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Ação civil pública para instalação de defensoria pública

Ação civil pública para instalação de defensoria pública

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A descomunal comarca de Juína, cuja extensão territorial é superior a muitos estados da federação, contando com estradas em péssimas condições de tráfego, abrange os municípios de Castanheira, Cotriguaçu, Juruena, Aripuanã, Juína, Rondolândia e Colniza, além de inúmeros distritos. Em face da extrema necessidade e histórica omissão estatal, o promotor ajuizou, em novembro de 1999, ação civil pública contra o Estado do Mato Grosso, com vistas à instalação da Defensoria Pública na Comarca de Juína. Foi deferida a liminar, determinando multa cominatória de R$10.000,00 para cada dia que a Comarca ficasse sem defensor público, a ser recolhida ao Fundo Estadual de Reparação de Direitos Difusos e Coletivos, somente podendo a Administração Estadual liberar os valores mediante alvará judicial onde se comprovem gastos efetivos com o cumprimento do pedido formulado nesta referida ação civil pública. Com a instalação da Defensoria Pública nesta Comarca, agora uma realidade, o defensor público começou nela a antender desde o dia 25 de fevereiro de 2000. Segue a inicial, que aborda numerosos pontos fáticos e jurídicos.

          EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA COMARCA DE JUÍNA _ MATO GROSSO.

          O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO, por seu Representante infra-firmado, no exercício de suas atribuições legais e constitucionais, legitimado pelo art. 127, caput, e 129, incisos II, III e IX, primeira parte, ambos da Carta Magna da República, art. 103 e ss. da Constituição Estadual, e Lei 7.347/85, principalmente com supedâneo nas presentes peças de informação nº 001/AMS/PJ/99 (fls. 01 a 17), e na condição de Promotor dos Direitos Constitucionais do Cidadão desta Comarca, vem, nos termos dos artigos 282 e seguintes do CPC, propor a presente


AÇÃO CIVIL PÚBLICO COM OBRIGAÇÃO DE FAZER,
CUMULADA COM PEDIDO DE LIMINAR,

          em face do ESTADO DE MATO GROSSO, pessoa jurídica de direito público interno, com domicílio legal em sua capital _ Cuiabá/MT, representado juridicamente _ nos termos do art. 12, I do CPC e art. 112, caput, da Constituição Estadual _ pelo Procurador-Geral do Estado, com domicílio no Centro Político Administrativo, o que faz consoante os seguintes fatos e fundamentos adiante expostos.


I - D O S F A T O S

          Através das peças de informação nº 001/AMS/PJ/99, iniciou-se no âmbito desta Promotoria de Justiça procedimento com vistas a demonstrar ferimento ao direito constitucional e legal dos comarcanos necessitados em ter assegurada, pelo Estado de Mato Grosso, a assistência jurídica integral e gratuita prevista no artigo 134 combinado com o artigo 5º, inciso LXXIV, ambos da Constituição da República, principalmente porque, conforme amplamente divulgado, durante o ano de 1.998 o Governo criou, mediante Lei, após quase uma década, a Defensoria Pública do Estado, o que motivou-se a realização de concurso público para provimento dos respectivos cargos nas várias Comarcas instaladas, além do fato de a OAB, Subseção de Juína/MT, ter recentemente deliberado no sentido de não mais aceitar nomeações dativas.

          Pois bem. Ao término do referido certame, a Comissão de Concurso da Defensoria Pública divulgou, mediante a Resolução nº 007/CCDP/98, o resultado final, onde consta que restaram aprovados 157 (cento e cinqüenta e sete) candidatos a fim de doravante cumprirem o que de há muito preceituam os artigos 134 da Constituição da República e artigos 116/120 da Carta Estadual, conforme publicação contida no Diário Oficial do Estado de 22.10.98, páginas 6 e 7 (doc. nº 01).

          Esse resultado, constantemente noticiado na imprensa e passando imagem positiva do Governo, evidentemente veio como a retirar da omissão o Poder Público, no sentido de que a partir de então todas as Comarcas seriam dotadas de Defensoria Pública, de modo que o Estado, rico em muitos recursos, passaria a cumprir com sua antiga obrigação de oferecer assistência judiciária às pessoas que de alguma forma não pudessem prover às custas do processo sem prejuízo do sustento próprio e dos seus familiares, fazendo efetivamente valer a Constituição cidadã.

          Veja que mediante publicação na imprensa escrita, a respeito da Defensoria Pública, há inclusive divulgado que "a garantia da assistência jurídica, prevista constitucionalmente, é fundamental para assegurar a cidadania plena de todos os cidadãos" (doc. 02 - grifou-se e destacou-se).

          No entanto, logo em seguida e desde então, o prefalado e divulgado respeito aos direitos e garantias fundamentais dos carentes e necessitados não passou, em realidade, daquilo que ficou assinalado nas páginas da imprensa, posto que, dando início ao processo de nomeação e lotação dos aprovados, a Defensoria Pública do Estado fez publicar neste ano corrente as Portarias 002/99, 003/99 e 004/99, página 14 ((DOE de 29.03.99 - doc. 03), constando a nomeação de apenas 28 defensores públicos distribuídos tão somente entre as Comarcas de Cuiabá (13), Várzea Grande (7), Rondonópolis (3), Barra do Garças (2), Cáceres (2) e Chapada dos Guimarães (1) (?), que diga-se de passagem, comarcas estas servidas de há muito pela assistência judiciária gratuita fornecida por acadêmicos das Faculdades de direito (ex.: SAJ _ UFMT, Serviço fornecido pela UNIC, etc.) e mesmo por algumas iniciativas da OAB, além de situarem-se no centro ou próximas deste, onde naturalmente as dificuldades são deveras menores, sendo que nestas supracitadas Comarcas, aqueles que não têm condições de arcar com honorários advocatícios, já podiam de há muito valerem-se igualmente com os serviços da Procuradoria Geral do Estado.

          À evidência, então, na lotação dos poucos defensores, sejam 28 ou 34 profissional (doc. 13), não se observou, em absoluto, o critério da prioridade.

          De outra sorte, e não é segredo para ninguém, o pobre não tem condições de defender, perante a Justiça, seus bens jurídicos. Antes, porém, é seu direito e obrigação estatal facultar-lhe servidor capacitado a desincumbir-se do encargo.

          Não se pode mais continuar admitindo no Brasil de hoje, que aquelas pessoas, pobres na acepção legal, que moram em outros Estados da Federação, tenham o direito efetivo à assistência jurídica gratuita enquanto as que por contingência do destino tenham que aqui residir, embora o tenha igualmente, o têm apenas ilusoriamente, vale dizer, tão somente no papel (CF, artigos 5º, LXXIV e 134; CE, artigo 116/120, Lei nº 1060/50; Leis específicas - Defensoria).

          E, mais. Não se pode criar dentro do próprio Mato Grosso um Estado de desiguais, de modo que aqueles que têm a felicidade e possibilidade de morarem em Cuiabá, Várzea Grande e Barra do Garças, v.g., possam ver cumprido o seu direito constitucional de acesso gratuito à Justiça, e o que os são moradores da Comarca de Juína/MT tenham que aceitar, e continuar aceitando já por mais de uma década, que suas garantias continuem sendo postergadas, desrespeitadas e feridas ante a repisada e alegada falta de recursos, nada obstante o entrar dos anos e o sair dos anos, ficando ad eternum a espera de vontade política a fazer valer aos necessitados o direito de bater às portas do Judiciário, posto que sendo todos iguais perante a lei, não se pode admitir tamanha discriminação.

          De outra banda, percebe-se com grande facilidade no âmbito criminal, pelo menos nesta Comarca, onde os presos são todos pobres, salvo raríssimas exceção, que a omissão do Governo tem interferido negativamente no funcionamento e na realização da Justiça, visto que a tem obrigado a dar solução, as vezes insatisfatória aos casos concretos ante à preocupação de não se incorrer em excesso de prazos (constrangimento ilegal), sendo o descaso estatal responsável igualmente por centenas de prescrição, justamente porque o Poder Público não cumpre com sua obrigação constitucional insculpido no artigo 134 do Texto Maior, bem como nos artigos 116/120 da Constituição Estadual e na Lei especial aplicável à espécie, considerando, ainda, que a morosidade do processo é causa de desprestígio tanto para o Estado-Juiz, quanto para o Estado-Administração.

          Quantas denúncias descrevem fatos da época dos "Garimpo do Arroz", "do Porcão", "do São Luiz", "do Mutum", "do 180", do "Juininha", que hoje, todavia, nem mais existem, ou estão praticamente desativados, que por falta de atuação do Estado a fornecer gratuitamente serviço de assistência judiciária aos réus, os processos ficaram anos a fora a espera dos efeitos do tempo, dormindo em berços esplêndido. Resultado: Prescrição, Prescrição e Prescrição. Bela Justiça!

