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ISS. Tributação de sociedade de profissional legalmente regulamentada.

Desenquadramento do regime de tributação fixa com efeito retroativo

ISS. Tributação de sociedade de profissional legalmente regulamentada. Desenquadramento do regime de tributação fixa com efeito retroativo

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Município modificou regime de ISS de empresa prestadora de serviços profissionais regulamentados (engenharia e arquitetura), com efeitos retroativos. Parecer defende que a empresa mantém os requisitos para seu enquadramento no regime tributário especial, e que eventual modificação não poderia retroagir no tempo.

CONSULTA

:

ASSUNTO: ISS – Tributação de sociedade de profissional legalmente regulamentada. Desenquadramento do regime de tributação fixa com efeito retroativo.

..............., sociedade de engenheiros e arquiteto, por intermédio de seus sócios, consulta-nos a respeito do despacho de desenquadramento do regime de tributação fixa do ISS com efeito retroativo, narrando os fatos e apresentando a documentação pertinente e, ao final, formulando quesitos.

A Consulente é sociedade civil, regularmente constituída e devidamente registrada no 4º Registro Civil das Pessoas Jurídicas de São Paulo sob o nº 259.483, que tem por objetivo a prestação de serviços intelectuais de planejamento urbano envolvendo projetos urbanísticos de arquitetura, engenharia civil e de gestão urbana; prestação de serviços de planejamento e tráfego envolvendo projetos de engenharia de transporte e tráfego; prestação de serviços técnicos de engenharia e arquitetura, nas áreas de edificações, obras de arte, drenagem e saneamento, envolvendo a elaboração de projetos básicos e executivos, especificações e normas técnicas de materiais e equipamentos, planilhas de quantidade e preço e montagem de licitações; prestação de serviços técnicos e intelectual de supervisão e gerenciamento; e a prestação de serviços de elaboração de projetos de comunicação visual e de sinalização de trânsito, conforme cláusula 3ª de seu contrato social.

A sociedade em questão é composta por três sócios: os engenheiros... .................... e... .................. e o arquiteto... .............................., que conjuntamente administram a sociedade, sendo a responsabilidade técnica perante o CREA a cargo dos sócios... .............. e... ...................., de conformidade com seu contrato social.

A Consulente encontra-se cadastrada perante o Cadastro de Contribuintes do Município de São Paulo sob o nº... ............., como Sociedade de Profissionais de Engenharia, agronomia, arquitetura, urbanismo e congêneres, sob o código nº 01546.

Ocorre que em 02/01/2009 a consulente tomou ciência de despacho determinando o seu desenquadramento, de ofício, da condição de Sociedade Sujeita ao Regime Especial de Recolhimento do ISS, a partir de 04/04/2003, proferido nos autos do processo administrativo nº... ................, e publicado no D.O.C de 03/12/08, aonde a Prefeitura Municipal de São Paulo concluiu que ‘foi constatado que o contribuinte não preenche os requisitos determinados pelo § 1º do art. 4º da Lei 10.423/87 na redação da Lei 13.476/2002, e, pelo artigo 15, § 1º da Lei 13.701/03 já que a prestação de serviços de forma pessoal fica prejudicada pela contratação de outras empresas para a consecução do objeto social do contribuinte, ademais, como constatado: a sociedade presta serviços diversos dos previstos no art. 4º da Lei 10.423/87 na redação da Lei 13.476/2002 e, no inciso II do art. 15 da Lei 13.701/2003;há sócios com habilitações distintas, sendo que as respectivas habilitações não abrangem a execução da totalidade do objeto social, havendo a infringência dos impedimentos dos incisos III e V do § 2º do art. 4º da Lei 10.423/87 na redação da Lei 13.476/2002, e dos incisos III e V do § 2º do inciso II da Lei 3.701/2003, quais sejam, desenvolve atividades diversas daquelas a que estejam habilitados profissionalmente os sócios, e, explora mais de uma atividade de prestação de serviços.’

A Prefeitura Municipal de São Paulo também determinou a alteração do código de serviços da consulente, excluindo o código 01570 [01] em 03/04/2003 e incluindo os códigos de serviço 01635 [02], 01716 [03], 01147 [04]e 02828 [05] em 04/04/2003, bem como a atualização cadastral conforme Portaria SF 014/2004 e suas posteriores atualizações e o encaminhamento do processo administrativo a AFTM para prosseguimento, inclusive quanto a adequação das GDC’s ao despacho acima referido.

Para ilustrar impugnação administrativa contra o despacho de desenquadramento, a Consulente pede nosso parecer, formulando os quesitos abaixo:

1 – A Consulente preenche os requisitos determinados pelo § 1º do art. 4º da Lei Municipal nº 10.423/87 na redação dada pela Lei nº 13.476/2002 e, pelo art. 15, II, § 1º da Lei Municipal nº 13.701/03, para fazer jus à tributação pelo regime da alíquota fixa?

2 – A Consulente presta serviços diversos dos previstos no art. 4º da Lei nº 10.423/87 na redação da Lei 13.476/2002 e, no inciso II do art. 15 da Lei Municipal nº 13.701/2003?

3 – A Consulente assume a qualidade de sociedade multiprofissional em razão de seus sócios serem engenheiros e arquiteto?

4 – As atividades descritas no objeto social do contrato social da consulente podem ser enquadradas como serviços de engenharia ou a consulente desenvolve atividades diversas daquelas a que estejam habilitados profissionalmente os seus sócios?

5 – É possível juridicamente o desenquadramento da Consulente do regime de tributação por alíquota fixa, por despacho da autoridade administrativa competente publicado no DOC do dia 03-12-2008, com efeito retroativo a 04/04/2003?


PARECER

O objeto social da consulente é a prestação de serviços intelectuais de planejamento urbano envolvendo projetos urbanísticos de arquitetura, engenharia civil e de gestão urbana; prestação de serviços de planejamento e tráfego envolvendo projetos de engenharia de transporte e tráfego; prestação de serviços técnicos de engenharia e arquitetura, nas áreas de edificações, obras de arte, drenagem e saneamento, envolvendo a elaboração de projetos básicos e executivos, especificações e normas técnicas de materiais e equipamentos, planilhas de quantidade e preço e montagem de licitações; prestação de serviços técnicos e intelectual de supervisão e gerenciamento; e a prestação de serviços de elaboração de projetos de comunicação visual e de sinalização de trânsito.

