os níveis de Poder, quer Federal, quer Estadual, quer Municipal. Assim é que, constitucionalmente, o Município tem sim o dever de defender o consumidor e quando não o faz está ferindo o próprio princípio democrático estabelecido pela Carta Maior, cujo ápice é de que "todo poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido".

Atendendo a estes princípios constitucionais e ao seu papel legiferante supletivo, as normas municipais têm disciplinado de forma eficaz a ocupação do solo urbano do município campo-grandense. Tanto é verdade que a Lei Orgânica de Campo Grande dispõe:

"Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais do Município:

I – garantir o desenvolvimento municipal;

II – promover o bem da comunidade campo-grandense, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação;

III – zelar pelo respeito, em seu território, aos direitos e garantias assegurados pela Constituição Federal.

(....).

Art. 8º - Compete ao Município, além do estabelecido no art. 30 da Constituição Federal:

III – elaborar e executar a política de desenvolvimento urbano, com o objetivo de ordenar a função social das áreas habitadas do Município e garantir o bem estar de sua população;

(....).

Art. 47 – (....).

Parágrafo único – São objetos de Leis Complementares, as seguintes matérias:

(....);

V – Lei de Ordenamento do Uso e Ocupação do Solo;"

Continuando na mesma linha e visando sempre os objetivos constitucionais, é que, ao tratar do Planejamento Municipal, a Lei Orgânica prevê, em seu artigo 108, que:

"O Governo Municipal manterá processo permanente de planejamento, visando promover o desenvolvimento do Município, o bem estar da população e a melhoria da prestação dos serviços públicos municipais."

Ainda, a mesma Lei Orgânica explicita em capítulo dedicado à Política Urbana:

"Art. 116 - A Política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público Municipal dentro de um processo de planejamento permanente, tem por finalidade ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem estar dos seus habitantes, atendendo às diretrizes e aos objetivos estabelecidos no plano diretor.

Parágrafo único – As funções sociais da cidade dependem do acesso de todos os cidadãos aos bens e aos serviços urbanos, assegurando-lhes condições de vida e moradia compatíveis com o estágio de desenvolvimento do Município.

Artigo 117 – O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.

§ 1º - O plano diretor fixará os critérios que assegurem a função social da propriedade, cujo uso e ocupação deverão respeitar a legislação urbanística, a proteção do patrimônio ambiental natural e construído e o interesse coletivo.

(....).

Art. 119 – O Município promoverá, em consonância com sua política urbana, respeitadas as disposições do plano diretor, programas de habitação popular e de saneamento básico destinados a melhorar as condições de moradia, sanitárias e ambientais da população carente no Município.

§ 1º - A ação do Municício deverá orientar-se para:

(....);

III – urbanizar, regularizar e titular as áreas ocupadas por população de baixa renda, passíveis de urbanização.

No Capítulo "Da Assistência Social", em sua Seção I, "Dos Princípios Gerais", a predita Lei Orgânica municipal contempla:

"Art. 158 – A ação do Município no campo da assistência social, além do estabelecido no art. 203 da Constituição Federal, objetivará promover:

(....);

IV – criação de meios de defesa ao consumidor."

É preciso que se ressalte que, no caso em exame, o empreendimento é destinado à habitação da classe pobre, motivo pelo qual as práticas ilegais levadas a cabo pelo loteador deveriam ter sido duramente fiscalizadas e combatidas pelo réu.

Longe de cumprir todos esse deveres, o demandado manteve-se, o tempo todo, no caso em exame, totalmente omisso e conivente. Como se não bastasse, o Senhor Secretário da Semur, em audiência na Promotoria de Justiça do Consumidor, Habitação e Urbanismo, teve o desplante de dizer que o Município não tem o dever de defender o consumidor. Está aí a razão de todo o equívoco. Se quem tem o dever de conhecer, obedecer e fazer obedecer a lei, sequer a conhece, como se pode exigir que o Município réu não seja omisso. Diante dessa constatação, só apelando para o Poder Judiciário, para que, através de um comando concreto, exija do administrador público que cumpra a lei, defendendo a coletividade e o plano diretor de urbanismo.

Não se pode deixar de indagar, a respeito do aludido acima, que se o município réu não agiu porque entende que não tem o dever de defender o consumidor, por que não tomou as medidas cabíveis então para, pelo menos, fazer com que o parcelamento urbano se fizesse de uma forma planejada e de acordo com as normas legais em vigor?

É ainda previsão constitucional de que a responsabilidade da administração pública é objetiva, nos termos do artigo 37, § 6º, da Constituição da República Federativa do Brasil, bastando ao lesado comprovar apenas o nexo de causalidade, o que já foi suficientemente demonstrado ao longo desta peça.

3. Da obrigação do réu regularizar o loteamento São Judas Tadeu, sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor:

Mesmo que as leis acima citadas não tivessem fixado, com tanta clareza, a responsabilidade do Município de regularizar, na omissão do loteador, o Jardim São Judas Tadeu, o Código de Defesa do Consumidor não permitiria que o réu ficasse ileso dessa obrigação.

De fato, o CDC, que se aplica também ao réu no presente caso, estabelece que são responsáveis solidários todos os que de alguma forma deram causa ao dano. Nesse sentido, estão os artigos 7º, parágrafo único, e 25, § 1º, "in verbis":

"Artigo 7º - (....).

Parágrafo único - tendo mais de um autor a ofensa todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo".

"Art. 25. (....).

§ 1º. Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas Seções anteriores."

