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Repetição do indébito tributário nos tributos indiretos

Repetição do indébito tributário nos tributos indiretos

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O tributo indireto é uma forma de o fisco instituir obrigações tributárias de forma irresponsável e de maneira confortável, de modo que, caso tal tributo venha a ser julgado ilegal ou inconstitucional posteriormente, inexistirá uma forma de obrigar o fisco à devolução dos valores arrecadados.

RESUMO

O indébito tributário corresponde a todo valor recolhido indevidamente aos cofres públicos, seja por erro de cálculo ou por invalidade do diploma legal que institui o tributo. Todavia, nos chamados tributos indiretos, nos quais o encargo é transferido para um terceiro que fará o pagamento do tributo, existe um óbice à obtenção da restituição: o contribuinte de direito deve obter do contribuinte de fato uma autorização expressa para a repetição do indébito ou então demonstrar que não transferiu a este o encargo. O trabalho objetiva discorrer acerca de tais assuntos de forma a melhor compreender os fundamentos de tais impedimentos. Foram pesquisados livros, periódicos e sites especializados na Internet. Concluiu-se que, embora pareça injusto aos olhos do empresário, os requisitos para a repetição de indébito dos tributos indiretos estão previstos em lei e vêm sendo avalizadas pelo Poder Judiciário há décadas. Mesmo a declaração de inconstitucionalidade de determinada norma tributária poderá ser mitigada mediante a modulação dos efeitos do acórdão que o reconhecer.

Palavras-chave: Indébito tributário, tributo indireto, repercussão econômica


INTRODUÇÃO

Procura-se, de forma objetiva, simples e direta, tratar acerca da repetição do indébito tributário nos tributos sujeitos à repercussão econômica, ou seja, os chamados tributos indiretos.

Com o aumento do nível de consumo do povo brasileiro, observa-se uma tendência do legislador à imposição de tributos indiretos, tendo em vista que os mesmos, em sua maioria, estão ligados ao consumo. Os tributos indiretos são juridicamente constituídos para atingir a capacidade contributiva de terceiro, alheio à relação jurídico-tributária imposta pela Lei. No caso dos impostos sobre o consumo, o que se objetiva é atingir a capacidade contributiva do consumidor.

É evidente que o Poder Público, no afã arrecadatório, visa obter cada vez mais recursos para os cofres públicos, editando, muitas vezes, normas tributárias em desalinho com a legislação pátria e a Constituição Federal. Tais normas, quando consideradas ilegais e inconstitucionais pelo Poder Judiciário, acarretam ao sujeito ativo da relação tributária a obrigação de devolver os recursos recebidos dos contribuintes.

Tal devolução, porém, é prejudicada quando se trata de tributos indiretos. Para obter a restituição dos tributos pagos indevidamente, o contribuinte de direito precisa provar que não transferiu o encargo tributário ao terceiro ou obter autorização expressa deste para que restitua os valores pagos indevidamente. O terceiro, por sua vez, não possui legitimidade ativa ad causam para postular a repetição, de forma que os recursos pagos indevidamente continuam nos cofres públicos, sem possibilidade de restituição.

Além disso, há casos em que a declaração de inconstitucionalidade não produz efeitos ex tunc, ou seja, não retroage para beneficiar os contribuintes que recolheram tributos indevidamente. Tal limitação de eficácia das decisões dos tribunais superiores está baseada na própria lei, nos casos em que são obtidas por meio do controle concentrado de constitucionalidade. No controle difuso a aceitação da modulação dos efeitos é uma construção jurisprudencial.

Sob o ponto de vista do contribuinte, tais mecanismos revelam-se injustos, pois permitem ao fisco o enriquecimento ilícito em virtude de um erro do contribuinte de direito ou da própria instituição de tributos por meio de normas posteriormente julgadas ilegais e/ou inconstitucionais.

Desta forma, muitos acreditam que são necessárias reformas no Código Tributário Nacional que reflitam a realidade dos empreendedores brasileiros, que, ao recolherem tributos indevidamente, vêem-se impossibilitados de reaver os valores pagos.

