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A polícia brasileira: instituição de Estado e não órgão de governo.

As origens e a busca pela autonomia

A polícia brasileira: instituição de Estado e não órgão de governo. As origens e a busca pela autonomia

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RESUMO

O presente artigo busca discutir a Instituição Polícia, trazendo ao debate suas origens históricas, sua atuação como órgão repressor e opressor estatal, num viés personalista de governo até a sua passagem a um órgão defensor da Lei e da Sociedade, servindo ao Estado, num viés de defesa da coletividade. Numa outra perspectiva, analisa-se o surgimento da Polícia no Brasil de maneira formal mais como fato do acaso, do que como uma origem que visava orquestrar a sociedade da época, passando, no inicial período republicano, por uma formação mais militarizada – fruto de missões francesa (São Paulo) e suíça (Minas Gerais).

Palavras-chave: Polícia, Órgão Repressor, Órgão Defensor da Lei e da Sociedade, Defesa da Coletividade, formação.


1. INTRODUÇÃO

O presente texto busca debater a função da polícia na sociedade atual, esclarecendo que é uma Instituição de Estado e não apenas um órgão de Governo e que tem como ação primordial mediar conflitos sociais tendo como escopo o bem coletivo.

A análise não foge a assunção das responsabilidades da Polícia no período da ditadura militar, entretanto, esclarece-se que a Corporação foi apenas um peão na ideologia da Guerra Fria que imperou nos ‘anos de chumbo’.

Analisa-se ainda, as origens da Polícia desde a Grécia antiga, passando pelo Império Romano e a evolução histórica da sociedade, contrapondo-se a formação policial insular com a do continente.

Aborda-se também, a chegada formal e institucional da Polícia no Brasil e sua manifestação simbólica hodiernamente, assim como se debate o conflito da Academia com a Instituição policial.

Mensura-se, por fim, que a Polícia é necessária a autonomia funcional para determinar seu caminho, contudo não se prega a irresponsabilidade da Instituição, ao contrário prega-se a fiscalização através dos órgãos constitucionalmente constituídos e pela população, através do Conselho de Segurança ou ainda, pela Ação Civil Pública ou pela Ação Popular, evitando-se a ingerência de agentes políticos nos programas de controle, prevenção e combate a violência e a criminalidade.

Concluindo-se por fim, que através desta autonomia se alcançará uma melhor prestação do serviço público, outrossim a diminuição e controle do evento social – crime e violência, proporcionando uma maior sensação de segurança pública ao cidadão.


2. HISTÓRIA DA POLÍCIA

Explanar-se, sinteticamente, acerca da história da Polícia enquanto Instituição - suas origens e seu desenvolvimento, abusos e desvios de poder.

2.1 A POLÍCIA E SEU SIGNIFICADO

A Polícia apresenta suas armas, escudos transparentes, cacetes reluzentes e a determinação de manter tudo em seu lugar (...)

Paralamas do Sucesso – Selvagem

Primeiramente, deve-se fazer uma análise histórica acerca da ‘polícia’ e seus aspectos, haja vista que segundo a sabedoria convencional a ‘polícia’ é o órgão repressor do governo o qual é utilizado para a manutenção do status quo de uma determinada casta social.

Analisando-se o vernáculo no conceito de Aulete (2007, p. 784)

polícia (po.lí.ci:a) sf. 1. Conjunto de leis que têm o objetivo de garantir a segurança e a ordem pública. 2. Corporação composta por instituições responsáveis pela manutenção desses valores. 3. Os membros dessa corporação. sm. 4. Pop. Ver policial (1).

Bobbio (1998, p. 944) define polícia

É uma função do Estado que se concretiza numa instituição de administração positiva e visa a por em ação as limitações que a lei impõe a liberdade dos indivíduos e dos grupos para salvaguarda e manutenção da ordem pública, em suas várias manifestações: da segurança das pessoas à segurança da propriedade, da tranqüilidade dos agregados humanos à proteção de qualquer outro bem tutelado com disposições penais.

Assim para entender o significado da palavra polícia é preciso entender como ela nasceu quais os seus objetivos e ainda porque a polícia traz no imaginário popular essa conotação de órgão repressor.

Em Bobbio encontra-se uma apresentação do desenvolvimento da polícia enquanto instituição, onde primeiramente ela era a representação do conjunto das instituições necessárias ao funcionamento e à conservação das Cidades-Estado.

De acordo com MONET, et al (2002) é portanto na Grécia antiga, na época em que, no resto do mundo, os indivíduos só podem contar consigo mesmos para preservar sua segurança, que aparecem, pela primeira vez na Europa, e talvez na história da humanidade, agentes especializados, encarregados de fazer respeitar as leis da cidade utilizando a coação física e a ameaça de ações penais.

Essas polícias helênicas da Antiguidade são múltiplas, pouco profissionalizadas, provavelmente pouco coordenadas entre si; uma polícia dos mercados convive em Atenas, com uma polícia das águas, uma polícia dos reservatórios de cereais, uma polícia dos portos.

O papel da polícia política ateniense consiste tanto em evitar as fugas – e as rebeliões – de escravos quanto impedir a aristocracia rural, que se instala progressivamente em Atenas, de conspirar, por ociosidade tanto quanto por ambição, contra a democracia no seio de múltiplas sociedades secretas.

