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Icms ecológico.

Aspectos pontuais. Legislação comparada

Icms ecológico. Aspectos pontuais. Legislação comparada

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        "Ecologia e economia são dois conceitos, um formado pelos radicais oikos e logos, enquanto que o outro é constituído pelos radicais oikos e nomos. Ambos tratam da casa (oikos). Sobre uma casa deixa-se informar, observar. Sobre a outra trata-se de analisar as regras e inter-relações a que está submetida introduzindo-lhe as leis que são capazes de traduzir seu comportamento. A casa reconhecida pela razão é a casa da natureza, a outra casa por outro lado relaciona-se puramente com o homem, o qual inserido nela necessita de regras e normas, a fim de obter, com o mínimo de dispêndio, o máximo de utilidade. O conceito de economia reporta-se a uma vida parcimoniosa do homem, enquanto que o conceito de ecologia abrange uma teoria ou conhecimento do ser vivo com a sua casa natureza. Nesta perspectiva, a análise interrelacionada de ambos os conceitos esconde uma certa oposição, uma vez que um toma unicamente o homem e suas regras, normas e necessidade para análise, enquanto que o outro conceito toma todos os seres vivos, no meio dos quais o homem é apenas um deles a se relacionar com a natureza" (Helmut Blöbaum, apud DERANI, 1997: 70).

Esta proposital transcrição, que faz um contraponto entre os conceitos de economia e ecologia, traduz o que ao longo da história, dentro de uma perspectiva conceitual e prática, observa-se acerca do desenvolvimento econômico e ambiental.

Economia e Ecologia historicamente sempre foram representadas por linhas paralelas, não apresentando ponto de intersecção. O Direito Ambiental, por sua vez, veio aproximar as relações entre as ciências, passando a ser um ponto de convergência e disciplina, na busca do desenvolvimento sustentável.

Por outro lado, aliadas ao Direito Ambiental, inúmeras ações humanas criativas cumprem e bem este papel de aproximação. Exemplo claro é o chamado ICMS ecológico, idealizado como alternativa para estimular ações ambientais no âmbito das municipalidades, ao mesmo tempo em que possibilita o incremento de suas receitas tributárias, com base em critérios de preservação ambiental e de melhoria da qualidade de vida, afastando o argumento, há muito enraizado em administrações municipais e divulgado como justificativa para aprovação de leis flagrantemente atentatórias ao meio ambiente, de que o crescimento, a geração de empregos e o aumento das receitas dependem única e exclusivamente do incentivo a atividades industriais que em si caracterizam-se como potencialmente poluidoras.

Estados como Paraná, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e São Paulo, Rondônia e Mato Grosso e Mato Grosso do Sul já colhem os frutos do ICMS Ecológico ou possuem legislação já em vigor. Santa Catarina, por sua vez, ainda não foi contemplada com a nova forma de distribuição de recursos. As propostas legislativas em trâmite, algumas delas aparentando timidez em relação aos demais diplomas normativos semelhantes, representam significado avanço no trato das questões ambientais em nosso Estado. Mais do que simplesmente determinar uma melhor repartição de receitas tributárias, o ICMS ecológico representa uma ação governamental objetiva, na luta por uma melhor qualidade de vida a todos os Catarinenses, com reflexos nacionais e até mesmo internacionais.

Durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, cujos resultados foram consubstanciados na Agenda 21[1], por exemplo, foram estabelecidas metas programáticas dinâmicas e a destinação de recursos financeiros com vistas à garantia do desenvolvimento sustentável, que em muito se assemelham, latu sensu, aos objetivos visados com a instituição do ICMS ecológico.

