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Parecer sobre a teoria da fungibilidade dos recursos quando o pedido é única e exclusivamente tutela de urgência

Parecer sobre a teoria da fungibilidade dos recursos quando o pedido é única e exclusivamente tutela de urgência

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Parecer pela aplicação da fungibilidade recursal para admissão de apelação contra decisão que, embora sob a forma de decisão interlocutória, seria em verdade uma sentença, pois indeferiu o único e exclusivo pedido do autor (concessão de tutela antecipada).

I. Do caso concreto: breve relato

Trata-se de ação cível, proposta por pessoa jurídica de direito privado em face da Fazenda Pública Federal, de pedido único e exclusivo de "tutela antecipada", respeitante à concessão de provimento jurisdicional acerca da possibilidade de suspensão da cobrança tributária pela futura extinção de crédito tributário mediante dação em pagamento em bens imóveis, supostamente possível pelo advento da Lei Complementar nº 104/2001.

Em juízo, a liminar foi negada, in casu, pela falta de fumus boni iuris e periculum in mora. Nestes termos, exsurgiu no contencioso a dúvida sobre se a substância e forma da decisão jurisdicional retro desafiaria agravo de instrumento - o que seria encarada como decisão interlocutória - ou, apelação - o que seria encarada como verdadeira sentença. Daí a velha discussão sobre o cabimento e fungibilidade dos recursos.

Optou o patrono da causa pela apelação, a despeito da perquirição de se estar ferindo, em tese, o devido processo legal, visto a ausência de manifestação da Fazenda Pública Federal. Seguidamente, houve negativa do magistrado de primeiro grau, o qual tendia pelo agravo de instrumento, em tese, o aparentemente mais salutar pelo ângulo do direito posto.

Encaminhada a questão para a consultoria do escritório, a qual integro, a serviço da conveniência de dar prosseguimento àquele recurso de apelação, priorizei emitir parecer que vencesse pela eloqüência da racionalização filosófica (mais elementar) sobre a escolha do recurso do caso, preterindo, assim, adentrar ao campo da discussão doutrinária e jurisprudencial processualista que, certamente, poderia arrebatar fim ao "inadequado" recurso proposto. Em termos simples, optei pela valorização do método (o aristotélico, adianta-se), do processo de racionalização para conhecer qual o recurso mais adequado.

O parecer, de forma sui generis, foi remetido ao Tribunal Regional Federal, da 3º Região e, em positivo, foi conhecido o recurso impetrado naquela ocasião, motivo que o trago à colação como uma proposta (colaboração) de "defesa" para outros casos análogos.


II. Do parecer: a discussão sobre a fungibilidade dos recursos diante de único (quantidade) e exclusivo (qualidade) pedido de tutela antecipada.

O provimento jurisdicional requerido na exordial dos autos em comento, consubstancia-se predominantemente na espécie tutela de urgência do tipo satisfativa de mérito, qual seja, o pedido de suspensão da exigência de créditos tributários, em virtude da possibilidade de dação em pagamento futura, dada a extensão proveniente do advento da Lei Complementar 104/2001.

O incluso pedido, esposa-se, ontologicamente, singular e principal, no contexto do presente feito. Singular, sob a ratio de que é pedido único pleiteado pelo autor; principal, vez que se esmera desatrelado de qualquer outro pedido, dentro da ordem lógica do processo cito, ainda que seus efeitos possam insurgir no âmbito das esferas patrimoniais envolvidas.

Tomando por base de raciocínio essas duas pilastras, deduz-se duas assertivas, as quais, ao ensejo, foram cotejadas à época da preparação do recurso de fls. 84/96:

  1. sob o ponto de vista material – perquirindo sobre a substância do pedido suso e seu desdobramento contextual no todo do processo – tem-se, pela denegatória ou concessiva do pedido sub judice, decisão definitiva de mérito, verdadeira sentença, independente da fase processual que se manifeste. Em outras palavras, qualquer decisium de julgo do Judiciário sobre o petitum, configurar-se-á, no caso em concreto, SENTENÇA, nos moldes do artigo 162 c/c com o artigo 513, do CPC – raciocínio sistemático e teleológico cônscio à proporcionalidade de satisfação máxima ao provimento jurisdicional in concreto, e, afinado para com o prolegômeno da didática científica sobre a opção pela melhor hermenêutica, prescrita esse na ilação de que na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum (art. 5º, Lei de Introdução ao Código Civil);
  2. sob o ponto de vista formal-processual – perquirindo sobre a funcionalidade do pedido e sua circunstância dentro do procedimento cogitado – tem-se pela denegatória ou concessiva do pedido sub judice, decisão terminativa de mérito, verdadeira DECISÃO INTERLOCUTÓRIA, unicamente, assim cognominada em função da fase processual presentemente cogitada. Hipótese esta, onde qualquer impugnação, haverá de ser feita pelo instrumento do AGRAVO – raciocínio meramente formalista, isento das implicações do processo segundo a utilidade do provimento jurisdicional em concreto pleiteado.

