Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/22381
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Ponderações sobre a concessão dos benefícios da Justiça gratuita às pessoas jurídicas na Justiça Comum

Ponderações sobre a concessão dos benefícios da Justiça gratuita às pessoas jurídicas na Justiça Comum

Publicado em . Elaborado em .

Diferentemente do que a Lei Federal 1060/50 prevê, para a concessão do benefício da assistência judiciária ou da justiça gratuita, os tribunais entendem que se faz necessário provar a situação de hipossuficiência da empresa, sendo que tal requisito somente deverá ser posto quando o pedido for de assistência jurídica integral.

Muito se discute sobre a possibilidade de conceder às pessoas jurídicas o benefício da justiça gratuita, bem como sobre a necessidade de comprovação da hipossuficiência.

Tanto a doutrina como a jurisprudência utilizam as expressões assistência jurídica, assistência judiciária e benefício da justiça gratuita como sinônimas, mesmo que seus conceitos sejam diferentes.

Uma das diferenças é que a Lei 1.060/50 estabelece normas para a concessão do benefício de assistência judiciária que também são utilizadas para a concessão da justiça gratuita, enquanto que a Constituição Federal de 1988 conceituou a assistência jurídica integral, a qual abrange a isenção de despesas processuais, honorários do patrono e serviços jurídicos não relacionados ao processo, tais como orientações individuais e coletivas, esclarecimentos de dúvidas e outras atividades extrajudiciais. Neste caso, a Constituição Federal exige a comprovação da situação de hipossuficiência para a Defensoria Pública.

Já na assistência judiciária, o Estado assume a obrigação de arcar com todas as despesas processuais e honorários do patrono, que não é constituído pelo interessado, mas lhe é nomeado pelo Juízo ou pela Ordem dos Advogados do Brasil, não possuindo direito de ser assistido por advogado próprio (artigo 3º da Lei 1060/50).

Por sua vez, a Justiça Gratuita diferencia-se na isenção apenas das despesas processuais, sendo o patrono escolhido, constituído e remunerado pelo próprio cliente. Em ambos os casos, basta a simples afirmação de hipossuficiência, para a concessão do benefício.

Pontes de Miranda entende que "o benefício da justiça gratuita é direito à dispensa provisória de despesas, exercível em relação jurídica processual, perante o juiz que promete a prestação jurisdicional. É instituto de direito pré-processual. A assistência judiciária é a organização estatal, ou paraestatal, que tem por fim, ao lado da dispensa provisória das despesas, a indicação de advogado. É instituto de direito administrativo. Para deferimento ou indeferimento do benefício da justiça gratuita é competente o juiz da própria causa."  (ALVAREZ, 2012)

Tanto para a concessão do benefício da justiça gratuita quanto para o  a assistência judiciária devem-se preencher os requisitos previstos na Lei 1.060/50, conforme artigo 2º transcrito:

Artigo 2º. -Gozarão dos benefícios desta Lei os nacionais ou estrangeiros residentes no país, que necessitarem recorrer à Justiça penal, civil, militar ou do trabalho.

Parágrafo único. - Considera-se necessitado, para os fins legais, todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família. Grifos nossos.

Assim, considera-se como necessitado, para os fins legais, todo aquele cuja situação econômica não lhe permita, naquele momento, pagar as custas do processo e os honorários de advogado, não importando se o requerente do benefício possui patrimônio, rendimentos, se constituiu advogado particular ou está na absoluta miséria para que seja beneficiário da justiça gratuita. Basta apenas que, no momento do requerimento, o requerente não possua condições de arcar com as custas processuais e os honorários do advogado.

Com efeito, preleciona Yussef Said Cahali (CAHALI, 1997) que:

O beneficiário da gratuidade não consiste na isenção absoluta de custas e honorários, mas na desobrigação de pagá-los enquanto persistir o estado de carência, durante o qual ficará suspensa a exigibilidade do crédito até a fluência do prazo de cinco anos, a contar da sentença final.