Lê-se na Introdução do texto que compõe a Agenda 21:

"Para fazer frente aos desafios do meio ambiente e do desenvolvimento, os Estados decidiram estabelecer uma nova parceria mundial. Essa parceria compromete todos os Estados a estabelecer um diálogo permanente e construtivo, inspirado na necessidade de atingir uma economia em nível mundial mais eficiente e eqüitativa, sem perder de vista a interdependência crescente da comunidade das nações e o fato de que o desenvolvimento sustentável deve tornar-se um item prioritário na agenda da comunidade internacional. Reconhece-se que, para que essa nova parceria tenha êxito, é importante superar os confrontos e promover um clima de cooperação e solidariedade genuínos. É igualmente importante fortalecer as políticas nacionais e internacionais, bem como a cooperação multinacional, para acomodar-se às novas circunstâncias." (Agenda 21 – Capítulo 2)

Talvez o receio em relação ao desconhecido, a aversão a propostas inovadoras, que não raras vezes são causas para a manutenção de sistemas já consolidados, sejam os motivos para a demora na implementação do modelo catarinense de repartição de receitas tributárias, entretanto é necessário estabelecer em nível regional o mesmo diálogo que norteou a edição da Agenda 21, pautado pela solidariedade e cooperação dos municípios mais desenvolvidos em benefício das comunidades ainda em desenvolvimento.

Municípios sem mananciais de abastecimento de água ou unidades de conservação, por exemplo, e que se utilizam destes recursos existentes em Municípios vizinhos, deverão ser solidários concordando com o novo critério e, para manter sua arrecadação em alta, investir em sistemas de tratamento de lixo e esgoto, por exemplo, ou até mesmo manter/financiar unidades de conservação em outras localidades. Essa parceria observa tendência mundial, e deve ser objeto de previsão legislativa, como ocorre na esfera privada onde a manutenção de servidões ambientais destinadas a garantir o seqüestro de carbono já é uma realidade.

As próprias unidades de conservação, além de viabilizar o ICMS ecológico serão fontes de riqueza, pelo que se observa dos estudos que vêm sendo realizados sobre a comercialização dessas chamadas servidões ambientais, que não transferem a propriedade, mas tão-somente os benefícios econômicos decorrentes do seqüestro de carbono. As áreas continuariam a pertencer aos Municípios ou particulares, servindo para o enquadramento na lei do ICMS ecológico, através de parcerias, além de servirem à instituição dessas servidões ambientais. Sobre as servidões ambientais e o seqüestro de carbono, faremos estudo em separado.

Não restam dúvidas de que o novo modelo de repartição de receitas representará um grande passo para o reconhecimento nacional e internacional das ações do Estado de Santa Catarina, inclusive com aporte de recursos financeiros no cumprimento das diretrizes traçadas na Agenda 21, pois o aumento da qualidade de vida será conseqüência natural dos investimentos necessários à habilitação dos Municípios aos ditames da norma de regência. Observe-se, a título de exemplo, as inúmeras premiações obtidas pelo Estado do Paraná em razão de sua dedicada atenção às questões ambientais.

Tomando, pois, como norte a legislação do vizinho Estado do Paraná e os estudos lá desenvolvidos, bem como no Estado de Minas Gerais, que há muito regulamentaram a distribuição de receitas do ICMS aos municípios com base em critérios de natureza ambiental, social e até mesmo educacional, passa-se a analisar o ICMS ecológico (como ficou conhecido), que em nosso Estado é objeto de 3 projetos de lei ainda em fase de tramitação perante a Assembléia Legislativa[2].


DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS:

A Constituição Federal, em seu Artigo 158, VI, determina que 25% do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicações – ICMS, de competência Estadual, sejam repassados aos municípios da seguinte forma:

Þ ¾ dos 25%, no mínimo, distribuídos na proporção do valor adicionado fiscal (VAF), disciplinado pela Lei Complementar 63, de 11 de janeiro de 1990, correspondente à diferença entre a saída de mercadorias, adicionadas aos serviços prestados, e a entrada de mercadorias em seus territórios, observado o ano civil.

Þ ¼ dos 25% de acordo com o que dispuser a lei estadual

Extrai-se do texto constitucional que 75% da parcela destinada aos municípios encontra critério de aferição rígido, resultante da participação dos próprios municípios na arrecadação do ICMS. De outro norte, 25% podem ser destinados de acordo com o que dispuser a lei estadual.