Na Idade Média, período da história onde, primeiramente, relatam que houve uma paralisação no desenvolvimento social, porém com o aprofundar dos estudos, observa-se que muito do desenvolvimento social e humano ocorreu ou foi fruto do isolamento das pessoas na dita da Idade das Trevas; nesse período o termo polícia ficou conhecido como a boa ordem da sociedade civil, da competência das autoridades políticas do Estado, em contraposição à boa ordem moral das autoridades da Igreja.

Com a chegada da Idade Moderna e a abertura dos feudos, o significado da polícia ganha novos contornos compreendendo toda atividade da Administração Pública – identificando-se com o Estado de Polícia (Polizei Staadt), onde todo ordenamento da função administrativa era significada pela Polícia.

No início do século XIX, já estamos na Idade Contemporânea, o termo polícia passou a ser identificado com a atividade tendente a assegurar a defesa da comunidade dos perigos internos, onde esses perigos representam ações e situações contrárias à ordem pública e à segurança pública.

Calha ressaltar que nesse período histórico ocorreram as grandes revoluções que movimentaram e desenvolveram a humanidade, tanto no aspecto humano quanto no aspecto tecnológico, tais como a continuação da revolução industrial e as revoluções trabalhistas na Europa.

Assim, observa-se que a polícia é uma instituição que busca regular a vida e o convívio social, do que para Bobbio (1998, p. 944):

A defesa da ordem pública se exprimia na repressão de todas aquelas manifestações que pudessem desembocar numa mudança das relações político-econômicas entre as classes sociais, enquanto que a segurança pública compreendia a salvaguarda da integridade física da população, nos bens e nas pessoas, contra inimigos naturais e sociais.

Desse modo, observa-se que o termo polícia transitou pela história com vários significados, chegando ao momento em que podemos dizer modernamente, que deve ser usado na preservação e garantia dos direitos fundamentais do cidadão.

Assim, reforça-se o acima comentado com o entendimento de que a polícia derivou de um conjunto de funções necessárias ao funcionamento e conservação da Cidade-Estado, a polis grega; ou seja, por mais perverso que possa parecer a Instituição Polícia é necessária, como dito outrora, para o bom ordenamento da sociedade, bem como para a garantia dos direitos fundamentais do cidadão.

De acordo com Moreira Neto (2009, p. 441)

A palavra polícia deriva-se, sucessivamente, das vozes grega politéia e latina politia, que procedem do étimo grego polis, daí a sua conotação à ordem da cidade antiga – à sua administração.

Mas devemos destacar que o progresso dos efetivos, é a profissionalização cavam um fosso entre formas antigas e formas modernas de polícia. A noção de "polícia moderna" remete, com efeito, a evoluções precisas que constituem a função policial como profissão: estabelecimento de critérios meritocráticos – o concurso -, em matéria de recrutamento; elaboração e transmissão de um saber técnico através dos processos de formação; remuneração suficiente para que o ofício policial seja exercido em tempo integral; desenvolvimento, enfim, de uma identidade profissional que se exprime por uma cultura que tem normas, valores e ritos (Inglaterra).

Referindo-se a etimologia de polícia, à civita romana, civil era, pois, a derivação de cidade num conceito político e não urbanístico. Logo, direito civil - o direito dos nascidos na civita, e cidadão – aquele a quem é dado o direito de influir na gestão da coisa pública.

Da civita, no sentido primitivo, eram os que se domiciliavam na cidade, os civis; os que estavam fixados fora da civita – eram os militares.

O exemplo romano mostra que o desenvolvimento de uma força policial organizada não depende diretamente do nível da violência social, mas supõe mudança nas representações que as camadas dominantes fazem de si mesmas e nas condições do equilíbrio social. A segurança é, contudo, atribuição da iniciativa privada.

É apenas com Augusto, e com o desenvolvimento imperial que suplanta pouco a pouco, sem as abolir, as velhas instituições da República romana que aparece uma verdadeira administração policial pública, profissional e especializada. Augusto retira do Senado suas responsabilidades administrativas tradicionais em relação a Roma e cria o posto de "prefeito da cidade: ao praefectus urbi, doravante, cabe manter a ordem na rua, tomar disposições necessárias, intentar ações penais contra contraventores".

Dessa maneira, os corpos militares, as legiões romanas, eram sediados fora dos limites da cidade para defendê-la dos invasores, os bárbaros, e não podiam adentrá-la sem permissão do governo.

Dentro das civitas, só bem depois, já no final do Império romano, é que ocorrerá o fenômeno do pretorianismo, militarização transitória de determinadas funções estatais ligadas à segurança pública.

Cessada a excepcionalidade, retornava-se a normalidade civil e amiúde usada como instrumento de conquista, manutenção e exercício forçado do poder, que já perdera muito de sua força sobrenatural que tanto fortaleceu as cidades-estados. Isto vem se explicar o fenômeno político, já histórico, denominado militarismo.

Na essência, portanto, policiar é civilizar, porquanto a vida civilizada implicava em refreamentos do que não é civilizado, do que não é urbanidade.

Nesse viés é importante trazer a lume o entendimento de Tiedemann (2007, p. 208)

A polícia tem duas competências claramente delimitáveis entre si: primeiramente, deve repelir perigos que ameacem a segurança ou a ordem pública, nesse sentido, sua atividade tem caráter profilático (preventivo), segundo, deve participar da persecução penal, nessa qualidade, é um órgão competente para a investigação e a elucidação de crimes, com função repressiva.