Nota-se que a mencionada lei e a Carta Magna não especificaram se o benefício poderia ser concedido às pessoas jurídicas. Entretanto, a Constituição Federal dispôs sobre os direitos e garantias fundamentais individuais e coletivos, destacando dois importantes princípios constitucionais, o da isonomia e da igualdade, presumindo-se que tais direitos aplicam-se às pessoas jurídicas também.

Não obstante tal conclusão estar implícita na Constituição Federal de 1988, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou a respeito do assunto:

PESSOA JURÍDICA - Assistência judiciária. O acesso ao Judiciário é amplo, voltado também para as pessoas jurídicas. Tem, como pressuposto, a carência econômica, de modo a impedi-los de arcar com as custas e despesas processuais. Esse acesso deve ser recepcionado com liberalidade. Caso contrário, não será possível o próprio acesso, constitucionalmente garantido. O benefício não é restrito às entidades pias, ou sem interesse de lucro. O que conta é a situação econômico-financeira no momento de postular em juízo (como autora, ou ré) (STJ - 6ª T.; Resp. n. 127.330-RJ; Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro; j. 23.06.1997; v.u.).

A gratuidade da Justiça, sendo um direito subjetivo público, outorgado pela Lei nº 1.060/50 e pela Constituição Federal, deve ser amplo, abrangendo todos aqueles que comprovarem sua insuficiência de recursos, não importando ser pessoa física ou jurídica.” (STJ) – REsp 223129 – MG – 5ª T – DJU 7.2.2000 - p. 174).

ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA – PESSOA JURÍDICA – É admissível possa a pessoa jurídica pedir e obter assistência judiciária. A lei não distingue entre os necessitados (Lei n. 1.060/1950, art. 2º e § único). No caso, a requerente é pobre, juridicamente não possui ela patrimônio, nem meios para arcar com os encargos do processo enquadrada no conceito de pessoa juridicamente pobre. Recurso especial conhecido e provido. (STJ – RESP 196998 – RJ – 5ª T. – Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca – DJU 17.06.2002).

De acordo com o artigo 4º da Lei nº 1.060/50, para a concessão do benefício da justiça gratuita ou da assistência judiciária, basta apenas a simples afirmação de que não possui condições de arcar com as custas do processo.

A parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família.” grifos nossos.

Entretanto, diferentemente do que ocorre nos processos em que a pessoa física requer o benefício da justiça gratuita, a jurisprudência tem entendido que, para a pessoa jurídica, além da afirmação da impossibilidade de arcar com as custas processuais, deve haver comprovação dessa incapacidade:

ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA - Justiça gratuita - Pessoa jurídica - Possibilidade - Irrelevância se possui fins beneficentes ou lucrativos - Precedentes do STJ - Lei n. 1.060/50, artigo 2º, parágrafo único. "Cabe à pessoa jurídica, que comprovar não ter condições de suportar os encargos do processo, não relevando se ela possui fins lucrativos ou beneficentes, o benefício da justiça gratuita." (STJ - Embs. de Div. em Resp. 321.997 - MG - Corte Esp. - Rel. Min. César Asfor Rocha - J. 04.02.2004 - DJ 16.08.2004).

Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO AÇÃO MONITÓRIA JUSTIÇA GRATUITA PESSOA JURÍDICA. Falta de robustez do conjunto fático-probatório da situação financeira precária da Agravante. Embora seja viável a concessão do benefício da justiça gratuita a pessoas jurídicas, necessária a prova cabal da ausência de condições financeiras, ainda mais em se tratando de instituição de ensino que aufere renda com mensalidade. DECISÃO MANTIDA RECURSO IMPROVIDO. Processo: AI 147283220128260000 SP 0014728-32.2012.8.26.0000

Relator(a): Eduardo Siqueira

Julgamento: 09/05/2012

Órgão Julgador: 38ª Câmara de Direito Privado

Publicação: 12/05/2012

Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. PESSOA JURÍDICA. A concessão da justiça gratuita para pessoa jurídica é exceção e só deve ocorrer, mediante prova inconteste. NEGADO SEGUIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO. (Agravo de Instrumento Nº 70047259684, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Roberto Imperatore de Assis Brasil, Julgado em 07/02/2012).