          É a conseqüência que se deve extrair naturalmente do disposto no inciso LV do artigo 5º da Constituição Federal, vez que "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos, a ela inerentes".

          Com efeito, a Constituição da República garante ampla defesa aos réus de um processo criminal (artigo 5º, inciso LV, da Carta Magna), e cabe ao Estado esta responsabilidade de prestar-lhes assistência (inciso LXXIV, do mesmo dispositivo legal).

          Isto não bastasse, é causa de nulidade do processo estar o acusado sem defensor (artigo 261, do Código de Processo Penal).

          Comentando a norma constitucional mencionada, falando com tamanha autoridade, Celso Ribeiro Bastos assim consigna:

          "A atual Constituição introduz um avanço substancial, na matéria, na medida em que institucionaliza no âmbito da própria Lei Maior a assistência judiciária. É certo que o dever de prestá-la já vem consagrado desde a Constituição de 1946 ... A assistência do defensor é um direito do acusado, em todos os atos do processo sendo obrigatória, independentemente da vontade dele. Não basta portanto que haja um defensor nem é suficiente que este se limite a participar formalmente do processo. É necessário que da sua atividade se extraia uma defesa substantiva do acusado" (in Comentários à Constituição do Brasil, Ed. Saraiva, 2º vol., pág. 270) (grifos e destaques, não constam do original).

          Porque ao Estado compete o ônus da distribuição da Justiça e tendo em vista o número sempre crescente dos casos de nomeação de defensor dativo, gerando sobrecarga insuportável para os advogados, profissionais liberais como qualquer outro, foi que recentemente a Ordem dos Advogados do Brasil-OAB, Subseção de Juína/MT (16ª Subseção), tomou a deliberação de novamente, agora em definitivo, não mais aceitar nomeações (doc. 04), inviabilizando por completo a realização da Justiça para o pobre, inclusive no que diz respeito ao trâmite dos processos criminais, posto que, com razão, a obrigação não é da Classe, mas do Estado, mormente em face da instalação da Defensoria Pública, eis que de há muito tempo os países civilizados acabaram com as leis que impunham trabalho sem remuneração, abolindo a escravidão.

          Mesmo com o arbitramento de honorários aos dativos, o pagamento da contraprestação do serviço, todavia, sempre foi extremamente dificultoso, de modo que é comum os ilustres advogados desta Comarca comentarem que nada obstante o patrocínio em incontáveis processos, jamais receberam qualquer tostão, o que natural e possivelmente também foi motivo que levou a Subseção de Juína/MT a adotar esta postura, deliberando nesse sentido, porquanto com a circunstância de não ser gratuito (e nem pode ser diferente) o trabalho desenvolvido pelos advogados que assim prestam serviços ao Estado, não vinha, como nunca veio, recebendo o adequado ressarcimento, e à vista disso, criou-se uma situação perniciosa de incentivo ao Governo a permanecer inerte, não empossando os aprovados no quadro da Instituição, em manifesto locupletamento indevido, como se a obrigação de custear a assistência gratuita fosse da OAB, fazendo, além do mais, peça decorativa do dispositivo da Constituição que proíbe distinguir as diversas modalidades de trabalho e de profissionais, esquecendo-se de que as garantias expressas no artigo 7º, XXXII, da Lei Maior estendem-se também aos advogados, eis que da mesma forma que os médicos, engenheiros e demais profissionais liberais, também eles fazem jus a pronta contraprestação.

          De há muito, com muita propriedade THEOTONIO NEGRÃO, em nota ao artigo 87 da revogada Lei n. 4.215, de 1963, registrou: "O advogado não tem a obrigação de trabalhar rotineiramente como operário intelectual, sem qualquer remuneração, contribuindo com isso para que a omissão do Estado em providenciar, como determina a Constituição, assistência judiciária aos necessitados, seja indefinidamente mantida" (Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor, nota 11, ao artigo 87, 13ª ed., pág. 388).

          Nesta seara, não é de hoje que esta Comarca tem sofrido com a omissão do Governo, tanto que em outras oportunidades, por mais de uma vez, a OAB, Subseção de Juína/MT (doc. 05), já deliberou em igual sentido, tendo inclusive retornado a aceitar as nomeações dativas justamente diante da promessa da instalação da Defensoria. Entretanto, anos se passaram, e a omissão continua. Não se pode, evidentemente, continuar pactuado com tamanho descaso, tanto que Subseção ao deliberar sobre a não aceitação de nomeação dativa, manifestou-se, em verdade, no sentido de deixar consignado o seu protesto.

          Ademais, mesmo que a Subseção mais uma vez não viesse assim deliberar, o Estado não se desonera pela eventual dedicação e abnegação de alguns profissionais, até porque a experiência mostrou que referido atendimento revelou-se sempre insatisfatório, com prejuízo para os pobres e miseráveis.

          Ora, neste país, mesmo quando o Estado assume sua obrigação, as insuficiências do serviço público superam os seus esforços, haja vista que as necessidades sociais são maiores do que os meios disponíveis para atendê-las, de forma que admitir a liberação de quem chamou a si a responsabilidade de administrar a Justiça, até como forma de impedir a aplicabilidade da Lei de Talião, pela simples existência de alguns advogados que aceitam a nomeação dativa, significa, em realidade, fingir que tudo está em ordem e bem tutelado num país imaginário, sem qualquer coerência com o Brasil real, nada obstante rico em muitos recursos. Todavia para a grande parcela da população (excluída, evidentemente), este mesmo país é pobre, devedor, burocrático, carente e deficitário.

          É de se perquirir: existe ou algum dia existiu designação ao menos de Procurador do Estado, ou mesmo convênio firmado a possibilitar que grupos de profissionais viesse a garantir a assistência judiciária gratuita nesta Comarca (de difícil acesso), que, aliás, mais do que justificável seria pelo motivo de sua descomunal extensão e números de processos ? NÃO !

          Diante da costumeira omissão estatal, em inúmeros feitos os ínclitos magistrados deste douto Juízo oficiaram à Procuradoria do Estado solicitando a designação de profissional (docs. 06 e 07), até mesmo para ver se conseguiam sensibilizar o Governo do Estado para o problema que aflige o povo desta Comarca, recebendo em contrapartida, ou simples justificativa de impossibilidade de pessoal (como pode ser constatado em processos em trâmite), ou na melhor das hipóteses, ilusórias promessas de solução do problema através de "urgente" nomeação de defensor público para esta Comarca (doc. 08). Verbis:

          "Ofício n.º 178/GPG/98 Cuiabá/MT, 9 de setembro de 1998.

          MM. Juíza,

          Em atenção ao Ofício n.º 348/98-GABJU, datado de 13/08/98, onde Vossa Excelência nos dá conta do Termo de Decisão Conjunta, firmado entre os advogados dessa Comarca, decidindo em não mais patrocinar os feitos de natureza cível e criminal abrangidos pela assistência judiciária da Defensoria Pública, temos a lamentar o ocorrido e cumpre-nos explicar que a Procuradoria-Geral do Estado encontra-se em difícil situação, com um Quadro de Procuradores reduzidíssimo. Em que pese todos os esforços para patrocinar os feitos envolvendo hipossuficientes, torna-se humanamente impossível a solução de todos.

          Entretanto, é público o compromisso do Exmo. Sr. Governador em nomear, com urgência, os aprovados no concurso para Defensor Público, que se encontra em fase final. Com isso, por certo, resolver-se-á o problema.

          Limitados ao exposto, e contando com a compreensão de Vossa Excelência, ao ensejo reiteramos as expressões de elevada consideração.

          CARLOS TEODORO JOSÉ HUGUENEY IRIGARAY

          Procurador-Geral do Estado

          Exma. Sra.

          Dra. MARILZA APARECIDA VITÓRIO

          MM. Juíza Substitua

          JUÍNA/MT".

          Todavia, entre ano e sai ano o discurso populista é o mesmo, o Governo "dorme", o Estado falta com o seu dever, e o povo sofre, e quando o agente político é cobrado, alega, como de costume, falta de recursos e queda de arrecadação.

          A prevalecer este argumento, tão antigo, para não dizer histórico, doravante não somente os demais Estados, mas os municípios, inclusive a própria a União, estarão autorizados a imiscuir-se de responsabilidades legais e constitucionais, das mais diversas, na repisada falta de recursos, que, diga-se de passagem, diante da crise em que passa o Brasil, estar-se-ia, de vez, sepultando os mandamentos constitucionais e legais prescritos nos artigos 5º, LXXIV e 134 da CF, bem como nos artigos 116/120 da CE, além da Lei nº 1060/50 e Leis específicas da Defensoria, tornando-os mera peças decorativas, sem nenhuma utilidade, vale dizer, em termo popular, "redação constitucional e legal somente para inglês ver".