Assim, percebe-se que a polícia modernamente é uma instituição que tem como escopo principal a prevenção da ocorrência do ilícito, penal ou administrativo e não exclusivamente o ilícito penal, não conseguindo prevenir o crime, a contravenção ou o ilícito administrativo, atua de forma repressiva, buscando elucidar as ações delituosas, bem como indicar ao titular da ação penal o responsável pelo cometimento do ilícito penal.

2.2 A ORIGEM DA POLÍCIA NO BRASIL

Ocorre no Brasil, bem como em toda a América Latina, que a formação da polícia, além do acima esboçado, qual seja todo o conteúdo histórico, sofre outra conotação, principalmente por sempre estar ligado a atos arbitrários de abuso de autoridade, desvio de poder ou violência policial, sem deixar de lembrar o fatídico período militarista que assolou o continente.

Assim comenta Malarino (2004, p. 114)

Estas circunstâncias não fazem mais que indicar um sinal de alarme, especialmente se tivermos presente o papel exercido pelas polícias na América latina durante os anos de ditadura. Estas não puderam escapar ao Estado autoritário, mas, ao contrário, eles constituíram uma ligação importante na "luta anti-subversiva", sob a bandeira de uma "Doutrina de Segurança Nacional" que ocupou quase toda a América latina.

No país especificamente a polícia se instalou com a chegada da Corte, que fugia de Napoleão; tão marcante é esse fato que até hoje está presente, na PMERJ e na PMDF, como data de surgimento a de chegada da Guarda Real de Polícia, cujo brasão está esculpido nas viaturas policiais com suas iniciais GRP (Guarda Real de Polícia).

Em outro viés, a polícia no Brasil data de 1530, com a chegada da expedição de Martim Afonso de Souza, passando por sucessivas reformulações nos anos de 1534 a 1603 até a chegada da família Real ao país em 1808, neste ano, em 10 de agosto, criou-se, por meio de Alvará Régio, o cargo de Intendente Geral de Polícia, que foi ocupado pelo Desembargador Paulo Fernandes Viana, somente em 1841 é que foi criado o cargo de Chefe de Polícia.

Pode-se ainda comentar acerca de que no país nunca houve muitos períodos democráticos, haja vista que nossa República data de 15 de novembro de 1889, e há quem diga que o Marechal Deodoro da Fonseca, monarquista assumido, não queria proclamá-la, mas o fez por pressão de seus oficiais, particularmente pela atuação do Marechal Floriano Peixoto, este sim, republicano.

Proclamada a República no Brasil, não tardou para que as velhas oligarquias manifestassem os seus anseios pelo poder. Nascida a partir de uma conspiração do poder militar, e desde cedo influenciadas pelos Estados mais poderosos: São Paulo e Minas Gerais, a jovem República manifestaria um de seus aspectos mais marcantes que foi a militarização das polícias estaduais, através da vinda em nosso país de missões militares do Exército francês em São Paulo (1905), patrocinada pelo então Governador daquele Estado Dr. Jorge Tibiriçá, que solicitou do então Ministro das relações exteriores – Barão de Rio Branco, o auxílio para o cumprimento de seu desiderato, e ainda, em Minas Gerais (1912) com a chegada de uma missão do Exército suíço.

Nesse viés, talvez fosse importante comentar em obter dictum acerca do federalismo implantado no país com a proclamação da República, pois diferentemente do federalismo estadunidense, que se implantou de forma centrípeta, o nosso ao contrário, instalou-se de forma centrifuga, ou seja, o Brasil era um Estado Unitário e passou a ser um Estado Federal, sendo assim, as antigas províncias não conheciam perfeitamente o sentido de autonomia, talvez por isso foram instruir suas forças policiais com tropas militarizadas, altamente conceituadas no continente europeu, haja vista que uma das forças que proporcionou o treinamento foi o exército suíço, o qual até hoje faz a guarda de sua Santidade; desse modo, adotou-se o padrão policial do continente e não o insular.

Como pólos irradiadores de doutrina e conhecimento técnico-profissionais, à época, as polícias de São Paulo e Minas Gerais viriam a influenciar na militarização das demais polícias, visto que a partir dos ensinamentos oriundos de tais polícias, é que as demais se estruturariam.

Tendo a República florescida em fins do século XIX não demorou muito em ocorrer uma primeira revolução – a de 1930, a qual foi capitaneada por Getúlio Vargas com o fito de convocar a Constituinte e promover mudanças no cenário nacional, entrementes, passado um tempo, outra revolta ocorreu, a dita Revolução Constitucionalista de 1932, e aqui é o ponto principal para este debate, pois nesta revolta ocorreram combates envolvendo o Estado de São Paulo e a União Federal, sendo que a tropa paulista possuía equipamentos bélicos tão potentes e mortais quanto o Exército brasileiro, sendo composta por civis e por militares da PMESP, só a título de conhecimento, a Força pública possuía aviões de guerra.

A partir deste momento houve a necessidade do Exército brasileiro controlar o efetivo e o armamento das Polícias Militares, sendo que o controle das Corporações estaduais ficou e ainda fica a cargo da Inspetoria Geral das Polícias Militares (IGPM) com sede em Brasília.

Observe que a explicação é pertinente para saber que a partir da Revolução de 1932 o Exército passou a controlar as tropas militares estaduais, no fito de se evitar um novo confronto de secessão na União, fato que fragilizaria o pacto federativo, ficando, desta forma as polícias militares subordinadas ao Exército brasileiro, sendo sua força reserva, conforme ainda prevê o texto constitucional.