Processo: AI 70047259684 RS

Relator(a): Luiz Roberto Imperatore de Assis Brasil

Julgamento: 07/02/2012

Órgão Julgador: Décima Primeira Câmara Cível

Publicação: Diário da Justiça do dia 14/02/2012

Ementa

AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO - JUSTIÇA GRATUITA INDEFERIDA - PESSOA JURÍDICA - NECESSIDADE DE COMPROVAÇAO DO ESTADO DE HIPOSSUFICIÊNCIA - SITUAÇAO NAO DEMONSTRADA - DECISAO MANTIDA - RECURSO IMPROVIDO.

Processo: AGR 10409 MS 2012.010409-9/0001.00

Relator(a): Des. Luiz Tadeu Barbosa Silva

Julgamento: 10/05/2012

Órgão Julgador: 5ª Câmara Cível

Publicação: 16/05/2012

Parte(s): Agravante: Sandra Stella Gomes Pessoa - ME
Agravado: Banco do Brasil S.A.

 E, recentemente, o Superior Tribunal de Justiça divulgou decisão referente à uma empresa que requereu os benefícios da justiça gratuita, mas não comprovou a real incapacidade:

“DECISÃO

Benefícios da Justiça Gratuita para pessoa jurídica exigem prova real.

Para a pessoa jurídica receber os benefícios da Justiça Gratuita, deve apresentar prova real de sua incapacidade de pagar as custas do processo. O entendimento que prevaleceu na Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi iniciado pelo ministro Castro Meira e acompanhado pela maioria dos ministros.
A empresa Unicon Engenharia e Comércio Ltda. entrou com ação contra o município de Rondonópolis (MT) para o pagamento de serviços prestados. Após a condenação do município, a empresa requereu os benefícios da Justiça Gratuita. Alegou que suas atividades se encontrariam paralisadas, não tendo condições financeiras de arcar com as custas do processo. O pedido foi negado em primeira instância, o que foi mantido pelo Tribunal de Justiça do Mato Grosso (TJMT). O tribunal entendeu que pessoas jurídicas deveriam demonstrar a real necessidade da gratuidade e que, além disso, a empresa estaria sendo representada por advogados particulares.
A Unicon entrou com medida cautelar no STJ requerendo que a cobrança das custas fossem suspensas, alegando o risco da extinção da execução. Pediu ainda a suspensão da decisão do TJMT até a execução do débito. A relatora, ministra Eliana Calmon, acatou o pedido, considerando que pessoas jurídicas teriam direito à suspensão dos custos processuais. Ela também apontou que foi apresentada documentação comprovando que a empresa teria tido suas atividades paralisadas.

No seu voto-vista, entretanto, o ministro Castro Meira apontou que não haveria comprovação suficiente que a empresa seria incapaz de arcar com os custos do processo. O ministro destacou que a Unicon teria comprovado apenas a paralisação de suas atividades e não a sua falência. O ministro ponderou que, para ser concedido o efeito suspensivo ao recurso, deveria haver o fumus boni iuris (aparência, fumaça do bom direito), o periculum in mora (perigo em caso de demora na decisão) e viabilidade jurídica do pedido.
Para o ministro, para determinar se empresa teria real necessidade da Justiça Gratuita o STJ teria que reexaminar matéria fática, o que é vedado pela Súmula 7 do próprio tribunal. “Dessarte, a aparente inviabilidade do recurso especial, leva-me a divergir da relatora para concluir que a cautelar deve ser indeferida e o processo extinto”, completou. O restante da turma acompanhou o entendimento do ministro.”

http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=94409

Entende-se, contudo, que este entendimento jurisprudencial, agora confirmado pelo Superior Tribunal de Justiça, afronta diretamente a aplicação do artigo 4º da Lei 1060/50, que concede o benefício da assistência judiciária apenas com a simples afirmação do requerente. Referida interpretação configura negação à vigência da lei às pessoas jurídicas hipossuficientes.