Todas essas atividades são condizentes as atividades profissionais dos engenheiros e arquitetos, conforme se vislumbra da 7º da Lei nº 5.194, de 24 de dezembro de 1966, que regula o exercício das profissões de engenheiro, arquiteto e engenheiro-agrônomo, prescrevendo:

‘Art. 7º. As atividades e atribuições profissionais do engenheiro, do arquiteto e do engenheiro-agrônomo consistem em:

a)desempenho de cargos, funções e comissões em entidades estatais, paraestatais, autárquicas e de economia mista e privada;

b)planejamento ou projeto em geral, de regiões, zonas, cidades, obras, estruturas, transportes, explorações de recursos naturais e desenvolvimento da produção industrial e agropecuária;

c)estudos, projetos, análises, avaliações, vistorias, perícias, pareceres e divulgação técnica;

d)ensino, pesquisas, experimentação e ensaios;

e)fiscalização de obras e serviços técnicos;

f)direção de obras e serviços técnicos;

g)execução de obras e serviços técnicos;

h)produção técnica especializada, industrial ou agropecuária.

Parágrafo único – Os engenheiros, arquitetos e engenheiros-agrônomos poderão exercer qualquer outra atividade que, por sua natureza, se inclua no âmbito de suas profissões.’


Do enquadramento da Consulente como Sociedade Civil de Prestação de Serviços

A Consulente é sociedade civil que tem como objeto a prestação de serviços de engenharia, sendo que os serviços prestados pela Consulente são prestados em seu nome, sob responsabilidade pessoal de seus sócios,... ........................... e... .......................... perante o CREA.

Outrossim, a decisão que motivou o desenquadramento da Consulente considerou-a como sociedade comercial, ou sociedade empresária, ignorando a verdadeira distinção entre sociedade civil e sociedade empresária.

O antigo Código Civil de 1916 não trazia, expressamente, a definição precisa de sociedade empresária ou de sociedade civil, ficando a cargo da doutrina a sua definição.

Ainda na vigência do antigo Código Civil de 1916, Fabio Ulhoa Coelho muito bem dispunha:

‘A distinção entre sociedade civil e comercial não reside, como se poderia pensar, no intuito lucrativo. Embora seja de essência de qualquer sociedade comercial a persecução de lucros – inexiste sociedade comercial com fins filantrópicos ou pios – este é um critério insuficiente para destacá-la da sociedade civil. Isto porque também há sociedades civis com escopo lucrativo, tais as sociedades de advogados, as corretoras de imóveis, as cooperativas etc.

O que irá, de verdade, caracterizar uma pessoa jurídica de direito privado não estatal como sociedade civil ou comercial será o seu objeto. O objeto social voltado para exploração de atividade civil confere a sociedade o caráter civil, enquanto a previsão de objeto social referente a atividade comercial caracterizará a sociedade como comercial.’ [06]

‘A atividade de prestação de serviços, conforme assinalada anteriormente, encontra-se afastada do âmbito do direito comercial, pela teoria dos atos do comércio.’ [07]

Ora, tradicionalmente, as profissões liberais têm sido mantidas no campo do Direito Civil, sem que a adoção de uma estrutura empresarial altere o seu tratamento jurídico. Isso porque, as sociedades profissionais, apesar de possuírem estrutura empresarial, ainda atuam sob responsabilidade pessoal de seus sócios.

Na verdade, somente a partir do Código Civil de 2002 é que o conceito de sociedade civil e de sociedade empresarial foi legalmente definido. Vejamos:

O art. 982 do Código Civil define sociedade empresária, nos seguintes termos:

‘Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967); e simples, as demais.’

O exercício de atividade própria de empresário mencionada, por sua vez, foi regulado pelo art. 966 do mesmo Código, que assim prescreve:

‘Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.

Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.’

Assim sendo, o Código Civil vigente conceitua a sociedade empresária como sendo aquela cuja atividade é organizada para a produção de bens ou serviços, excluída a atividade intelectual, seja ela, de natureza científica, literária ou artística. Conceitua, também, que a atividade intelectual não pode ser descaracterizada pela utilização de auxiliares ou colaboradores e, só será enquadrada como empresária se o exercício da profissão intelectual constituir elemento de empresa.

No dizer de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira [08], auxiliar é aquela pessoa que auxilia; auxiliador, auxiliário; assistente, ajudante. (p. 204). Colaborador, por sua vez, é: ‘1. que colabora. S.m. 2. Aquele que colabora. 3. V. co-autor (1).’ (p. 428). Ainda segundo o autor, co autor é ‘1. Aquele que produz com outrem qualquer trabalho ou obra; colaborador; co-participante’ (p. 420).

Como se vê, a lei de regência da matéria, quer seja, o Código Civil, não veda, mais autoriza expressamente a participação de terceiros no exercício das atividades desenvolvidas pelas sociedades uniprofissionais, sem qualquer restrição quanto ao conteúdo desses serviços. A utilização de auxiliares ou colaboradores para a consecução dos serviços prestados pela Consulente não tem o condão de afastar a pessoalidade desses serviços, e muito menos a responsabilidade pessoal de seus sócios, a ilidir a sua natureza de sociedade uniprofissional.

Importante destacar, ainda, que a ressalva contida na parte final do parágrafo único do art. 966 do Código Civil não se refere ao concurso de auxiliares ou colaboradores. É direcionada, isto sim, àqueles que exercem atividades intelectuais que constituem elemento de empresa, ou seja, aquele que exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística será considerado empresário quando o exercício da profissão constituir elemento de empresa.

Portanto, a atividade exercida pela Consulente é intelectual, não se enquadrando dentro dos critérios que devem ser utilizados para classificação de uma sociedade empresária.


Da legislação concernente ao regime de tributação fixa do ISS

O art.146, III, ‘a’ da Carta Magna atribui competência privativa à Lei Complementar para ‘estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

a)definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, base de cálculo e contribuintes´;

Em perfeita harmonia com o Texto Constitucional, o Decreto-Lei nº 406, de 31-12-68, lei materialmente complementar, prescreve em seu art. 9º, § § 1º e § 3º, ainda em plena vigência:

‘Art. 9 º. A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.