2.2.1 A POLÍCIA E O GOLPE MILITAR DE 1964

Outro ponto é importante analisar, pois na sabedoria convencional é muito controvertido, sabe-se que a Revolução de 31 de março de 1964 foi deflagrada em Juiz de Fora pelo Exército brasileiro e que a partir desse momento o país entrou em um estado de exceção, onde várias atrocidades foram cometidas contra os cidadãos brasileiros, veja, em grande parte, a violência foi cometida pelas tropas federais, contudo o que ficou na mente do brasileiro, principalmente na Academia é que a polícia é que foi a algoz dos cidadãos, lembre-se que desde 1932 as polícias militares estavam presas aos ditames do Exército brasileiro, que inclusive regulava o ensino nas escolas de formação das polícias militares.

No fito de ilustrar o acima exposto, colaciona-se o relato de Choukr (2004, p. 2)

Assim, o órgão civil responsável pela investigação e repressão era Secretaria Estadual de Segurança Pública (SESP), que controlaria o DOPS e os DEOPS. A força política do SNI era enorme, a tal ponto que o chefe do SNI era automaticamente sério candidato à presidência da República. Havia ainda o Departamento da Polícia Federal (DPF), responsável pela censura e repressão, em casos especiais, e o próprio aparato de segurança pública dos estados, cujas polícias militares passaram ao controle direto do governo federal, por meio do Decreto Nº 667, de 2 de julho de 1969, sendo controlada por um general do Exército. Quando não, as estruturas militares e policiais atuavam explicitamente em conjunto na prática da repressão.

Assim é muito fácil transferir para as forças públicas estaduais a responsabilidade da violação dos direitos humanos e esquecer que na época o comando do país estava com as Forças Armadas, que fecharam o Congresso Nacional e legislaram por meio de atos administrativos, trazendo ao brasileiro toda a sorte de violências.

O Brasil viveria a partir de 64 o seu período de áureo nacionalismo, Brasil, ame-o ou deixe-o. A causa e a defesa do Estado sobrepunham-se ao Estado Democrático de Direito. O perigo do comunismo, segundo afirmavam as Autoridades, era real, assim imperiosa se tornava a utilização de instrumentos fortes e que servissem para a contenção de quaisquer desvios políticos ideológicos que colocassem em perigo a segurança nacional.

A restrição de direitos e a sistematização do aparelho do Estado para a consecução repressiva, não passariam longe da polícia, pelo contrário, tal Força enraizada no território nacional, seria manietada, despersonalizada, sem comando próprio, e assim controlada de Brasília, estaria a serviço da segurança nacional, sendo a mola mestra de toda a realização das atitudes repressivas e antidemocráticas impostas pelo Regime Militar.

O recrudescimento do autoritarismo exigia uma super estrutura de repressão, a fim de preservar o Regime que se auto impunha. O Governo Militar, após a edição de vários Atos Institucionais, da falsa promulgação da Constituição de 1967 e da decretação do Decreto Lei 667/69, que reestruturou as Polícias Militares e Bombeiros Militares durante o regime militar, viabilizando o respaldo do aparato legal de poder para atuarem na repressão ideológica, passando o direcionamento das ações de segurança pública, para a defesa da ordem política interna.

O Comando de Operações e Informações (CODI) e o Destacamento de Operações e Informações (DOI) e outros órgãos basilares do regime autoritário não teriam tido tanto vigor se não fossem a capilaridade e o empenho do aparelho policial, auxiliados pela falsa idéia de que o regime em vigor era legítimo, pois tendia a defender-nos do perigo comunista.

Na atuação repressiva sistêmica aos movimentos que eram contra o regime militar houve a ação onipresente da polícia, que adequada àquela realidade, treinava os seus efetivos para uma ação guerreira e anti-subversiva.

Pelo artigo 21 do Decreto-Lei 667, todas as atividades das Polícias Militares no Brasil passaram a ter o crivo do Estado-Maior do Exército, através da Inspetoria Geral das Polícias Militares, numa situação que perdura até hoje.

O desgaste causado pela longevidade do regime militar, o surgimento de condições para o retorno ao Estado Democrático de Direito, e a insatisfação popular, que em célebres manifestações demonstrava a sua recusa à continuidade do regime político iniciado em 1964, fez com que novas perspectivas fossem idealizadas pela sociedade brasileira, originando o retorno à normalidade democrática e por conseqüência a revisão de todos os nossos tratados políticos, no que fez consubstanciar o Congresso constituinte de 1986, e posteriormente, a Constituição de 1988.

Wacquant (1999, p.5) comentando acerca da violência policial escreve:

Essa violência policial inscreve-se em uma tradição nacional multissecular de controle dos miseráveis pela força, tradição oriunda da escravidão e dos conflitos agrários, que se viu fortalecida por duas décadas de ditadura militar, quando a luta contra a "subversão interna" se disfarçou em repressão aos delinqüentes.

Percebe-se que a Polícia Militar, principalmente, ainda hoje, sofre grande resistência e desconfiança do meio acadêmico, sendo considerada como arbitrária violenta e formada por profissionais não qualificados, acredita-se que a resistência é devida ao período da ditadura militar.

Vale-se novamente da percepção de Malarino (2004, p. 117) acerca das instituições policiais na América Latina.

Embora a aproximação da polícia com as forças armadas tenha sua origem, em alguns casos, na própria gênese da instituição policial como parte integrante das forças armadas, somente as experiências autoritárias sofridas nos últimos anos na América Latina que provocou uma verdadeira assimilação da polícia com as forças militares.


