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Prescrição na administração pública

Prescrição na administração pública

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A cobrança para reparação dos danos causados por servidor à Administração será independente e imprescritível, por previsão expressa da Constituição Federal.

1. ESCLARECIMENTO PRÉVIO

1.1. A base concreta do exame

O presente estudo decorre de procedimento que foi à Procuradoria Federal junto à Fundação Universidade de Brasília (PF/FUB) porque requisitei os autos do Processo Administrativo Disciplinar (PAD), em que um servidor foi processado, o que foi feito para tornar possível análise de impugnação de cobrança administrativa de valores, sendo que considerei oportunos os aspectos que se seguem.

Decorre de um caso concreto que apreciei, mas que teve análise científica de interesse ao estudo da prescrição no Direito administrativo disciplinar e a imprescribilidade da reparação do dano causado à República Federativa do Brasil.

Devo alertar para o fato de ter evitado apresentar dados que pudessem identificar o processo ou o servidor, haja vista que se trata de fato que afeta a honra e as sanções administrativas não incluem a exposição pública do servidor.

1.2 Síntese do processo apreciado

Apurou-se no presente PAD que o servidor em epígrafe, entre Set/2002 e Mar/2002, praticou atos de improbidade administrativa que resultaram em danos ao erário.

Os trabalhos da Comissão se iniciaram no dia 23.6.2003 e o relatório final foi assinado em 29.9.2003. Os autos vieram a esta PF/FUB, a qual entendeu que o PAD transcorreu regularmente, isso em parecer datado de 15.10.2003.

O Vice-Reitor, em 15.10.2003, acolheu o parecer conclusivo da comissão processante, a fim de demitir o servidor e determinar a reparação do dano. Foi feita a minuta do ato administrativo de demissão, mas, conforme diligências que pessoalmente realizei, não há registro nem publicação do ato de demissão.

O processo, equivocadamente, ficou arquivado até 2009, quando houve provocação da Procuradoria da República no Distrito Federal, ocasião em que se comunicou que ele foi desarquivado e esta PF/FUB oficiou no sentido de decretar a prescrição, mas adotar providências para apurar responsabilidades por ela e para cobrança dos valores, visto que a reparação do dano é imprescritível.

Nos autos do primeiro processo que me foi encaminhado consta a impugnação da notificação feita ao servidor para que ele concretizasse a reparação do dano, sendo que considerei essencial a análise deste PAD para opinar naquele. Todos os processos retornaram no dia 15.10.2010, os quais me foram entregues no dia 19.10.2010.


3. SOBRE A PRESCRIÇÃO

3.1 Natureza jurídica e discussões sobre a imprescritibilidade

Prescrição é a perda do ius puniendi estatal em razão do tempo. A inércia ou lentidão estatal impede o Estado de impor a pena, ou caso ela tenha se concretizado, de executar a pena imposta. Esse assunto já foi abordado por mim alhures, in verbis:

Embora se diga que que a natureza jurídica da prescrição seja a perda do direito de ação, é mais adequada sua visão como a perda do direito de sancionar o infrator. Na verdade, conforme veremos a seguir, nem mesmo para o Direito civil, a primeira visão é plenamente correta, pois, mesmo ali, o que se perde é o direito de condenar o devedor. [01]

Beccaria dizia que mais eficaz para dissuadir a pessoa da prática do delito é certeza da punição e não a sua gravidade. [02] Todavia, inúmeros são os procedimentos em que se verifica a inércia administrativa e, em sentido inversamente oposto, diversas as publicações e transmissões de matérias nos meios de comunicação de massa que ofendem o bom nome da administração pública.

3.2 A prescrição na Constituição Federal

O ato de improbidade administrativa é grave, o qual foi objeto de preocupação da própria Constituição Federal, a qual se ocupa de tratar do mesmo, dispondo:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(...)

§ 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

§ 5º - A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.

O mesmo Beccaria dizia que os delitos devem prescrever, salvo aqueles que ofendem a coletividade de forma tão profunda que jamais venham a ser esquecidos. [03] Com isso, para o campo criminal, a Constituição Federal elegeu crimes imprescritíveis, a saber: racismo e ação de grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (art. 5º, incs. XLII e XLIV). No plano civil, a reparação do dano causado ao erário é imprescritível.