          De outro lado, contraditoriamente, vê-se o Governo malversar o patrimônio público, conforme reiteradamente noticiado na imprensa nacional e local.

          De mais a mais, mesmo se fosse verdade, se a arrecadação no Estado ficou infinitamente abaixo da estimativa, ou qualquer outra alegação esfarrapada que se queira arrumar, não se deve deslembrar que quem arrecada e efetua serviço de fiscalização junto aos sujeitos passivos tributários não é o povo, o necessitado, o pobre, de modo que não se poderia excluir mencionada responsabilidade, ao menos por falta de planejamento fiscal, do Poder Executivo Estadual.

          Ao Governo, na qualidade e na obrigação de Órgão arrecadador da receita, cumpre exercer com eficiência (CF, art. 37, caput) a função de gestor de coisa pública, com impessoalidade e apego irrestrito às leis, tendo sempre presente, consciência que administra o patrimônio alheio, que pleiteou mandato eletivo de livre e espontânea vontade sabendo das naturais dificuldades, inclusive no que concerne à rigorosa observância de certos preceitos de natureza cogente, de sorte que depois que assumiu o cargo e o encargo decorrente, não pode mais eximir-se de responsabilidades inerentes à função, visto que abraçou pública e solenemente o compromisso de respeito à Constituição, e, nesta, encontra-se a mais de 10 (dez) anos o dever estatal de possibilitar assistência judiciária gratuita aos que dela necessita.

          Nesta Comarca, como fazer então diante de tão antiga e visceral omissão estatal ?

          Nos processos cíveis, o pobre não tem a pronta tutela jurisdicional.

          Nos criminais, igualmente, com a ressalva de que aqui o Governo do Estado de Mato Grosso contribui para o recrudescimento da violência, na medida em que, omitindo-se, faltando com o dever, obriga o Estado-Juiz a colocar nas ruas, quem deveria continuar preso (doc. 09).

          Mesmo antes da deliberação da OAB, Subseção de Juína/MT (doc. 04), a inexistência de um serviço organizado de assistência jurídica, por parte da Defensoria Pública do Estado do Mato Grosso, criava uma situação de aprofundamento da estigmatização comumente sofrida pelos acusados em Ações Penais nesta Comarca, materializada em deficiente defesa técnica a eles dispensada, através da nomeação de advogados dativos que, pela razão acima exposta, aliada à grande demanda, não tinha e não têm condições de promover-lhes efetiva assistência.

          Em conversa entabulada com presos custodiados na Delegacia Municipal de Juína/MT, nas visitas de inspeção ministerial, há a reclamação no sentido de que a maioria deles manteve pouquíssimo contato com seu defensor durante toda a instrução processual, sendo a atuação dos mesmos expressivamente avaliada como de baixa qualidade, não, na realidade, por questão de competência dos profissionais, mas em razão da situação atualmente imposta, criada pela omissão estatal. Tais dados crescem em importância quando se constata que praticamente todos os presos têm renda familiar abaixo de um salário mínimo, o que os identifica como destinatários em potencial dos serviços de assistência jurídica que deveriam ser oferecidos pela Defensoria Pública.

          O legislador ao regular o processo criminal, impondo o encargo ao Estado, deve respeitar, segundo o constitucionalista Manoel Gonçalves Ferreira, alguns pontos fundamentais, dentre os quais, velar para que todo acusado tenha o legítimo direito de Defesa e a não permitir que se pratique ato processual sem assistência de defensor (cf. Autor citado, Comentários à Constituição Brasileira, Saraiva, 1983, 3ª ed., págs. 605 a 606).

          Desta feita, em atenção à realidade brasileira e não lhe restando outra alternativa, o constituinte teve que adotar, assim como adotou, uma linha política voltada ao social e preocupada com o amplo e irrestrito acesso à Justiça por parte das camadas mais humildes e necessitadas da população, tanto que impôs ao Estado o dever constitucional de garantir ao beneficiário da Justiça gratuita uma assistência integral, até para que o mesmo não chegasse a ponto de ter que obrigatoriamente vender o que lhe resta afim de fazer face ao pagamento de honorários advocatícios, retirando, com isso, forçosamente a comida da boca da própria família.

          Desta feita, não é sem motivo, portanto, a criação pela Constituição da Defensoria Pública como "instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV" (CF, Art. 134).

          A Lei Complementar n. 80, de 12 de janeiro de 1994, que organizou a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios, e prescreveu normas gerais para sua organização nos Estados, indica suas funções institucionais.

          Como se vê, o Ordenamento Jurídico impõe aos poderes públicos federal e estadual, independentemente da colaboração que possam eventualmente receber dos municípios e da Ordem dos Advogados do Brasil, ou de qualquer outra instituição, a prestação de assistência judiciária aos necessitados (artigo 1º, da Lei n. 1.060, de 1950; CF, artigo 5º, LXXIV). É obrigação e não faculdade.

          Ademais, mesmo se o Estado remunerasse corretamente os honorários arbitrados, e mesmo se a OAB, Subseção de Juína/MT não houvesse tomado esta recente deliberação em não mais exercer atipicamente obrigação estatal, não estão os causídicos, como profissionais liberais que são, dedicados exclusivamente ao serviço de prestação de assistência jurídica gratuita, como exigido pela Constituição da República, em relação aos Defensores Públicos.

          Outrossim, ainda como reflexo dessa total inércia do Poder Público em cumprir o comando constitucional, encontram-se os presos custodiados nesta Comarca absolutamente alijados de seu mais básico direito processual: a ampla defesa.

          É com o fim de garantir esse direito fundamental, consistente em ter respeitada a garantia de acesso à Justiça _ que inclui, extensivamente, o direito à isonomia e à ampla defesa _ que age o Ministério Público Estadual, através da presente ação, no sentido de que o ESTADO DO MATO GROSSO cumpra seu dever constitucional de oferecer efetivo e eficiente serviço de assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados.

          Observe-se, como se registrou (doc. 09, v.g.), que a omissão do Governo, quebrando o princípio isonômico, igualmente não deixa de fazer ingerência indevida e desastrosa no Poder Judiciário, na medida em que competindo ao Estado-Juiz fazer a nomeação de defensor para o acusado que não o tiver (Código de Processo Penal, artigo 263), tudo em cumprimento de garantia constitucional (CF/67, artigo 153, § 15; CF/88, artigo 5º, LV e LXXIV), fica agora completamente impossibilitado de fazê-lo. Não há, como nunca houve defensor público nesta Comarca, e agora nem se pode mais contar com aqueles advogados que lhe fazia às vezes.

          De qualquer forma, ao Estado e não à Subseção, é que compete prestar assistência judiciária gratuita, provendo seu organismo de profissionais habilitados ao atendimento dos necessitados.

          De frisar, todavia, que se houvesse vontade de solucionar a questão, bastaria que o Governo empossasse os aprovados, sendo que diante da baixa remuneração que tem sido paga aos defensores nem se poderia alegar dificuldades de ordem financeira, com a ressalva de que argumentos tais são irrelevantes diante da imposição inserta no artigo 5º, LXXIV da Lei Maior, e, a tudo isso, soma-se o fato de que nesta Comarca há inclusive o ilustre causídico militante, Drª Gilmar da Cruz de Souza, que figura como um dos aprovados, e, segundo consta, aguarda o chamamento da administração.

          A instalação é tão importante que, diante da eterna omissão estatal, a própria Câmara Municipal de Juína/MT já apresentou indicação ao Governo do Estado sobre a necessidade da Defensoria, com a correspondente justificativa, frisando nesta a descomunal extensão territorial, população na ordem de mais de 100.000 habitantes e processos além dos 4000, além de dar conta o que já foi amplamente exposto, verbis: "A Comarca de Juina ... com mais de 100.000 habitantes. A maioria esmagadora dessas pessoas ainda estão iniciando suas vidas e, portanto, não possuem recursos próprios para custear processos. ... A assistência judiciária de pessoas carentes estava entregue aos membros da Ordem dos Advogados do Brasil, Subseção de Juina. Entretanto, é do nosso conhecimento que os Advogados não mais estão aceitando nomeação para atendido dativo. Dessa forma, a realidade atual é que as pessoas carentes não estão tendo acesso ao Poder Judiciário, num flagrante desrespeito aos seus direitos de cidadania. Desta forma, urge se providencie, o mais breve possível, em nossa Comarca, a instalação da Defensoria Pública, pois o concurso público havido no ano passado conseguiu selecionar todos os cargos necessários e, não obstante isso, apenas uns poucos foram nomeados ... " (doc. 10).