3. A POLÍCIA COMO ÓRGÃO DE ESTADO

Outra análise que deve ser feita passa pelo que o constituinte originário decidiu, qual seja, definir no artigo 144 da Constituição Federal as espécies de polícia que existem em nosso país, bem como, deve-se atentar ainda, para a soberania do constituinte originário, o qual decidiu por bipartir, em nível estadual, as instituições policiais – Polícia Militar e Polícia Civil.

Assim a Constituição Federal especifica as espécies de polícias.

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercido para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I – polícia federal;

II – polícia rodoviária federal;

III – polícia ferroviária federal;

IV – polícias civis;

V – polícias militares e corpos de bombeiros militares.

A ‘polícia’ bipartida ou não, deve ser entendida como instituição una de estado e não como dito outrora como um órgão de governo, é imprescindível essa delimitação, porque sendo instituição de estado as políticas públicas devem ser pensadas ou projetadas de forma perene e não como paliativo de determinado governo.

Modernamente a instituição polícia deve ser refletiva como mediadora de conflitos sociais, e neste ponto a Polícia Militar, em regra, é que está em contato direto com a comunidade.

A postura da ‘polícia’ mudou, haja vista que não é mais o algoz da sociedade e servidora subserviente ao governante de plantão, mas sim se posta como regular instituição do Estado de Direito, defensora dos cidadãos e mantenedora da Lei, submetida a esta.

Deve-se, também, analisar as argumentações trazidas por Hassemer (2004, p.156-157) acerca da polícia no estado democrático de direito.

O Estado moderno surge com o enfeixamento do poder legítimo e legal em suas mãos e com o mandamento de execução de outra forma da aplicação da força. Esse monopólio repressivo estatal é a condição prévia e necessária de uma política de longo prazo e orientada objetivamente. E, além disso, é o pressuposto de uma ordem jurídica geral, obrigatória, real e válida, à qual também estão submetidos os poderosos e que pode e deve obrigar qualquer homem. Sem o monopólio repressivo estatal não haveria o direito, sem o direito não haveria a proteção do hipossuficiente.

Assim é com a polícia que se encontra o monopólio repressivo estatal, sua atuação ou omissão decide, em boa parte, sobre o bem e as conjecturas da segurança interna, sobre o sucesso de uma sociedade civil e sobre a proteção das cidadãs e cidadãos nos casos individuais.

A polícia por meio de seus servidores deve mediar conflitos esclarecendo aos cidadãos que estão sujeitos à Lei, que é possuidor de direitos, contudo deve cumprir seus deveres, no respeito à convivência harmônica em sociedade, dessa forma acerca da organização da sociedade Jean Rivero (1981, p. 478) "numa sociedade organizada, a livre atividade dos particulares tem necessariamente limites, e cabe à polícia impor limites disciplinando as relações, que permitem a vida em sociedade".

Desta forma, urge o momento da ‘Polícia’, órgão de Estado e não de Governo, tornar-se um órgão independente, com autonomia funcional, administrativa e financeira, podendo direcionar suas ações para o bem comum da sociedade, escapando aos arbítrios e ingerências do governante de plantão, contudo calha ressaltar que independência não passa por arbitrariedade ou isenções, muito pelo contrário independência pressupõe responsabilidades e fiscalização, do que, inclusive, o texto constitucional já prevê que esta seja feita pelo douto Órgão do Ministério Público, ex vi

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

(...)

VII – exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior;

Não obstante a fiscalização realizada pelo Ministério Público, a Carta Política de 05 de outubro de 1988 ainda prevê que o Tribunal de Contas, da União ou dos Estados, realize a fiscalização dos recursos públicos, ex vi

Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.

Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiro, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária.

Assim, percebe-se que a independência é a possibilidade da ‘Polícia’ traçar a melhor ação para mediar conflitos sociais sem a intromissão dos agentes políticos, os quais buscam desvirtuar as ações de defesa social, e que a fiscalização se dará pelos órgãos citados – principalmente Tribunais de Contas dos Estados e da União e Ministério Público, bem como pela sociedade através dos Conselhos de Segurança e de Defesa Social, os quais cobrarão ações aos gestores da ‘Polícia’; contudo é importante ressaltar que a questão da segurança pública não é pertinente "exclusivamente" à ‘Polícia’, mas sim, depende da interação de outros órgãos e agentes públicos para o controle de ilícitos, sejam penais ou administrativos, por isso é imprescindível a instituição do Conselho.

Pode parecer uma quimera, entrementes não se visualiza outro caminho mais democrático que o apresentado, pois só assim os gestores poderiam ser verdadeiramente, cobrados acerca dos resultados dos índices de violência e criminalidade, descabe a alegação que ocorreriam corporativismos, pois a fiscalização não deixaria de existir, o que se quer pregar efetivamente é uma autonomia dos órgãos de defesa social, incumbindo-lhes, inclusive, responsabilidades, pois ainda hoje é fácil encontrar subterfúgios de que faltam recursos humanos, recursos logísticos entre outros, pois tudo fica atrelado à boa vontade do chefe do Executivo.