3.3 A prescrição na legislação infraconstitucional

Um processo ficar parado por vários anos não é razoável. Por isso, a lei que trata da prescrição administrativa em relação ao exercício do poder de polícia estatal prevê o prazo quinquenal para a prescrição, mas esta poderá se concretizar em prazo menor, isso no caso de plena inércia por período de 3 anos (Lei n. 9.873, de 23.11.1999, art. 1º, § 1º [04]).

Grande número de autores é contrário à intervenção criminal exagerada, mas até mesmo Louck Hulsman entende que a coercibilidade do Direito ser mantida, ainda que extinto o sistema punitivo estatal. [05] Também, Ferrajoli, em sua postura garantista, entende ser fundamental dar maior eficácia às normas administrativas, a fim de gerar menor intervenção criminal e evitar o descompasso entre a prática e as normas jurídicas estatais. [06]

Pesquisei e verifiquei que a última publicação havida sobre cargo ou função do servidor foi a efetivada no dia Mai/2003, que o dispensou, à pedido, de função de confiança. Assim, o presente processo carece de julgamento válido.

Como o ato de instauração do processo administrativo precisa ser publicado, a decisão final também dependerá disso. No caso vertente, não há decisão sobre o parecer lançado no ano de 2009, no qual esta PF/FUB sustentou a ocorrência da prescrição.

Referido parecer não poderia prevalecer porque o art. 23, inc. II, da Lei n. 8.429, de 2.6.1992, não destoa da Lei n. 8.112/1990. Esta, em seu art. 142, § 2º, estabelece que o prazo será o mesmo do crime quando o fato caracterizar delito tipificado na legislação criminal.

3.4 Apresentando alguns equívocos do PAD

O caso vertente evidencia a falta de harmonia da prática consolidada com os dispositivos normativos que regem a matéria, o que passa inclusive pela má formação estrutural do processo, o que torna imperiosa a adoção de providências urgentes.

A numeração de folhas apresentava problemas, tendo sido juntados documentos depois do termo de encerramento do primeiro volume. O segundo volume apresentava número excessivo de folhas. Destarte, procurei regularizar o aspecto formal, isso na tentativa de alertar para o fato da decisão de julgamento do Magnífico Reitor Lauro Morhy não existir juridicamente, visto que apócrifa. De qualquer modo, há a decisão do Vice-Reitor de então, datada de 15.10.2003.

Como não há delegação de poderes ao Vice-Reitor, com fundamento no art. 18, inc. VI, do Regimento Geral da UnB, digo que a decisão deve ser proferida pelo Magnífico Reitor José Geraldo de Sousa Júnior, visto que a ele é atribuido o poder disciplinar, isso sem olvidar do art. 141, inc. I, da Lei n. 8.112, de 11.12.1990, que remete ao Presidente da República a demissão de servidor público federal.

3.5 Crimes concretizados e intransigência do parquet

A conduta narrada no parecer conclusivo do PAD indica que o indiciado conseguiu o número da conta bancária e a senha de terceira pessoa, fazendo pagamentos em nome desta, mas os transferia para a própria conta corrente. Tal conduta caracteriza o crime de peculato furto (em continuidade delitiva), ex vi do art. 312 do Código Penal, in verbis:

Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:

Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa.

§ 1º - Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário.

O art. 109, inc. II, do Código Penal, estabelece que a prescrição para tal delito, considerando a pena máxima cominada, será de 16 anos. Destarte, a conjugação de tal dispositivo com o disposto no art. 23 da Lei n. 8.429/1992 e art. 142, § 2º, da Lei n. 8.112/1990, impõe a conclusão que os fatos concretizados (de Set/2002 a Mar/2003) não ensejariam prescrição criminal e, portanto, estaria mantida a punibilidade administrativa.

No meu livro, Prescrição Penal, procuro evidenciar as razões pelas quais sou favorável à extinção da punibilidade criminal, em detrimento da pena, em face da prescrição. [07] Todavia, a minha posição garantista e o meu munus público estão a exigir manifestação em favor do rigor administrativo, a fim de zelar pela probidade administrativa e o respeito aos princípios constitucionais norteadores da administração pública.

O Ministério Público já tem ciência dos fatos (f. 530), o que não elide a responsabilidade imposta à administração pública de comunicar o decisum final ao parquet, apresentando-lhe as cópias essenciais ao oferecimento da denúncia, conforme estatuido no art. 171 da Lei n. 8.112/1990.

