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Contas do Legislativo: soberania do parecer do Tribunal de Contas

Contas do Legislativo: soberania do parecer do Tribunal de Contas

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As contas da Mesa Diretora de Câmara Municipal, depois de aprovadas pelo Tribunal de Contas do Estado, foram rejeitadas pelo plenário da Câmara. O parecer é no sentido de que, no julgamento das contas do Legislativo, o parecer do Tribunal de Contas é soberano e imutável.

Ementa: CÂMARA MUNICIPAL-CONTAS DA MESA DIRETORA-APROVAÇÃO PELO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO- REJEIÇÃO PELO PLENÁRIO DA CÂMARA- INCONSTITUCIONALIDADE- LEI ORGÂNICA- PARECER PRÉVIO E JULGAMENTO- PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA- INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 71, I e II DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.


CONSULTA

Versa a presente consulta sobre julgamento de contas do Poder Legislativo Municipal de cidade do interior do Estado do Espírito Santo.

Informa o consulente, vereador no município, que exerceu a Presidência da Mesa Diretora da Câmara nos exercícios de 1999 e 2000.

Informa, ainda, que o Tribunal de Contas do Estado, após regular processo, inclusive com a realização da Auditoria Ordinária feita in loco pela equipe de inspeção técnica da 4a Controladoria daquele Egrégio Colegiado, não encontrou qualquer irregularidade em suas contas como ordenador de despesas do exercício de 1999, razão pela qual foram aprovadas.

Que, entretanto, a Câmara, por sua Mesa Diretora, na sessão ordinária do dia 20.09.2001 colocou a decisão da Corte de Contas do Estado em novo julgamento, a qual, levada a Plenário, foi rejeitada pela edilidade do município.

Expõe, ao final, a título de subsídio, que a desaprovação foi baseada apenas em perseguição política, uma vez que nenhuma irregularidade foi encontrada pela auditoria daquele órgão controlador de despesas públicas. Diz, por derradeiro que, segundo os Edis, o Tribunal de Contas não tem nenhum poder de decidir o que deve ou não deve ser aprovado no Legislativo, constituindo-se apenas num órgão opinativo e político, sendo, na verdade um Tribunal de "Faz de Conta", porque não tem competência para decidir matéria Interna Corporis do Legislativo Municipal, como é o caso da aprovação ou desaprovação das contas da Mesa Diretora.

Junta, com a consulta formulada, cópia autenticada da ata da sessão plenária que dessa forma decidiu, cópia da Lei Orgânica do Município, cópia do Regimento Interno, cópia do processo do TC com o julgamento e aprovação das contas. E, por fim, cópia do Projeto de Resolução que rejeita as contas legislativas.

Diante de tais fatos solicita seja emitido parecer sobre as seguintes questões:

  1. QUAL É A FUNÇÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS NA APRECIAÇÃO DAS CONTAS DA MESA DIRETORA DO LEGISLATIVO MUNICIPAL?

  2. QUAL É A COMPETÊNCIA DA CÂMARA MUNICIPAL PARA JULGAR AS CONTAS DE SUA MESA DIRETORA?

  3. PODE O PLENÁRIO LEGISLATIVO DESCONSTITUIR O ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO QUE APROVA AS CONTAS DA MESA DIRETORA?

  4. CONSIDERANDO O ARTIGO 29 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL PODE A LEI ORGANICA DO MUNICÍPIO DISPOR DE FORMA DIVERSA DAQUELA, NA QUESTÃO DE JULGAMENTO DE CONTAS DO EXECUTIVO E DO LEGISLATIVO?

  5. QUAL A MEDIDA CABÍVEL EM OCORRENDO A SITUAÇÃO DO ÍTEM 3?

Definidos os termos da consulta, passamos a respondê-la.


RESPOSTA

CONTROLE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS:

Controle Interno

Na sistemática jurídico-constitucional que atualmente vige no território brasileiro em relação à forma de controlar e fiscalizar os atos da Administração Pública, duas são as formas de ação nesse sentido. A primeira é feita através do controle interno, e a segunda através do controle externo.