§ 1º - Quando se tratar de prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, o imposto será calculado, por meio de alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, nestes não compreendida a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho.

..........................................................................................

§ 3 º - Quando os serviços a que se referem os itens 1 [09], 4 [10], 8 [11], 25 [12], 52 [13], 88 [14], 89 [15], 90 [16], 91 [17] e 92 [18] da lista anexa forem prestados por sociedades, estas ficarão sujeitas ao imposto na forma do § 1 º, calculado em relação a cada profissional habilitado, sócio, empregado ou não, que preste serviços em nome da sociedade, embora assumindo responsabilidade pessoal, nos termos da lei aplicável.’ (Redação dada pela LC nº 56, de 15-12-87)

Esclareça-se, para evitar quaisquer dúvidas, que o art. 9º desse Decreto-Lei foi mantido pela Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003, nova lei de regência nacional do ISS, que revogou todos os demais dispositivos do Decreto-Lei em tela, concernentes a esse imposto, como se pode constatar pelo exame de seu art. 10.


Da ilegalidade do ato quedesenquadrou a Consulente do regime de tributação fixa

A Municipalidade de São Paulo promoveu o desenquadramento da Consulente como sociedade uniprofissional sob o fundamento de que:

‘foi constatado que o contribuinte não preenche os requisitos determinados :pelo § 1º do art. 4º da Lei 10.423/87 na redação da Lei 13.476/2002, e, pelo artigo 15, § 1º da Lei 13.701/03 já que a prestação de serviços de forma pessoal fica prejudicada pela contratação de outras empresas para a consecução do objeto social do contribuinte, ademais, como constatado: a sociedade presta serviços diversos dos previstos no art. 4º da Lei 10.423/87 na redação da Lei 13.476/2002 e, no inciso II do art. 15 da Lei 13.701/2003;há sócios com habilitações distintas, sendo que as respectivas habilitações não abrangem a execução da totalidade do objeto social, havendo a infringência dos impedimentos dos incisos III e V do § 2º do art. 4º da Lei 10.423/87 na redação da Lei 13.476/2002, e dos incisos III e V do § 2º do inciso II da Lei 3.701/2003, quais sejam, desenvolve atividades diversas daquelas a que estejam habilitados profissionalmente os sócios, e, explora mais de uma atividade de prestação de serviços.’

Prescrevem os dispositivos citados pela Prefeitura Municipal de São Paulo:

Lei 10.423/87 com redação dada pela Lei nº 13.473/2002:

"Art. 4º. Sempre que os serviços a que se referem os itens, 1, 4, 7, 24, 51 [19], 87 [20], 88 [21], 89, 90 e 91, da relação consignada do art. 1 º, forem prestados por sociedades de profissionais, o imposto devido será calculado mediante a multiplicação da importância anual de R$ 1.200,00 (um mil e duzentos reais) pelo número de profissionais habilitados, sócios, empregados ou não, que prestem serviços em nome da sociedade, embora assumindo responsabilidade pessoal no termos da lei aplicável.

§ 1 º As sociedades a que se refere o "caput" são aquelas cujos profissionais habilitados, sócios, empregados ou não, sejam pessoas físicas, não consideradas como tais as firmas individuais, habilitadas ao exercício da mesma atividade profissional, dentre as especificadas nos itens mencionados no "caput", e que prestem serviço de forma pessoal, em nome da sociedade.

§ 2º§ 2 º Não são consideradas sociedades de profissionais as

que:

...........................................................................................................

III – desenvolvam atividade diversa daquela a que estejam habilitados profissionalmente os sócios;

...........................................................................................................

V – explorem mais de uma atividade de prestação de serviços.’

Lei nº 13.701/03:

‘Art. 15. Adotar-se-á regime especial de recolhimento do Imposto:

..........................................................

II - quando os serviços descritos nos subitens 4.0 [22]1, 4.02 [23], 4.06 [24], 4.08 [25], 4.11 [26], 4.12 [27], 4.13 [28], 4.14 [29], 4.16 [30], 5.01 [31], 7.01 [32] (exceto paisagismo), 17.13 [33], 17.15 [34], 17.18 [35] da lista do "caput" do artigo 1º, bem como aqueles próprios de economistas, forem prestados por sociedade constituída na forma do parágrafo 1º deste artigo, estabelecendo-se como receita bruta mensal o valor de R$ 800,00 (oitocentos reais) multiplicado pelo número de profissionais habilitados.

..........................................................................................................

§ 1º As sociedades de que trata o inciso II do caput deste artigo são aquelas cujos profissionais (sócios, empregados ou não) são habilitados ao exercício da mesma atividade e prestam serviços de forma pessoal, em nome da sociedade, assumindo responsabilidade pessoal, nos termos da legislação específica.’

§ 2º - Excluem-se do disposto no inciso II do "caput" deste artigo as sociedades que:

..........................................................................................................

III - desenvolvam atividade diversa daquela a que estejam habilitados profissionalmente os sócios;

............................................................................................................

V - explorem mais de uma atividade de prestação de serviços.’‘

Simples leitura das leis municipais retro transcritas comprova a ilegalidade do desenquadramento procedido pela Municipalidade de São Paulo, em total desconformidade com os dispositivos da lei de regência nacional do ISS, anteriormente transcritos, em confronto, inclusive, com a sua própria legislação.

A Consulente é sociedade civil, cujos serviços prestados são realizados de forma pessoal e sob responsabilidade de seus sócios, conforme já exposto anteriormente. A utilização de auxiliares e colaboradores na consecução de seus serviços não tem o condão de afastar a sua natureza de sociedade civil, porque é o próprio Código Civil que assim permite.

A Consulente não promoveu a intermediação de serviços, mas sim, utilizou-se de serviços tomados de terceiros, na qualidade de consumidora final, para prestar os serviços que lhes foram contratados (contrato 2000/016). É clara a atuação dos terceiros contratados pela Consulente na qualidade de colaboradores.