          Referida indicação recebeu a pronta aderência de parlamentar estadual, encaminhando o pleito ao Governo Estadual (doc. 11), sendo que este, todavia, como de sempre, apresentou "confortável" e "animadora" justificativa, nestes termos:

          "GOVERNO DO ESTADO DE MATO GROSSO

          Secretaria Extraordinária de Ação Política

          OF/SEAP-692/1.99 Cuiabá, 17 de outubro de 1.999

          Senhor Vereador,

          Em resposta à solicitação de um Defensor Público para a Comarca de Juína/MT, servimo-nos do presente instrumento para informar-lhe da impossibilidade de atender a progressiva Comarca do referido Município, de acordo com o ofício nº 365/99 (GDPG/MT), da Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso, em face desta instituição não contar, por hora com Defensores Públicos suficientes.

          Finalmente, aproveitamos a oportunidade para renovar sinceros votos de estima e consideração.

          Atenciosamente

          JOSÉ ANTÔNIO ROSA

          Secretário Extraordinário de Ação Política

          Ilmo. Sr.

          VER. JOÃO ANTÔNIO GONÇALVES

          MD. Presidente da Câmara Municipal de Juína-MT

          NESTA" (doc. 12 _ grifos e destaques não são do original).

          De todo evidenciando, portanto, que somente resta o caminho da ação civil pública. Nada mais.

          E não se diga, como poderá vir a argumentar o Réu, que pretende o Autor levar o Poder Judiciário a invadir área de atuação do Poder Executivo, a quem competiria decidir sobre a oportunidade ou a conveniência da implantação do referido serviço. A uma, pelo fato de o Ministério Público aqui atuar na tutela de interesse difuso e fundamental dos cidadãos e dos estrangeiros residentes no país à obtenção de assistência jurídica integral e gratuita, atuação essa baseada em comando constitucional (CF, arts. 127, caput, e 129, inciso III). A duas, porque o que se persegue na presente Ação Civil Pública, é, simplesmente, o cumprimento da Lei e da Constituição por parte do ESTADO DO MATO GROSSO, vale dizer, da Constituição da República (art. 5º, inciso LXXIV, e art. 134), da Lei Complementar Federal nº 80/94, e de sua própria Constituição Estadual. Como observado por Luís Henrique Paccagnella, Promotor de Justiça de Jaboticabal (SP), "não há discricionariedade para, ao arbítrio dos governantes, se decidir se e quando deve ser cumprida a Constituição" (Ação Civil Pública nº 532/96, fls. 53, da 1ª Vara da Comarca de Jaboticabal _SP).

          Refletindo a realidade, atente-se, igualmente, para o teor do Pedido de Providência nº 30/99 _ (JUÍNA), anexado ao Ofício Circular nº 29/99/PTE, de 16 de agosto de 1999, onde o Em. Des. Wandyr Clait Duarte, Presidente do Tribunal de Justiça deste Estado, consigna: "I. Trata-se de expediente provindo da E. Corregedoria Geral da Justiça (ofício nº 2007/99 _ DJA, de 28/07/99), através do qual menciona e especifica a existência de inúmeros processos oriundos de várias comarcas, nas quais tem sido reclamada, insistentemente, da ausência de medidas do Governo do Estado para a efetiva implantação da Defensoria Pública. II. Apesar da realização de concurso público, na prática, até agora, infelizmente, esses profissionais não se fazem presentes nos locais para onde foram e estão designados _ sem falar do insuficiente número de defensores, agravado pelo real motivo de que estão (ou preferem estar) comodamente em Cuiabá, sem se fixar nas Comarcas. Como resultado, os réus pobres, presos ou soltos, ficam praticamente indefesos, levando o juiz, muitas vezes, a ter de soltá-los por constrangimento ilegal (excesso de prazo), com sérios riscos e prejuízos à sociedade, exposta a traficantes, estupradores, assaltantes, etc. III. Não obstante isso, os advogados que vinham atuando como defensores dativos não aceitam esse encargo _ que é legalmente do Estado _ pelo simples fato de, teoricamente, já existir a Defensoria Pública. Daí, as inúmeras decisões judiciais, liberando esses réus, como também arbitrando honorários em prol desses advogados dativos, onerando em muito os cofres públicos. Isso tudo sem falar nos inúmeros "habeas corpus" impetrados contra os magistrados, que não tem, data venia, a menor culpa pela ineficiência estatal. IV. Portanto, é preciso urgentemente solucionar muito bem e de uma vez por todas essa triste situação! Ou seja : ao Poder Executivo cabe adotar as urgentes e efetivas providências no sentido de dotar todas as comarcas com defensores públicos que lá residam, de direito e de fato, e que respondam de modo concreto pela defesa de réus pobres. Se assim não for, os juízes criminais serão obrigados, mesmo a contragosto, a colocar em liberdade inúmeros delinqüentes. ... VI. Enviem cópias desta decisão às E. Câmaras Criminais Reunidas e Isoladas, ao Governo do Estado, à Procuradoria Geral da Defensoria Pública, à Procuradoria Geral do Estado, ao Ministério Público e à OAB-MT, para ciência e providências que reputarem pertinentes" (docs. 14 e 15).

          Dessa forma, demonstrada a inércia do ESTADO DO MATO GROSSO em cumprir com sua obrigação de instalar órgão da Defensoria Pública nesta Comarca, caracterizada se encontra sua responsabilidade e o desrespeito ao direito constitucional do cidadão e do estrangeiro aqui residente em ter possibilitado seu mais amplo acesso à Justiça, razão pela qual urge a intervenção do Poder Judiciário no sentido de compelir o Réu a atender ao comando dos dispositivos legais multicitados, na forma do pedido a seguir articulado.

          Muito bem. Em que pese os motivos maiores que já foram expendidos e independentemente das determinações específicas impondo ao Poder Público o dever de efetivamente oferecer assistência judiciária gratuita aos necessitados (CF, artigos 5º, LXXIV e 134; CE, artigo 116/120, Lei nº 1060/50; Leis específicas - Defensoria), in casu, outros argumentos devem ser assinalados como necessários a demonstrar que o Governo deste Estado, também não obedeceu critérios técnicos ao nomear os atuais defensores, não atentando-se para prioridades, faltando inclusive com o bom senso.

          Conforme informação, 33 (trinta e três) são os defensores nomeados, distribuídos em Comarcas conforme o quadro abaixo:

Comarca

Quantidade

Cuiabá

13

Várzea Grande

8

Rondonópolis

4

Cáceres

3

Barra do Garças

2

Tangará da Serra

1

Sinop

1

Chapada dos Guimarães

1

Total

33

          Para melhor apreciar a assertiva de que o Governo não adotou critério baseado na necessidade, pautado que foi na absoluta ausência de critério técnico para as nomeações, mister que se traga aos autos algumas informações importantes acerca desta Comarca e das demais que foram contempladas com defensor, sem embargo de que a obrigação estatal é no sentido de que todas, sem exceção, devem ser dotadas de Defensor Público para atendimento às pessoas necessitadas.

          Conforme se pode confrontar nas informações constantes do QUADRO DEMONSTRATIVO DA PRODUTIVIDADE DOS JUÍZES DE DIREITO E SUBSTITUTOS DO ESTADO, publicado no Diário da Justiça de 16.06.99 (doc. 16), algumas das Comarcas contempladas com defensoria apresentam o seguinte número de processos em trâmite:

Tipo processo

Cíveis

Criminais

J. Especial

Total

Defensores

proc/def

Juína

p. 7 - (*) 2.092

4.082

307

4.389

0

4.389:0

Chap. Guim

p. 8

Incluído acima

241

2.333

1

2.333:1

Cáceres

3.454

2.254

786

6.494

3

2.164:1

          Vê-se, pois, com os dados supra, que a relação número de processos por defensor nessas Comarcas apresenta-se deveras desequilibrada, estando a de Juína/MT com a pior relação, ou seja, 4.389 processos em trâmite para nenhum defensor, enquanto que Chapada dos Guimarães apresenta a relação de 2.333 processos por defensor (?), e Cáceres, 2.164, ambas quase duas vezes menor, sem frisar as dificuldades naturais desta Comarca que nem se equipara com as das demais contempladas.

          De notar-se que a Comarca de Juína/MT, cuja extensão territorial supera a muitos estados da Federação, tendo que contar com condições precárias de tráfego, as vezes totalmente intransitáveis, situa-se a 750 Km de Cuiabá/MT, sendo que centenas de pessoas carentes diariamente deslocam-se com grandes dificuldades para esta cidade dos mais distantes lugarejos, bem como dos municípios de Rondolândia (630 Km de Juína), Colniza (330 Km), Aripuanã (275 Km), Cotriguaçu (230 Km), Juruena (160 Km), e mesmo das mais próximas, como Castanheira, a procura de assistência judiciária gratuita, dirigindo-se muito das vezes à Promotoria de Justiça que pouco pode fazer, porquanto não é de sua atribuição ajuizar variada gama de ações.