Controle interno é aquele exercido pela própria administração ou pelo próprio órgão da administração de onde se originou o ato. Para isso deve manter a Administração Pública, incluindo-se aqui o Legislativo e o Judiciário, um sistema de controle interno onde se possa avaliar se as metas previstas nos diversos planos e programas de governo estão sendo devidamente cumpridas. O controle abrange os aspectos administrativo, orçamentário, patrimonial e financeiro, buscando-se, com isso, fiscalizar a aplicação dos recursos públicos. O controle financeiro, a partir da publicação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/00), ganhou importante aliado em sua execução.

Cabe, ainda, à Administração Pública revogar ou anular seus próprios atos quando eivados de ilegalidade.

"A administração pública pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originaram direitos; ou revoga-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada em todos os casos a apreciação judicial" (1)

Em suma, isso quer dizer que qualquer ato administrativo quando praticado ilegalmente ou com vícios que o torne ilegal, pode ser anulado ou revogado pelo próprio órgão que o expediu.

Controle Externo

O Controle Externo, entretanto, se diferencia substancialmente do Controle Interno já que é exercido por órgão alheio à autoridade que editou ou produziu o ato administrativo.

Esse controle é feito pelo Poder Legislativo, com o auxílio do Tribunal de Contas e pelo Poder Judiciário quando este for provocado.

Note-se, pois, que na verdade o que se pode mesmo denominar de efetivo controle dos atos emanados dos poderes públicos é, sem dúvida, o Poder Externo, porque é um controle que é exercido por órgão diferente daquele que determinou a publicação do ato e, por conseguinte, totalmente independente.


O TRIBUNAL DE CONTAS E SUAS FUNÇÕES

O Tribunal de Contas desempenha papel preponderante e conclusivo em se tratando de auxiliar o Poder Legislativo na fiscalização das contas públicas.

A par de suas funções de auditoria financeira e orçamentária, tem a finalidade específica de julgar a regularidade das contas de todos os administradores, tanto da administração direta como da administração indireta e fundacional, além dos demais responsáveis pelo gerenciamento do erário público, (artigo 71, II da CF). Sem dúvida, em que pesem as poucas opiniões divergentes, mais de cunho interesseiro e que teimam em não acolher as normas constitucionais, o Tribunal de Contas tem, neste caso, total capacidade judicante. Aliás, é a própria Constituição que, ao tratar da decisão exarada pelos órgãos controladores da administração, emprega um termo técnico jurídico que não deixa nenhuma dúvida quanto à intenção do constituinte: JULGAR. É um julgamento político-administrativo, mas que tem efeito vinculante.

E neste sentido já se pronunciou o TRF: "O TCU só formalmente não é órgão do Poder Judiciário. Suas decisões transitam em julgado e têm, portanto, natureza prejudicial para o Juízo não especializado" (2).

Quando funciona na tomada de contas dos demais administradores e ordenadores de despesas públicas, que não as do Executivo, o tribunal pratica ato que não pode ser revisto pelo Poder Judiciário, a não ser quanto ao seu aspecto formal."Inteiramente livre para examinar a legalidade do ato administrativo, está proibido o Poder Judiciário de entrar na indagação do mérito, que fica totalmente fora do seu policiamento." (3)

A distinção entre os Tribunais de Contas, tanto da União como dos Estados, dos demais órgãos públicos, bem como a sua finalidade específica do controle externo está exteriorizada na definição de sua competência imposta pela Constituição Federal, competência esta que se estende aos Tribunais de Contas Estaduais pela simetria constitucional existente entre os poderes governamentais.

Temos, pois, que os Tribunais de Contas podem operar, como de resto operam, diretamente nas unidades do Legislativo, do Executivo e do Judiciário, além de outros órgãos da administração indireta, consoante lhe garante a Constituição da República .