No Estado de Santa Catarina esta destinação obedece ao comando normativo constante da Lei nº 7.721, de 06 de setembro de 1989, alterada pelas leis 7.816/89 e 8.203/90, distribuindo 85% com base no VAF (Valor Adicionado Fiscal) e 15% em partes iguais a todos os municípios.

Toda a disciplina relativa ao VAF, critérios técnicos, forma de apuração, prazos para recursos e datas de repasse, encontram disciplina na Lei Complementar 63/90, em atendimento ao comando contido no artigo 161, I da Constituição Federal.

As propostas legislativas que criam o ICMS Ecológico em Santa Catarina objetivam melhor distribuir a parcela de ¼ dos 25% de participação dos municípios na receita do ICMS, com vistas a estimular ações na área ambiental.


CONCEITO

:

Na verdade não se trata de uma nova modalidade de tributo ou uma espécie de ICMS, parecendo mesmo que a denominação é imprópria a identificar o seu verdadeiro significado, de vez que não há qualquer vinculação do fato gerador do ICMS a atividades de cunho ambiental. Da mesma forma, como não poderia deixar de ser, não há vinculação específica da receita do tributo para financiar atividades ambientais.

Não obstante, a expressão já popularizada ICMS ECOLÓGICO está a indicar uma maior destinação de parcela do ICMS aos municípios em razão de sua adequação a níveis legalmente estabelecidos de preservação ambiental e de melhoria da qualidade de vida, observados os limites constitucionais de distribuição de receitas tributárias e os critérios técnicos definidos em lei.


FINALIDADE:

A finalidade imediata é estabelecida de acordo com as prioridades de cada estado da federação em nível ambiental e até mesmo social, estimulando:

1.ações de Saneamento básico;

2.a manutenção de sistemas de disposição final de resíduos sólidos e redes de tratamento de esgoto;

3.a manutenção de mananciais de abastecimento público de água;

4.a criação e manutenção de Unidades de conservação;

5.o investimento em Educação e saúde;

6.atividades agropecuárias;

7.incremento de ações fiscais visando o aumento das arrecadações municipais.

No que respeita à finalidade mediata, todas as ações estão voltadas à melhoria da qualidade de vida e à garantia do desenvolvimento sustentável.


ESTADO DE MINAS GERAIS:

O Estado de Minas Gerais adota um sistema bastante analítico e diferenciado, abordando um cem número de variáveis e beneficiando com o repasse inclusive municípios específicos, em razão de sua recente instalação.

O repasse do ICMS com base no VAF (Valor Adicionado Fiscal) é subdividido. Além dos 75% definidos constitucionalmente, outros 4,6% são incluídos nos cálculos à título de estímulo ao incremento de arrecadação do próprio ICMS no território municipal. Juntamente com os demais critérios, ambientais, sociais (investimentos em educação e saúde) e geográficos, bem como de estímulo/compensação aos municípios produtores e mineradores, irão compor o valor final de repasse. Há, ainda, a cota mínima de participação, igual a todos os municípios, na ordem de 5,5%, além de um estímulo ao aumento de sua própria arrecadação.

Ponto interessante a ser destacado foi a forma gradativa como foram os percentuais de repasse relativos a cada critério modificados ao longo de um período inicial de adaptação. Houve previsão de valores diferenciados para os exercícios de 1997 a 2000, tanto no que concerne às reduções quanto majorações, possibilitando uma análise dos reflexos sobre as finanças dos municípios.

No que tange ao critério "Meio Ambiente", que é o ponto nodal do presente estudo, a legislação estadual estabelece 2 formas de enquadramento dos municípios, para que se beneficiem de maior parcela do ICMS:

1.Saneamento Ambiental:

Deve o município atender a pelo menos um dos seguintes requisitos:

Þ possuir sistema de tratamento ou disposição final de resíduos sólidos urbanos – lixo, que atenda a pelo menos 70% da população urbana do município, com operação licenciada pelo Conselho Estadual de Política Ambiental – COPAM;

Þ possuir sistema de tratamento de esgotos sanitários que atenda a pelo menos 50% da população urbana do município, com operação licenciada pelo COPAM.