          Onde se encontra defensor público que possa atendê-las, se não em Juína/MT, ao menos nas Comarcas mais próximas, como Juara/MT ou Campo Novo dos Parecis/MT ? Obviamente que não. Neste rincão de meu Deus, por omissão do Governo, não há a presença do Estado, embora incumbido de prestar "assistência jurídica integral e gratuita aos comprovarem insuficiência de recursos" (CF, art. 5°, LXXIV). Nem nesta, nem mesmo nas Comarcas próximas.

          Somente a título de ilustração, em razão da vocação econômica desta região, inúmeros jovens e adolescentes comparecem a este Gabinete, mutilados, sem a mão, sem o pé, ou mesmo sem outro órgão, a espera de que um dia se resolva possibilitar-lhe o direito de ingressar com ação indenizatória por acidente do trabalho.

          Assim, também na questão de prioridades, mesmo se inexistisse imposição estatal, legal e constitucional, no referente à assistência judiciária gratuita a todos, sem discriminação, não há como aceitar tamanho descaso com esta Comarca. Se realmente o critério de nomeações tivesse sido adotado, por certo a Comarca de Juína/MT já teria sido atendida, uma vez que aqui tramitam, como já anotado, 4.389 processos, enquanto que na de Chapada dos Guimarães e na de Cáceres, p. ex., esse número é reduzido basicamente à metade.

          Mas, além desses elementos comparativos, que de fato comprovam a total falta de prioridade no atendimento ao interesse público, é importante demonstrar que esta Comarca realmente necessita da urgente instalação dessa instituição.

          Primeiro, que, como já ressaltado, com a criação da Defensoria, a OAB, Subseção de Juína/MT deliberou em não mais aceitar nomeação dativa, e com isso as pessoas que não têm condições de contratar advogado estão sofrendo sérios prejuízos.

          Sobre esse aspecto, impende notar que, da forma como está, a criação da Defensoria no Estado ao invés de trazer dignidade aos beneficiários, possibilitando-lhes o efetivo direito à assistência judiciária, na verdade piorou a situação deles e da Comarca, já que hoje a comunidade continua não contando com defensor público e nem mesmos com a outrora atuação de alguns advogados que heroicamente aceitavam o encargo naqueles casos mais graves e urgentes.

          Por segundo, inúmeros são os feitos que tramitam nesta Comarca sob o pálio da justiça gratuita, tanto no pólo ativo quanto no passivo, patrocinada até então por advogados, e que na melhor das hipóteses irão se paralisando paulatinamente, gerando naturalmente danos de monta aos jurisdicionados, assim como já se verifica atualmente.

          É importante ressaltar, ainda, que o número de ações pela justiça gratuita, em realidade não corresponde à efetiva demanda, uma vez que mesmo aqueles abnegados advogados nem sempre aceitavam várias modalidades de ações, mormente naquelas em que as provas não se apresentavam de pronto. É óbvio, pois, que a necessidade é muito maior.

          A propósito, somente para demonstrar a veracidade dessa informação, esta Promotoria tem ingressado com uma média de 8 (oito) ações cíveis por mês, relativas a direitos indisponíveis, como por exemplo alimentos e investigação de paternidade, somente não o fazendo mais porque nela oficia sozinho, e, à vista disso, acaba não conseguindo desincubir-se de todo o mister em face da sobrecarga de trabalho, principalmente pelo fato de serem dois os magistrados, sendo grande o número de audiências realizadas.

          Com isso, considerando esse volume de trabalho, a necessidade desta Comarca é de, no mínimo, 3 (três) defensores públicos, posto que assim cada um deles atuaria com número de processos cíveis e criminais que pudessem ser administrados.

          Tanto é assim, que embora sendo de 1ª entrância, teve que ser designado mais um juiz para esta Comarca face ao grande número de feitos, sendo de conhecimento de todos as conhecidas reclamações dos advogados e jurisdicionados quando um só era o magistrado.

          É de rigor, pois, a condenação do Poder Público Estadual, fazendo-o propiciar adequado sistema de assistência jurídica aos necessitados nesta Comarca, via Órgão específico, sendo evidente que a incúria do Governo tem causado, e agora causará mais ainda manifesto prejuízo difuso e coletivo, pois referida omissão atenta contra os direitos humanos e garantias constitucionais, bem como elimina a possibilidade de uma efetiva realização da justiça para todos, sem distinções de classe econômica a teor da Lex Legum, destruindo assim um dos mais fortes pilares da cidadania, posto que povo sem Estado-Juiz é povo escravizado, além de, por via oblíqua, fazer ingerência negativa na Justiça, na medida em que obriga esta a dar solução muito das vezes inadequadas, como colocar um preso nas ruas, por excesso de prazo, por exemplo.

          Ad argumentandum tantum, com que, qual, onde assenta autoridade do Estado em punir o miserável que fez justiça com as próprias mãos, se não lhe proporciona profissional a viabilizar-lhe a tutela jurisdicional junto ao Estado-Juiz, não executando e nem fazendo cumprir, assim, o mínimo que lhe compete ex vi da Constituição e da Lei ?

          Excelência, é certo e esperado que em eventual resposta o Governo invocará o já surrado argumento de falta de verbas, para tentar continuando justificar a omissão estatal. Entretanto os gastos que seriam necessários para o atendimento da pretensão aqui deduzida, considerando principalmente o que se tem pago atualmente para o defensor público neste Estado, seriam de custo absolutamente desprezível, máxime quando comparado com o orçamento do Estado. E, ademais, a falta de dinheiro, além de inverídica, não é escusa jurídica para descumprimento da lei, devendo a questão ser sopesada somente em sede de execução, nunca na fase de conhecimento. Ressalte-se, o Governo não soluciona este grave problema tão somente por falta de vontade política. Em casos tais, é preciso que se faça cumprir a Lei e a Constituição, ainda que os interessados em sua não observância sejam importantes autoridades.

          Apenas para ilustrar, pedido similar ao que ora se formula, em verdadeiro comprometimento do Judiciário com a cidadania, já foi apreciado junto à Comarca de Jaboticabal, Estado de São Paulo, quando então o culto e respeitável juiz que lá oficiava prolatou uma magistral decisão pela procedência da ação. É, em verdade, mostra inconteste de Justiça, em defesa dos direitos dos pobres e miseráveis.

          De mais a mais, mesmo sendo cristalina a questão jurídica, que é o que importa, impende acrescentar, outrossim, que do ponto vista operacional (praticidade, custo), o pedido de liminar ao final consignado é totalmente exeqüível, até porque, consoante informação prestada pelo Juiz Diretor do Fórum desta Comarca, encontra-se à disposição do Estado, junto ao edifício do Fórum local, espaço suficiente para a instalação da Defensoria Pública com capacidade para dois defensores públicos (doc. 17).

          É notório, por último, a teor artigo 334, inciso I, do Código de Processo Civil, dispensando até mesmo produção de provas, que as atividades a que se deveria dedicar a Defensoria Pública, conforme disposto no artigo 134 combinado com o artigo 5º, inciso LXXIV, ambos da Constituição da República, não têm sido cumpridas nesta Comarca, sendo que grande parte da população se encontra em situação de hipossuficiência financeira e não conta com qualquer serviço oficial, ainda que precário, de assistência judiciária ou jurídica, o que os obriga, quando não lhes resta outra alternativa ou quando não se conformam com a própria infelicidade, à humilhação de suplicar pela defesa ou patrocínio gratuito de um ou outro advogado militante na região, que, por não receber qualquer contraprestação por seus serviços (quer por parte do interessado desvalido, quer por parte do próprio Estado), muitas vezes não se encontra em condições de oferecer a dedicação necessária. Que dizer, agora, com a deliberação geral, da OAB Subseção de Juína/MT, em não mais aceitar qualquer patrocínio nesse sentido?


II - DO DIREITO E DA LEGITIMIDADE.

          A legitimidade ativa do Ministério Público para o presente pedido é manifesta, ante o interesse público evidente na existência de condições adequadas de assistência jurídica aos necessitados.

          Se há interesse público no funcionamento adequado e eficiente dos serviços forenses, é certo que a desídia estatal, obstaculizando acesso à Justiça pelos sem-recursos, causa prejuízo difuso e coletivo.