Por tais atribuições é hoje assente na doutrina, na espécie, que o Tribunal de Contas não é simplesmente um órgão auxiliar do Legislativo. Pelo contrário é um órgão desvinculado de qualquer dos três poderes, sendo suas atividades estritamente de caráter técnico. Mesmo não sendo um Poder tem o poder constitucional de fiscalizar os Poderes do Estado e fiscalizar todos os atos dos ordenadores de despesas e que são responsáveis pelas aplicações e guarda do erário público. A independência do Tribunal de Contas é indiscutível, não guardando ele qualquer subordinação ao Poder Legislativo como muitos supõe e admitem. Ele auxilia o legislativo, mas não é órgão auxiliar daquele Poder. A diferença é significativa.

Sobre isso é categórico, e muito bem colocado, o ensinamento de Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, professor titular da cadeira de Direito Administrativo da UDF:

"A função dos Tribunais de Contas é até hoje pouco compreendida. Está na Constituição Federal que auxilia o Congresso Nacional ; não é órgão auxiliar, porque julga as contas dos agentes dos três Poderes. Julga, sim, e com todas as letras. Por esse motivo, não é assegurada a ampla revisibilidade judicial das decisões dos Tribunais de Contas pelo Judiciário, havendo o Constituinte estabelecido que "a lei não excluirá da apreciação do Poder judiciário lesão ou ameaça de Direito", embora na própria Constituição Federal encontrem-se as exceções definidas. Somente em relação às contas anuais do País, - impropriamente denominadas de contas do Presidente da República – é que se limita a emitir parecer prévio, cabendo julgamento ao Poder Legislativo. (4) ( grifamos)

Nesse sentido também já se posicionou o STF na publicação Anais do Congresso dos Tribunais de Contas – 1995: "O Tribunal de Contas não é preposto do Legislativo. A função que exerce recebe-a diretamente da Constituição, que lhe define as atribuições."


A COMPETÊNCIA DA CÂMARA MUNICIPAL PARA JULGAR CONTAS

PARECER PRÉVIO E JULGAMENTO

Dispõe a C. Federal:

"Artigo 71: O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:

  1. Apreciar as contas anualmente prestadas pelo Presidente da República, mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento;

  2. Julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público Federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público."

Como se vê os dispositivos citados são de molde a não deixar nenhuma dúvida quanto à intenção do legislador que os regulamentou através da Lei 8.443/92. (5) Apreciar e julgar são atos administrativos diferentes.

A doutrina de Celso Antonio Bandeira de Melo é conclusiva, na espécie: "Ao Tribunal de Contas assiste apreciar e emitir parecer prévio sobre as contas anuais do presidente da República, dentro em sessenta dias de seu recebimento, para encaminha-las ao julgamento do Congresso Nacional. (6), (artigo 71, I)"

Prossegue o conhecido administrativista que: Nos termos do artigo 71,II, compete-lhe julgar as contas dos administradores (da Administração direta, indireta e fundacional) e dos demais responsáveis por dinheiros e valores públicos, bem como daqueles que derem causa a extravio, perda ou outra irregularidade que resulte prejuízo ao erário público. (7)" (grifos nossos)

Contas do Executivo

Assim, em se tratando de contas do Executivo, seja o Federal, Estadual ou Municipal, o Tribunal de Contas apenas aprecia emitindo um Parecer Prévio que, ao depois, passará sobre o crivo do Poder Legislativo. Segundo José Afonso da Silva: "A prévia apreciação técnico-administrativa do Tribunal de Contas, como órgão técnico é uma decisão administrativa, não jurisdicional. O Parecer prévio é conclusivo, mas não é decisivo. (8)" E isto se justifica porque o Legislativo estará julgando, com o auxílio do Tribunal, as contas de outro Poder e não as suas. Dessa forma, tanto pode ser que o parecer prévio do Tribunal de Contas seja pela aprovação das contas apresentadas pelo Prefeito Municipal, por exemplo, quanto pela sua rejeição. Em qualquer dos casos o parecer prévio irá a Plenário, podendo ser derrubado pela maioria qualificada de 2/3. Fica assim evidenciado claramente que em se tratando de contas do executivo a competência final de julga-las é do Legislativo. É como normatiza o artigo 71, I da Carta Magna, acima transcrito.