2.Unidades de Conservação:

Objetivando compensar os municípios que possuem partes de seus territórios protegidas por unidades de conservação que acarretam restrições ao uso do solo e para incentivar a criação, implantação e manutenção de unidades de conservação pelos próprios municípios, são estes também beneficiados. Requisitos:

Þ possuir unidades de conservação federais, estaduais ou municipais e inclusive particulares, definidas e lei e cadastradas junto à Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável – SEMAD, com limites territoriais definidos e com restrição de uso do solo;

Þ possuir áreas legalmente enquadradas nas diversas categorias de manejo, com limites territoriais definidos e com restrição de uso do solo, a saber: Estação Ecológica, Reserva Biológica, Parque, Reserva Particular do Patrimônio Natural, Floresta Nacional, Área de Proteção Ambiental, Área de Proteção Especial e Área Indígena.

O valor do repasse, limitado ao percentual estabelecido em lei para o critério "Meio Ambiente", será diretamente proporcional ao nível de adequação dos municípios aos critérios fixados: 50% com base no Saneamento Ambiental e 50% com base nas unidades de conservação.

A habilitação dos municípios é trimestral.

Impende destacar que a previsão de repasses com base em inúmeros outros critérios, que incluem iniciativas na área de Saúde, Educação, produção agropecuária, tiveram sensível importância para diminuir os impactos decorrentes da novel legislação, haja vista as diferentes realidades municipais.


ESTADO DO PARANÁ:

Pioneiro na criação do ICMS Ecológico, que encontra apoio na própria Constituição Estadual, o Paraná, diferentemente do Estado de Minas Gerais, estimula a manutenção de mananciais de abastecimento público de água e unidades de conservação, não observando as ações municipais na área de saúde e educação.

Entretanto aponta outros critérios de compensação, relacionados também à população, produção agropecuária, propriedades rurais, território. A participação igualitária de todos os municípios restringe-se a 2%.

Dispõe o parágrafo único do artigo 132 da Constituição do Estado do Paraná:

"Art. 132 – A repartição das receitas tributárias do Estado obedece ao que, a respeito, determina a Constituição Federal.

Parágrafo único – O Estado assegurará, na forma da lei, aos Municípios que tenham parte de seu território integrando unidades de conservação ambiental, ou que sejam diretamente influenciadas por elas, ou àquelas com mananciais de abastecimento público, tratamento especial quanto ao crédito da receita referida no art. 158 parágrafo único II da Constituição Federal."

Extraídos os 5% constitucionalmente assegurados ao critério ambiental, representados pela existência de mananciais e unidades de conservação, o restante é destinado aos demais itens estabelecidos, visando à compensação financeira:

1.VAF – 80%

.2Produção Agro-pecuária – 8%

3.Número de Habitantes – 6%

4.Número de Propriedades Rurais – 2%

5.Área Territorial – 2%

6.Parcela Igualitária – 2%

Relativamente ao critério ambiental, a distribuição dos 5% se dará da seguinte forma:

1.Mananciais de Abastecimento Público de Água:

Þ São contemplados os Municípios que abrigam em seu território parte ou o todo de bacias de mananciais para atendimento das sedes urbanas de Municípios vizinhos, com área na seção de captação de até 1.500 km2, em utilização na data de 09/12/91 e com aproveitamento normal. Para os futuros aproveitamentos, serão observados outros critérios técnicos, relativos à vazão.

Todos os fatores que possam influenciar na qualidade da água são também determinantes, como, por exemplo, a densidade populacional do entorno. O estimulo ao controle de ocupação é também, neste caso, observado.