          Enorme parcela da população desta Comarca, seguramente a maioria fica à margem de seus direitos, por ter dificuldades para defendê-los. Evidente, pois, que não se trata de questão de alçada individual. Aliás, seria esdrúxulo, para não dizer desumano e absurdo, pretender exigir do necessitado, aquele mesmo que não tem meios econômicos de custear advogado, que ajuizasse uma ação para conseguir direito à assistência judiciária gratuita.

          Enfim, decorre tal legitimidade da Constituição Federal (art. 129, III), da Lei da Ação Civil Pública (arts. 1º, IV, e art. 5º) e da Lei Federal 8.625/93 (Lei Orgânica do Ministério Público _ art. 25, IV, "a"). Assim:

          "O art. 129, III, da Constituição da República torna bem abrangente o campo de propositura da ação civil pública pelo órgão ministerial: "proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos"... Com já se antecipou, por força da lei n. 7347/85, com a redação que lhe deu a lei 8078/90, bem como força da mandamento da própria Constituição da República, hoje é possível a defesa de outros interesses difusos e coletivos, além do meio ambiente e consumidor. É o caso da defesa do patrimônio cultural, do contribuinte, do trabalhador rural transportado indevidamente, etc" (MAZZILLI, Hugo Nigro _ FUNÇÕES INSTITUCIONAIS DO MINISTÉRIO PÚBLICO, APMP, 1991, p. 26 _ grifos e destaques, apenas da transcrição).

          Na verdade, em última análise, a legitimidade vem mesmo é da Constituição Federal, que em dispositivo já mencionado dispõe: "São funções institucionais do Ministério Público: promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos" (CR, art. 129, IV _ grifos não constam do original).

          Ademais, igualmente é disposição constitucional, materializada no artigo 127, caput, da Carta Política Brasileira, que o Ministério Público corresponde a "instituição permanente essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis".

          Também a Lei nº 7.347/87, que disciplina a Ação Civil Pública, estabelece, em seu artigo 5º, que poderá o Órgão Ministerial, dentre outros agentes legítimos, ajuizar ação principal e cautelar para os fins de responsabilizar causadores de dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.

          Consoante leciona MAZZILLI (in A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. 7a ed. rev. ampl. atual., São Paulo : Saraiva, 1995, p. 8), verbis:

          "Em sentido lato, ou seja, de maneira mais abrangente, podemos dizer que os interesses coletivos compreendem uma categoria determinada, ou pelo menos determinável de pessoas, distinguindo-se dos interesses difusos, que dizem respeito a pessoas ou grupos de pessoas indeterminadamente dispersas na coletividade ... Tratando-se da defesa de interesses difusos, pela abrangência dos interesses, a atuação do Ministério Público sempre será exigível. Já em matéria de interesses coletivos (...), o Ministério Público atuará sempre que: a) haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou pelas características do dano (mesmo o dano potencial); b) seja acentuada a relevância do bem jurídico a ser defendido(...)" (op. cit., p. 116; destaques constantes do original).

          Dúvida não existe, portanto, quanto à legitimidade ativa do Ministério Público.

          Quando a Pessoa Jurídica de Direito Público é culpada pelo prejuízo ao interesse difuso ou coletivo, vale lembrar que é pacífico o entendimento de que qualquer das três esferas de Poder possui legitimidade de parte passiva para a ação civil pública.

          Nesse sentido:

          "Não raro, as pessoas jurídicas de direito público interno serão legitimadas passivas para a ação civil pública, pois que, quando não parta delas o próprio ato lesivo, muitas vezes para ele concorrem diretamente, quando licenciam ou permitem a atividade nociva, ou então deixam de coibi-la quando obrigadas a tanto.

          ... Nos casos em que efetivamente haja a atuação comissiva ou omissiva do Estado, de que resulte o dano difuso a ser reparado, deverá ser colocado diretamente no pólo passivo desde o início do feito, ou, em caso contrário, poderá ser compelido a integrar posteriormente a lide por meio do chamamento ao processo." (MAZZILLI, Hugo Nigro _ A DEFESA DOS INTERESSES DIFUSOS EM JUÍZO, RT, 1995, ps. 283/284).

          A Lei nº 7.347/87 limitou o universo de pessoas com legitimidade para propor Ação Civil Pública, mas não o fez em relação àquelas que poderiam figurar no pólo passivo da relação processual. Isto porque qualquer que seja o causador do dano ou do perigo de dano ao interesse tutelado há de ser responsabilizado por sua atividade, seja ele ente particular ou público.

          A legitimidade passiva do ESTADO DO MATO GROSSO, na presente ação não oferece qualquer dúvida. O nexo de causalidade entre esta atitude omissiva do Poder Público Estadual (não implementação da Defensoria Pública na Comarca) e o dano causado ao direito constitucional que tem o cidadão de contar com assistência jurídica integral e gratuita, nos moldes previstos no artigo 134, combinado com o artigo 5o, inciso LXXIV, ambos da Constituição da República, é claro o bastante e suficiente para fixar a responsabilidade que instala o ESTADO DO MATO GROSSO no pólo passivo da presente relação processual.

          Ademais, consoante observa REIS NETO (in A Responsabilidade Civil por Dano Moral no Ordenamento Jurídico Brasileiro. São Luís : UFMA, 1996, p. 23-24. Monografia apresentada para obtenção do grau de Bacharel em Direito),

          "A teoria objetiva, adotada no nosso Direito para caracterizar a responsabilidade do Estado, se apoia no mandamento da igualdade dos encargos sociais. Para esta teoria é absolutamente desnecessária a idéia de culpa para que seja determinada a responsabilidade pelo dano. O que estriba a imputação da responsabilidade é o nexo de causalidade entre o evento danoso ocasionado, enquanto fato consumado, e a conduta do causador do dano. (...).

          A responsabilidade objetiva consagrada na nossa Ordem Jurídica, através do artigo 37, § 6° da Constituição Federal, existirá sempre que o dano for praticado por agente de pessoa jurídica de direito público de ou direito privado prestadora de direito público".

          Encontra-se perfeitamente demonstrada, portanto, a legitimidade passiva ad causam do ora Réu.

          Por outro lado, é oportuno anotar que a competência territorial no caso em questão é desse Egrégio Juízo, consoante cristalina determinação legal inserta no art. 2º da Lei Federal 7347/85 (Lei da Ação Civil Pública), a qual dispõe: "As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa".

          Assim, na hipótese, o Poder Público Estadual não tem qualquer privilégio de foro.

          Quanto ao mérito, o embasamento é fruto, primeiramente, da Constituição da República, eis que seu art. 5º, LXXIV, dispõe: "O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos" (grifos e destaques não constam do original).

          E no seu art. 24, XIII, diz que compete a União e aos Estados "legislar concorrentemente sobre assistência jurídica e defensoria pública".

          A lei Complementar Federal nº 80, de 12.01.94 diz no seu art. 1º: "A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe prestar assistência jurídica, judicial e extrajudicial, integral e gratuita, aos necessitados, assim considerados na forma da lei" (grifos e destaques, apenas na transcrição supra).

          No título IV (Normas Gerais para a Organização da Defensoria Pública nos Estados), o art. 106 dispõe: "A Defensoria Pública do Estado prestará assistência jurídica aos necessitados, em todos os graus de jurisdição e instâncias administrativa do Estado" (grifos e destaques, na transcrição apenas).

          Diz ainda o art. 142 do mencionado Diploma, positivado há mais de 5 (cinco) anos, que "os Estados adaptarão a organização de suas Defensorias Públicas aos preceitos desta Lei Complementar, no prazo de cento e oitenta dias". Quer dizer, a teor da supracitada lei, deveria a Defensoria estar funcionando desde o remoto ano de 1994, e por força da Constituição da República, há mais de 10 (dez) anos.

          A Lei Federal 1060/50, por sua vez, determina no seu art. 1º que "os poderes públicos federal e estadual, independentemente da colaboração que possam receber dos municípios e da Ordem dos Advogados do Brasil _ OAB, concederão assistência jurídica aos necessitados, nos termos desta Lei" (redação da Lei 7510/86 _ grifos e destaques, conforme observações supra).

          Diz mais: "A assistência judiciária compreende as seguintes isenções: dos honorários de advogado e peritos" (art. 3º, V _ grifos e destaques inseridos).

          Tão importante e necessária a instalação da supracitada instituição que a Carta Política da República refere-se a assistência jurídica integral e não meramente judiciária: não se trata de simples oferecimento de prestação de serviço técnico para propor uma ação, por exemplo, mas de atividade bem mais abrangente que inclui atendimento, triagem, orientação, consultoria e assessoria em todas as áreas jurídicas, e não só com respeito a direitos individuais, mas também a interesses coletivos.