Contas do Legislativo

Já esposamos, em passadas ocasiões, o mesmo entendimento em relação aos dois Poderes, quanto à tomada de suas contas. Mas, hoje, vemos que não é assim, entretanto, no caso das contas legislativas. O item II do artigo 71 da CF deixa claro que a competência do Tribunal de Contas é, essencialmente, a de JULGAR as contas dos demais ordenadores de despesas, entre eles as dos Presidentes das Câmaras Municipais, por aplicação simétrica. E não poderia ser de outra forma, uma vez que deixar a cargo do Legislativo a incumbência de julgar suas próprias contas seria, em face do que ali se dispôs, evidente inconstitucionalidade. E tudo isso não só pela legalidade imposta pela Carta Maior em seu artigo 70, I e II, mas também por um princípio consagrado na Administração Pública que é o da MORALIDADE.

O Princípio da Moralidade Administrativa obriga qualquer administrador público a direcionar seus atos, não apenas em função da lei, mas também em função de outras normas de caráter estritamente morais.

E é neste contexto, onde a lei se junta ao comportamento ético, que o constituinte foi buscar a necessidade da moralidade administrativa na promulgação dos atos de seus ordenadores de despesas. Ele impõe ao administrador público uma forma de conduta a seguir, conduta que ele não pode, em momento nenhum, deixar de perseguir sob pena de ter seus atos administrativos invalidados.

Sobre a matéria leciona Lucia Valle Figueiredo: "Quanto à moralidade administrativa sua existência provém de tudo que possui uma conduta prática, forçosamente da distinção do bem e do mal. Como a administração tem uma conduta, ela pratica esta distinção ao mesmo tempo que aquela do justo e do injusto, do lícito e do ilícito, do honorável e do desonorável, do conveniente e do inconveniente. A moralidade administrativa é freqüentemente mais exigente que a legalidade. Veremos que a instituição do excesso de poder, graças à qual são anulados muitos atos da Administração, é fundada na noção de moralidade administrativa quanto na legalidade, de tal sorte que a Administração é ligada, em certa medida, pela moral jurídica, particularmente no que concerne ao desvio do poder. (9)"

Além do que, não fosse dessa maneira, os Tribunais de Contas seriam apenas órgãos sem prestígio, sem credibilidade, sem finalidade, servindo apenas para emitir opiniões sobre irregularidades que poderiam, ou não, ser apuradas e punidas. Seriam órgãos dotados de excelente estrutura técnica, contábil e jurídica, como são na verdade, mas cujos pareceres e julgamentos dependeriam, para surtirem qualquer efeito, da vontade e do interesse político de outros tantos órgãos, via de regra, comandados por pessoas sem qualquer preparo técnico para sequer examinar suas contas, quanto mais julga-las. Caso específico do Legislativo Municipal onde, separando as honrosas exceções, seus representantes se digladiam, diuturnamente, numa verdadeira batalha de incompetência e despreparo no honroso mister de representar e buscar o progresso de suas comunidades.

José Nilo de Castro leciona que: "Inicialmente, sempre entendíamos que as contas das Mesas das Câmaras municipais enfrentavam o mesmo regime de parecer prévio do Tribunal de Contas, pois se estava apreciando contas do Legislativo, cuja gestão é confiada à mesa-diretora, seu órgão administrativo despersonalizado. Fundamentava-se nossa opinião na impossibilidade, que se vislumbrava, de um órgão auxiliar da Câmara Municipal julgar as contas deste Poder. Aliás sempre encontramos, aqui e alhures, Tribunais de Contas emitindo parecer prévio sobre as contas das Mesas-Diretoras de Câmaras Municipais, como o fez o Tribunal de Contas de Minas Gerais, na prestação de contas no 4132/82, da Câmara Municipal de Belo Horizonte-exercício de 1981, parecer emitido pela aprovação parcial das contas com ressalva das irregularidades apontadas." (10)