1.Unidades de Conservação:

Þ Serão contemplados os municípios que possuírem em seus territórios:

2.Áreas de Proteção Ambiental - Estações Ecológicas, Reservas Biológicas, Parques;

3.Áreas de Relevante Interesse, sob domínio público - Reservas Florestais, Florestas Nacionais Estaduais e Municipais, Áreas de Relevante Interesse Ecológico(ÁRIES), Hortos Florestais, Refúgios de Vida Silvestre, Monumentos Naturais;

4.Áreas de Relevante Interesse, sob domínio privado - Áreas de Proteção Ambiental (APAs), Áreas Especiais e Locais de Interesse Turístico, Refúgios de Vida Silvestre, Áreas de Relevante Interesse Ecológico (ÁRIES) e Reservas Particulares do Patrimônio Natural.

O percentual de distribuição ficou assim definido:

Þ 50% para os municípios com mananciais de abastecimento público de água.

Þ 50% para os municípios com unidades de conservação.

Havendo sobreposição de uma área sobre outra, valerá o critério de maior compensação financeira.


ESTADO DE SANTA CATARINA:

Atualmente existem 3 projetos de lei em fase de tramitação perante a Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina. Cuida-se dos projetos de lei ordinária nº 82/95, 226/99 e de Lei Complementar nº 04/2001.

O projeto de Lei Complementar nº 04/2001, aproximando-se do modelo paranaense, abarca o conteúdo dos outros dois projetos de lei ordinária, estabelecendo critérios graduais de distribuição ao longo dos 3 primeiros anos de vigência. Ao final, ficariam assim distribuídos os valores:

1.Receita Própria – 6%

2.População – 2%

3.Área do Município – 1%

4.Quota Igualitária – 9%

5.Saneamento Ambiental – 2%

6.Unidades de Conservação/Terras Indígenas – 5%

Neste projeto não há previsão de estímulo/compensação aos Municípios cuja produção agropecuária acarrete restrições ao uso do solo, impedindo a criação de unidades de conservação. Tal previsão, contudo, consta do projeto de lei 226/99 e se faz importante, na medida em que a participação igualitária deverá ser diminuída.

No mais, todos os projetos apresentam semelhanças quanto à finalidade, diferenciando-se no que respeita ao percentual de distribuição dos valores.

Em substitutivo global aos projetos de lei ordinária, houve sensível alteração nos percentuais de participação, estabelecendo-se um meio termo no que respeita aos critérios de distribuição:

1.VAF – 80%

2.Quota Igualitária – 12%

3.Índice Agropecuário – 3%

4.Unidades de Conservação – 3%

5.Educação Ambiental – 1%

6.Arrecadação própria – 1%

Há, sem sombra de dúvidas, que se discutir e muito os projetos propostos, especialmente sobre a necessidade de um estudo aprofundado das realidades e necessidades regionais, bem como sobre os inevitáveis impactos negativos sobre a receita de determinados Municípios.

De se ressaltar, entretanto, que uma das principais necessidades é a redução do percentual de repasse igualitário hoje existente, para estimular ações voltadas ao enquadramento dos municípios nos novos critérios de distribuição. Sobre este aspecto, merecem aplausos os projetos nº 82/95 e 04/2001.

A manutenção ou o aumento do percentual igualitário é um desestímulo a novas ações, pois os Municípios que sobrevivem basicamente desta quota parte, pouco farão para se adequarem, malferindo um dos principais objetivos da nova sistemática. No Paraná, o percentual de participação igualitária é de apenas 2%.

De outro norte, a distribuição de receitas com base em critérios populacionais, de território e de arrecadação tendem nitidamente a valorizar os maiores municípios, já beneficiados com maior repasse em termos de Valor Adicionado Fiscal – VAF, que é reflexo de sua movimentação em termos de ICMS. Aqui o projeto de Lei Complementar 04/2001 foi generoso.

Ponto de destaque, encontrado também na legislação mineira, é a previsão de percentual destinado aos municípios que desenvolverem ações objetivando a melhoria de sua própria arrecadação, com a adoção de ações na área fiscal.