Todos os poucos serviços tomados de terceiros, dada a magnitude dos serviços contratados, identificados pela Prefeitura Municipal de São Paulo em sua fiscalização eram complementares a atividade principal que estava sendo desenvolvida pela consulente, quer seja, a execução do contrato 2000/016. Na verdade, revestiam a qualidade de meras atividades meio, necessárias à consecução da atividade final da Consulente, realizada sob responsabilidade pessoal de seus sócios, conforme se verifica do documento emitido pela SPTrans, órgão responsável pelo gerenciamento técnico e operacional do Sistema de Transporte Urbano, por delegação da Secretaria Municipal dos Transportes. Nesse documento, a SPTrans atesta que a Consulente executou os serviços referentes ao Contrato nº 2000/16, bem como que esses serviços tiveram como responsável técnico o engenheiro... ....................... e o Arquiteto... ............................, que são sócios da Consulente.

Esse ‘Atestado’ emitido pela SPTrans é vinculante à Prefeitura Municipal de São Paulo, por ter sido emitido pelo órgão competente para tanto, não podendo ser simplesmente ignorado pela Fiscalização.

Ademais, a Prefeitura Municipal de São Paulo, em sua função de fiscalizar e arrecadar tributos, também não pode ignorar a definição de sociedade civil dada pelo Código Civil, lei de regência da matéria, em razão do disposto no art. 110 do CTN que assim prescreve:

‘A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.’

Como se vê, não cabe a Prefeitura Municipal de São Paulo afastar a possibilidade da Consulente se utilizar de colaboradores na consecução dos seus serviços, e muito menos, promover o seu desenquadramento do regime especial de recolhimento de ISS das sociedades uniprofissionais sob esse fundamento.

Nesse sentido a jurisprudência de nossos tribunais:

‘EMENTA.

TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ALEGATIVA DE DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. ISS. DECRETO-LEI 406/68. SOCIEDADE UNIPROFISSIONAL. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO-COMPROVADO. ACÓRDÃO FUNDADO NA PESSOALIDADE DA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS E NO CONTRATO SOCIAL DA RECORRIDA. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS NºS 5 E 7/STJ. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO.

1. Ação ordinária com pedido de tutela antecipada proposta por PRONUCLEAR CONSULTORIA E SERVIÇOS TÉCNICOS EM MEDICINA NUCLEAR S/C LTDA. contra o MUNICÍPIO DE MACEIÓ, em que se discute o direito ao pagamento do ISS através do regime fixo, por profissional que preste serviços em nome da sociedade, em detrimento do recolhimento sobre a receita e faturamento mensal da sociedade. A sentença julgou procedentes os pedidos, nos termos do DL nº 406/68. Interposta apelação pelo réu, o TJAL, negou-lhe provimento por entender que a apelada, apesar de se constituir formalmente como sociedade comercial, é considerada sociedade uniprofissional para efeito de tratamento tributário, assumindo características essencialmente civis, por ter em seu quadro sócios médicos que prestam seus serviços como profissionais autônomos, afastando, assim, o caráter mercantilista da instituição, servindo esta apenas para o atingimento dos fins que, isoladamente, não seria possível alcançar.

No recurso especial apresentado pelo MUNICÍPIO DE MACEIÓ, alega-se dissídio jurisprudencial, em razão de o STJ entender que, para o usufruto do benefício fiscal, é necessário que a sociedade não tenha caráter empresarial, devendo o sócio assumir a responsabilidade profissional individualmente. Contra-razões sustentando a incidência das Súmulas nºs 283/STF e 7/STJ. Aduz, ainda, que os médicos, mesmo nos atos realizados com o auxílio de técnicos, respondem civil e pessoalmente pelos danos porventura causados por seus agentes e prepostos (enfermeiras, auxiliares, etc.). Agravo de instrumento provido nesta Corte, determinando o processamento do recurso especial.

2. Não se conhece de recurso especial fincado no art. 105, III, "c", da CF/88, quando a alegada divergência jurisprudencial não é devidamente demonstrada, nos moldes em que exigida pelo parágrafo único do artigo 541 do CPC, c/c o art. 255 e seus §§, do RISTJ.

3. O acórdão recorrido deixa claro que a sociedade em questão presta serviços de forma pessoal, ainda que com a colaboração de auxiliares, fazendo jus, dessa forma, ao benefício concedido pelo § 3º do art. 9º do Decreto-Lei nº 406/68. Decisum lastreado nas provas e na interpretação de cláusulas constantes de contrato social, não competindo ao STJ contrariar tal afirmação, uma vez que a revisão de matéria de prova e a interpretação de cláusula contratual não são permitidas em sede de recurso especial, por esbarrar nos enunciados nº 5 e nº 7 da Súmula desta Corte.

4. Recurso Especial não conhecido.’ (Resp nº 714094/AL, Rel. Min. José Delgado, DJ de 27-06-05, p. 273).

‘EMENTA.

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ART. 544, CPC. ART. 9º, § 3º, DECRETO-LEI 406/68. SOCIEDADES UNIPROFISSIONAIS. ENGENHEIROS. ISS. ALÍQUOTA FIXA. ACÓRDÃO FUNDADO EM INTERPRETAÇÃO DE CONTRATO SOCIAL. PROVAS. APLICAÇÃO DA SÚMULAS 07/STJ. VIOLAÇÃO A DISPOSITIVO LEGAL. AUSÊNCIA

DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356 DO STF. 1. A sociedade civil faz jus ao benefício previsto no art. 9º, § 3º, do DL 406/68 desde que preste serviço especializado, com responsabilidade pessoal e sem caráter empresarial, conforme entendimento assente no STJ (AG 458.005-PR, DJ de 04.08.2003, Rel. Min. Teori Zavascki; RESP 456.658-ES, DJ de 19.12.2003, Rel. Min. Franciulli Netto; RESP 34.554-ES, DJ de 11.03.2002, Rel. Min. Garcia Vieira).

2. Assentado o acórdão, com base no contrato social da empresa, que a mesma faz jus ao tratamento favorecido concedido pelo § 3º do art. 9º do Decreto-Lei n.º 406/68 às sociedades profissionais, sem caráter empresarial, no que se fere à tributação pelo ISS, porquanto "a apelante é sociedade civil, uniprofissional, formada exclusivamente por sócios engenheiros, com vistas ao desenvolvimento de atividades de engenharia", a modificação do julgado implica reexame de matéria fático-probatória, interditado pela via do recurso especial. (Súmula 07/STJ).