Prossegue o autor: "Só com relação às contas dos Chefes do Executivo é que o pronunciamento do Tribunal de contas constitui mero parecer prévio, sujeito à apreciação final da Câmara Municipal. (STF, RE 132747); as contas de todos os demais responsáveis por dinheiros e bens públicos são julgados pelo Tribunal de Contas e suas decisões a respeito geram inelegibilidade (CF, art. 71, I): Inconstitucionalidade dos artigos 95, II, d, e seu parágrafo 1º , in fine, da Constituição do Estado da Bahia, quando estendem às contas das Mesas das Câmaras Municipais do regime do artigo 31, parágrafo 2º da CF, que é exclusivo das contas dos Prefeitos.. (acórdão único publicado em sessão, em 24.09.92)." (11)

No mesmíssimo sentido também decidiu o TRE do Estado do Espírito Santo:

"Tratando-se de julgamento de ex-presidente da Câmara Municipal, entendimento que deve prevalecer é o parecer do Tribunal de Contas, à luz do que dispõe o artigo 71, II, da C.F., evitando-se o julgamento das próprias contas pelo Legislativo- Recurso que se nega provimento. Acordam os membros do Egrégio Tribunal Eleitoral do Espírito Santo, de conformidade com a ata e as notas taquigráficas da sessão, que integram este julgado, à unanimidade, reconhecer, incidentalmente, a inconstitucionalidade das expressões "mesa das câmaras Municipais" e "Presidente da Câmara" , constante do inciso II do artigo 71 e parágrafo 2º do artigo 29, respectivamente, da Carta Estadual, e por igual votação rejeitar a preliminar de cerceamento de defesa e no mérito, ainda à unanimidade, negar provimento ao recurso". (12)

Em processo oriundo da própria Câmara onde o consulente exerce seu mandado, dispôs o TRE:

"1-As contas dos Chefes do Poder Legislativo Municipal sujeitam-se apenas ao pronunciamento do Tribunal de Contas do Estado, não se aplicando o disposto no parágrafo 2º do artigo 31 da Constituição Federal. (precedentes TSE Res. 13.475/ES e acórdão 12.694). 2-Aplicável à espécie o disposto no inciso II do artigo 71 da CF, conforme dispõe o artigo 75. 3-Reconhecimento "incidenter tantum" da inconstitucionalidade do parágrafo 2º do artigo 29 e inciso II, do artigo 71, da Constituição do Estado do Espírito Santo." (13)

Seguindo a mesma esteira de interpretação tem decidido o TSE:

"EMENTA. Recurso Especial. (Art. 1º , I, "g" , da LC 64/90). Órgão competente para rejeição das contas. Só com relação às contas dos Chefes do Executivo é que o pronunciamento do Tribunal de contas constitui mero parecer prévio, sujeito à apreciação final da Câmara Municipal, antes do qual não há inelegibilidade ( STF, RE 132.747). As contas dos demais responsáveis por dinheiro e bens públicos são julgados pelo Tribunal de Contas e suas decisões a respeito geram inelegibilidade" (14)

"... tratando-se de julgamento das contas de ex-Presidente da Câmara Municipal, há que prevalecer o parecer do Tribunal de Contas, sendo irrelevante a decisão da Câmara Municipal". (15)

De tudo resta a certeza de que os dispositivos da CF em comento, regulamentados pela Lei 8.443/92, são de molde a não deixar quaisquer dúvidas quanto à forma de atuação do Tribunal de Contas nos atos da administração pública, principalmente em relação ao Parecer Prévio emitido nas contas públicas do executivo municipal e do Julgamento Final nas contas do legislativo. Este é de competência exclusiva do Tribunal de Contas, aquele é de competência exclusiva do Plenário da Câmara Legislativa.

O artigo 71, I e II da C.Federal é de fácil entendimento, nada havendo para que sobre ele se expeça algum comentário maior, eis que despicienda tal providência.

Aplica-se, in casu, a velha máxima romana de que in claris cessat interpretatio, ou seja, "aquilo que está claro não necessita de interpretação" .