Mesmo com o advento da Lei n. 12.234, de 5.5.2010, entendo possível declarar antecipadamente a prescrição retroativa, mormente para fatos anteriores à referida lei. [08] Destarte, entendo que promover ação, do ponto de vista meramente criminal, será medida inútil e faltará interesse de agir para a mesma.

Posiciono-me no sentido de a administração pública não está isenta do dever de cumprir a lei e de comunicar ao parquet sobre a ocorrência de delito administrativo que, também, invade as searas da improbidade administrativa e criminal. Aliás, tentei conversar com a Procuradora da República mencionada nos autos, mas ela não me atendeu, fazendo-me recordar da seguinte postura doutrinária:

Em outro nível, o sistema penal procura compartir essa mentalização ao segmento dos magistrados, Ministério Público e funcionários judiciais. Seleciona-se dentre as classes médias, não muito elevadas, e lhes cria expectativas e metas sociais da classe média alta que, enquanto as leva a não criar problemas no trabalho e a não inovar para não os ter, cria-lhes uma falsa sensação de poder, que os leva a identificar-se com a função (sua própria identidade resulta comprometida) e os isola até da linguagem dos setores criminalizados e fossilizados (pertencentes às classes mais humildes), de maneira a evitar qualquer comunicação que venha a sensibilizá-los demasiadamente com a sua dor. Este processo de condicionamento é o que denominamos burocratização do segmento judicial. [09]

A minha intenção era a de provocar a propositura da ação criminal e, com isso, evitar qualquer discussão sobre a prescrição. Com tal providência, não estaria fomentando o denominado Direito penal máximo, mas prestigiando o poder punitivo administrativo. Ocorre que a Procuradora da República optou não falar comigo.

Entendo possível a decisão de demissão neste momento, mas a minha posição pode encontrar resistências na própria administração pública, isso em face de equívocos judiciais. Então, a minha vontade era a de que o Ministério Público resolvesse o problema, denunciando o indiciado.

Atuando regularmente nestes autos, inclusive com a remessa do inteiro teor do PAD ao parquet, a FUB poderá depois de expirado o prazo para oferecimento da denúncia, promover ação de iniciativa privada subsidiária da pública, eis que a administração pública é vítima direta do peculato e vítima mediata do delito de falso. Destarte, o que se faz necessário é atuar, ao contrário de deixar o processo sem qualquer providência administrativa válida, como tem ocorrido desde 2003.

Considero absurdo dizer que passados 5 anos terá ocorrido prescrição da pretensão punitiva administrativa se não houver recebimento da denúncia porque, mesmo expirado tal prazo poderá haver recebimento válido da denúncia (ou queixa, esta no caso de iniciativa privada) e ocorrer condenação sem qualquer mácula. Isto é aplicável até mesmo ao caso vertente, visto que o peculato foi praticado em continuidade delitiva, isso em concurso material com o crime de falso.

Além dos atestos, documentos públicos foram falsificados, o que faz incidir o seguinte dispositivo do Código Penal:

Art. 297. Falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar documento público verdadeiro.

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

§ 1º Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, aumenta-se a pena de sexta parte.

Não obstante a prescrição de cada crime se concretizar separadamente (Código Penal, art. 119), o crime de falso também se deu na forma continuada e, ainda, incidirá a causa de aumento de pena do § 1º transcrito.

A equivocada Súmula n. 17 do STJ não encontra lugar na jurisprudência do STF e, ainda que se considere a matéria infraconstitucional, com a prevalência da referida súmula, fazendo-se com que o peculato absorva o falso, a pena aplicada, em face da quantidade de vezes em que a conduta delituosa foi reiterada, levaria ao aumento da pena (de 1/6 a 2/3).

No caso vertente, ante a jurisprudência do TJSP, largamente divulgada pela doutrina, [10] a qual entendo adequada, [11] a pena aplicada, em face da continuidade delitiva seria aumentada de metade ou dois terços, a qual, caso o total venha ultrapassar 4 anos, terá prazo prescricional de 12 anos. Então, não haveria racionalidade em, precipitadamente, aderir à frágil idéia de ocorreu prescrição da pretensão punitiva administrativa.