Ocorre que se houver autonomia haverá a possibilidade de realmente demonstrar, sem o medo das punições ou transferências arbitrárias, que o governo não está investindo o delineado no orçamento para a pasta da segurança pública, que não está contratando o que realmente deveria que não está interferindo na gestão dos recursos humanos ou logísticos, pois é uma ilusão não acreditar que diuturnamente agentes políticos (executivo e legislativo, principalmente) não interferem, quer seja pedindo policiamento para determinada festa que tem seu apoio, quer seja, remanejando um policial que lhe fez um pedido, quer seja transferindo um policial que esta incomodando um apadrinhado seu, ou ainda, remanejando insumos e recursos logísticos para determinado reduto eleitoral ou ainda, determinadas seguranças privadas feita com recursos públicos, principalmente de autoridades que não estão abrangidas pelos textos legais.

Assim, concorda-se com Tavares (2010, p. 1.188) quando expõe acerca da dimensão da nova distribuição de função do Estado, a qual não pode e não é estática a tripartida especificamente por Montesquieu.

Salienta-se, assim, a superação da doutrina da tripartição dos poderes como teoria das funções estatais. Contudo, Loewenstein propugna por uma nova divisão tripartida: "la decisión política conformadora o fundamental (policy determination); la ejecución de la decisión (policy execution) y el control político (policy control)". Outros autores apresentam suas próprias categorias e classificações, identificando, de maneira fortemente subjetiva, esta ou aquela função (por exemplo, a função de controle, a função de segurança pública etc.).

A inclusão de novos "poderes", ou, mais propriamente, a constatação da existência de funções outras, atribuíveis a certos "poderes" ("órgãos de soberania") por insuficiência absoluta dos "poderes" tradicionalmente aceitos, pode-se dizer, é uma constante no pensamento mais recente de todos quanto se ocuparam detidamente do tema, o que infirma a possibilidade de uma construção teórica das funções estatais.

Desse modo, repete-se que não se quer privilégios, o que se quer são condições para desempenhar um serviço público de qualidade com agentes que foram preparados para cumprir tal mister, com agentes que poderão ser responsabilizados se ferirem os preceitos legais, por agentes que tem identidade com a terra.

Pode-se trazer à colação o bom exemplo inglês que tem na ‘Polícia’ uma instituição de Estado e uma instituição respeitada.

Assim, segundo Vogler (2004, p. 172) fazendo uma análise comparativa entre os sistemas de polícias, como as do continente e a insular.

Em 1915, Fosdick insistiu repetidamente que deveria ser feita uma diferenciação entre o padrão anglo-saxão e o padrão o europeu continental de polícia. Os países anglo-saxões desenvolveram forças policiais relativamente tarde e, por razões políticas relacionadas com as revoluções inglesa e americana, nunca permitiram o controle estatal da polícia, mas insistiram na fragmentação local de forças, em uma negação total da organização militar e na independência profissional da polícia de influências políticas. Em casos extremos, como a Inglaterra, a polícia trabalha desarmada. Esta tradição é contrastada pelo modelo continental que foi desenvolvido por Estados absolutistas, os quais usavam a polícia como projeção da autoridade do Estado.

Dessa forma acerca do corporativismo não se pode concordar com os setores reacionários, vale ainda relembrar que tanto o Poder Judiciário quanto o Ministério Público tem sua origem histórica ligada ao Governo, entretanto a libertação desses poderes do Governo trouxe segurança aos cidadãos que puderam acreditar em órgãos isentos de pressões externas e trouxe, também, respeitabilidade pela função exercida por esses órgãos.

Lembra-se que o Poder Judiciário surgiu, primeiramente, como forma do "Rei" se livrar de julgar casos que se avolumavam de seus súditos, da mesma forma, o Ministério Público era o acusador real, guardando no caso brasileiro essa alcunha até sua libertação na Constituição de 05 de outubro de 1988, passando a ser o defensor da cidadania.

Nesse diapasão, ensina Tavares (2010, p. 1.183) acerca do entendimento de Montesquieu na separação dos poderes.

Se tradicionalmente a separação concebia-se entre o Legislativo e Executivo, Montesquieu veio a acrescentar a função judicial. A separação, em Montesquieu, adquire ares de completude científica, bem como já há a pretensão de considerá-las todas essencialmente jurídicas, é de amplo conhecimento o que Montesquieu pensava a seu respeito, considerando que "os juízes de uma nação não são mais que a boca que pronuncia as sentenças da lei, seres inanimados que não podem moderar nem sua força, nem seu rigor".

Por sua vez relata Mazzilli (2008, p. 36) acerca da origem histórica do Órgão do Ministério Público.

O mais comum é invocar-se a origem do Ministério Público nos procuradores do rei do velho direito francês (a Ordenança de 25 de março de 1302, de Felipe IV, foi o primeiro texto legislativo a tratar objetivamente dos procuradores do rei da França; Felipe, porém, não criou os procuradores; apenas regulamentou o juramento e as obrigações de procuradores já existentes).

Nesse ponto ainda é importante tecer alguns comentários que os revolucionários pensavam do poder judiciário, pois entendiam que esse poder era corrupto e julgava contra o povo, isso ficou tão impregnado na cultura do povo francês que lá em França não existe uma Jurisdição una, mas sim um contencioso administrativo que julga as causas que envolvem o Estado e um poder Judiciário que julga as demais causas, bem como o controle de constitucionalidade fica restrito ao Conselho Constitucional francês, o qual não é composto por juízes togados.

Desse modo é necessário quebrar os grilhões que nos prendem a questões comezinhas, bem como perder o medo de dar um passo adiante ou ainda, valendo-se de palavras populares – deve-se largar o osso.

Em seus ensinamentos acerca da transição do Estado Liberal ao Estado Social, Bonavides (2009, p. 41) brilhantemente explana.