Ocorre que, diante da lentidão do Poder Judiciário em manifestar-se definitivamente acerca de determinadas matérias tributárias, há hipóteses em que a eficácia ex tunc das declarações de inconstitucionalidade poderia causar enormes rombos aos cofres públicos, além de uma enxurrada de ações com o mesmo pedido daquela que tiver sido julgada procedente no controle difuso de constitucionalidade.


1. TRIBUTOS DIRETOS E INDIRETOS

Segundo Sabbag (2009, p. 1038), tributos diretos são aqueles cujo ônus é suportado pelo próprio contribuinte, e indireto quando tal encargo for transferido para terceiros.

Rosa Jr (2009, p. 66), afirma que não existe unanimidade quanto a um critério único de distinção, porém os mais comumente adotados são o da repercussão econômica, o administrativo, o da natureza da situação gravada e o da capacidade contributiva.

Ainda na lição de Rosa Jr (2009, p. 67) não existe lei que determine a repercussão ou não do tributo, mas é pela observação de tais critérios que o tributo indireto é identificado. O que mais nos interessa para fins do presente trabalho é o critério da repercussão ou translação dos tributos. No que diz respeito à repercussão econômica,

Impostos indiretos são aqueles que, por sua natureza, se prestam à repercussão, podendo o ônus tributário ser transferido pelo contribuinte designado pela lei (contribuinte de direito) para outra pessoa que suportará, em definitivo, e ao final do processo econômico de circulação de riquezas, a carga tributária (contribuinte de fato). (ROSA JR., 2009, p. 67).

Não basta que a transferência do encargo seja meramente matemática. Na linha de entendimento do STJ, a identificação dos tributos que não comportam transferência econômica é feita por meio dos critérios normativos e não em razões de ciência econômica. A transferência a que se refere o CTN é a transferência jurídica do encargo financeiro, não apenas econômica.

De outra forma, qualquer tributo seria indireto, pois é evidente que as empresas incorporam todos os seus custos ao preço de seus produtos e serviços, caso contrário sua atividade seria deficitária e com o tempo se mostraria inexeqüível. Assim, conforme o STJ, comportam transferência os tributos cujo fato gerador envolva uma dualidade de sujeitos, ou seja, o fato gerador é uma operação; tributos cujo contribuinte é pessoa que impulsiona o ciclo econômico podendo transferir o encargo para o outro partícipe do mesmo fato gerador (STJ, 1ª. T., REsp 118488, rel. Min. José Delgado, DJU 06/10/1997).

Desta forma, a transferência meramente econômica ou financeira do tributo ao preço do produto pago pelo contribuinte não significa que tal tributo tornou-se indireto. Desta forma, tributos diretos como IPTU e IPVA pagos pela empresa indevidamente não precisam de anuência do contribuinte de fato para serem repetidos.

Os tributos indiretos geralmente são calculados "por dentro", o que acaba fazendo com que integrem a base de cálculo de outros tributos, e ainda possuam alíquota efetiva muito maior do que a nominal, prevista em lei:

Essa tributação por dentro, em que o imposto recai sobre si próprio, implica aumento da alíquota real. O ICMS, por exemplo, que tem a alíquota legal de 18%, se calculado por dentro, como determina a legislação tributária, corresponderá a uma alíquota real de 20,48% (HARADA, 2010).

Estes critérios adotados pelo poder público atentam contra o princípio da transparência tributária inserida no § 5º. do Art. 150 da Constituição Federal. A Constituição Prevê que "A lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços"; porém, mediante a instituição de uma quantidade cada vez maior de exações na modalidade indireta, o Estado vem agindo exatamente da maneira contrária ao dispositivo constitucional.


2. REPETIÇÃO DO INDÉBITO TRIBUTÁRIO

A princípio, todo tributo pago indevidamente pelo contribuinte deve ser devolvido pela fazenda pública. Não importa se tal pagamento se deu em virtude de erro do próprio contribuinte, como por exemplo, na aplicação incorreta de uma alíquota para o cálculo do tributo, ou ainda se o pagamento foi feito em obediência a uma lei considerada inconstitucional em momento posterior. O fato é que a fazenda pública deve fazer a restituição.