Sem sombra de dúvida, o réu não só foi responsável pela causação do dano quando podia e devia agir para evitá-lo e nada fez, além do que deu informação enganosa, por omissão, ao consumidor, quando disse que o loteamento estava aprovado, sem lhe explicar que isso não dava direito ao empreendedor de comercializar os lotes.

O consumidor tinha o direito de receber uma informação adequada, clara e completa a respeito do loteamento onde ele queria comprar um lote, para estabelecer moradia. No entanto os representantes do demandado se contentaram em dizer apenas que o loteamento se encontrava aprovado. Além de mentirosa tal informação ela é omissiva, dado que o loteamento não estava aprovado. O que o Município aprovou, em 07.08.95, foi o projeto do loteamento e não o próprio loteamento.

Por outro lado, além que não devesse permitir a venda de loteamentos clandestinos, deveria fazer retirar do contrato padrão usado pelo loteador de que o loteamento estava em "fase de aprovação", posto que de loteamento em fase de aprovação não se pode fazer sequer publicidade. Não só se omitiu, como também reforçou informação enganosa feita ao consumidor leigo e vulnerável.

O Código de Defesa do Consumidor condena tal comportamento nos seguintes termos:

"Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:

(....);

III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

(....).

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

(....).

"30 - toda informação ou publicidade, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação, com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado".

Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.

(....).

Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

§ 1º. É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços."

Além de tudo que acima foi dito, há que se acrescentar também que o réu feriu o CDC, quando, para proteger o consumidor:

a) não notificou os adquirentes, como prevê o art. 38, "caput", da Lei 6.766/79, para que suspendessem o pagamento das prestações, tão logo constatou as irregularidades na execução do loteamento;

b) não preveniu os futuros compradores, a fim de evitar provável lesão aos seus direitos;

c) não exigiu do loteador mafioso as garantia necessárias, com realização da hipoteca prevista em lei;

d) não promoveu, de pronto, a regularização do loteamento, como era do seu dever, aumentando, ainda mais, os prejuízos do consumidor.

É sabido que o Poder Público Municipal tem por dever a obrigação de defender o consumidor, o que compreende, indubitavelmente, o dever de prevenir os danos.

A própria Lei Orgânica municipal, no Capítulo "Da Assistência Social", em sua Seção I, "Dos Princípios Gerais", prevê:

"Art. 158 – A ação do Município no campo da assistência social, além do estabelecido no art. 203 da Constituição Federal, objetivará promover:

(....);

IV – criação de meios de defesa ao consumidor."

O Codecon reforça tal mandamento nos seguintes dispositivos:

Art. 4º. A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;

II - ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor:

a) por iniciativa direta;

b) por incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas;

c) pela presença do Estado no mercado de consumo;

d) pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho;

(....);

IV - educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo;

(....);

VI - coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores;

VII - racionalização e melhoria dos serviços públicos;

(....).

Art. 5º. Para a execução da Política Nacional das Relações de Consumo, contará o Poder Público com os seguintes instrumentos, entre outros:

(....).

§ 1º. Os Estados, Distrito Federal e Municípios manterão órgãos de atendimento gratuito para orientação dos consumidores.

§ 2º. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão fiscalizar preços e autuar os infratores, observado seu prévio tabelamento pela autoridade competente.

Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:

(....)

VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;

VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção jurídica, administrativa e técnica aos necessitados;

(....);

X - a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral."

Eis aí, Senhor Julgador, as disposições inequívocas de que o réu deveria, como deve, proteger o consumidor e não só ver nele um cidadão a ser explorado, como pagador de tributos.

O Estado mínimo, pregado pelo neoliberalismo, só existe quando se trata de o Poder Público cumprir suas obrigações, posto que na ora de achacar o cidadão com tributos exorbitantes e de toda ordem só se vê o Estado máximo e vilão.

Há que se deixar assentado, por fim, que a responsabilidade do Município, também na visão do CDC, é objetiva. Tal se depreende da leitura dos artigos 14 e 22, "in verbis":

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

"Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste Código."


4. Das responsabilidades penais dos representantes e dos funcionários do réu:

Os funcionários e os representantes do réu foram benevolentes e complacentes para com o loteador criminoso e usurário, que prejudicou em muito os consumidores. Tal comportamento, salvo outros mais graves, constitui crimes de prevaricação, de venda de lotes não aprovados e de publicidade enganosa.

Isso porque, além de não terem coibido a venda dos lotes nem corrigido a informação enganosa constante no contrato padrão do loteador, ainda deram informação enganosa por omissão.

A responsabilidade penal dos funcionários do réu se deu principalmente em função da omissão cometida por eles, já que ela foi relevante. Sem ela o consumidor não teriam sido ludibriados pelo empreendedor.

Nesse sentido, a advertência do ilustre Magistrado NARCISO ORLANDI NETO (Os Loteamentos Irregulares e sua Regularização, em Revista do Advogado, nº 18, p. 6):

"O absoluto desprezo das regras de urbanização pelas Prefeituras, ao longo dos tempos, causou inúmeros problemas que, em áreas diferentes, têm recebido a atenção de juristas e administradores. A ocupação desordenada do solo foi causa das "Vilas Parisi" do Brasil todo.