          A esse respeito, assim já se manifestou BARBOSA MOREIRA (in O direito à assistência jurídica: evolução no ordenamento brasileiro de nosso tempo. In: As garantias do cidadão na justiça. Coord. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira. São Paulo : Saraiva, 1993. p. 215):

          "A grande novidade trazida pela Carta de 1988 consiste em que, para ambas as ordens de providências (isenção do pagamento e prestação dos serviços), o campo de atuação já não se delimita em função do atributo _judiciário_, mas passa a compreender tudo que seja _jurídico_. A mudança do adjetivo qualificador da _assistência_, reforçada pelo acréscimo _integral_, importa notável ampliação do universo que se quer cobrir. Os necessitados fazem jus agora à dispensa de pagamento e à prestação de serviços não apenas na esfera judicial, mas em todo o campo dos atos jurídicos. Incluem-se também na franquia: a instauração e movimentação de processos administrativos, perante quaisquer órgão públicos, em todos os níveis; os atos notariais e quaisquer outros de natureza jurídica, praticados extrajudicialmente; a prestação de serviços de consultoria, ou seja, de informação e aconselhamento em assuntos jurídicos" (Sublinhou-se).

          A integralidade da assistência a cargo da Defensoria Pública abrange, portanto, como bem observado pelo Juiz paulistano Álvaro Luiz Valery Mirra (nos autos da Ação Civil Pública nº 532/96, fls. 182-183, da 1ª Vara da Comarca de Jaboticabal -SP), "desde a recepção e atendimento dos necessitados que o procurem até o deslocamento do profissional junto àqueles que não podem procurá-lo (como os detentos - art. 16 da Lei de Execução Penal), com dedicação exclusiva, como previsto na Constituição (art. 134, p.u.), e com independência garantida para litigar até mesmo contra o próprio Estado, se for o caso, como estabelecido na Lei Complementar 80/94 (...)".

          Nenhum serviço dessa natureza, porém, é oferecido na Comarca de Juína/MT.

          Como observado por RIBEIRO BASTOS (in Curso de Direito Constitucional. 12 ed., São Paulo, Saraiva, 1990. p. 345), "a atual Lei Maior não se limitou a consignar o dever de prestação da assistência judiciária (sic). Ela deixa claro a quem compete fornecê-la".

          Uma situação como a aqui descrita atenta contra, pelo menos, dois direitos fundamentais do cidadão, incluídos no Capítulo I, do Título II, da Constituição da República, antes mesmo do Título concernente à organização do Estado brasileiro, o que revela o grau de importância que o legislador quis conferir à matéria. São esses direitos, o acesso à Justiça, através da prestação integral e gratuita de assistência jurídica, a ser oferecida pela Defensoria Pública (art. 5º, inciso XXXV e LXXIV), e o respeito ao princípio da isonomia (art. 5 º, caput), aqui entendido como a garantia de que as partes não se encontrem em desigualdade, seja ela de natureza econômica ou, mais amplamente, de acesso aos meios disponíveis para obter a tutela jurisdicional.

          As próprias normas deste Estado depõem contra inércia do respectivo Governo, pois o art. 10 da Constituição do Estado de Mato Grosso, prescreve:

          "Art. 10. O Estado de Mato Grosso e seus Municípios assegurarão, pela lei e pelos atos dos agentes de seus Poderes, a imediata e plena efetividade de todos os direitos e garantias individuais e coletivas, além dos correspondentes deveres, mencionados na Constituição Federal, assim como qualquer outro decorrente do regime e dos princípios que ela adota, bem como daqueles constantes dos tratados internacionais em que a Republica Federativa do Brasil seja parte, nos termos seguintes: (...)

          XVII - é direito subjetivo público daqueles que comprovarem insuficiência de recursos, a assistência jurídica integral e gratuita pela Defensoria Publica" (grifos e destaques, apenas nesta transcrição);

          E mais, o art. 116 assim estabelece:

          "A Defensoria Pública do Estado é instituição essencial à função jurisdicional, atuando junto a sociedade civil, na orientação jurídica e na defesa, em todos os graus e instâncias, nos direitos e interesses dos necessitados, na forma da lei" (os grifos e destaques, novamente, não constam do original).

          Evidente, pois, a obrigação do requerido em manter Órgão da Defensoria Pública ou equivalente na comarca, apto à plena assistência jurídica aos necessitados.

          Nesse sentido a doutrina:

          "O Estado presta (inc. LXXIV) assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. A Carta fugiu à definição tradicional do comprovada ou reconhecidamente pobre, de que se serve no inc. LXXVVI. O paradoxo da disposição (para provar a insuficiência de meios é necessária assistência jurídica) se resolve a favor do indivíduo: ele responde pelo prejuízo desde que se evidencie a falsidade de sua declaração de que os recursos são insuficientes" (CENEVIVA, Walter _ DIREITO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO, Saraiva, 1991, p. 74).

          E mais ...

          "No ordenamento constitucional em vigor, a assistência jurídica integral e gratuita, aos que comprovarem a insuficiência de recursos, é um direito individual de todo brasileiro e do estrangeiro residente no país. No intuito de garantir tal direito a Constituição criou órgão, qual seja a Defensoria Pública, considerada essencial à administração da justiça, que tem (ou teria) a seu cargo a prestação desta assistência" (CORRÊA, Orlando de Assis e outros _ COMENTÁRIO AO ESTATUTO DA ADVOCACIA E DA OAB, Ed. Aide, 1995, p. 101).

          "Em primeiro lugar, faz por merecer nossa apreciação, a tal propósito, a garantia de acesso dos membros da comunhão social à justiça; e isso, necessariamente, em dois diversificados enfoques, quais sejam os da acessibilidade econômica e da acessibilidade técnica. Com efeito, considerado o direito à igualdade como um dos fundamentais, na expressão constitucional, a garantia da tutela jurisdicional somente pode ser, como tal, concretizada se estiver, efetiva e materialmente, ao alcance de todos, sem exceção. Por via de conseqüência, impõem-se a gratuidade do processo aos menos favorecidos economicamente, mediante a garantia da assistência judiciária. (...)".

          "Isso tudo, entretanto, de nada valeria se, além da isenção ou da atenuação de gastos, no tocante às custas do processo ou do procedimento (respectivamente para os necessitados e para os menos ricos), não se propiciasse ao cidadão o efetivo exercício do direito à jurisdição, que agindo, quer reagindo, através de assistência jurídica, igualmente gratuita, e por profissional devidamente habilitado. Realmente, para ser assegurada a liberdade e, sobretudo, a igualdade das partes faz-se imprescindível que, durante todo o transcorrer do processo, sejam assistidas e/ou representadas por um defensor, dotado de conhecimento técnico especializado, e que, com sua inteligência e domínio dos mecanismos procedimentais, lhe propicie a tutela de seu interesse ou determine o estabelecimento ou o restabelecimento do equilíbrio do contraditório. Essa garantia, ademais, propiciante da assecuração da efetiva paridade de armas entre as partes, não se restringe ao processo penal, estendendo-se, outrossim, aos conflitos de interesses de natureza civil (...)".

          "E isso significa, à evidência, que a assistência técnica não pode, em hipótese alguma, restringir-se à atuação judicial, mas abranger toda atividade pré-processual de consultoria, orientação (visando, especialmente, a evitação de litigiosidade, no campo extrapenal, e da criminalidade, no penal) e informação. Com efeito, como concedida, ao invés de ser tida como um munus honorificum do advogado, consiste num dever do Estado, cuja definição encontra, já, suas linhas mestras no enunciado do parágrafo único do art. 134 (...). Nem poderia ser diferente, sobretudo tendo-se em vista a generalização dessa concepção em vários países desenvolvidos, nos quais consagrado o direito do cidadão à assistência jurídica, com a compreensão, além da assistência judiciária, da consulta técnica preventiva (...)".

          "É bem verdade, infelizmente, que como anota o ilustre expositor, após uma avaliação global, o problema continua sem uma solução eficaz, sobretudo pela inércia dos governantes, que carecem inclusive de vontade política para empreender modificações" (TUCCI, Rogério Lauria e outros _ CONSTITUIÇÃO DE 1988 E PROCESSO _ Regramentos e Garantias constitucionais do Processo, Saraiva, 1989, ps. 19/27).

          No mesmo sentido da doutrina, também a forte e brilhante jurisprudência construída de há muito, humanitária e verdadeiramente justa, na medida em que rejeitando argumentos que justificam tão somente a omissão do Estado, como por exemplo, de ordem orçamentária, precatórios e assemelhados, faz cumprir efetivamente (e não apenas aparentemente) a Constituição e a Lei, eis que não é de agora que o Ordenamento pátrio impõe em redação suficientemente clara que "o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos" (CF, artigo 5º, LXXIV ). Verbis:

          "Assistência Judiciária _ Justiça Gratuita. Responsabilidade do Estado, conforme previsto no art. 5º, LXXIV, da CF. Dispositivo auto-aplicável, inserido no rol dos direitos constitucionais do cidadão, que não carecem de prévia disciplina legal para seu exercício. Prestação que não pode ser transferida a terceiros, ex vi legis, a guisa de múnus atrelado ao exercício da profissão de advogado" (1º TACSP _ RT 645/110).