Todavia, esta restituição não ocorre de plano. No caso das requisições de pequeno valor, em que não há discussão acerca da obrigatoriedade da resolução ou de seu valor, a devolução do tributo se faz por meio de processo administrativo, após curto espaço de tempo para a verificação dos argumentos aduzidos pelo contribuinte em seu petitório junto à administração.

Todavia, existem casos que comportam acirrada discussão, nos quais se verifica a relutância do Poder Público em devolver ao particular os recursos indevidamente recolhidos aos seus cofres. É nestes casos em que se torna obrigatório o ajuizamento da ação de repetição de indébito tributário, com todas as implicações e discussões que giram em torno do presente tema.

A repetição do indébito tributário pode se dar tanto de forma isolada, em ação autônoma, ou em conjunto com outra ação que declare a inexistência de relação jurídico tributária, anulatória de débito fiscal ou mandado de segurança no qual se discuta alguma destas duas questões. Na lição de Sabbag (2009, p. 1037) a ação de repetição de indébito é classificada como uma ação de conhecimento de natureza condenatória. O objetivo é o reconhecimento da obrigação que a Fazenda Pública tem de restituir o indébito ao contribuinte.

Esta obrigação decorre principalmente do principio da vedação ao enriquecimento sem causa, segundo o qual, "aquele que recebe o que não lhe era devido é obrigado a restituir". Todos devem submeter-se a este princípio, inclusive pela Fazenda Pública. Desta forma, o direito à repetição do indébito tributário está claramente previsto no Código Tributário Nacional. Seu Art. 165 assim dispõe:

Art. 165 - O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no § 4 do artigo 162, nos seguintes casos:

I - cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido;

II - erro na identificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento;

(...)

Assim, não restam dúvidas de que o tributo recolhido indevidamente deva ser restituído ao contribuinte. Tal devolução, porém, precisa ser pleiteada dentro do lapso temporal previsto em lei para a mesma. O indébito tributário está sujeito aos prazos prescricionais mencionados a seguir.

2.1. Prescrição do Indébito Tributário

A repetição do indébito tributário não pode ser feita a qualquer tempo. Existem limites temporais ao exercício da maioria dos direitos, e tal balizamento é feito pelo instituto da prescrição. A questão da prescrição do indébito tributário já foi objeto de várias discussões até ser pacificada pelos tribunais superiores.

A discussão maior se deu em torno dos tributos sujeitos a lançamento, na qual desenvolveu-se a tese dos "cinco mais cinco". Tributos sujeitos a lançamento são aqueles em que o próprio contribuinte realiza a declaração do imposto devido e faz o recolhimento, sem intervenção da Fazenda Pública.

Todavia, nesta apuração "doméstica" dos tributos podem ocorrer falhas, tanto a favor do contribuinte (sonegação) como a favor da Fazenda (indébito). De igual forma, há casos em que o tributo é instituído, cobrado e, posteriormente, quando questionado judicialmente, vem a ser declarado ilegal ou inconstitucional. O indébito tributário é composto pelos valores recolhidos à Fazenda indevidamente, tenham eles sido recolhidos sem base legal ou recolhidos em valores superiores aos exigidos em lei.

Conforme o artigo 150 do Código Tributário Nacional, o lançamento por homologação ocorre quando a legislação tributária atribui ao próprio contribuinte o dever de antecipar o pagamento do tributo, sem exame prévio ou aprovação por parte da autoridade administrativa. Trata-se de ato exclusivo do sujeito passivo do tributo, que apura o imposto e realiza o pagamento. Desta forma, apurado o imposto e efetuado o pagamento, resta apenas a homologação pelo ente público para extinguir o crédito tributário.

Art. 156. Extinguem o crédito tributário:

(...)

VII - o pagamento antecipado e a homologação do lançamento nos termos do disposto no artigo 150 e seus §§ 1º e 4º;

Esta homologação, quando não for realizada expressamente, ocorre tacitamente após o transcurso do lapso temporal de 5 anos, conforme o § 4º. do Art. 150 do CTN:

§ 4º Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.

Conforme o art. 168 do CTN, o prazo prescricional para pleitear a repetição do indébito é de 5 (cinco) anos:

Art. 168 - O direito de pleitear a restituição extingue-se com o decurso do prazo de 5 (cinco) anos, contados:

I - nas hipóteses dos incisos I e II do artigo 165, da data da extinção do crédito tributário; (grifo nosso).