O Estado manifesta-se, pois, como criação deliberada e consciente da vontade dos indivíduos que o compõem, consoante as doutrinas do contratualismo social.

Sua existência seria, por conseqüência, teoricamente revogável, se deixasse de ser o aparelho de que se serve o Homem para alcançar, na Sociedade, a realização de seus fins.

Não obstante as reações e resistências que apareçam acerca da constitucionalidade da autonomia da ‘Polícia’ é relevante os argumentos de Ackerman (2006, p.20-21) acerca da democracia estadunidense.

Nos Estados Unidos, diferentemente do que ocorre na Alemanha, é o povo a fonte dos direitos, a Constituição não determina os direitos que o povo deve estabelecer ou exercer.

Falando como cidadão, não me alegra essa descoberta. Eu, particularmente, acredito ser uma boa idéia impedir a revisão da Declaração de Direitos contra grupos majoritários americanos no futuro, envolvidos em algum paroxismo neonazista. Todavia, de certo modo, o exposto apenas reforça o meu ponto de vista, que é o de esclarecer o espírito da Constituição como ela é, e não como ela poderia ou não ser. A menos que um movimento político tenha sucesso em estabelecer uma Declaração de Direitos moderna, o dualismo ainda permanece como o melhor representante dos anseios da sociedade estadunidense, em comparação com qualquer outra interpretação fundamentalista. A Constituição coloca a democracia em primeiro plano; contudo, não da maneira simplista como supõem os monistas.

Desse modo, sendo o povo, o titular do poder constituinte, o qual é qualificado, segundo Peña de Morais (2010, p. 9)

como poder de produção das normas constitucionais, por meio do processo de elaboração e/ou reforma da Constituição, com o fim de atribuir legitimidade ao ordenamento jurídico do Estado.

Sendo ainda, exercido pelos representantes escolhidos por sufrágio universal, direto e secreto, e não sendo a Constituição Federal um documento fossilizado ou eternizado é importante que se pense a respeito de mudanças no texto constitucional no fito de agilizar a prestação de um melhor serviço público.

Outrossim é importante ressaltar que não se quer Jurisdição para ‘Polícia’, lógico que não. Independência ou autonomia não titulam a polícia como mantenedora do poder de dizer e distribuir o direito. O barão de Montesquieu já lho disse que o poder deve controlar o poder, pois o homem tende a abusar do poder.

Assim, Choukr apud Monet (2009, p. 20) ao explanar acerca da democracia e a polícia nos fala.

Não se descarta, por evidente, a importância da atividade policial, lembrando-se que, "mais talvez do que qualquer outro regime político, a democracia depende muito da qualidade de sua polícia, assim como do apego dos policiais aos valores que a fundamentam", e que "fora do campo dos enfrentamentos políticos, a democracia tem a necessidade da polícia: uma sociedade livre não pode dispensar um certo nível de ordem, ou ainda, de previsibilidade, nas trocas sociais cotidianas", vez que "não só os cidadãos esperam da polícia que ela lhes assegure um certo nível de segurança, mas lhe pedem que o faça de tal modo que sua convicção democrática saia reforçada".

Dessa maneira é preciso repensar a Instituição Polícia – Militar e Civil como instituição do Estado e não de Governos, da mesma forma é necessário quebrar paradigmas, de forma que não se pode mais desconfiar de tudo e de todos num país que galgou um grau de democracia tal que ainda valha a pena temer as instituições estatais cerceando sua atuação, pois sempre estão ao crivo de praticas mirabolantes para acabar com a criminalidade e a violência.

Deve-se seguir em frente, decidir-se a mudar, sob pena de ficarmos com o mesmo argumento apresentado pelos porcos na obra de George Orwell - A Revolução dos Bichos, onde em princípio, dois é ruim, quatro é bom, para logo depois, os porcos já andando de forma bípede, renegar tudo o que movimentou a revolução, e escravizar/explorar os animais da fazenda.

Assim, concorda-se com Sunstein (2009, p. 1) em sua introdução a Partial Constituition acerca do poder do povo estadunidense na democracia deliberativa na condução das decisões do Estado.

Devemos entender a meta primordial do criador como a formação de uma democracia deliberativa. Nesse sistema, os funcionários públicos seriam responsáveis pelas pessoas, mas também estariam em uma posição na qual evitariam o poder de grupos de interesse, e assim deliberariam amplamente sobre o interesse público.

Por isso é importante que a mudança ocorra para que o cidadão brasileiro saiba de quem realmente cobrar e ainda, possa enxergar na Polícia uma Instituição confiável e protetora.


4. CONCLUSÃO

Dentro do contexto, observa-se que no período da dita Revolução de 1964, a manchas de absolutismos e atrocidades ficaram para a força subsidiária (Polícia Militar) do que para o ator principal (Forças Armadas), pois o país foi conduzido até 1984 por generais de exército, sendo as forças estaduais vitimadas por ingerências federais, haja vista que no período do golpe é fato que o comando das Polícias Militares, salvo exceções, ficou a cargo de designações oriundas do Planalto Central.

Por outro lado, a Academia, sempre vitimada, até os dias atuais, escolheu como algoz prioritário as Polícias Militares estaduais, batendo, com menos forças nas Forças Armadas.

O artigo buscou ainda, analisar a dimensão subjetiva que o texto constitucional de 1988 trouxe para as corporações estaduais, modificando todo o modus operandi, desde a formação profissional até a atuação diuturna na atividade fim, proporcionando a quebra de paradigmas no seio social, inclusive a matriz da formação policial é otimizada pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP).