3.6 Prescrição da pretensão punitiva administrativa no STF e no STJ

3.6.1 Supremo Tribunal Federal (STF)

Fiz intensa pesquisa na rede mundial de computadores, a fim de verificar a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre a prescrição administrativa de fato que também constitui crime, sendo que consignei em "opções de busca", na espécie de "norma", a relativa ao "regime jurídico único dos servidores civis". Inseri art. "142", § "2º", obtendo 6 resultados (nenhum com repercussão geral), passando a apresentar todos:

Processo

Publicação (DJ)

Resumo

MS 25191/DF

14.12.2007, p. 49

Magistrado da Justiça do Trabalho processado administrativamente. Acerca da prescrição, por faltar norma específica, aplica-se a Lei n. 8.112/1990.

MS 23219 AgR/RS

19.8.2005, p. 4

Servidora aposentada do INSS teve sua aposentadoria cassada e alegou prescrição porque as faltas seriam de 1991 e o ato de demissão de 1998. Foi invocada a força interruptiva da instauração do processo, havida em 1995.

MS 23310/RJ

27.6.2003, p. 31

Servidor demitido do seu cargo no INSS por ter praticado infração administrativa conhecida em 1989. Processo administrativo instaurado em 2.3.1993 e demissão ocorrida em 4.9.1998. Sustentou a impossibilidade de haver prescrição porque o fato, em tese, constitui peculato.

RMS 23436/DF

15.10.1999, p. 28

Delegado de Polícia Federal suspenso por fato de 1992, com processo administrativo disciplinar (PAD) instaurado em 1993 e punição imposta em 1997. Refuta hipóteses de imprescritibilidade, que poderiam ser criadas pela suspensão indeterminadas durante o prazo do PAD. Declarou-se a prescrição porque a suspensão só poderá durar 140 dias. Não há referência a crime.

MS 22728/PR

19;11;1998, p. 5

Fatos de 1990, os quais se tornaram conhecidos em 27.5.1991, com processo administrativo instaurado em 4.10.1995. O MPF sustentou a imprescritibilidade durante a duração da apuração dos fatos, mas o tribunal, apenas declarou a inocorrência da prescrição anterior à interrupção

A análise dos precedentes apresentados evidencia que o STF não tem jurisprudência sobre a matéria, mormente no sentido de que só poderá aplicar o art. 142, § 2º, da Lei n. 8.112/1990 se houver recebimento da denúncia. O STF evoluiu, da idéia da imprescritibilidade possível pela demora injustificada na conclusão do processo administrativo, período em que o prazo ficaria suspenso, para a posição de que a suspensão da prescrição tem prazo máximo de 140 dias.

No MS 23.310/RJ, o STF não demonstrou qualquer preocupação em verificar se havia recebimento da denúncia para ocorrer modificação do prazo prescricional, de 5 para 16 anos. O estelionato tem prazo prescricional de 16 anos e foi essa a consideração constante do voto do relator.

3.6.2 Superior Tribunal de Justiça (STJ)

No sítio eletrônico do STJ, inseri os mesmos parâmetros de pesquisa, verificando 40 resultados, todos obtidos no site do STJ; deles, apresento os mais recentes:

Processo

Respectiva publicação

Decisão

MS 12735/DF

24.8.2010

A prescrição começou a correr quando o fato se tornou conhecido. O prazo foi interrompido com a instauração do processo administrativo e ficou suspenso por 140 dias.

MS 14320/DF

24.4.2010

O prazo é regulado pela legislação criminal porque houve crime com condenação transitada em julgado, mas faltam documentos para conhecimento adequado do prazo

MS 8590/DF

4.8.2009

Afirma ser impossível falar em prescrição de sanção de demissão imposta com menos de cinco anos, a contar da infração

MS 8091/DF

1.2.2010

Há independência da instância administrativa, em face da criminal. Adota como prazo de prescrição da sentença condenatória criminal

ED no MS 12994/DF

4.6.2009

A União (embargante) teria que apresentar denúncia e decisão do seu recebimento para permitir considerar aplicável o art. 142, § 2º da Lei n. 8.112/1990

EREsp 683451/RJ

17.8.2009

Embora o relator aplicasse o prazo penal para a prescrição, foi vencedor o voto que não conheceu dos embargos de divergência

MS 13640/DF

13.2.2009

Réu denunciado por concussão passa a ter a prescrição da sanção administrativa regulada pelo Código Penal

MS 13242/DF

19.12.2008

Prescrição entre a data do fato e a da instauração válida do PAD, desconsiderando PAD anterior para efeitos de interrupção do prazo prescricional

RMS 22683/RJ

3.12.2007

É irrelevante PAD anterior, anulado em sede de MS. Adota prazo de sentença condenatória penal para prescrição administrativa.