Quanto ao conteúdo em si das propostas, estas observam as diretrizes traçadas pela legislação dos demais entes da federação que inovaram na distribuição de recursos financeiros decorrentes do ICMS.

O substitutivo global apresentado aos projetos de lei ordinária falha ao não estabelecer o critério de saneamento ambiental, onde estaria prevista uma das principais ações a ser estimulada, qual seja a criação/manutenção de sistema de destinação final de lixo e de tratamento de esgotos.

O receito de grande parte dos municípios em ver reduzida a arrecadação, em face da redução do valor da participação igualitária, hoje em 15%, deve ser compensado com a perspectiva de aumento substancial das suas receitas, com a edição do ICMS ecológico.

Suponhamos que no início de vigência da nova legislação apenas um ou dois municípios se enquadrem nos critérios previamente fixados. O valor do repasse será distribuído totalmente entre apenas estes dois. No momento em que outros municípios forem se adequando, o valor dos repasses passará também a beneficia-los, entretanto inúmeros problemas que antes necessitavam de elevados investimentos, terão sido solucionados. Haverá aumento de arrecadação de impostos municipais e taxas, pois o saneamento urbano justifica o aumento de IPTU e a criação de taxas de coleta de lixo e de tratamento de esgotos.

Em verdade, trata-se de um desafio para as administrações municipais, dentro da moderna concepção do Direito noticiada por Norberto Bobbio, identificada pelas normas de incentivo, onde o objetivo visado pelo legislador é alcançado não através da sanção pelo não cumprimento do comando normativo, mas mediante a concessão de benefícios administrativos, fiscais, sociais, etc.


VINCULAÇÃO DA RECEITA:

Muito se discute acerca da necessidade de vinculação da receita distribuída com base no critério ambiental a programas específicos nessa área, entretanto tal não é possível e até mesmo indesejável.

Dispõe o artigo 167, IV da Constituição Federal:

Art. 167. São Vedados:

(...)

IV – a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 1 159, a destinação de recursos para a manutenção e desenvolvimento do ensino, como determinado pelo art. 212 e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem assim o disposto no § 4º, deste artigo.

Por sua vez, estabelece o § 4º do mesmo dispositivo:

§ 4º - É permitida a vinculação de receitas próprias geradas pelos impostos a que se referem os arts. 155 e 156, e dos recursos e que tratam os arts. 157, 158 e 159, I, a e b, e II, para a prestação de garantia ou contragarantia à União e para pagamento de débitos para com esta.

O texto constitucional não deixa margem a dúvidas. Afora os casos previstos, não se admite a vinculação de receitas tributárias decorrentes de impostos, com ressalvas unicamente para a prestação de garantia e contragarantia à União e para pagamento de débitos para com esta, além do investimento obrigatório previsto no artigo 212 da Constituição Federal na manutenção e desenvolvimento do ensino.

Muito embora não seja possível a vinculação legal das receitas para financiamento de programas ambientais, dentro da proposta do ICMS Ecológico, isso não significa que inexistirão investimentos por parte dos Municípios, pois somente a partir de um programa sério de ações na área ambiental serão eles enquadrados dentro dos critérios legais estabelecidos para repasse dos recursos.

Penso que a receita do ICMS ecológico não deve mesmo ser vinculada ao financiamento de programas ambientais, pois o interesse dos municípios em manter a até aumentar sua participação será suficiente a que as respectivas administrações municipais passem a aplicar recursos nessa área, sob pena de ver reduzida ou até mesmo excluída a sua participação.

Fica o município livre para aplicar os recursos em quaisquer áreas, o que é mais uma forma de estimular sua adequação à lei, possibilitando o incremento de sua receita tributária para investimentos em obras, saúde, educação etc.

Por fim, com a inevitável redução do repasse com base no critério de distribuição igualitário, a única alternativa posta à disposição dos municípios será o seu enquadramento nas regras do ICMS ecológico.