"Quando se procura limitar a poluição lançada pelas indústrias, está se tentando resolver um problema que não deveria ter surgido: a ocupação, com moradias, de área estritamente industrial, ou a instalação, em área residencial, de indústrias poluidoras. Quando se pretende eliminar a poluição dos mananciais, o que se quer é corrigir erros anteriores, como a facilitação e até o incentivo à ocupação das regiões próximas dos mananciais. Quando se intenta regularizar os loteamentos irregulares, o objetivo é corrigir a omissão dos antigos (e atuais) administradores.

"Nenhum dos problemas urbanos surgiu sem o concurso das administrações"

Assim, os representantes do demandado, concorreram de maneira preponderante para que os crimes acima referidos fossem praticados.

Tal maneira de pensar está assentada nos artigos abaixo transcritos:

CÓDIGO PENAL:

Art. 13, Art. 13 - O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.

(....).

§ 2º - A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:

a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;

(....);

c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.

Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.

LEI 6.766/79:

Artigo 50 - Constitui crime contra a Administração Pública:

I - dar início, de qualquer modo, ou efetuar loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos sem autorização do órgão público competente, ou em desacordo com as disposições desta Lei ou das normas pertinentes do Distrito Federal, Estados e Municípios;

(....);

III - fazer, ou veicular em proposta, contrato, prospecto ou comunicação ao público ou a interessados, afirmação falsa sobre a legalidade de loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos, ou ocultar fraudulentamente fato a ele relativo.

Pena: Reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa de 5 (cinco) a 50 (cinqüenta) vezes o maior salário mínimo vigente no País.

Parágrafo único. O crime definido neste artigo é qualificado, se cometido:

I - por meio de venda, promessa de venda, reserva de lote ou quaisquer outros instrumentos que manifestem a intenção de vender lote em loteamento ou desmembramento não registrado no Registro de Imóveis competente;

(....).

Pena: Reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de 10 (dez) a 100 (cem) vezes o maior salário mínimo vigente no País.

Artigo 51 - Quem, de qualquer modo, concorra para a prática dos crimes previstos no artigo anterior desta Lei incide nas penas a estes cominadas, considerados em especial os atos praticados na qualidade de mandatário de loteador, diretor ou gerente de sociedade.

CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR:

Art. 66. Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços:

Pena - Detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano e multa."

Art. 66. Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços:

Pena - Detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano e multa.

(....).

§ 2º. Se o crime é culposo:

Pena - Detenção de 1 (um) a 6 (seis) meses ou multa.

Art. 67. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou abusiva:

Pena - Detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano e multa.

Art. 75. Quem, de qualquer forma, concorrer para os crimes referidos neste Código incide nas penas a esses cominadas na medida de sua culpabilidade, bem como o diretor, administrador ou gerente da pessoa jurídica que promover, permitir ou por qualquer modo aprovar o fornecimento, oferta, exposição à venda ou manutenção em depósito de produtos ou a oferta e prestação de serviços nas condições por ele proibidas.

Se não fosse pelo amor a ética e ao bom senso, diante de tantas aberrações e omissões dever-se-ia perguntar: quanto os representantes do réu receberam para dar informações enganosas ao consumidor e para fechar os olhos às enormes ilegalidades praticadas pelo loteador?

Pelo que foi dito acima, não tem como afastar a responsabilidade criminal dos representantes do réu.

B. Do direito à propriedade:

Ser proprietário significa ter o direito de usar, gozar e dispor de um bem(2), e bem é toda utilidade material, ou imaterial, sobre a qual incide a faculdade de agir do sujeito(3).

Sendo que para ser considerada plena esse propriedade, há a necessidade de que todos os seus direitos elementares se acham reunidos no do proprietário(4).

A Constituição Federal, art. 5º, XXII, assegura esse direito que a Municipalidade insiste em não reconhecer, já que restringe aos consumidores, adquirentes de lotes no Jardim São Judas Tadeu, o seu exercício pleno.

Incertos quanto ao futuro do empreendimento, os consumidores deixam de edificar sobre seus terrenos. Os que já edificaram deixam de receber as melhorias devidas, não conseguindo, assim, o uso que originalmente pretendiam. Também não usufruem agradavelmente do direito da propriedade. Como sentir prazer, convivendo diariamente com a insatisfação de ter seus planos adiados, a privacidade espiada, a família e os bens a mercê da sorte, dada a falta de segurança? Nem mesmo exercer o direito de dispor do bem podem esses consumidores, não sem prejuízos, já que o loteamento não se enquadra aos moldes da legislação pertinente, que impede a regularização documental dos mesmos.

C. Dos danos ao consumidor e à toda coletividade:

Os consumidores, adquirentes das frações ideais daquele empreendimento, apesar de terem pago o valor total pelos terrenos, conforme se vê nas cópias dos contratos de compra juntados no PA-012/96, preenchendo também a exigência do artigo 41 da Lei 6.766/79, não tiveram as contra prestações totalmente satisfeitas.

Não teve o Poder Público Municipal o respeito e a atenção para com os direitos do cidadão e consumidor, preceitos protegidos, no caso, pela Constituição Federal, artigos 1º, III; 3º, III e IV; 30, VIII, pelo Código de Defesa do Consumidor, artigo 6º, X; pela Lei 6.766/79, artigo 38; pela Lei Orgânica do Município de Campo Grande – MS, artigos 8º, III; 108, parágrafo único; 116, parágrafo único e pela Lei Municipal 2.567/88, art. 3º, I, III, V e VI.