3. "Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida" (Súmula 83/STJ).

............

7. Agravo Regimental a que se nega provimento. (AgRg no Ag 772098/PR, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 18-12-2006, p. 324).

‘Ementa.

Impostos – ISS – Sociedade civil constituída por dois médicos e explora o ramo de laboratórios de análises clínicas, hemoterapia, e clínica médica e radiológico – Sociedade que se caracteriza como uniprofissional, nos termos do art. 92, parágrafo 5º, do Código Tributário Municipal, para efeito de pagamento do imposto – Serviços prestados que se enquadram no item I do art. 84 do referido Código – Embargos à execução fiscal julgados improcedentes. Sentença mantida.

............

VOTO

...........

Ora, neste aspecto, sendo a embargante uma sociedade civil constituída unicamente por dois médicos, é certo que deve ser considerada como tal, pois há de se entender, face a esta, a sua constituição, que desenvolve seus objetivos sociais com base, notadamente, no trabalho pessoal de seus sócios, ainda que para este mister contém com a colaboração de outros profissionais técnicos e de empregos não qualificados....’ (TJESP, Apelação nº 760.876-6, Rel. Des. Thiago de Siqueira, DJ de 23-3-1999)

Também não cabe desenquadrar a Consulente do Regime Especial de Recolhimento do ISS a que estão sujeitas as sociedade uniprofissionais sob o fundamento de que a mesma presta serviços diversos dos previstos na lei do Município de São Paulo.

Todas as atividades realizadas pela consulente, discriminadas em seu contrato social, estão englobadas nos ‘serviços de engenharia’, conforme se depreende do art. 7º da Lei nº 5.194, de 24-12-66, anteriormente transcrita, que, inclusive, prevê em seu parágrafo único autorização para que engenheiros e arquitetos exerçam outras atividades que por sua natureza se incluam no âmbito de suas profissões, não cabendo a Municipalidade, contrariar a lei de regência da matéria. Os ‘serviços de engenharia’, por sua vez, estão previstos, tanto na lei de regência nacional da matéria, como na legislação municipal como sendo serviços sujeitos ao regime especial de tributação, conforme se depreende do disposto no Decreto-Lei 406/68, art. 9º, § § 1º e 3º, e do art. 1º, item 88 c/c art. 4º da Lei Municipal nº 10.423/87, com redação dada pela Lei nº 13.473/03 e no art. 1º, item 7.01 c/cart. 15, II, da Lei Municipal nº 13.701/2003, respectivamente.

Também descabe falar em habilitações distintas entre os sócios da Consulente. Mediante simples exame ocular do já referido art. 7º da Lei da Lei nº 5.194, de 24-12-66 fácil se observar que os arquitetos e os engenheiros são habilitados profissionalmente para as mesmas atividades, respondendo, inclusive, para o mesmo órgão de classe, o Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura – CREA.


Da inconstitucionalidade do desenquadramento da Consulente por absoluta incompetência das Leis Municipais ns. 10.423/87 e 13.701/03 para legislar sobre a base de cálculo do ISS

Ainda que se reconheça que a Consulente não é uma sociedade uniprofissional, o que se admite apenas a título argumentativo, deverá ser enfrentada a questão da inconstitucionalidade dessa exigência.

Com efeito, conforme art. 146, III, ‘a’ da Constituição Federal anteriormente transcrito, cabe à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária em relação aos impostos nela discriminados e as suas bases de cálculo.

À medida em que a Constituição Federal atribui competência privativa à Lei Complementar para legislar sobre determinado assunto, retira, ipso fato, a possibilidade de se legislar sobre aquele mesmo assunto por qualquer outro instrumento normativo que não seja a lei complementar. E mais, uma vez instituída a referida lei complementar, somente outra lei, de mesma natureza jurídica, poderá alterá-la, em razão da necessidade de quorum especial para a sua aprovação.

Por meio de simples confronto do § 3º, do art. 9º do Decreto-Lei nº 406/68, lei materialmente complementar, e do art. 4º, § 1º da Lei municipal nº 10.423/87 com redação dada pela Lei nº 13.473/2002 e do § 15, § 1º da Lei nº 13.701/03, verifica-se que a Municipalidade, ao regulamentar o disposto no art. 9º, § 3º, do Decreto-Lei nº 406/68, invadiu a esfera de competência legislativa conferida pela Carta Magna à lei complementar, ao inovar o conceito de base de cálculo das sociedades profissionais.

Ora, o § 3º do art. 9º do Decreto-Lei nº 406/68, anteriormente transcrito, assegura que os serviços de engenheiro e arquitetos e de outros profissionais liberais, prestados por sociedades, sujeitam-se ao imposto calculado por meio de alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, nestes não compreendida a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho.

Em nenhum momento o referido dispositivo exige que essas sociedades sejam uniprofissionais, ou mesmo que o trabalho seja prestado sob forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, o que, aliás, só seria possível no caso contemplado no próprio § 1º, quando o contribuinte é o profissional autônomo, e não, sociedade de profissionais.

Nunca é demais transcrever de novo o referido § 3º do art. 9º in verbis:

‘Art. 9 º. A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.

§ 1º - Quando se tratar de prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, o imposto será calculado, por meio de alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, nestes não compreendida a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho.

........................................................................

§ 3 º - Quando os serviços a que se referem os itens 1 [36], 4 [37], 8 [38], 25 [39], 52 [40], 88 [41], 89 [42], 90 [43], 91 [44] e 92 [45] da lista anexa forem prestados por sociedades, estas ficarão sujeitas ao imposto na forma do § 1 º, calculado em relação a cada profissional habilitado, sócio, empregado ou não, que preste serviços em nome da sociedade, embora assumindo responsabilidade pessoal, nos termos da lei aplicável.’ (Redação dada pela LC nº 56, de 15-12-87)

Como se vê, o § 3º do art. 9º sob comento exige, tão somente, que os serviços prestados pela sociedade sejam aqueles taxativamente elencados em seu bojo e que os profissionais assumam responsabilidade pessoal pelos serviços, nos termos da legislação aplicável.