RMS 21214/PR

29.10.2007

Adota prazo da sentença condenatória penal. Pena de 1 ano prescreve em 4 anos. Prazo que se aplica à prescrição da sanção de demissão.

MS 10220/DF

13.8.2007

Não houve prescrição na demissão de Procuradora Federal em que a infração se deu em 1999, a interrupção da prescrição em 2000 e a demissão em 2004.

MS 12090/DF

21.5.2007

Infração administrativa que não resultar em ação criminal ou que ensejar absolvição no juizo criminal terá a prescrição regulada pela legislação administrativa. Diz existirem precedentes no sentido da decisão.

A posição do STJ é contraditória e, portanto, não pode ser considerada ius prudentia, isso no sentido da sua origem latina. Digo isso porque o MS 8091/DF sustenta a independência administrativa, isso nos termos do art. 125 da Lei n. 8.112/1990 e, noutro julgado, pretende subordinar a instância administrativa à judicial criminal.

A jurisprudência, enquanto costume do tribunal, não pode ser extraida de precedente isolado, nem de uma decisão temerária. Um tribunal só deve ter uma jurisprudência, sendo que as últimas decisões do STJ evidenciam que a sua jurisprudência está consolidada no sentido de:

(a) considerar a pena da sentença condenatória criminal para fins do cálculo da prescrição administrativa;

(b) pode-se dizer que o prazo prescricional se inicia com o conhecimento da infração pela administração pública e se interrompe com a instauração válida do processo administrativo (desconsiderando-se PAD’s anulados). Assim, PAD’s anteriores que tenham sido anulados não interromperão a prescrição;

(c) interrompida a prescrição, o prazo prescricional ficará suspenso por 140 dias, voltando a correr normalmente após referido prazo;

(d) havendo oferecimento e recebimento da denúncia, considerar-se-á o prazo prescricional da legislação criminal.

O Mandado de Segurança n. 12.090/DF, o mais antigo dentre os mencionados, merece destaque, do qual colho parte do voto:

A impetrante foi demitida, conforme consta da portaria de demissão, por valer-se do cargo de Técnica da Receita Federal para, em proveito de outrem e em detrimento da dignidade da função pública, emitir inscrições em duplicidade no Cadastro de Pessoa Física – CPF, incorrendo, ainda, em improbidade administrativa.

Verifico, de fato, conforme já sinalizado na decisão que deferiu a liminar, a procedência nas alegações da impetrante no tocante à prescrição da pretensão punitiva do Estado, remanescendo prejudicados, em conseqüência, os demais fundamentos da impetração.

Dispõe a Lei 8.112, de 11 de dezembro de 1990:

"Art. 142. A ação disciplinar prescreverá: I - em 5 (cinco) anos, quanto às infrações puníveis com demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo em comissão; (...) § 1º O prazo de prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido. § 2º Os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crime. § 3º A abertura de sindicância ou a instauração de processo disciplinar interrompe a prescrição, até a decisão final proferida por autoridade competente. § 4º Interrompido o curso da prescrição, o prazo começará a correr a partir do dia em que cessar a interrupção".

Da leitura de referidos dispositivos legais, conclui-se que, havendo o cometimento de infração disciplinar capitulada também como crime, devem ser observados os prazos de prescrição da lei penal. Deduz-se, também, que a abertura de sindicância ou a instauração de processo disciplinar interrompem a prescrição.

(...)

No caso em exame, narram os autos que os ilícitos administrativos teriam sido praticados pela impetrante entre 15.7.1997 e 10.3.1998 (fl. 723). Sobreveio a Portaria 82, de 13.11.1998, da Delegacia da Receita Federal em Brasília/DF, publicada na mesma data, destinada a apurar referidas irregularidades (fl. 404).

Não obstante a abertura de outros procedimentos, à míngua de decisão administrativa naquele primeiro, o prazo recomeçou a correr por inteiro a partir de 5/4/99, conforme a própria Administração reconhece (fl. 792), hipótese em que, por se tratar de demissão, deveria findar-se em 5/4/2004, após o transcurso de 5 (cinco) anos. Todavia, a penalidade foi aplicada por meio da Portaria 133, de 19/6/2006, do Ministro de Estado da Fazenda, quando já consumada a prescrição da pretensão punitiva.