Nesse esmiuçar, correlacionand-se às premissas da teoria processual civil positiva brasileira, precisamente os artigos 162 pars. 1º e 2º, c/c os artigos 513 e 522, do CPC, sobre os atos processuais e suas impugnações, cediço que o discrímen da mens legis amolda-se sob o substrato material, embora não refute por completo o substrato formal-processual. Temperamento – verdadeiro medio aristotélico (ética nicomaquéia, livro VIII), também, empregado na lógica da interposição de recurso de apelação sobre o indeferimento da petição inicial (art. 296, caput, CPC), à ilustração – que realça-se, indubitável, pela própria inspiração da instrumentalidade processual que, em teoria geral recursal, está materializada na FUNGIBILIDADE DOS RECURSOS. Em outros termos, dá-se prevalência aos fundamentos do recurso e não a sua mera formalização.

Em aplicação da exposição, desume-se induvidoso, logo, que o recurso em apelação ao agravo de instrumento se coloca como resultado de erro grosseiro, sobre a recorribilidade – o que de imediato se é factível cogitar ao intérprete judicial; e, in casu, muito menos que haja hipótese de má-fé, visto que o prazo de 10 (dez) dias, para o suposto agravo, foram obedecidos na interpelação do mesmo aos de 15 (quinze) dias, já que o protocolo deu-se em 5 (cinco) dias da aludida apelação, acontar da data de publicação da decisão interlocutória (ou quiçá, sentença, se compreendida pela materialidade da decisão).

Nessa esteira, pois:

I - o pedido cogitado, em comento, é de espécie processual "camaleão", posto que transita sob duas óticas de apreciação, as quais sendo corretas e adequadas à dependência da valia do sujeito que a interpreta, no juízo de valor jurisdicional, deve se incorporar pela necessidade do sopesar - media esta, inclusive, já optada pelo legislador processual e configurada na mens legis retro examinada;

II - a opção pelo agravo de instrumento – ao repente, a induzida mais adequada, sob a primeira observada – cria uma elasticidade de procedimento que, embora possa acautelar, em tese, os interesses da relação processual "formada" (na superveniência de ser formada), os interesses da indisponibilidade do interesse público e, diretamente, das garantias processuais do due process of law, no caso concreto é prejudicial, pois que a peculiaridade do pedido vai de encontro a efetividade do processo e, mesmo, da economia processual. À guisa de exemplificação, se se considerar o decisium de fls. 80/81, como decisão interlocutória apenas, certamente, a fase processual da sentença, há de se repetir, necessariamente, conteúdo de mesmos efeitos jurídicos, data vênia. Não menos, o recurso de apelação também se coloca no mesmo conteúdo de agravo, o que é factível prima facie. Tudo em decorrência dos limites do próprio pedido e da peculiaridade de ser materialmente sentença e formalmente decisão interlocutória; e,

III - a opção pelo recurso de apelação – na lógica aparente refutável de prima -, no caso em concreto, serve a media da mens legis processual civil brasileira, agasalhado das protetivas do due process of law (processual e sobretudo substantivo) que, em tese, não lhe seria atribuível. Além de servir a economia processual, dada a já enfocada peculiaridade do pedido em monta, há de exteriorizar a máxima da efetividade processual, haja vista que a necessidade-adequação-interesse pleiteados estarão ajustados na exatidão ótima do procedimento que necessita para a sua plena realização. Em precisão, não há porque elastecer-se o procedimento, se há de se repetir, em substância, o teor similar dos atos, em razão dos limites pré-fixados do próprio pedido e da causa de pedir que lhe é correlata.

O caso sub judice, portanto, requer razoabilidade e proporcionalidade, em função dos limites do pedido e do decisium denegatório deste mesmo, com cogitado.

A bem da verdade, o que nunca se há de desconsiderar, "... o fato, porém, é que o Código não conseguiu uma precisão absoluta em sua terminologia, de modo que, às vezes, encontramos a denominação despacho para verdadeira decisão, o mesmo acontecendo com o termo sentença. A dificuldade conceitual repercute diretamente na dificuldade de se definir qual recurso adequado contra a decisão". (GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. 2 v. 12º ed. São Paulo: Editora Saraiva, 1997, págs. 14/15.)

Nessas condições, maxima venia, quedar-se pela prudentia incutir-se-á no juízo de admissibilidade do recurso, interposto às fls. 84/96, sob o regime procedimental do agravo, tendo em vista o media (Aristóteles) principiológico da teoria processual, sobretudo aplicável em sede de recurso – a instrumentalidade do processo - sob a forma de fungibilidade dos recursos, visto a irrefutável ausência de motivos impedientes desta prolação (erro grosseiro e má-fé) coligada à particularidade da espécie decisium, materialmente sentença e formalmente decisão interlocutória.

Ao revés, optar pela simplicidade cega e retrógrado formalismo, descurando-se da análise perfunctória, há de permear-se pela refuta integral do recurso de apelação, a espera do momento oportuno do seu cabimento, o que não se trata da melhor medida à utilidade-necessidade-adequação do feito como um todo, privado e público. A aplicação da teoria da fungibilidade dos recursos é a media da prudentia (aristotélicas), que, de per si, deve prosperar: não só porque necessário sob o direito posto, mas sobretudo coerentemente lógico sob a ratio que informa este mesmo direito posto em sua funcionalidade jurisdicional.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

Parecer sobre a teoria da fungibilidade dos recursos quando o pedido é única e exclusivamente tutela de urgência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 61, 1 jan. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/16532. Acesso em: 19 abr. 2024.