Não há justificativa legal para a exigência de prova dessa incapacidade, já que o pedido refere-se tão somente à concessão de justiça gratuita ou assistência judiciária. Em muitos casos, não há pedido de assistência jurídica integral, mas  tão somente isenção de custas processuais e honorários.

A Justiça é uma atividade essencial do Estado, sendo dever do Poder Público colocá-la gratuitamente à disposição das pessoas, seja para a pessoa física ou pessoa jurídica.

Trata-se de uma garantia constitucional do amplo acesso à justiça, um direito fundamental positivado inserido na Carta Magna de 1988, em seu artigo 5º, inciso LXXIV, que prevê:

(...) o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos;

No plano infraconstitucional, a lei 1060/1950, em seu artigo 1º, impõe a obrigação dos poderes públicos de assistir os necessitados, nos seguintes termos:

Os poderes públicos federal e estadual, independente da colaboração que possam receber dos municípios e da Ordem dos Advogados do Brasil, - OAB, concederão assistência judiciária aos necessitados nos termos da presente Lei.

Conclui-se, por qualquer ângulo que se analise, à luz da lei e da jurisprudência, que a pessoa jurídica possui, sim, o direito de ser beneficiária da assistência judiciária, justiça gratuita e assistência jurídica integral.

Contudo, diferentemente do que a Lei Federal 1060/50 prevê, para a concessão do benefício da assistência judiciária ou da justiça gratuita, os Tribunais entendem que se faz necessário provar a situação de hipossuficiência da empresa, sendo que tal requisito somente deverá ser necessário quando o pedido for de assistência jurídica integral.

Não obstante o entendimento dos Tribunais, tem-se que diversas são as decisões no sentido de que tal benefício é uma exceção para as empresas, o que também se entende ser inaceitável, por afrontar diretamente o princípio da igualdade previsto na nossa Carta Magna.

Destarte, a fim de resguardar seus interesses, enquanto os Tribunais mantiverem o entendimento aqui guerreado, orienta-se às empresas que objetivarem o deferimento do benefício da justiça gratuita ou da assistência judiciária instruir sua pretensão com documentos comprobatórios de sua hiposuficiência econômica, sob pena de indeferimento do pleito. Ainda, por a lei nada mencionar acerca de quais documentos são necessários para referida comprovação,  é indispensável utilizar-se da boa fé e da transparência para conseguir o almejado benefício.


REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVAREZ, Anselmo Prieto.. UMA MODERNA CONCEPÇÃO DE ASSISTÊNCIA JURÍDICA GRATUITA. Acesso em 01 de Junho de 2012, disponível em

http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/revistaspge/revista53/moderna.htm

http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=94409 – Data do acesso 11/07/2012.

CAHALI, Yussef  Said. (1997). Honorários Advocatícios. In: Y. S. CAHALI, Honorários Advocatícios (p. 155). São Paulo: RT.

MACIEL, Euro Bento. (jun/2000). Justiça gratuita e assistência judiciária. Revista do Advogado: São Paulo, 2000, n. 59 , p. 66.

GRINOVER, AdaPelegrini. Assistência judiciária e acesso à justiça. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990. v. 11.

MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários à Constituição Brasileira. Ed. Manoele. v. 2.


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

EGUCHI, Marcela. Ponderações sobre a concessão dos benefícios da Justiça gratuita às pessoas jurídicas na Justiça Comum. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3329, 12 ago. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22381. Acesso em: 16 abr. 2024.