O réu, dessa forma, produziu, e ainda produz, danos aos consumidores adquirentes daqueles lotes, que dada sua omissão foram clandestinamente parcelados e comercializados. E não é só, toda a sociedade também está sendo atingida à medida que vê os impostos que recolhe sendo engolidos por uma máquina administrativa ineficiente, perde também com os impostos que deixa de arrecadar (IPTU), uma vez que, esses lotes não existindo de direito, não há cobrança dos impostos devidos.

Os danos advindos dessa omissão são muitos e variados.

Os adquirentes das frações ideais do loteamento "Jardim São Judas Tadeu" convivem desde sempre com problemas de infra-estrutura: falta de saneamento básico, de energia elétrica, de iluminação pública, e de pavimentação, etc.

Visitando o loteamento, constata-se o que está aqui narrado. A título de ilustração, o arruamento está quase todo ele prejudicado, não há como distinguir o espaço destinado aos pedestres e o utilizado pelos veículos, pois não existe nenhum demarcação; os espaços destinados a circulação são disputados indiscriminadamente por pedestres e todo tipo de veículo, caracterizando risco iminente para todos que ali transitam, com ofensa, inclusive, às normas do Código de Trânsito Brasileiro.

O pouco que lá existe foi conseguido através de candidatos à cargos públicos em épocas de eleições. O que é uma obrigação do Poder Público passou a ser favor concedido por esses candidatos.

Dada a inexistência dos equipamentos urbanos os moradores sofrem com a falta de transporte coletivo, com o mato, o lixo e, quando chove, com a lama. Não possuem também qualquer equipamento comunitário de educação, cultura, saúde, lazer ou similares; embora estando estes previstos na Lei 6.766/79, art. 4º, I, parágrafo 2º.

Além da norma, a própria saúde e vida do consumidor estão sendo lesadas.

Não têm esses consumidores a escrituração de seus lotes. Sob a alegação de terem adquirido frações ideais de gleba clandestinamente parcelada, o réu não emite documentação reconhecendo essas porções ideais. O prejuízo é certo. Dada a falta de documentação, esses lotes sofrem grande depreciação e seus proprietários acabam não recebendo o preço justo, na hora da compra. O dano material está mais que caracterizado.

Decorre também da falta de legalização dos lotes problemas com o endereço. Assim, por própria conta e risco os consumidores numeraram suas casas, dando às ruas o nome daquelas as quais se ligam.

Como já não bastassem todos esses prejuízos causados pelo réu, os consumidores ainda estão sendo espoliados por ele, que se utiliza de parte da área institucional daquele loteamento para assentar famílias sem-teto, numa demonstração clara de alteração da destinação originalmente estabelecida para aquela área, o que é vedado pelo artigo 180, inciso VII, da Constituição Estadual(5).

A espoliação se caracteriza pelo fato de terem os consumidores, adquirentes das frações ideais daquele loteamento, pago também pela referida área tida como institucional, pois é certo que o empreendedor ao fazer o levantamento de custos do loteamento, encerre nestes custos o valor da citada área, que por força de lei deverá ser doada a municipalidade para os fins também determinados em Lei, embutindo-o no preço final a ser cobrado pelos lotes.

A área em questão transferida que foi para o domínio público do Município, e que passou a integrar o seu patrimônio, passando a ser bem de uso comum do povo, são reservadas para o fim específico de instalação de equipamentos urbanos e ou comunitários, em prol da comunidade local, sendo que esta especificidade é também determinada por lei(6).

Por não dar, a Municipalidade, a destinação prevista legalmente para a área institucional, aqueles consumidores são obrigados a buscar em outros bairros a educação, a saúde e o lazer, empurrando-os à marginalidade, não como delinqüentes ou vagabundos, mas sim como excluídos do processo de desenvolvimento urbano e social.

Incontestável a lesão de Direito Fundamental desses consumidores: o de habitar com dignidade, e dignidade significa ter respeito e amor próprios.

Nasce agora outro dano: o moral. Este decorrente das insuficientes condições de habitação enfrentadas por esses moradores, espoliados também de seu sonho de galgarem vida melhor. O preceito constitucional, em seu artigo 5º, V e X, salvaguarda a reparação do dano moral, elevando a obrigação da reparação do dano moral a posição de direito fundamental. Então, este também deverá ser reparado, sem prejuízo dos danos materiais supra citados (Art. 95, do Código de Defesa do Consumidor).

D. Da impossibilidade da denunciação a lide:

Utilizar o réu do instituto da denunciação à lide para tentar trazer para o pólo passivo da presente ação civil pública a Empresa Ego Construções de Rondônia S.A. significará a perpetuação da não solução para um problema que já se arrasta por 5 (cinco) anos. Acionar a empresa empreendedora e ou seus sócios, nada mais será que delongar a reparação dos danos sofridos pelos consumidores, uma vez que a empresa encerrou suas atividades nesta cidade, tomando rumo incerto e não deixando bens a serem arrecadados, além de solidificar a omissão, o descaso e o desrespeito do réu. Aceitar tal subterfúgio é o mesmo que trazer infundadas, inúteis e intermináveis diligências e prejuízo ainda maior aos consumidores, assoberbando ainda mais o Judiciário com atos estéreis.

Qualquer tentativa de denunciação à lide deve ser rechaçada também em função do Código de Defesa do Consumidor, que, através de seu artigo 88, veda tal prática. O réu poderá valer-se sim das benesses prevista no artigo 13, parágrafo único do CDC, caso ressarça de pronto o consumidor lesado.