Segundo consta dos autos, foi considerado o prazo prescricional de 12 (doze) anos, ao argumento de que os atos narrados seriam capitulados como crime de falsidade ideológica. A autoridade impetrada, inclusive, em suas informações, afirma que "a impetrante responde a ação penal por suposto delito de falsidade ideológica, ora pendente de julgamento, uma vez que teria inserido dados falsos em documento público, com a finalidade de alterar seu conteúdo e de viabilizar expedição de novo número de CPF para os contribuintes envolvidos" (fl. 1.339).

No entanto, essa afirmação não encontra respaldo na prova pré-constituída apresentada. A certidão de fl. 1.034, emitida em 20/7/06, prova a inexistência de ação penal em desfavor da impetrante em curso perante a Justiça Federal no Distrito Federal.

Nesse ponto, destaca-se a manifestação do Ministério Público Federal, da lavra da Subprocuradora-Geral da República GILDA PEREIRA DE CARVALHO, que asseverou tão-somente a existência de Inquérito Policial em curso na Justiça Federal, mas não de ação penal, razão por que deve ser observado tão-somente o prazo prescricional previsto na Lei 8.112/90, consoante atesta o seguinte excerto (fls. 1.441/1.441v):

(...)

(EDcl no RMS 13.542/SP, Rel. Min. GILSON DIPP, Quinta Turma, DJ de 24.11.2003)

(...)

(RMS 14.420/RS, Rel. Min. VICENTE LEAL, Sexta Turma, DJ de 30.9.2002)

(...)

(RMS 15.585/RS, de minha relatoria, Quinta Turma, DJ de 3.4.2006)

(...)

Desse modo, tem-se que ocorreu a prescrição da pretensão punitiva da Administração em aplicar penalidade pelo ilícito administrativo praticado pela impetrante.

Ante o exposto, concedo a segurança para anular a Portaria 133, de 19/6/06, do Ministro de Estado da Fazenda e determinar a definitiva reintegração da impetrante, com efeitos patrimoniais contados da impetração, conforme Súmula 271/STF. Julgo prejudicado o agravo regimental. Custas ex lege. Sem condenação ao pagamento de honorários advocatícios, nos termos da Súmula 105/STJ. [12]

Não se olvide que o art. 126 da Lei n. 8.112/1990 só dá relevância à absolvição criminal em duas hipóteses. Caso ocorra absolvição por insuficiência de provas, não haverá qualquer efeito criminal ou civil decorrente da sentença, mas – por disposição expressa do art. 142, § 2º da mesma lei – haverá modificação do prazo prescricional.

Não há aqui que se invocar o estado de inocência para dizer que o prazo prescricional será o da Lei n. 8.112/1990, visto que a lei não exige condenação, bastando que sejam as "infrações disciplinares capituladas também como crimes". Destarte, a inércia ou lentidão do Estado no campo criminal não será suficiente para retirar a independência da instância administrativa.

3.7 A posição a ser adotada pela administração pública

O inquérito policial, nos termos do Código de Processo Penal, é prescindível. Em algumas circunstâncias, os indícios necessários ao oferecimento da denúncia decorrerão de PAD’s, ocasião em que será prematuro pretender, apenas porque decorridos mais de 5 anos, dizer concretizada a prescrição.

A prescrição é matéria de ordem pública. Todavia, é temerário declará-la em benefício do agente sem que exista sólida jurisprudência que autorize contrariar a legalidade estrita. Imagine-se que a FUB, ainda que tardiamente, envie toda documentação ao MP, suficiente à propositura da ação e que ele o faça. Haverá prescrição?

A prescrição do peculato, nos termos do art. 109 do CP, não terá se concretizado. Por consequência, não terá concretizado prescrição administrativamente. Porém, incoerentemente, haverá ato administrativo tendente à impunidade do servidor.

Pergunto-me sobre o porquê de não se ter feito nada de concreto em 2003. Em 2009, a FUB foi alertada pelo MP e, não obstante o parecer de f. 556-558, não há dado que permita dizer que foi feita adequada informação do MP. Era mister ocorrer julgamento válido, o que não existe nos autos até a presente data, e remeter o inteiro teor do PAD ao parquet.

