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Advertência para a advertência.

Inocuidade da advertência por escrito no Código de Trânsito

Advertência para a advertência. Inocuidade da advertência por escrito no Código de Trânsito

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A advertência por escrito (APE), penalidade administrativa prevista no Código de Trânsito Brasileiro, é lesiva ao erário e, especialmente num país onde ocorrem mais de quarenta mil mortes no trânsito ao ano, inócua ao infrator.

O primeiro Código Nacional de Trânsito – CNT (Decreto-Lei n. 2.994, de 28 de janeiro de 1941) trazia, no rol de penalidades a serem aplicadas ao infrator de trânsito, a penalidade de admoestação.

Essa previsão teve vida curta. Passados poucos meses, com o advento do segundo CNT (Decreto-Lei n. 3.651, de 25 de setembro de 1941), tal penalidade foi extinta.

Em 1966, a Lei n. 5.108, de 21 de setembro, instituiu o terceiro CNT, prevendo a penalidade de advertência. Quase dois anos mais tarde, seu Regulamento – RCNT (Decreto n. 62.127, de 16 de janeiro de 1968) previu que a advertência poderia se dar verbalmente (aplicada pelo agente de trânsito, apenas nas infrações de menor gravidade) ou por escrito (aplicada pela autoridade de trânsito).

O desvirtuamento na aplicação da advertência verbal (na prática, muitos agentes de trânsito não restringiam sua aplicação apenas às infrações menos graves) e, em regra, a inexistência de comunicação à autoridade de trânsito quando de sua aplicação (comunicação que deveria se dar por escrito conforme previsão do RCNT, à época), dentre outros fatores, seguramente contribuíram para que a advertência verbal fosse suprimida do texto legal com o advento do atual Código de Trânsito Brasileiro – CTB (Lei n. 9.503, de 23 de setembro de 1997).

O mesmo não se verificou em relação à advertência por escrito – APE, prevista no rol do artigo 256, e melhor detalhada no artigo 267 do atual Código in verbis:

Art. 267. Poderá ser imposta a penalidade de advertência por escrito à infração de natureza leve ou média, passível de ser punida com multa, não sendo reincidente o infrator, na mesma infração, nos últimos doze meses, quando a autoridade, considerando o prontuário do infrator, entender esta providência como mais educativa.

No intuito de se dar efetividade à aplicação da APE, foi publicada a Resolução do Contran n. 363/2010, a qual entrará em vigor em 1° de julho deste ano.

O texto dessa Resolução, antes de subir ao Contran para apreciação e publicação, foi amplamente debatido na Câmara Temática de Esforço Legal – CTEL.

Vale registrar que, à CTEL e, em última análise, ao Contran, apenas coube regulamentar o assunto, apontando quais os procedimentos devem ser adotados para a aplicação da APE, o que ocorreu, repito, após amplo debate sobre o tema.

A CTEL e o Contran cumpriram seu papel.

Entretanto, creio que a previsão da advertência por escrito no CTB seja, por uma série de fatores, um grande equívoco.

O principal óbice à aplicação da APE é o paradoxo entre o discurso (quase unânime no país) no sentido de que as penalidades por infração de trânsito devem ser mais rigorosas e a possível disseminação da penalidade (APE) que livra o infrator da punição pecuniária, sem que sinta, na prática, qualquer punição.

Há, obviamente, questões menores como, por exemplo, o fato de que o prontuário dos condutores está armazenado em banco de dados do Detran de cada Estado, assim, os demais órgãos e entidades de trânsito municipais, federais e até mesmo outros estaduais (por exemplo, o DER) terão considerável dificuldade para aplicar a APE, a qual depende da prévia análise do prontuário do infrator.

Outra questão que deve ser debatida (sem que os órgãos e entidades de trânsito tenham receio de ficarem estigmatizados como fábricas de multa) é o custo da aplicação da APE. Na quase totalidade das infrações médias e leves, o infrator não é autuado em flagrante, exigindo do órgão ou entidade de trânsito autuador a expedição e a remessa da notificação da autuação – NA.

Na fase de defesa da autuação, o infrator poderá pleitear a APE. Caso obtenha sucesso em sua empreitada e seja agraciado com a advertência por escrito, quem pagará a conta, ou seja, quem arcará com os custos, dentre outros, da expedição e da remessa da NA?

Como ocorre em todo e qualquer segmento da Administração pública, quando o custo não é arcado por um cidadão de forma individualizada, é suportado por toda a sociedade.

É legítimo que o infrator de trânsito não sofra punição pecuniária e que toda a sociedade absorva os custos decorrentes da advertência por escrito? (como dizia o jornalista Joelmir Beting, num telejornal de veiculação noturna em que trabalhou: para pensar na cama!).

Recordo-me de matéria publicada recentemente sobre a APE, na qual uma advogada, simpática à aplicação da APE, afirmava que tal penalidade deve ser aplicada aos bons condutores. Afinal, bons condutores não são aqueles que não transgridem a lei?

Há poucos dias, a jovem americana Taylor Sauer, de 18 anos, enquanto dirigia, enviou pelo celular a seguinte mensagem de texto: Dirigir e falar pelo Facebook não é seguro. Haha. Em seguida, bateu o veículo e morreu. Se fosse no Brasil e ela tivesse sobrevivido ao acidente fatal, poderia ser agraciada com a APE, pois, aqui, dirigir falando ao celular é infração de natureza média (artigo 252, VI, do CTB).  

Prefiro, contra a maioria eufórica que clama pela APE, posicionar-me a favor da vida: creio que o mais adequado seja a revogação dos dispositivos legais que preveem essa penalidade administrativa lesiva ao erário e, especialmente num país onde ocorrem mais de quarenta mil mortes no trânsito ao ano, inócua ao infrator.


Autor

  • Arnaldo Luis Theodosio Pazetti

    Capitão da Polícia Militar do Estado de São Paulo, Diretor-Assistente da Diretoria de Fiscalização do Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo (DETRAN/SP), membro da Câmara Temática de Esforço Legal do Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN), conselheiro do Conselho Estadual de Trânsito de São Paulo (CETRAN/SP), bacharel em Direito pela PUC/SP, mestre em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública, professor em cursos de Pós-graduação na área de trânsito e no projeto “Capacitação de Profissionais de Trânsito” do Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN), e organizador do Código de Trânsito Brasileiro da Editora Rideel.

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Informações sobre o texto

Título original: "Advertência para a advertência".

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAZETTI, Arnaldo Luis Theodosio. Advertência para a advertência. Inocuidade da advertência por escrito no Código de Trânsito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3205, 10 abr. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21472. Acesso em: 26 abr. 2024.