A LEI ORGÂNICA E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Não se discute que, no âmbito municipal, cabe à Lei Orgânica e ao Regimento Interno da Câmara Municipal a tarefa de fixar as normas a serem cumpridas pelo legislativo. Entretanto, por outro lado, não há que se discutir, também, que tais normas não podem se afastar dos chamados Princípios Constitucionais. Por exemplo, a aprovação de emendas à Lei Orgânica somente poderá ocorrer por meio de voto de pelo menos 2/3 da totalidade dos Vereadores. A exigência do quorum de 2/3 vem do artigo 29 da Constituição Federal e por isso não pode o legislador municipal alterá-lo, quando dispuser sobre a matéria, na Lei Orgânica Municipal. Da mesma forma ocorre com as contas do executivo municipal. A CF exige, também, quorum qualificado de 2/3 para rejeição, pela Câmara, do parecer prévio exarado pelo órgão de Contas competente.

Uma vez atendidos os princípios constitucionais pode o legislador trazer para a esfera municipal as normas insculpidas na Carta Magna e delinear a forma como o Município será estruturado legalmente.

No dizer de Mayr Godoy : "Ao aplicar-se a simetria constituinte dos poderes de governo, exsurge, no direito constitucional brasileiro, a Câmara Municipal, eleita pelo povo, como titular do poder organizante para, em nome do povo, que a constituiu, aprovar e promulgar a Lei Orgânica do Município." Continua o renomado Mestre : "Essa privilegiada posição do município brasileiro e de sua Câmara Municipal decorre da realidade constitucional de que, como entidade política, seus poderes são próprios, não os recebendo nem da União nem do Estado-Membro; provém da Constituição que o constituiu, daí porque sua organização cabe à sua própria Câmara, que tem de respeitar, nessa tarefa, apenas os princípios e preceitos constitucionais." (16) ( grifo nosso)

Pode ser que uma Lei Orgânica Municipal contenha disposição que diminua o quorum, para emenda-la, fixando-o em 1/3, ou maioria simples ou mesmo maioria absoluta. Será sempre uma disposição inconstitucional que não poderá prevalecer sobre disposição constitucional: "O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com interstício mínimo de dez dias , e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal..." (17) (grifamos).

Da mesma forma com respeito ao Parecer Prévio emitido pelo Tribunal de Contas nas contas do Executivo : "O parecer prévio , emitido pelo órgão competente sobre as contas que o Prefeito deve anualmente prestar, só deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da Câmara Municipal." (18) .Não pode o legislador municipal alterar esse quorum para menos ou para mais.

Desta forma, no caso in concreto, o inciso XIV do artigo 21 da Lei Orgânica do Município, que dispõe que compete exclusivamente à Câmara Municipal julgar as contas prestadas pelos membros da de sua Mesa, já nasceu com grave vício, pois a Constituição Federal não prevê este julgamento. Se não prevê não poderia o legislador municipal criá-lo como fez, para seu próprio benefício. O artigo 31 da Carta Maior não faz, em nenhum de seus parágrafos, qualquer referencia a julgamento de Mesa Diretora ou Câmara Municipal, por parte do Poder Legislativo. Admitir o contrário seria uma agressão ao então vigente princípio da Moralidade Administrativa. Daí se conclui que a norma municipal citada foi editada em frontal agressão a preceito Constitucional. Contém vício formal, e por isto padece de inconstitucionalidade formal, conforme já ensinou o douto José Afonso da Silva: "Essa incompatibilidade vertical de normas inferiores (leis, decretos, etc) com a constituição é o que tecnicamente se chama de inconstitucionalidade das leis ou dos atos do poder público, e que se manifesta sob dois aspectos: a) formalmente, quando tais normas são formadas autoridades incompetentes ou em desconformidade com o procedimento estabelecido pela Constituição... (19)"

Mas, se mesmo após o Julgamento das Contas efetuado pelo Tribunal, entender a Mesa Diretora de coloca-lo sob o crivo do Plenário da Câmara, qualquer que seja a decisão ali tomada, certamente será anulável , uma vez que, como restou sobejamente delineado, o Tribunal de Contas tem legitimidade, competência e autonomia para Julgar as contas da Mesa Diretora da Câmara Municipal.


DAS MEDIDAS CABÍVEIS

Antes de passar ao estudo das medidas cabíveis, in casu, resta a indagação: Qual seria a finalidade precípua de tal "julgamento." ?