Não se pode deixar o processo dormindo e decidir validamente sobre os fatos. A decisão deverá ser imediatamente publicada, a fim de evitar maiores discussões. Eventual recurso poderá ser admitido, mas este não poderá preceder à decisão de julgamento, visto que o parecer conclusivo da comissão processante, nos termos da lei, não comporta recurso.

Fala-se constantemente em segurança jurídica, a qual foi inserida no art. 2º da Lei n. 9.784, de 29.1.1999. No entanto, as decisões da administração pública devem ter em vista a legalidade estrita e o STJ, guardião da lei, deveria observar melhor a literalidade da lei que aplica.


4. COBRANÇA DOS VALORES INDEVIDAMENTE RECEBIDOS PELO SERVIDOR

O Direito é ciência que detém ramos com autonomias didáticas, portanto, relativas. Todavia, não se pode perder de vista a autonomia dos ramos do direito e, fundamentalmente, das ações a serem desenvolvidas: uma para imposição de sanção ao servidor transgressor e outra para reparação de danos.

Em face da independência das providências a serem adotadas, extraí fotocópias das peças mais importantes deste processo, a fim de possibilitar a tramitação independente da ação tendente à reparação do dano decorrente dos ilícitos perpetrados pelo indiciado. Com isso, os processos passarão a ter tramitações autônomas.

Enquanto não houver julgamento válido do PAD será impossível pedir ressarcimento, visto que eventual ação tendente à cobrança será autônoma e abstrata, mas referente ao direito subjetivo subjacente. Assim, é conveniente que a cobrança fique sobrestada até o julgamento do PAD.


5. CONCLUSÃO

Processo que ficar parado por mais de 5 anos, mas que o fato capitular crime, segundo a jurisprudência do STF, ainda que não haja ação criminal instaurada, não terá sido atingindo pela prescrição se ainda presente o prazo previsto na legislação criminal. Porém, o STJ consolidou frágil jurisprudência em sentido contrário.

A publicação é essencial à decisão, sendo que esta precisará ser proferida por autoridade com poderes para tal e, também, publicada. Outrossim, a administração deve insistir na tese contrária à frágil jurisprudência do STJ, isso em defesa da probidade administrativa, o que encontra amparo na legalidade estrita e na supremacia do interesse público sobre o particular.

O Ministério Público Federal deve ser intransigente defensor da lei e da probidade administrativa, afastando a terrível cultura de superioridade e estigmatizada retratada por Zaffaroni. Desse modo, ao ser informado sobre a decisão proferida nos autos do processo administrativo, será conveniente propor ação criminal por meio de denúncia.

A cobrança para reparação dos danos será independente e será imprescritível, isso em face de previsão expressa da Constituição Federal. Embora existam alguns precedentes em sentido contrário, eles não constituem jurisprudência e, ainda que o fossem, por contrariar a literalidade da Constituição Federal, deveriam ser desafiados pela administração pública.


Notas

  1. MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Prescrição penal. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 179.
  2. BONESANA, Cesare (Marquês de Beccaria). Dos delitos e das penas. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
  3. BONESANA, Cesare (Marquês de Beccaria). Dos delitos e das penas. São Paulo: Martins Fontes, 1991. p. 112.
  4. Redação do § 1º: "Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso".
  5. HULSMAN, Louk, CELIS, Jacqueline Bernat de. Penas perdidas: O sistema penal em questão. 2. ed. Niteori: Luam, 1997. passim.
  6. FERRAJOLI, Luigi. Diritto e ragione: Teoría del Garantismo Penale. Roma: Laterza, 1990. p. 795-799.
  7. MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Prescrição penal. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2007.
  8. MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. A prescrição no Estatuto de Roma e na Lei n. 12.234/2010. Teresina: Jus Navigandi, ano 15, n. 2585, 30.7.2010. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/17069>. Acesso em: 23.10.2010, às 11h.
  9. ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 77.
  10. BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito penal: parte geral. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 482. CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. vol. 1, p. 455. NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 447.
  11. MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Execução criminal: teoria e prática. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 328.
  12. STJ. 3ª Seção. Rel. Arnaldo Esteves de LIma. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/ revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=3059442&sReg=200601617380&sData=20070521&sTipo=91&formato=PDF>. Acesso em: 2.11.2010, às 7h.

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MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Prescrição na administração pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2682, 4 nov. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17758. Acesso em: 25 abr. 2024.