Nesse viés é que se observa a mudança no conceito da Instituição Polícia não mais como um órgão de governo, mas sim como um órgão de Estado, sendo que a Instituição mesmo estando atrelada ao Poder Executivo estadual deverá perpetrar uma autonomia evitando ingerências e intromissões no direcionamento do planejamento da segurança pública, não se confundindo, de outra forma, os conceitos autonomia x arbitrariedade x liberalidade com a falta de responsabilidade social e fiscalização dos demais órgãos públicos.

Dessa forma, com autonomia, a Instituição Polícia pode ser responsabilizada pela sua má gestão da segurança pública, por suas falhas nos planejamentos ou respostas aos anseios da comunidade, pois com autonomia, evitar-se-ão as ingerências políticas de Governos, por isso calha reafirmar que Polícia é um órgão de Estado, servindo a Sociedade e obedecendo a Constituição Federal, Estadual e as Leis.

Nesse contexto não se quer renegar, apagar ou diminuir a participação das forças públicas estaduais nas ações de repressão estatal otimizadas no período do Golpe de 1964, ao contrário, apóia-se a identificação dos responsáveis, bem como a indenização das vitimas e de suas famílias, no fito de se responsabilizar o Estado, entrementes é importante que a página seja virada, não se pode ficar estagnado ao passado, pois a segurança pública, muito mais do que responsabilidade da Polícia ou Estado, requer a participação ativa e efetiva da população, seja discutindo o emprego e ações policiais, seja controlando os excessos, haja vista que se negar que os excessos existam é tampar o sol com a peneira, contudo o excesso não é exclusividade nossa não, se não, é só ver o caso Jean Charles e o excesso da Metropolitan Police; ou ainda, as revoltas em Los Angeles face às arbitrariedades da LAPD.

Assim, é imprescindível que a sociedade participe na condução da coisa pública, contudo é preciso que o sentimento de revanchismo seja apagado, pois muitos dos que estão nas forças públicas estaduais, seriam como disse a banda encabeçada por Renato Russo em "Geração Coca-Cola" – "somos os filhos da revolução (...)", de forma que não adianta cobrar desses agentes públicos fatos que se quer tiveram participação.

Por isso é que se prega a autonomia da Instituição Polícia, e aqui não se adjetiva em Polícia Militar ou Polícia Civil – Federal ou Estadual, bem como a criação e efetivação de um conselho estadual de segurança pública para fiscalização e controle desse órgão de Estado, haja vista que a Polícia é do Estado e não do Governo ou governador, como outrora fora do ‘rei’, o direcionamento das ações policiais dizem respeito a toda a sociedade.


Referências

ACKERMAN, Bruce. Nós, o povo soberano. Fundamentos do direito constitucional. Editora Del Rey: Belo Horizonte. 2006.

BOBBIO, Noberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. 11ª edição. Brasília: Editora Universidade de Brasília. 1998. V.1

BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. Malheiros Editores: São Paulo. 9ª edição. 2009.

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CALDAS, Aulete. Dicionário Caldas Aulete da Língua Portuguesa. Edição de bolso. Rio de Janeiro: Lexington. 2007.

CHOUKR, Fauzi Hassan; AMBOS, Kai. Polícia e Estado de Direito na América Latina. Lumen Juris Editora: Rio de Janeiro. 2004.

CHOUKR, Fauzi Hassan. Código de Processo Penal. Comentários consolidados e crítica jurisprudencial. Lumen Juris Editora: Rio de Janeiro. 3ª ed. 2009.

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MAZZILLI, Hugo Nigro. Introdução ao Ministério Público. Saraiva: São Paulo. 7ª ed. 2008.

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. Forense: Rio de Janeiro. 15ª ed. 2009.

PEÑA DE MORAES, Guilherme. Curso de Direito Constitucional. Atlas: São Paulo. 3ª ed. 2010.

ROXIN, Claus; ARZT, Günther; TIEDEMANN, Klaus. Introdução ao Direito Penal e ao Direito Processual Penal. Editora Del Rey: Belo Horizonte. 2007.

SUNSTEIN, Cass R. A constituição parcial. Editora Del Rey: Belo Horizonte. 2009.

TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. Saraiva: São Paulo. 8ª ed. 2010.


Autores

  • Rogério Fernandes Lima

    Rogério Fernandes Lima

    Capitão da Polícia Militar do Espírito Santo; Bacharel em Direito; Especialista em Segurança Pública; Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais; Professor de Direito Penal nos Cursos de Formação de Soldados da PMES; Professor nos cursos de habilitação de Sargentos e Cabos da PMES; Especializado pela Escola Superior do Ministério Público do Espírito Santo; Chefe da Seção de Polícia Administrativa e Judiciária Militar (SPAJM)

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  • Marcelo Dergos Ribeiro

    Marcelo Dergos Ribeiro

    1º Tenente da PMES. Especialista em Segurança Pública. Professor de História da Polícia Militar do Espírito Santo. Chefe da Seção de Planejamento da Instrução da Diretoria de Ensino, Instrução e Pesquisa.

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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Rogério Fernandes; RIBEIRO, Marcelo Dergos. A polícia brasileira: instituição de Estado e não órgão de governo. As origens e a busca pela autonomia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2814, 16 mar. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18669. Acesso em: 19 abr. 2024.