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Utilidade da aceitação do efeito translativo como um efeito autônomo dos recursos

Utilidade da aceitação do efeito translativo como um efeito autônomo dos recursos

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Em matéria de recursos, há que se destacar a existência do efeito translativo, além dos conhecidos efeitos suspensivo e devolutivo. Inicialmente, cabe estabelecer um paralelo entre os efeitos, pois, com a interposição de um recurso, pode-se aplicar o efeito suspensivo, que obsta que a decisão proferida – e ora recorrida – produza seus efeitos até o julgamento final do recurso. Já o efeito devolutivo é aquele "...que atribui ao juízo recursal o exame da matéria analisada pelo órgão jurisdicional recorrido (juízo a quo)" [01], ou seja, que apenas devolve à apreciação do tribunal a matéria expressamente impugnada, razão pela qual "...deve a parte recorrente especificar, nas razões do recurso que interpõe, o pedido de nova decisão que pretende, permitindo assim ao tribunal avaliar a extensão máxima que poderá dar à sua deliberação" [02].

Por sua vez, o efeito translativo se difere do devolutivo justamente porque "...se opera ainda que sem expressa manifestação de vontade do recorrente." [03] Trata de matéria que compete ao Judiciário conhecer de ofício, em qualquer tempo ou grau de jurisdição, ainda que sem expressa manifestação das partes, tendo-se por exemplo as questões elencadas no art. 301, incisos I a VIII, X e XI, do Código de Processo Civil [04], que assim prescrevem: "Art. 301 (...) I - inexistência ou nulidade da citação; II - incompetência absoluta; III - inépcia da petição inicial; IV - perempção; V - litispendência; Vl - coisa julgada; VII - conexão; Vlll - incapacidade da parte, defeito de representação ou falta de autorização; (...) X - carência de ação; Xl - falta de caução ou de outra prestação, que a lei exige como preliminar."

Portanto, as matérias a serem analisadas em razão do efeito translativo não se restringem às teses ventiladas nas razões do recurso, em decorrência do efeito devolutivo, já que toda e qualquer matéria de ordem pública poderá ser conhecida em qualquer momento, bastando, para tanto, que se tenha interposto recurso acerca de alguma decisão proferida na causa e que este chegue à análise do juízo ad quem.

Destarte, como bem ponderado por Fernanda Lopes Colonego: "A possibilidade de o Tribunal conhecer das questões discutidas e debatidas no processo, ainda que a sentença não as tenha apreciado por inteiro (art. 515, § 1.0, do CPC), e também de todos os fundamentos da ação ou defesa (art. 515, § 2.°, do CPC), configura, de qualquer forma, exceção ao princípio dispositivo externado pelo efeito devolutivo, porque caracteriza uma espécie de benefício comum. O efeito translativo, portanto, é uma manifestação do princípio inquisitório, em virtude do qual, em situações determinadas por lei - já que o princípio inquisitório é excepcional -, pode o órgão judicial agir e pronunciar-se de ofício, independentemente de pedido ou requerimento da parte ou interessado." [05]

Do ponto de vista prático, cumpre destacar que não há reformatio in pejus quando a matéria analisada de ofício é de ordem pública, pois esta pode e deve ser apreciada em qualquer tempo e grau de jurisdição, justamente pelo efeito translativo recursal, com a finalidade de extrair do Poder Judiciário a atribuição de análise do mérito, em atenção aos princípios da celeridade e economia processual.

A jurisprudência dos tribunais é uníssona em utilizar o efeito translativo dos recursos para análise de questões de ordem pública. Nesse sentido, extrai-se:

"PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS INFRINGENTES. ÂMBITO DE COGNIÇÃO. VOTO VENCIDO. EFEITO TRANSLATIVO DOS RECURSOS. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. COGNIÇÃO DE OFICIO. POSSIBILIDADE. (...) As matérias de ordem pública (art. 267, § 3º, e 301, § 4º, do CPC) podem ser conhecidas de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, ainda que em sede de embargos infringentes, não havendo se falar em preclusão. (...) efeito translativo dos recursos, consiste na possibilidade de o Tribunal, ultrapassada a admissibilidade do apelo, decidir matéria de ordem pública, sujeita a exame de ofício em qualquer tempo e grau de jurisdição, como é o caso das nulidades absolutas, das condições da ação, dos pressupostos processuais e das demais matérias a que se referem o § 3º do art. 267 e § 4º do art. 301. 5. No caso, quando do julgamento dos embargos infringentes, não era vedado ao Tribunal a quo - ao contrário, era-lhe imposto – a reapreciação de matérias de ordem pública, como condições da ação e coisa julgada. (...)" (STJ, Processo REsp 304629 / SP, Relator(a) Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data da Publicação/Fonte DJe 16/03/2009) – sem grifo no original

E, ainda:

"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. JULGAMENTO EXTRA PETITA. OCORRÊNCIA. ARTS. 128 E 460 DO CPC. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. EFEITO TRANSLATIVO DO RECURSO ESPECIAL. (...), o Tribunal de origem, além de não se pronunciar sobre esse dispositivo legal, acabou por manter o lançamento tributário, entendendo que o auto de infração teria sido lavrado por suposta infração ao art. 42, caput, da Lei 9.430/96. Decidiu, ainda, com base na premissa equivocada de que existiria pedido de anulação do lançamento em virtude da forma de apuração do imposto através do cruzamento de dados da CPMF. Houve, portanto, julgamento extra petita. Desse modo, por evidente afronta aos arts. 128 e 460 do CPC, na decisão agravada foi decretada de ofício a nulidade processual verificada nos presentes autos. 4. Diante do efeito translativo do recurso especial, para que esta Corte Superior possa decretar de ofício a nulidade do julgamento extra petita realizado pelo Tribunal de origem, não se faz necessária a oposição de embargos declaratórios e a subseqüente alegação de contrariedade ao art. 535 do CPC. O supracitado error in procedendo não se confunde com as hipóteses de omissão, obscuridade ou contradição albergadas pela norma processual em questão. 5. Agravo regimental desprovido." (STJ, AgRg no REsp 803656 / PR, Relator(a) Ministra DENISE ARRUDA , publicado no DJe em 13/11/2009) – sem grifo no original.

Nesse sentido, trata-se de efeito de extrema importância e amplamente utilizado pelos tribunais, para conhecimento das matérias de ordem pública que, embora não tenham sido objeto específico de impugnação, deveriam ter sido analisadas em primeiro grau de jurisdição. Isto, como forma de buscar a celeridade e a economia processual, evitando todo o processamento do feito – que por vezes se arrasta por anos –, que consome tempo e dinheiro público, desnecessariamente, diante de uma reconhecida causa de extinção do processo, que mereceria conhecimento de ofício a teor do citado art. 301 do CPC.


Bibliografia

BRASIL. Lei n.º 5.869, de 11/01/1973. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_ 03/LEIS/L5869compilada.htm>. Acesso em 06/12/2009.

COLONEGO, Fernanda Lopes. Efeitos devolutivos e translativo do recurso de apelação. Disponível em: <http://www.cesumar.br/pesquisa/periodicos/index.php/revjuridica/article/ viewFile/400/404> Acesso em 06/12/2009.

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil: Processo de Conhecimento. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, Repertório de jurisprudência. Disponível em: < http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=efeito+e+translativo&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=3> Acesso em 06/12/2009.


Notas

  1. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil: Processo de Conhecimento. Pág. 522
  2. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil: Processo de Conhecimento. Pág. 523
  3. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil: Processo de Conhecimento. Pág. 526
  4. BRASIL. Lei n.º 5.869, de 11/01/1973. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_ 03/LEIS/L5869compilada.htm>
  5. COLONEGO, Fernanda Lopes. In Efeitos devolutivos e translativo do recurso de apelação. Disponível em: <http://www.cesumar.br/pesquisa/periodicos/index.php/revjuridica/article/viewFile/400/404>


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GRETTER, Eloise Mari. Utilidade da aceitação do efeito translativo como um efeito autônomo dos recursos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2712, 4 dez. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17946. Acesso em: 23 abr. 2024.