Note-se que inexiste finalidade e aplicabilidade da decisão da Câmara. É sabido que a finalidade dos julgamentos é a de responsabilizar os ordenadores de despesas por atos de improbidade administrativa, aplicando-lhes, quando for o caso, as sanções previstas em lei, sendo que as decisões dos Tribunais de Contas tem força de título executivo. No campo eleitoral, sabe-se que cabe ao Tribunal de Contas, por força do artigo 11, parágrafo 5º da Lei 9.504/97 (20), remeter à Justiça eleitoral a relação dos ordenadores de despesas que tiveram suas contas rejeitadas por irregularidades insanáveis e por decisão irrecorrível do órgão competente, com a finalidade de torna-los inelegíveis. A Resolução, que contrariou o Julgamento do Tribunal de Contas do Estado, não tem força legal para executar o ordenador de despesas do legislativo e muito menos para torna-lo inelegível. Nem mesmo teria a Mesa como dar ciência ao Tribunal de Contas das "irregularidades" encontradas pela Edilidade, de vez que aquele Tribunal não as encontrou, por ocasião de seu julgamento.

Enfocando o caso concreto, temos duas alternativas:

  1. A primeira seria o mais lógico e o mais sensato. O reconhecimento, pelo Plenário da Câmara, de que a Resolução que promulgou a rejeição do julgamento das contas pelo Tribunal competente padece de ilegalidade, o que implicaria na sua retratabilidade por via de Projeto de Decreto Legislativo revogando-o . Mesmo porque, a Resolução não é , na técnica legislativa, a forma mais correta para o que se pretendeu. A Resolução, embora seja ato de interesse do Poder Legislativo e de sua exclusiva competência, produz apenas efeito interno, ao contrário do Decreto Legislativo que, tendo as mesmas características da Resolução, produz efeito externo.

  2. A segunda seria a busca da tutela jurisdicional, com respaldo no artigo 5º, XXXV da Constituição Federal, no sentido de invalidar o ato promulgado pela Mesa Diretora da Câmara, tendo em vista que a sua ilegalidade é flagrante, e considerando que em relação ao processo legislativo municipal as reiteradas decisões do STF não deixam dúvidas de que os princípios constitucionais devem ser compulsoriamente seguidos, o que não ocorreu. Não havendo a revogação pelo próprio Órgão ou Poder que praticou o ato lesivo e ilegal cabe ao Poder Judiciário faze-lo, desde que provocado pelos meios processuais cabíveis.


CONCLUSÃO

Posto isto, de tudo concluimos que:

1) A função do Tribunal de Contas é de suma importância no contexto da Administração Pública . Constitui-se de auditorias ordinárias, assim entendido, as auditorias de rotina pré-estabelecidas, e executadas pelas Controladorias Técnicas objetivando verificar a legitimidade, legalidade dos atos contábeis, financeiros, orçamentários e patrimoniais dos Três Poderes. Nas contas do Executivo Municipal ele emite um Parecer que, por força de hábito, rotulou-se de prévio quando, na verdade, tal parecer é, tecnicamente, um parecer que o vincula à aprovação ou não das contas. Tanto que seu conteúdo somente deixa de prevalecer se o Legislativo se manifestar, por votação de 2/3 de sua totalidade, em contrário e desde que o ato administrativo que assim entender venha devidamente acompanhado de argumentos técnicos que possam contradizer o contido no parecer.

Em se tratando de Poder Legislativo sua função é de JULGAR, por força constitucional, as contas da Mesa Diretora destas Casas de Leis. À Câmara não cabe promulgar qualquer ato, nem oriundo de votação do Plenário, desconstituindo o contido no Julgamento das Contas de sua Mesa Diretora uma vez que o julgamento das contas é soberano, privativo e definitivo. É soberano porque a própria Lei Maior lhe concedeu esta soberania. É privativo porque somente o Tribunal de Contas tem competência delegada para aferir as contas públicas, não sendo possível transferir tal atribuição para outro órgão, nem mesmo por qualquer ato emanado da própria Corte. É definitivo porque ultrapassado os prazos recursais contidos em sua Lei Orgânica não cabe qualquer outro julgamento sobre o mérito da decisão. Nem mesmo pelo Poder Judiciário.