          "Justiça Gratuita _ Lei n 1060/50, na redação da Lei n. 7510/86 _ I. Nos termos da CF, art. 5º LXXIV, a assistência jurídica integral e gratuita prestada pelo Estado é um direito dos que comprovarem insuficiência de recursos para litigarem" (TRF 2ª R _ AI 90.02.24599.8 _ DJU 21.05.91).

          Frustra-se, assim, o ideal constituinte de assegurar Justiça a todos, em razão do descaso e da má vontade política do Governo, ao colocar em último plano aquilo que deveria ser prioritário, arremessando ao limbo os carentes desta Comarca.

          Enfim, evidente a obrigação legal e constitucional de o Estado manter adequado e eficiente serviço de assistência jurídica aos necessitados nesta Comarca, mandamento que o Governo descumpre de maneira notória, causando assim prejuízo a interesses difusos e coletivos de quem precisa da tutela jurisdicional.


III - DA LIMINAR

          O processo, como é natural, demandará tempo até que seja definitivamente julgado, mormente nesta Comarca face o conhecido acúmulo de processos, de consabido conhecimento de Vossa Excelência. Afinal, quem não viu ainda prescrição vintenária, como nos crimes de homicídio, v.g, é só vir na Comarca de Juína/MT.

          Está claro, pois, que a eventual necessidade de se ter de aguardar o término deste processo, irreparáveis prejuízos continuarão a sofrer todas as pessoas que necessitam do serviço de assistência jurídica, mormente agora ante à deliberação tomada pela OAB, Subseção de Juína/MT, posto que até então, ao menos se contava com a abnegação de alguns advogados naqueles casos mais graves e urgentes.

          Insofismável, por conseqüência, o dano ao direito e à garantia fundamental do cidadão de ter possibilitado seu acesso à Justiça e o exercício de sua ampla defesa, assistido juridicamente de forma ampla e gratuita, tratando-se de pessoa financeiramente necessitada.

          Assim, presente, pois, um dos requisitos para o deferimento liminar: o periculum in mora. Não vislumbrá-lo é desconhecer, ou melhor, é tapar os olhos e os ouvidos, vez que somente nesta Promotoria de Justiça, anexo neste mesmo fórum, dezenas de pessoas, pobres na acepção legal, vem diariamente em busca da pronta tutela jurisdicional, com a ressalva de que para a maioria delas, infelizmente nada pode o Parquet fazer, eis que os casos apresentados não se inserem em suas atribuições, não podendo fugir, de outro lado, da determinação que veda a seus membros o exercício da advocacia (CF, art. 128, II, b). E mais. Como fica agora diante da multicitada deliberação da OAB, Subseção de Juína/MT ? Cristalino que os problemas e o desrespeito à cidadania que já eram grandes, triplicar-se-ão.

          O segundo requisito, o fumus boni iuris, a seu turno, consubstancia-se no inquestionável e positivado dever de o Estado prestar serviço de assistência judiciária integral e gratuita aos que não o possam prover, sem prejuízo do sustento próprio ou de seus familiares, obrigação essa que, inclusive, decorre de comando Constitucional em redação mais do que suficientemente clara.

          Assim, estando presente os pressupostos para o seu deferimento, impõe-se a concessão de medida liminar, nos termos do art. 12 da Lei nº 7.347/85, de modo que, liminarmente, seja determinado ao Estado de Mato Grosso que instale imediatamente a Defensoria Pública nesta Comarca, com a designação de pelo menos um defensor público para atendimento aos casos mais urgentes.


IV - DOS PEDIDOS

          Diante do exposto, requer-se:

          1. a concessão de medida liminar, nos moldes do art. 12 da Lei 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), inaudita altera pars, ou, apesar de todo o exposto e fundamentos da presente, mesmo diante da recente deliberação da OAB, Subseção de Juína/MT, caso ainda não seja esse o Vosso entendimento, após então a oitiva do representante legal do requerido que deverá ser intimado PELO CORREIO para se pronunciar em 72 horas (art. 2º, da Lei 8.437/92), pois perfeitamente caracterizados seus pressupostos, quais sejam, o fumus boni iuris, em vista da incontestável obrigação do Estado em manter e prestar serviço de assistência aos necessitados, e o periculum in mora, em razão do flagrante prejuízo que tais pessoas estão sofrendo com a omissão Estatal, e vão sofrer profundamente, muito mais, doravante com a nova realidade instalada neste r. Juízo (doc.04) a lhes causar danos impossíveis de serem reparados, situação que impõe a determinação da instalação de uma unidade de Defensoria Pública na Comarca e manutenção de adequado serviço de assistência jurídica aos necessitados (além do serviço de advocacia na esfera judicial, inclusive de consulta e orientação), mediante a designação de pelo menos um defensor público exclusivamente para esta Comarca, no prazo improrrogável de 30 dias, sob pena de execução específica na forma do Código de Processo Civil (incorrendo inclusive em crime de desobediência o funcionário público que se recusar a cumprir a ordem), e ainda sob pena de cominação de multa diária no valor da causa, multa essa a ser recolhida ao Fundo Estadual de Reparação de Direitos Difusos e Coletivos, ou então em conta judicial a ser aberta para tal finalidade, somente podendo a Administração liberar os valores mediante alvará judicial onde se comprovem gastos efetivos com o cumprimento do pedido formulado nesta ação;

          2. Coibida a omissão com a cautela liminar, requer-se:

          a) A citação do réu (através de Oficial de Justiça _ CPC, art. 222, "c", via precatória para a capital) para, querendo, responder a presente no prazo legal, pena de revelia, permitindo-se, ademais, ao Oficial de Justiça utilizar-se da exceção prevista no art. 172, § 2º, do Código de Processo Civil;

          De qualquer forma, tendo em vista a robustez dos elementos probatórios que instruem a presente peça inicial, e considerando que os fatos abordados são notórios (CPC, artigo 334, inciso I), entende este Órgão Ministerial ser possível o julgamento antecipado da lide, a teor do artigo 330, inciso I, do Código de Processo Civil, sem necessidade de produção de novas provas em audiência (cf. Lei nº 7.347/85, art. 19).

          Em adição, porém, ao já apurado, se mesmo diante dos argumentos e fundamentos expendidos, ainda assim Vossa Excelência reputar necessário, protesta esta Promotoria de Justiça por todos os meios de prova admissíveis em direito, especialmente pelo depoimento pessoal da representante legal do requerido, sob pena de confissão, oitiva de testemunhas cujo rol será oportunamente apresentado e juntada de documentos suplementares, além dos que já acompanham a inicial.

          b) Que seja dado ciência, PELO CORREIO, da presente ação ao Ilustre Procurador-Geral da Defensoria Pública, com endereço no Palácio Paiaguás, Bloco do Seplan, antiga Codemat, Centro Político Administrativo (CPA), na Capital;

          c) A procedência do pedido, para o fim de ser o réu condenado ao cumprimento de obrigação de fazer, no sentido de, confirmando a decisão cautelar, instalar e manter adequado e eficiente serviço de assistência jurídica aos necessitados nesta comarca (inclusive mera orientação, além do serviço de advocacia na esfera judicial), mediante uma unidade de Defensoria Pública ou equivalente e a designação final de 3 (três) Defensores Públicos com exclusividade para esta Comarca, sob pena de execução específica na forma do Código de Processo Civil (incorrendo inclusive em crime de desobediência o funcionário público que se recusar a cumprir a ordem), e ainda sob pena de cominação de multa diária no valor da causa, devidamente atualizado pela correção monetária na data do trânsito em julgado, sem prejuízo de recolhimento, multa essa a ser depositada ao Fundo Estadual de Reparação de Direitos Difusos e Coletivos, ou então em conta judicial a ser aberta para tal finalidade, somente podendo a Administração liberar os valores mediante alvará judicial, onde se comprovem gastos efetivos com o cumprimento do pedido formulado nesta ação;

          d) Requer-se, outrossim, seja o réu condenado ao pagamento das custas e demais despesas processuais;

          e) Dá-se à causa, por estimativa, o valor de R$ 30.000,00 (trinta mil) reais.

          Juína/MT, 16 de novembro 1.999.

          Antônio Moreira da Silva
          Promotor de Justiça


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Antônio Moreira da. Ação civil pública para instalação de defensoria pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 39, 1 fev. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16156. Acesso em: 18 abr. 2024.