Este é, aliás, o entendimento de Arruda Alvim e Thereza Alvim, "in verbis":

"Admitida é a ação e processo, autônomos, de regresso, ou a possibilidade de prosseguir nos mesmos autos, mas sempre com autonomia, por aquele que pagou, contra o ou os responsáveis causais ou originários (art. 13 incisos I e II, especialmente) pela causação do evento danoso e na medida da participação destes" (Código de Defesa do Consumidor Comentado, 2ª edição – 2ª tiragem, Arruda Alvim & Thereza Alvim, Ed. Revista dos Tribunais, pg. 412).

No mesmo sentido, a Lei n.o 6.766/79, artigos 40, parágrafos 1º, 2º e 4º; e 47; que prevêem, de maneira clara e objetiva, que o Município deve promover a regularização dos loteamentos clandestino, com direito a ação regressiva contra a empreendedora.

E. Da inconstitucionalidade e da ilegalidade da doação de área institucional:

A doação de parte da área institucional do Jardim São Judas Tadeu ofendeu o inciso VIII do artigo 30 da Constituição da República Federativa do Brasil, além de ter ferido de morte o artigo 17 da Lei 6.766/87; o inciso VI do art. 6º do Código de Defesa do Consumidor; e o Anexo VI, A. 4.2.5 da Lei Orgânica Municipal.

Há de se observar que a Lei n.o 3.348 que autorizou a desafetação da referida área não autorizou o Senhor Prefeito Municipal a doar áreas institucionais. Ela apenas o autorizou a alienar e permutar tal área, tendo, portanto, o Decreto que fez a doação de parte da área institucional a 6 famílias de sem-tetos não respeitado os termos e os limites da autorização, o que o torna, também por esse ângulo, ilegal.

Vê-se, assim, que o Poder Judiciário pode e deve anular o ato administrativo inquinado de vício incorrigível.

F. Da legitimidade ativa do Ministério Público:

A Carta Maior tratou com especial atenção o consumidor, de forma que seu corpo dispõe sobre a legitimidade do Ministério Público para tutela seus interesses através do que preceituam os artigos 127 e 129, incisos III e IX na seguinte forma:

"Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis".

"Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos".

IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas"

Para que se promova de forma efetiva a proteção ao consumidor, foram criadas leis que propiciam a tutela dos seus direitos. Algumas delas guardam a característica de serem de ordem pública e interesse social, isto é, que prevalecem sobre a vontade das partes, como é o caso do Código de Defesa do Consumidor que dispõe:

"Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente ou a título coletivo.

Parágrafo único - A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

(....);

III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente:

I - Ministério Público".

Note-se que a Lei nº 7.347/85, que disciplina a ação civil pública, ampliou a legitimidade do Ministério Público para o ingresso de ações para buscar a responsabilização de empresas que causam danos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor estético, histórico, turístico e paisagístico. (artigo 1º e 5º).

O artigo 26, inciso IV, letra "a", da Lei Estadual nº 072/94 - Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul, estando em consonância plena com o CDC, dispõe:

Art. 26. Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica Nacional do Ministério Público e em outras leis, incumbe, ainda ao Ministério Público:

IV - promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei:

a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos;

Por outro lado, o Ministério Público está defendendo, no presente caso, a ordem jurídica, posto que a soberania da lei deve ser respeitada. Defende também os interesses indisponíveis dos moradores do Jardim São Judas Tadeu, dado que têm eles direito à segurança, a moradia, a saúde, a escola perto de sua casa, transporte coletivo e lazer, que são direitos a respeito dos quais são se pode transigir.

É irrefutável, dessa forma, que o Ministério Público está legitimado para requerer as medidas judiciais que se façam necessárias à prevenção e defesa dos direitos individuais homogêneos dos consumidores e dos cidadãos. Pode-se até afirmar, sem medo do excesso, que neste oportunidade, a iniciativa do Ministério Público se impõe como uma obrigação funcional.

G. Da legitimidade "ad causam" do Município:

Há de se dizer em primeiro lugar que o Município não está na presente ação tão somente como fornecedor dos serviços públicos, mas também como sujeito de obrigação, consistente em promover o bem estar do povo, zelar pelos seus direitos básicos e cumprir e fazer cumprir a lei, falhando neste mister, nasce o dever de reparar os danos causados.

Cuida-se, destarte, de obrigação de fazer, para cuja hipótese o art. 11 da Lei nº 7.347/85:

"Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se este for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento ou autor".

Na mesma linha de soluções, o Codecon estabelece, em seu artigo 84:

"Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento."

Nesse sentido, cabe a lição do Professor PAULO AFFONSO LEME MACHADO, referindo-se ao magistério de PONTES DE MIRANDA:

"O cumprimento de obrigação de fazer ou de não fazer é exigível sempre que, por lei ou convenção, haja pretensão a se exigir de outrem que se abstenha, ou preste fato." (Ação Civil Pública – meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural e tombamento. Ed. RT, 1986, pág. 40).

Conforme preleciona o eminente WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO:

"Nas obrigações de fazer, a prestação consistente num ato do devedor, ou num serviço deste. Qualquer forma de atividade humana, lícita e possível, pode constituir objeto da obrigação." (Curso de Direito Civil, 4º volume, pág. 86, Ed. Saraiva, 1989).