Dessa forma, eivada de inconstitucionalidade a exigência da uniprofissionalidade dos sócios contida no § 1º do art. 4º da Lei nº 10.423/87 com redação dada pela Lei nº 13.473/2002 e no art. 15, § 1º da Lei nº 13.701/2003, pois a lei ordinária municipal deve obediência à lei complementar em matéria reservada constitucionalmente a essa espécie normativa, cuja aprovação exige o quorum especial.

Comentando sobre essa questão, já tivemos a oportunidade de acentuar:

‘Mais: de um lado, manteve a inconstitucionalidade da legislação anterior ao vedar a inclusão de pluriprofissionais na sociedade, contrariando lei de regência da matéria (§ 3º do art. 9º do Decreto-lei nº 406/68) e a jurisprudência tranqüila da Corte Suprema (RREE ns. 220.323-MG e 236.604-PR).’ [46]

Exatamente nesse sentido a jurisprudência do Colendo Supremo Tribunal Federal:

‘Ementa.

IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS. SOCIEDADE CIVIL. PROFISSIONAIS DE QUALIFICAÇÕES DIVERSAS. BENEFÍCIO FISCAL. DECRETO-LEI 406/68, ART.-9., PAR-3 (REDAÇÃO DO DECRETO-LEI 834/69). O ART-9, PAR-3. C/C O ART-1 DO DL. 406/68 (REDAÇÃO DO DL 834/69) ASSEGURA A TRIBUTAÇÃO DO ISS, NA FORMA FIXA, QUER AS SOCIEDADES UNIPROFISSIONAIS, QUER AS PLURIRPOFISSIONAIS. PRECEDENTES DO STF. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO.’ (Re nº 96.475-SP, Rel. Min. Rafael Mayer, DJ de 04-06-82, p. 05463).

‘Ementa

EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ISS. SOCIEDADE PRESTADORA DE SERVIÇOS PROFISSIONAIS: BASE DE CÁLCULO. D.L. 406, de 1968, art. 9º, §§ 1º e 3º. C.F., art. 150, § 6º, redação da EC nº 3, de 1993. I. - As normas inscritas nos §§ 1º e 3º, do art. 9º, do DL 406, de 1968, não implicam redução da base de cálculo do ISS. Elas simplesmente disciplinam base de cálculo de serviços distintos, no rumo do estabelecido no caput do art. 9º. Inocorrência de revogação pelo art. 150, § 6º, da C.F., com a redação da EC nº 3, de 1993. II. - Recepção, pela CF/88, sem alteração pela EC nº 3, de 1993 (CF, art. 150, § 6º), do art. 9º, §§ 1º e 3º, do DL. 406/68. III. - R.E. não conhecido.

..........................................................................................................

VOTO

.........

O caput do art. 9º do DL 406, de 1968, estabelece que a base de cálculo do imposto é o preço do serviço. O preço do serviço, portanto, é a base de cálculo do ISS.

Disciplinando a matéria, prescreve o § 1º do mesmo art. 9º que, ‘quando se tratar de prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, o imposto será calculado por meio de alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, nestes não compreendida a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho’.

O que está na lei é isto: se se tratar de prestação de serviço sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, o imposto será calculado por meio de alíquotas fixas ou variáveis, tendo em vista a natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, nestes não compreendida a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho.

E o § 3º do citado art. 9º acrescentou que, ‘quando os serviços a que se referem os itens 1, 4, 8, 25, 52, 88, 89, 90, 91 e 92 da lista anexa’ – no caso a autora-recorrida presta serviços relacionados com a elaboração de projetos de arquitetura, engenharia e demais projetos de áreas correlatas – ‘forem prestados por sociedades, estas ficarão sujeitas ao imposto na forma do § 1º, calculado em relação a cada profissional habilitado, sócio, empregado ou não, que preste serviços em nome da sociedade, embora assumindo responsabilidade pessoal, nos termos da lei aplicável.’ (redação dada pela Lei Complementar 56, de 15.12.87).

Com propriedade, lecionou, a respeito do tema, no Tribunal de Justiça de Minas, o eminente Desembargador Sérgio Lellis Santiago – lição transcrita nas contra-razoes do recorrido, fls. 264/268:

‘(...)

As disposições de artigo 9º, §§ 1º e 3º, do DL nº 406/68, definem a base de cálculo para determinado tipo de serviço, qual seja, aquele prestação sob a forma de trabalho pessoal, por contribuinte autônomo ou sociedade de profissionais liberais. Tais dispositivos não cuidam de isenções, ou de redução de base de cálculo, como entende o Poder Executivo Municipal, e não há como cogitar em incompatibilidade com os artigos 151, III, e 150, § 6º, da CF. A regrado DL nº 406/68 trata de incidência de tributo, não de isenção. As diferentes bases de cálculo não implicam uma ser mais favorável que a outra. Trata-se de bases de cálculo distintas para duas situações distintas e é por isso que nenhuma delas representam um benefício a uma categoria de contribuintes.

...........................................................................................................Não há como considerar constitucional lei municipal que, extrapolando os limites de sua competência, insere-se na competência de lei complementar hierarquicamente superior, alterando-lhe dispositivos e legislando sobre matéria que só a ela compete.

(...)’ (fls. 264/265)

Perfeito o raciocínio.

Não há falar em redução da base de cálculo do ISS pelos §§ 1º e 3º, do DL 406, de 1968, senão que, disciplinando a matéria, citados dispositivos legais definiram base de cálculo para certo tipo de serviço, o prestado de forma pessoal, por contribuinte autônomo ou sociedade de profissionais liberais. Não há falar, também, que citados dispositivos concedem isenções, conforme deixamos claro no voto que proferimos no RE 236.607-PR, supra transcrito. O que se tem, no caso, são bases cálculo diferentes, para serviços diferentes, ou, noutras palavras, que os citados distintos, no rumo do estabelecido no caput do art. 9º.

Do exposto, não conheço do recurso." (RE nº 220.323-3/ MG, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 18-5-2001, p. 449)

Face ao exposto, tendo os sócios da Consulente (engenheiros e arquiteto) idêntica habilitação para a realização das mesmas atividades não há como deixar de aplicar o regime especial de tributação por alíquotas fixas.