Conforme mencionado anteriormente, o crédito tributário dos tributos sujeitos à homologação extingue-se com a ocorrência desta. A homologação, por sua vez, ocorre tacitamente cinco anos após o pagamento do tributo. O direito do contribuinte pleitear a restituição, por seu turno, é de cinco anos, contados a partir da data da homologação, resultando assim em um lapso temporal de 10 (dez) anos, contados a partir do pagamento do tributo, conforme ilustração abaixo:

Desta forma, um tributo pago a mais no ano de 2000 será homologado tacitamente cinco anos depois, em 2005, momento em que se extingue o crédito tributário. Com a extinção do crédito tributário, a fazenda pública não pode mais ajuizar qualquer ação de execução fiscal para obrigar o contribuinte ao pagamento.

Extinto o crédito tributário, por força do art. 168, CTN, são contados outros cinco anos, ocorrendo a decadência do direito à restituição somente em 2010, ou seja, 10 anos depois do pagamento do tributo.

Por esta razão, formulou-se nos tribunais a já consagrada "tese dos cinco mais cinco", a qual orientava no sentido de que o sujeito passivo teria 10 (dez) anos para reaver da Fazenda Pública valores de tributos pagos a maior.

A chamada "tese dos cinco mais cinco" vigorou até o ano de 2005, quando a Lei Complementar nº. 118/2005 inseriu a seguinte norma interpretativa no ordenamento jurídico nacional:

Art. 3o Para efeito de interpretação do inciso I do art. 168 da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o § 1o do art. 150 da referida Lei.

Ou seja, o Art. 3º. Da Lei Complementar 118 veio para dizer que, para fins de contagem de prazo para a repetição do indébito tributário, o crédito tributário se extinguiria na ocasião do pagamento antecipado, de forma que, a partir de 2005, o prazo para repetir tributos pagos indevidamente passou a ser de apenas 5 (cinco) anos.

Porém, para fatos geradores ocorridos anteriormente à entrada em vigor da lei complementar 118, continuou valendo a tese dos cinco mais cinco. Assim, as ações de repetição de indébito de tributos sujeitos à homologação ajuizadas até 09 de junho de 2010 poderão tomar por base os últimos 10 (dez) anos, enquanto aquelas ações propostas a partir desta data poderão repetir os tributos pagos indevidamente apenas nos últimos 5 (cinco) anos.

2.2. Correção do valor

Não há previsão legal expressa quanto à correção monetária do valor a ser ressarcido. Todavia, conforme Sabbag (2009, p. 1040) a jurisprudência é tranqüila quanto à sua plausibilidade, devendo a correção ser aplicada a partir da data do depósito ou pagamento indevido, até a data do efetivo recebimento da importância reclamada. Juros de mora, porém, incidirão no montante de 1% (um por cento) ao mês, a partir da sentença condenatória transitada em julgado.


3. A REPETIÇÃO DO INDÉBITO E A REPERCUSSÃO ECONÔMICA

A repetição do indébito dos tributos que comportem a repercussão econômica fica condicionada, nos termos do Art. 166 do CTN, a quem demonstrar que assumiu sozinho o encargo do tributo ou provar ter sido autorizado por aquele que efetivamente o suportou. No caso, o consumidor.

Para Freitas (2007, p. 717), isso se dá porque na repercussão econômica quem suporta o encargo fiscal é o contribuinte de fato e não o contribuinte de direito. Assim, somente o contribuinte de direito poderá pleitear a restituição caso comprove que não transferiu o ônus para o contribuinte de fato ou, se o transferiu, está autorizado por ele a repetir.

Tal questão, inclusive, foi até sumulada pelo Supremo Tribunal Federal, na Súmula STF nº. 546, de 03/12/1969, que preceitua que "Cabe a restituição do tributo pago indevidamente, quando reconhecido por decisão, que o contribuinte ‘de jure’ não recuperou do contribuinte ‘de facto’ o ‘quantum’ respectivo".