Assim, o Município falhado em seu mister de: a) buscar o bem da comunidade campo-grandense como um todo, sem qualquer distinção; b) de promover e assegurar os direitos e garantias previstos na Constituição Federal; c) elaborar e executar a política de desenvolvimento urbano, com o objetivo de ordenar as áreas habitadas do Município; d) ordenar o pleno desenvolvimento da cidade e garantir o bem estar dos seus habitantes, atendendo às diretrizes e aos objetivos estabelecidos no plano diretor; e) garantir o acesso a todos os cidadãos aos bens e aos serviços urbanos, assegurando-lhes condições de vida e moradia compatíveis com o estágio de desenvolvimento do Município; f) assegurar a função social da propriedade, cujo uso e ocupação deverão respeitar a legislação urbanística e o interesse coletivo; g) regularizar e titular as áreas ocupadas por população de baixa renda; e de h) defender o consumidor, deverá ser responsabilizado pela sua omissão perante o Poder Judiciário, com o fim de ser compelido a cumprir a lei e efetuar as reparações e os ressarcimentos devidos.

Daí a legitimação da Administração Pública municipal para responder à presente ação civil pública, que visa obrigá-la a cumprir o comando legal no sentido de fazê-lo cumprir a política urbanística, nos moldes dos princípios constitucionais invocados e dos demais diplomas que regulam a matéria.

Exemplo digno de ser seguido é o do Município de São Paulo que, em caso idêntico, após terem sido infrutíferos todas as providências administrativas que tomou para que o loteador regularizasse o loteamento (realização de: diligências e vistorias na área; embargo do empreendimento; cientificação dos responsáveis acerca de sua ilegalidade; e cadastramento dos adquirentes de lotes, com vistas à consignação do valor das prestações, com fundamento na norma do art.38, parágrafo 1º, da Lei 6.766/79), propôs, a princípio, Ação Cautelar, com pedido de medida liminar, com vistas à imediata paralisação do empreendimento (Proc. 95/91) e, em seguida (12 de fevereiro de 1.992), ingressou, por dependência, na 12ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, com Ação Condenatória a Obrigação de Fazer e de Não Fazer em face de Associação Filantrópica Cooperativa de Atividades Comunitárias "San Germaine" e outras, para, através de Poder Judiciário, obrigar as empreendedoras a respeitar o direito dos consumidores que estavam e que seriam lesados.

Ao tratar do seu interesse processual, no corpo da petição inicial da ação principal, assim se pronunciou o Município de São Paulo:

"DO LEGÍTIMO INTERESSE PROCESSUAL

Exaurida, sem êxito, a via administrativa, com o intuito de fazer cessar a irregularidade do parcelamento, resta à Municipalidade socorrer-se do Judiciário, com vistas a impedir que o requerido prossiga com a prática de atos ilegais, levados a efeito em atual e iminente prejuízo de terceiros. (destaque do Ministério Público autor).

Saliente-se, ainda, que caso os requeridos não sejam impedidos de dar continuidade às atividades clandestinas, já descritas, os adquirentes sofrerão real prejuízo, pois dificilmente poderão ter seus títulos reconhecidos, já que as unidades alienadas são inferiores ao módulo da região, e a coletividade ver-se-á obrigada a suportar os ônus de conviver com um projeto em desacordo com os reais interesses do Município, contribuindo para o agravamento das condições urbanas da cidade.

Daí a necessidade da medida proposta, que vem a ser, também, o único meio lícito de fazer cessar tal atividade." (dados retirados dos bancos de dados da Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo).

H. Da necessidade da concessão de liminar:

A defesa dos interesses coletivos, em sentido amplo, possui sempre um caráter eminentemente emergencial, daí o ensinamento de José Carlos Barbosa Moreira:

"Se a justiça civil tem aí um papel a desempenhar, ele será necessariamente o de prover no sentido de prevenir ofensas a tais interesses, ou pelo menos de fazê-las cessar o mais depressa possível e evitar-lhes a repetição, nunca o de simplesmente oferecer aos interessados o pífio consolo de uma indenização (grifo nosso) que de modo nenhum os compensaria adequadamente do prejuízo acaso sofrido, insuscetível de medir-se com o metro da pecúnia" (Tutela Sancionária e Tutela Preventiva – Temas de Direito Processual, São Paulo, Saraiva, 1988, pg. 28).

Nesse sentido é o disposto no artigo 84, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor, "in verbis":

"§ 3º. Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu."

O fundamento da demanda, como visto acima, é relevante. Há justificado receio de ineficácia do provimento final da demanda em face de várias lesões que o consumidor vem sofrendo e que podem se perpetuar daqui a um, dois, três ou mais anos, sem que ao final se possa corrigir tal distorção, posto que não haverá nesse caso sequer a pífia indenização de que fala Barbosa Moreira.

Aqui, torna-se inadiável ordenar que o réu tome de imediato as providências necessárias no sentido de aprovar o loteamento, nas condições em que se encontra, promovendo, desde logo, a sua expensa, o registro do mesmo, com o fim de que os consumidores-adquirentes possam escriturar seus imóveis, para poder neles construir sem perigo de terem suas obras embargadas ou mesmo, em caso de venda, não se sentirem obrigados a aliená-los a preço ínfimo por falta de regularização.

Para deixar claro a longa batalha que os consumidores terão pela frente para conseguir uma ação efetiva do réu, no sentido de ver garantido seus direitos, cita-se aqui o histórico de uma ação civil pública proposta pelo Ministério Público em 26 de julho de 1991, com o fim de que o réu regularizasse o loteamento Jardim das Macaúbas, construindo as obras de infra estrutura (f. 517 a 527 dos autos de PA 012/96).

É importante frisar que o loteamento foi aprovado em 30 de julho de 1982.