Ainda que se considere, apenas para argumentar, que a Consulente é uma sociedade pluriprofissional, impõe-se a observância do regime especial de tributação por alíquota fixa, por força do disposto no § 3º do Decreto-Lei nº 406/68 ainda em vigor.

Por tais razões, não pode a Prefeitura Municipal de São Paulo desenquadrar a Consulente do regime especial de tributação sob o fundamento de que seus sócios possuem habilitações diversas.


Da ilegalidade do desenquadramento retroativo

O despacho que determinou o desenquadramento da Consulente do regime especial de tributação por alíquota fixa o fez retroativamente a 04/04/2003.

Ocorre que, tendo sido a Consulente constituida nos idos de 1993, desde sua adesão ao regime especial de tributação de sociedade de profissionais por alíquota fixa anos atrás, sempre foi notificada para pagamento do tributo lançado de ofício pela Prefeitura Municipal de São Paulo de forma fixa. Esses lançamentos sempre foram realizados pela Municipalidade, com base exclusivamente nos critérios por ela adotados, sem qualquer interferência da consulente, que sempre se limitou a pagar o tributo lançado, confiando no lançamento que era realizado pela Municipalidade.

Como a situação jurídica da Consulente em nada se alterou desde quando houve sua opção pelo regime de tributação em questão, claro é que o desenquadramento da Consulente da condição de sociedade sujeita ao regime especial de recolhimento do ISS ocorreu em razão de mudanças de critérios ou do ponto de vista adotado anteriormente pelo fisco, que até então, sempre promoveu o lançamento de ofício de imposto fixo.

Daí a impossibilidade de retroação do desenquadramento, face ao disposto no art. 146 do Código Tributário Nacional, que assim prescreve:

‘A modificação introduzida, de ofício ou em conseqüência de decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução.’

De acordo com o disposto no mandamento legal acima transcrito, tendo o desenquadramento da Consulente ocorrido em razão da mudança dos critérios jurídicos utilizados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento, no final do exercício de 2008, ele somente poderá surtir efeito a partir de Janeiro de 2009.

Coaduna com o nosso entendimento a jurisprudencia do Colendo Superior Tribunal de Justiça sobre o assunto, abaixo colacionada:

‘EMENTA.

TRIBUTÁRIO. MERCADORIA IMPORTADA. ICMS. MOMENTO DO FATO GERADOR. ARTIGO 155, § 2º, IX, "A", DA CF/88. ARTIGO 34, § 3º, DO ADCT. CONVÊNIO 66/88. ACÓRDÃO RECORRIDO FUNDADO EM MATÉRIA EXCLUSIVAMENTE INFRACONSTITUCIONAL. ENTENDIMENTO DO STF CONSOLIDADO NA SÚMULA N.º 661. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N.º 577/STF LIMITADA AOS FATOS GERADORES ANTERIORES À CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.

1. O recolhimento prévio do ICMS como condição para desembaraço aduaneiro de mercadoria importada passou a ser exigido após a promulgação Constituição Federal de 1988, nos termos na Súmula n.º 661, do STF ("Na entrada de mercadoria importada do exterior, é legítima a cobrança do ICMS por ocasião do desembaraço aduaneiro"), não mais se justificando, a partir de então, a incidência da Súmula n.º 577/STF ("Na importação de mercadoria do exterior, o fato gerador do imposto de circulação de mercadorias ocorre no momento de sua entrada no estabelecimento do importador")

2. "A modificação introduzida, de ofício ou em conseqüência de decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução" (art. 146, do CTN)

3. "O artigo 146 do CTN positiva, em nível infraconstitucional, a necessidade de proteção da confiança do contribuinte na Administração Tributária, abarcando, de um lado, a impossibilidade de retratação de atos administrativos concretos que implique prejuízo relativamente à situação consolidada à luz de critérios anteriormente adotados e, de outro, a irretroatividade de atos administrativos normativos quando o contribuinte confiou nas normas anteriores". (Leandro Paulsen, in Direito Tributário – Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência, 8ª ed., Ed. Livraria do Advogado, Porto Alegre, 2006, pág. 1.086)

...............................................................................................

6. Recurso especial da Fazenda Nacional provido.’ (Resp nº 810565/SP, Rel. Min. Luix Fux, DJe de 03-03-2008)

No mesmo sentido Recurso Especial nº. 826.333/PE, DJe de 03-04-2008, de relatoria do Min. Luiz Fux.

Assim sendo, ilegal se mostra a retroação do desenquadramento efetuado pela Prefeitura Municipal de São Paulo a 04/04/2003.


RESPOSTA AOS QUESITOS:

Sim, pois se trata de sociedade formada por profissionais liberais com habilitação para realização de idênticas atividades, sob supervisão do mesmo Conselho Profissional, o CREA, que tem por objetivo social a prestação de serviços de engenharia, que são prestados sempre sob responsabilidade pessoal dos sócios e em nome da sociedade.

A prestação de serviços de forma pessoal, pelos sócios da Consulente não restou prejudicada em razão dos serviços tomados de outras empresas, tendo em vista que esses serviços, além de representarem uma ínfima parte do serviço que estava sendo prestado pela Consulente (Contrato 2000/016 – SPTrans) constituíram meras atividades meio necessárias a consecução da atividade fim da Consulente, e não um fim em si mesmo. O que houve, em realidade, foi à utilização de colaboradores nos serviços prestados pela Consulente sob responsabilidade pessoal de seus sócios, como permite a lei de regência da matéria, o Código Civil em seu art. 966, parágrafo único.

2 – A Consulente presta serviços diversos dos previstos no art. 4º da Lei nº 10.423/87 na redação da Lei 13.476/2002 e, no inciso II do art. 15 da Lei Municipal nº 13.701/2003?

R: Não. Pelo exame do contrato social da Consulente, bem como dos documentos que nos foram apresentados, contrato de prestação de serviços, notas fiscais e atestado emitido pela SPTrans, e da própria Lei nº 5.194, de 24-12-66, que regulamenta as profissões de engenheiro, engenheiro agrônomo e arquiteto, verifica-se que todas as atividades realizadas pela Consulente referem-se a serviços de engenharia, que estão inseridos tanto no art. 4º da Lei nº 10.423/87 com redação dada pela Lei nº 13.476/2002, como no inciso II, do art. 15 da Lei nº 13.701/2003.