2) O Plenário não tem competência para rejulgar, por mera deliberação, as contas de sua Mesa Diretora que já foram julgadas pelo Tribunal de Contas. O ato que promulga tal decisão é perfeitamente anulável, sob pena de se permitir a imoralidade de um órgão, cujas contas fossem julgadas irregulares, rever e derrubar, por si próprio, um acórdão prolatado após exaustivas verificações, estudos e pareceres técnicos. Determina a Constituição que somente as contas anuais do Poder Executivo Municipal não estão sujeitas ao julgamento definitivo dos Tribunais de Contas.

3) Os artigos 29 e 30 da Constituição Federal deram autonomia aos municípios outorgando-lhes o direito de legislar sobre assuntos de interesse local. Outorgaram-lhe, ainda, o direito de dispor da forma de se estruturarem através de sua própria Lei Orgânica. Entretanto, a par disso, não pode o legislador municipal nela incluir normas incompatíveis com os princípios constitucionais. A Carta Magna não prevê em nenhum de seus artigos a possibilidade do Legislativo Municipal aprovar contas de sua própria Mesa Diretora, logo, não tem nenhuma lógica qualquer preceito, nesse sentido, em Lei Orgânica.

4) Quanto á eficácia da decisão do Tribunal de Contas, ela pode ser discutida e examinada pelo Poder Judiciário, tendo em vista o princípio constitucional da inafastabilidade, ressalvando-se, porém, que a manifestação do Judiciário somente se dará à vista de ilegalidade manifesta ou vício de aspecto formal . No caso especifico da consulta formulada, o ato da Mesa Diretora , consubstanciado na Resolução 005/2001, forma de proposição que só produz efeitos interna corporis, ao contrário do Decreto Legislativo, se não for revogado ou anulado pelo próprio órgão que o promulgou, deve ser apreciado pelo Poder Judiciário que poderá torna-lo nulo, eis que originado de decisão não prevista nas normas constitucionais vigentes, praticado por órgão incompetente para promulgá-lo, e, por isso proferido com defeito de formalidade.

É o parecer.

C.Itapemirim, 15.0.2001

Nelson de Medeiros Teixeira

A DVOGADO - Assessoria Jurídica e Legislativa


NOTAS

  1. Súmula 473 do STF

  2. Ap. Cível 89.01.23993-0/MG- DJU de 14.9.92-pág. 28.119, rel. Adhemar Maciel- . 3a Turma.

  3. J.Cretella Jr. Dos Atos Administrativos Esenciáis- 1ª Ed. 1995-forense, pág. 448

  4. Revista Interesse Público, 8-2000, pág. 185

  5. Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União

  6. Curso de Direito Administrativo, 13a ed. Malheiros Editores

  7. Ob. Citada- pág. 220

  8. Curso de Direito Constitucional Positivo-3a ed. Ed. Rev. Dos Tribunais, pág. 245

  9. Curso de Direito Administrativo, Ed. Malheiros, 1994, pág. 50

  10. Julgamento das Contas Municipais. Ed. Del Rey, 1995, pág. 57/58

  11. Ob. Citada, pág. 58/59

  12. Acórdão 139- TRE-ES- Processo 1.568- Classe D- Muniz Freire-ES

  13. Acórdão 51/2000-Classe 22- Afonso Cláudio-ES. Rel. Juiz Macário Ramos Júdice Neto

  14. Acórdão 13174-CF, art. 71,I- TSE-TP-30.09.96

  15. Acórdão 13475-TSE-TP, 22.10.96

  16. A Câmara Municipal, 4a ed. Ed. Leud, 1994

  17. Constituição Federal- Artigo 29

  18. Constituição Federal- Artigo 31, parágrafo 2º

  19. Direito Constitucional Positivo, Rev. Dos Tribunais- 1995, pág. 16

  20. Estabelece normas para as eleições


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TEIXEIRA, Nelson de Medeiros. Contas do Legislativo: soberania do parecer do Tribunal de Contas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. -243, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/16524. Acesso em: 19 abr. 2024.