Tomando por base a aquisição de bens de consumo em um supermercado, o consumidor é o contribuinte de fato, ou seja, aquele que vai pagar o valor do tributo incluído no preço das mercadorias. O contribuinte de direito – o supermercado – tem a obrigação de separar o valor dos tributos de seu faturamento e entregá-lo ao fisco.

O problema maior é que a maioria dos empreendedores não entende desta forma. Não raras vezes insurgem-se os mesmos e até discutem com os patronos de suas causas porque, na sua visão, foram eles mesmos quem pagaram aqueles tributos. Isso se dá principalmente pela forma com que o tributo é cobrado: ele está embutido no preço dos produtos, durante a formação do preço de venda.

Assim, se o empresário tem um volume de vendas X durante o mês e calcula o PIS/COFINS, por exemplo, na ordem de X vezes 7,6% e obtém um valor de tributo Y a ser pago, ele entende que é ele mesmo quem está efetuando o pagamento. Caso o valor apurado seja maior ou o tributo seja considerado indevido, o primeiro impulso é solicitar a devolução do valor.

Outra crítica que pode ser feita é a impossibilidade de o contribuinte de fato – na maioria dos casos, o consumidor – efetuar a repetição do indébito por si mesmo. Além das evidentes dificuldades técnicas (comprovação do pagamento a maior; valor, muitas vezes, irrisório, dentre outras) inexiste previsão legal para que o contribuinte de fato pleiteie o tributo, tendo em vista que o Art. 165 do CTN prevê apenas a restituição ao sujeito passivo da relação tributária (Freitas, 2007, p. 718 apud Hamati, 1996, p. 94). Nessa linha, a posição reiterada do Superior Tribunal de Justiça é de que o contribuinte de fato não tem legitimidade para ajuizar ação de repetição de indébito tributário, por ser pessoa alheia à relação jurídico tributária.

Assim, restam três alternativas ao contribuinte de direito que tiver pago tributo indireto indevidamente: 1) conformar-se com a perda dos valores pagos indevidamente; 2) obter autorização expressa do(s) consumidor(es) para que possa repetir o tributo indevidamente junto ao órgão tributante; e 3) demonstrar de forma inequívoca que não transferiu o encargo para o consumidor, tendo-o assumido por si próprio.

O art. 27 da Lei 9.868/99 faculta ao Supremo Tribunal Federal, na declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, restringir os efeitos da declaração, de modo a limitar sua eficácia a partir do transito em julgado da decisão ou em outro momento por ele fixado.

A lei prevê que a chamada modulação dos efeitos da decisão deve ser aplicada apenas por razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social. Todavia, a suprema corte tem adotado a modulação de efeitos como uma forma de inibir a repetição de tributos que, em verdade, deveriam ser restituídos aos contribuintes.

Além disso, há previsão legal para a modulação de efeitos somente no controle concentrado de constitucionalidade. Porém, a partir do julgamento do RE 197.917/SP o STF passou a admitir a modulação de efeitos também no controle difuso de constitucionalidade. Com isso, inúmeras repetições de indébito tributário estão sendo prejudicadas com a modulação de efeitos por parte do STF. As decisões que declaram a inconstitucionalidade da norma tributária tem sua retroatividade eliminada pela modulação dos seus efeitos, esvaziando as repetições de indébito tributário e prejudicando milhares de empreendedores.

Mariano (2006, p. 121) afirma que a modulação de efeitos é vista com desconfiança no Brasil, pois serve para cobranças arbitrárias de tributos que venham a ser declarados inconstitucionais, mas em decisões em que o STF fixa o início de sua vigência para depois do transito em julgado da decisão em determinada data, a critério de dois terços do tribunal: "A primeira hipótese implicaria em frustrar a repetição do indébito por parte dos contribuintes que recolheram o tributo declarado inconstitucional; a segunda, além de inibir a ação repetitória, significaria postergar a cobrança de um tributo inconstitucional por mais um tempo" (MARIANO, 2006, p. 122).


CONCLUSÃO

É certo que o objetivo das empresas é gerar riqueza para seus acionistas, remunerando os fatores de produção, obedecendo as leis do país e contribuindo para o progresso da comunidade.