3 – A Consulente assume a qualidade de sociedade multiprofissional em razão de seus sócios serem engenheiros e arquiteto?

R: Não, pois engenheiros e arquitetos são habilitados para realizar as mesmas atividades submetidas à fiscalização do CREA.

Outrossim, apenas para argumentar, ainda que se caracterize a Consulente como sociedade pluriprofissional, esse fato seria irrelevante para alijá-la da condição de sociedade sob regime especial de tributação, pois o § 3º do art. 9º do Decreto-Lei nº 406/68, norma geral sobre o assunto, não elencou a uniprofissionalidade como requisito essencial para a fruição do regime especial de tributação por alíquota fixa.

Na verdade, a Lei Municipal, ao exigir a uniprofissionalidade como requisito para o enquadramento de sociedade de profissionais liberais no regime privilegiado de tributação por alíquota fixa extrapolou os limites de sua competência, legislando sob matéria reservada a lei complementar, ferindo ao disposto no art. 9º, § 3º do DL nº 406/68, bem como o disposto no art. 146, III, ‘a’ da Constituição Federal.

4 – As atividades descritas no objeto social do contrato social da consulente podem ser enquadradas como serviços de engenharia ou a consulente desenvolve atividades diversas daquelas a que estejam habilitados profissionalmente os seus sócios?

R: Todas as atividades descritas no objeto do contrato social da Consulente caracterizam-se como serviços pertinentes a engenharia/ arquitetura, conforme descrição contida no art. 7º da Lei nº 5.194, de 24-12-66, que regula ambas as profissões.

5 – É possível juridicamente o desenquadramento da Consulente do regime de tributação por alíquota fixa, por despacho da autoridade administrativa competente publicado no DOC do dia 03-12-2008, com efeito retroativo a 04/04/2003?

R: Não, tendo em vista o disposto no art. 146 do CTN que veda a aplicação de efeito retroativo na hipótese de modificação introduzida, de ofício ou em conseqüência de decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento, conforme farta e atual jurisprudência do C. STJ.

É o nosso parecer, s.m.j.

São Paulo, 30 de janeiro de 2009.

_________________________________

Kiyoshi Harada

OAB/SP nº 20.317

Especialista em Direito Tributário

E em Direito Financeiro pela FADUSP


Notas

  1. Atual 1546 - Engenharia, agronomia, arquitetura, urbanismo e congêneres.
  2. Atual Código 1520 - Engenharia, agronomia, arquitetura, urbanismo e congêneres.
  3. Atual Código 02259 – Prestação de serviço não referenciado em outro código do grupo Técnico-Científico, prestado por profissional autônomo, cujo desenvolvimento exija formação em nível superior ou por quem exerça, pessoalmente e em caráter privado, atividade por delegação do Poder Público.
  4. Atual 01694 –Elaboração de planos diretores, estudos de viabilidade, estudos organizacionais e outros, relacionados com obras e serviços de engenharia; elaboração de anteprojetos, projetos básicos e projetos executivos para trabalhos de engenharia.
  5. Atual 04014 – Prestação de serviço não referenciado em outro código do grupo Jurídicos, Econômicos e Técnico-Administrativo, prestado por profissional autônomo, cujo desenvolvimento exija formação em nível superior ou por quem exerça, pessoalmente e em caráter privado, atividade por delegação do Poder Público.
  6. Manual de direito comercial. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994, pp. 100/ 101.
  7. Ob.cit.p. 8.
  8. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 2 ed. rev. at., 36ª impressão, Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1986.
  9. Médicos, inclusive análises clínicas, eletricidade médica, radioterapia, ultra-sonografia, radiologia, tomografia e congêneres;
  10. Enfermeiros, obstetras, ortópticos, fonoaudiólogos, protéticos (prótese dentária);
  11. Médicos veterinários;
  12. Contabilidade, auditoria, guarda-livros, técnicos em contabilidade e congêneres;
  13. Agentes da propriedade industrial;
  14. Advogados;
  15. Engenheiros, arquitetos, urbanistas, agrônomos;
  16. Dentistas;
  17. Economistas;
  18. Psicólogos;
  19. Agentes de propriedade industrial;
  20. Advogados;
  21. Engenheiros, arquitetos, urbanistas, agrônomos;
  22. Medicina e biomedicina.
  23. Análises clínicas, patologia, eletricidade médica, radioterapia, químio-terapia, ultra-sonografia, ressonância magnética, radiologia, tomografia e congêneres.
  24. Enfermagem, inclusive serviços auxiliares.
  25. Terapia ocupacional, fisioterapia e fonoaudiologia.
  26. Obstetrícia;
  27. Odontologia.
  28. Ortóptica.
  29. Prótese sob encomenda.
  30. Psicologia.
  31. Medicina veterinária e zootecnia.
  32. Engenharia, agronomia, agrimensura, arquitetura, geologia, urbanismo, paisagismo e congêneres.
  33. Dedetização, desinfecção, desinsetização, imunização, higienização, desratização, pulverização e congêneres.
  34. Escoamento, contenção de encostas e serviços congêneres.
  35. Aerofotogranetria e fiscalização da execução de obras de engenharia, arquitetura e urbanismo.
  36. Médicos, inclusive análises clínicas, eletricidade médica, radioterapia, ultra-sonografia, radiologia, tomografia e congêneres;
  37. Enfermeiros, obstetras, ortópticos, fonoaudiólogos, protéticos (prótese dentária);
  38. Médicos veterinários;
  39. Contabilidade, auditoria, guarda-livros, técnicos em contabilidade e congêneres;
  40. Agentes da propriedade industrial;
  41. Advogados;
  42. Engenheiros, arquitetos, urbanistas, agrônomos;
  43. Dentistas;
  44. Economistas;
  45. Psicólogos;
  46. Cf. nosso Direito tributário municipal. 2ª ed., São Paulo : Atlas, 2004, p. 156.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ISS. Tributação de sociedade de profissional legalmente regulamentada. Desenquadramento do regime de tributação fixa com efeito retroativo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2045, 5 fev. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/16879. Acesso em: 25 abr. 2024.