PROCESSO LEGISLATIVO:

A Constituição do Estado do Paraná, em seu artigo 132, diferentemente de Minas Gerais e Santa Catarina, estabelece, formalmente, a obrigatoriedade de tratamento especial aos Municípios que tenham parte de seu território integrando unidades de conservação ambiental ou mananciais de abastecimento público, no que respeita ao repasse de ICMS previsto no artigo 158, parágrafo único, II da Constituição Federal.

Com indisfarçável impropriedade legislativa, o artigo da Constituição foi regulamentado através da Lei Ordinária nº 9.491/90 e esta através da Lei Complementar 59/91.

Entretanto não se observa vício de constitucionalidade, uma vez que a Constituição Federal não exigiu regulamentação mediante a edição de leis complementares, o mesmo ocorrendo com as Constituições Estaduais.

Por este motivo, a legislação sobre ICMS Ecológico do Estado de Minas Gerais, bem como os projetos de lei Catarinenses podem seguir o processo ordinário ou complementar, sendo este desejável em face do maior e mais amplo debate que proporciona.

A exigência de Lei Complementar cinge-se à regulamentação do disposto no artigo 161 da CF, no que concerne à definição de Valor Adicionado Fiscal e normas de acompanhamento por parte dos beneficiários acerca do cálculo das quotas de participação, bem como sobre a forma de liberação dos recursos. Trata-se aqui de Lei Complementar Federal, editada sob o nº 63, de 11 de janeiro de 1990.

Os percentuais de participação, os diversos fatores/coeficientes de conservação, saneamento, qualidade de água, órgãos gestores etc., e demais critérios a ser considerados no cálculo das quotas individuais devem constar da própria lei ordinária que altera a distribuição da receita, não sendo susceptíveis de regulamentação através de decretos, uma vez que dizem respeito ao próprio montante do repasse. A estes compete estabelecer conceitos, disciplinar o procedimento de cadastro dos municípios, estabelecer as fórmulas de cálculo, etc.


AS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO – CONCEITOS:

Os contornos fundamentais das diversas unidades de conservação estão definidos em leis federais, notadamente no Código Florestal (Lei 4772/65).

A título de exemplo, objetivando esclarecer o significado de cada espécie de unidade de conservação, transcrevemos na íntegra os diversos conceitos estabelecidos na Resolução SEMAD Nº 003, de 29 de julho de 1996, do Estado de Minas Gerais, em anexo à legislação que versa sobre ICMS Ecológico:

1.ESTAÇÕES ECOLÓGICAS:

"São áreas representativas de ecossistemas brasileiros, destinadas à realização de pesquisas básicas e aplicadas de Ecologia, à proteção do ambiente natural e ao desenvolvimento da educação conservacionista". (Lei nº 6.902, de 27.4.81, Art. 1º).

Noventa por cento ou mais da área da Estação Ecológica devem ser destinados, em caráter permanente, à preservação integral da biota. Nas áreas restantes poderá ser realizadas pesquisas ecológicas que impliquem modificações no ambiente natural, desde que previsto em zoneamento e conforme regulamento interno. São criadas pela União, Estados e Municípios, em terras de seu domínio. Deverão ser implantadas e estruturadas de modo a permitir estudos comparativos com as áreas da mesma região ocupadas e modificadas pelo homem, a fim de subsidiar o planejamento regional e o uso racional dos recursos naturais. (Lei nº6.902, de 27.4.81, Art. 1º ao 7º).

2. RESERVAS BIOLÓGICAS:

Áreas de domínio público, criadas com a finalidade de preservar ecossistemas naturais que abriguem exemplares da flora e fauna nativas.(Decreto Estadual nº 33.944/92, de 1.9.92, artigo 4º, § 4º, item I; Código Florestal - Lei nº 4.771, de 15.9.65, Art. 5º, alínea " a").