No dia 01 de setembro de 1993, o juiz singular proferiu sentença procedente (f. 531 a 536 do PA), dando ganho de causa ao autor, sendo que desta decisão o Município interpôs recurso, que foi, no dia 09 de maio de 1995, julgado improcedente (f. 537 a 545 do PA).

Transitado em julgado a decisão, sem que o réu a cumprisse, o Ministério Público, no dia 16 de outubro de 1995, ingressou com a competente ação de execução (f. 528-529 do PA) contra a qual o Município interpôs embargos que foram igualmente julgados improcedentes.

Cabe noticiar que a ação específica se encontra em trâmite a até hoje, sem qualquer resposta positiva para o consumidor lesado.

Vê-se, pela exposição, que os habitantes do Jardim da Macaúbas estão no prejuízo desde 1982, quando adquiriram o loteamento. Há 17 anos, portanto.

Como se não bastasse, no dia 3 de setembro de 1997, o Município ingressou com ação rescisória em face do Estado de Mato Grosso do Sul (f. 546 a 562), com o fim de anular a sentença anteriormente referida.

Tudo tem feito o réu para descumprir a determinação judicial, sob o pretexto de que só a Administração Pública pode determinar a conveniência e oportunidade da feitura das obras e que a decisão judicial constitui-se em uma afronta a independência e harmonia dos Poderes.

Ora, os consumidores não podem ficar, "ad eternum", esperando pela boa vontade do Administrador Público omisso e prevaricador.

Por outro lado, não se pode tirar da apreciação do Poder Judiciário nem uma lesão ou ameaça de lesão aos direitos do consumidor e do cidadão.

Por conta desse abusos, esta Promotoria de Justiça do Consumidor está representando ao Senhor Procurador-Geral de Justiça para que tome as medidas criminais cabíveis pela prática de crime de responsabilidade, por parte do Senhor Prefeito Municipal, que não quer cumprir decisão judicial transitada em julgado.

Diante do relatado supra, parte da tutela há de ser, de pronto, deferida, tanto para evitar maiores e irreparáveis prejuízos aos consumidores, como para prevenir outros danos de igual monta.


III. DOS PEDIDOS:

          A. Do pedido de antecipação de tutela:

          Diante do exposto, o Ministério Público requer à V.Exa. a concessão de liminar, "initio litis" e "inaudita altera pars", com expedição de mandado, para impor que o réu tome, no prazo de 30 dias e a suas expensas, todas as providências necessárias no sentido de aprovar o loteamento, nas condições em que se encontra, promovendo, desde logo, seu respectivo registro e emitindo toda a documentação que se fizer necessária aos adquirentes de imóveis no loteamento "Jardim São Judas Tadeu", para que possam escriturá-los junto ao Cartório de Registro de Imóveis competente, observadas as determinações do artigo 41 da Lei nº 6.766/79, sob pena do crime de responsabilidade e do pagamento de multa diária a ser fixada por esse juízo, em valores tais que desestimule o réu a descumprir a determinação judicial.

          B. Dos pedidos de tutela definitiva:

          Requer ainda o autor o julgamento procedente da presente demanda, para manutenção definitiva da liminar requerida, condenando-se o réu a:

  1. tomar, a suas expensas, todas as medidas que se fizerem necessárias para aprovar o loteamento, promovendo seu respectivo registro e emitindo toda a documentação que se fizer necessária para que os adquirentes de imóveis no loteamento "Jardim São Judas Tadeu" possam escriturá-los junto ao Cartório de Registro de Imóveis competente, observadas as determinações da Lei nº 6.766/79 e da lei municipal competente, salvo na parte que impeçam o pronto registro do loteamento, para que não se cause maiores prejuízos aos consumidores;
  2. concluir - em prazo não excedente a um ano, a ser fixado na sentença (Código de Processo Civil, artigos 632 e 633) - todas as obras de infra-estrutura necessárias ao enquadramento do loteamento às exigências legais em vigor e ao que foi veiculado na publicidade feita pela empreendedora, notadamente a construção de calçadas, de galeria de recolhimento de água pluvial, de rede de esgoto, de guias e sarjetas e pavimentação asfáltica, conforme determinações legais pertinentes, em especial aquelas contidas no artigo 40, "caput", da Lei n.o 6.766, de 19 de Dezembro de 1979 e de acordo com os padrões exigidos pelo Poder Público ao loteador (documento de f.328 e 329 dos autos de PA 012/96);
  3. fazer as ampliações de ruas e avenidas e realizar o revestimento primário em todas as vias, conforme consta das exigências contidas no documento de f. 328 dos autos de PA 012/96.
  4. proceder a utilização correta da área institucional com a colocação, construção e meios para seu adequado funcionamento de equipamentos comunitários de educação, cultura, saúde e lazer;
  5. anular qualquer doação ou venda feita de áreas institucionais, restabelecendo a área como área de uso comum do povo, declarando inconstitucional e ilegal a lei que autorizou ao Senhor Prefeito Municipal a fazer a desafetação e a doação da área em questão, bem como do decreto que concretizou tal autorização, por vício de forma e de substância;
  6. retirar todas as famílias que se encontram nas áreas institucionais, demolindo-se todas as construções que não tenham utilidade alguma para a comunidade do Jardim São Judas Tadeu, ou, em sendo outro o entendimento desse juízo, que seja determinado ao réu que indenize, proporcionalmente, todos os proprietários daqueles lotes, face ao desvio da destinação originalmente dada a área institucional, em virtude do desmembramento e doação de terrenos e assentamento de famílias no local (nos termos do artigo 289 do Código de Processo Civil);
  7. pagar multa diária, para cuja estimativa sugere o valor de R$100.000,00, devida somente se, ao término do prazo fixado na sentença, houver o descumprimento das obrigações de fazer que forem determinadas por esse juízo, quantia esta sujeita à correção monetária, pelos índices oficiais, desde a distribuição da inicial até o efetivo adimplemento e destinada a recolhimento no Fundo Estadual de Defesa do Consumidor, isso sem prejuízo da responsabilização do representante do réu por prática do crime previsto no artigo 1º, inciso XIV, do Decreto-lei 201/67;
  8. ressarcir, genericamente, nos termos do artigo 95 do CDC, os danos econômicos e morais causados aos consumidores adquirentes de imóveis do loteamento São Judas Tadeu, condenação esta a ser liquidada e executada individualmente por cada consumidor lesado;
  9. exigir, doravante, de todos os loteadores - para aprovação do loteamento que for comercializado sem as obras de infra-estrutura e para o qual o réu aprove um cronograma com a duração máxima de 2 (dois) anos, conforme previsto no artigo 18, inciso V, "in fine", da Lei n.o 6.766/79 - garantia real e suficiente para a execução das obras, sob pena do pagamento de R$ 100.000,00 (cem mil reais) por cada loteamento de terrenos aprovados sem a respectiva garantia, quantia esta sujeita à correção monetária, pelos índices oficiais, desde a distribuição da inicial até o efetivo adimplemento e a ser depositada no Fundo Estadual de Defesa dos Direitos do Consumidor;
  10. regularizar todos e quaisquer loteamentos clandestinos e/ou irregulares que existem ou vierem a existir no Município de Campo Grande, no prazo de 2 anos para os já existente e de 1 ano para aqueles que, em virtude da omissão do Poder Público municipal, vierem a existir, sob pena do crime de responsabilidade e do pagamento de multa diária a ser fixada por esse juízo, em valores tais que desestimule o réu a descumprir a determinação judicial.
  11. manter, na SEMUR – Secretaria Municipal de Controle Urbanístico, um balcão de informações aos consumidores, de forma que o demandado forneça todas as informações necessárias ao consumidor sobre o loteamento em que o consumidor comprou ou pretende comprar lotes, inclusive se o consumidor deve cessar ou não os pagamentos ao loteador e, em caso de cessar, a quem deverá pagar as parcelas restantes, sob pena do pagamento de multa no valor de 500 Ufires por cada informação enganosa, seja por ação ou omissão;
  12. a notificar, por escrito, a todos os consumidores que vierem a adquirir terrenos em parcelamento clandestino ou irregular, nos termos e para os fins do artigo 38, "caput", da Lei 6.766/79, sob pena do pagamento de multa no valor de 1.000 Ufirs, por cada notificação que deixar de expedir, sem prejuízo de ser responsabilizado pelos prejuízos materiais e morais que os consumidores vierem a sofrer em função dessa omissão do réu;
  13. pagar as custas processuais e os honorários advocatícios, estes a serem recolhidos ao Fundo Estadual de Manutenção e Desenvolvimento do Ministério Público, criado por Lei Estadual;

C. Dos requerimentos finais:

          Requer, finalmente, o Ministério Público:

  1. a citação do réu, na pessoa de seu representante legal, na forma prevista nos artigos 12, inciso IV e 213 e seguintes do Código de Processo Civil, e sob a autorização do artigo 172, § 2º, do mesmo códex processual, para que, querendo, conteste a presente, sob pena de revelia e confissão sob matéria de fato;
  2. a juntada dos autos do Procedimento Administrativo nº 012/96, concluídos por esta Promotoria de Justiça do Consumidor, como prova documental em desfavor do réu;
  3. a inversão do ônus da prova, em favor do consumidor, caso se fizer necessária;
  4. a dispensa do pagamento de custas, emolumentos e outros encargos, à vista do disposto nos artigos 18, da Lei 7.347/85 e 87 da Lei 8.078/90;
  5. a publicação de edital no órgão oficial, a fim de que os interessados, querendo, possam intervir no processo como litisconsortes, sem prejuízo de ampla divulgação pelos meios de comunicação social por parte deste Órgão de Defesa do Consumidor, tudo com previsão no Artigo 94, da Lei 8.078/90.

No presente caso, pleiteia-se também o prequestionamento de todas as questões legais e constitucionais aduzidas, para fins de possibilidade recursal à Corte Superior, notadamente aos Colendos Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal.

Embora esta ação seja de natureza economicamente inestimável, dá-se à causa, meramente para os efeitos legais, o valor de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais).

Protesta provar o alegado pelos meios de prova em direito permitidos, notadamente por perícias, a juntada de novos documentos, oitiva do representante da demandada e de testemunhas, cujo rol, se necessário, será oferecido oportunamente.

Termos em que,
          Pede deferimento.

Campo Grande, 11 de maio de 1999.

Amilton Plácido da Rosa
Promotor de Justiça do Consumidor


Autor


Informações sobre o texto

Ação civil pública contra o Município de Campo Grande, obrigando-o a regularizar a situação de todos os loteamentos irregulares daquela cidade e a lhes dar toda a estrutura necessária, de acordo com o plano urbanístico.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSA, Amilton Plácido da. Ação civil pública para regularização de loteamentos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 35, 1 out. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/16007. Acesso em: 8 maio 2024.