Para atingir tal objetivo é importante a adequada administração da empresa. Parte da adequada administração consiste na inserção, durante o processo de formação de preços, de todos os custos incidentes sobre a produção ou comercialização. Um dos custos que devem constar obrigatoriamente nesta formação são os tributos incidentes sobre a atividade econômica da empresa, incidam eles diretamente no faturamento ou não.

Sob esta ótica, observa-se que todos os tributos fazem parte do preço pago pelo consumidor, visto que todos os custos devem ser inseridos em sua formação. Todavia, no caso dos tributos incidentes sobre o faturamento, existe a obrigatoriedade de se comprovar a concordância do adquirente do serviço ou da mercadoria em que o fornecedor obtenha a repetição do indébito tributário.

Se uma empresa paga um tributo indevidamente ela passa a ter direito à sua repetição. Condicionar a devolução de tais valores à concordância do adquirente do serviço ou mercadoria ou à comprovação de que foi o próprio fornecedor quem arcou com o encargo é expediente injusto que não deveria ser imposto pelo Poder Judiciário, todavia, observa-se reiteradamente sua aplicação.

A percepção que os empresários têm é a de que são obrigados a pagar tributos antes mesmo de receber os valores faturados. A quase totalidade dos produtos e serviços são faturados a prazo, enquanto os tributos incidentes sobre este faturamento devem ser pagos já no próximo mês. Entretanto, quando se veem diante de uma situação em que tem direito de reaver determinados valores da fazenda pública, os empresários não se conformam com a existência de condições para a restituição e com os diversos recursos em favor da fazenda pública.

Pode-se dizer que é o consumidor final quem arca com todos os custos incidentes sobre a produção ou a prestação do serviço; se assim não fosse, o fornecedor estaria preparando, pouco a pouco, sua própria ruína. Todavia, no fim das contas, é o próprio fornecedor quem arca com todos os tributos incidentes sobre sua atividade, repassando-os aos preços praticados no mercado, de modo que não é justo que se condicione a repetição dos tributos sujeitos à repercussão econômica a quaisquer exigências.

Em verdade, o tributo indireto é uma forma de o fisco instituir obrigações tributárias de forma irresponsável e de maneira confortável, de modo que, caso tal tributo venha a ser julgado ilegal ou inconstitucional posteriormente, inexistirá uma forma de obrigar o fisco à devolução dos valores arrecadados.

Por derradeiro, é extremamente frustrante ao contribuinte ver que sua empreitada processual ensejou a declaração de inconstitucionalidade do tributo contra o qual guerreava, mas que, todavia, não se beneficiará da repetição do indébito em virtude da modulação dos efeitos da decisão, que terá apenas efeitos ex nunc.


REFERÊNCIAS

CUSTÓDIO, Antonio Joaquim Ferreira. Constituição Federal Interpretada pelo STF. 9ª. ed. São Paulo : Editora Juarez de Oliveira, 2008.

DALVI, Fernando; DALVI, Luciano. Cálculos tributários: tributos federais, estaduais e municipais. – Leme : J. H. Mizuno, 2009.

FREITAS, Vladmir Passos de (coord). Código Tributário Nacional Comentado – Doutrina e jurisprudência, artigo por artigo, inclusive ICMS e ISS. – 4ª. ed. rev. e ampl. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2007.

HARADA, Kiyoshi. Repetição de indébito tributário. Revista Jurídica Consulex, Ano V, nº 116, novembro/2001, p. 26.

_____________. Tributação por dentro. Revista Contábil e Empresarial Fiscolegis. 09/09/2010. Disponível em http://www.netlegis.com.br, acesso em 13/09/2010.

MARIANO, Cynara Monteiro. Controle de Constitucionalidade e Ação Rescisória em Matéria Tributária. Belo Horizonte : Del Rey, 2006.

ROSA JUNIOR, Luiz Emygdio F. da. Manual de Direito Tributário. – Rio de Janeiro : Renovar, 2009.

SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. - São Paulo : Saraiva, 2009.

_____________. Direito Tributário. 10. ed. – São Paulo : Premier Máxima, 2009 (Coleção elementos do direito).


Autor


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CANDIDO, Cristiano Rogerio. Repetição do indébito tributário nos tributos indiretos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2997, 15 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20000. Acesso em: 24 abr. 2024.