As atividades de utilização, perseguição, caça, apanha ou introdução de espécimes da fauna e flora silvestres e domésticas, bem como modificações do meio ambiente a qualquer título são proibidas, ressalvadas a atividades científicas devidamente autorizadas. (Lei nº 5.197, de 3.1.67; Lei de Proteção à Fauna, Art. 5º, alínea "a").

3. PARQUES:

Têm por finalidade resguardar atributos excepcionais da natureza, conciliando a proteção integral da flora, da fauna e das belezas naturais, com a utilização para objetivos educacionais, recreativos e científicos. (Lei nº 4.771, de 15.9.65 - Código Florestal, Art. 5º, alínea "a").

Os Parques são criados pelo Poder Público, federal, estadual ou municipal, em terras de seu domínio. Neles é proibida qualquer forma de exploração de recursos naturais, ressalvada a cobrança de ingressos a visitantes ou outras fontes de recursos resultantes de uso indireto. O uso e a destinação das áreas dos Parques deve respeitar a integridade dos ecossistemas naturais envolvidos, condicionada a visitação pública a restrições específicas, mesmo para propósitos científicos, culturais, educativos ou recreativos. (Decreto nº 84.017, de 21.9.79).

4. FLORESTAS NACIONAIS, ESTADUAIS OU MUNICIPAIS:

São áreas de domínio público, criadas para fins econômicos, técnicos e sociais. Podem compreender áreas ainda não florestadas, mas reservadas para atingir aquele fim. Destinam-se a atividades de pesquisa e experimentação florestal, extração sustentável de madeira e outros produtos florestais. (Lei nº 4771, de 15.9.65 - Código Florestal -, Art. 5º, alínea "b").

5.ÁREAS INDÍGENAS

São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, por eles habitadas em caráter permanente, utilizadas para suas atividades produtivas, imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem estar e à sua reprodução física e cultural. (Constituição Federal, Art. 231, § 1º).

6 RESERVAS PARTICULARES DO PATRIMÔNIO NATURAL:

Áreas de domínio privado consideradas de relevante importância pela sua biodiversidade, ou pelo seu aspecto paisagístico ou por outras características ambientais que justifiquem ações de recuperação. Têm por objetivo a proteção dos recursos ambientais representativos da região e, mediante zoneamento, podem ser utilizadas para atividades científicas, culturais, educacionais, recreativas e de lazer.

As Reservas são constituídas por destinação do seu proprietário, em caráter perpétuo, desde que reconhecidas e registradas pelo IBAMA. (Lei nº 4.771, de 15.9.65 - Código Florestal - Art. 6º; Decreto nº 1.922, de 5.6.96).

7.ÁREAS DE PROTEÇÃO AMBIENTAL

São áreas de relevante interesse público, declaradas pelo Poder Executivo como de proteção ambiental, a fim de assegurar o bem-estar das populações humanas e conservar ou melhorar as condições ecológicas locais. Em cada Área de Proteção Ambiental, dentro dos princípios constitucionais que regem o exercício do direito de propriedade, o Poder Executivo estabelecerá normas de uso de acordo com as condições locais bióticas, geológicas, urbanísticas, agro-pastoris, extrativistas, culturais e outras. (Lei nº 6.902, de 27.4.81, Art. 9º, inciso VI, alterado pela Lei nº 7.804, de 18.7.89; Lei nº 6.938, de 31.8.81; Resolução CONAMA nº 10 de 14.12.88).

8.ÁREAS DE PROTEÇÃO ESPECIAL

Áreas de interesse especial, destinadas à proteção dos mananciais ou do patrimônio paisagístico e arqueológico, definidas por decreto estadual.(Lei nº 6.766, de 19.12.79, Art. 13 e 14). (g.n.)


CONCLUSÃO:

Não são poucos os Municípios que estão implementando ações objetivando o seu enquadramento com vistas a aumentar sua participação no repasse de ICMS, dentro dos critérios estabelecidos nas leis que regulamentam o chamado ICMS Ecológico. No Estado do Paraná um dos maiores exemplos é representado pelo Município de Guaraqueçaba, que aumentou sua arrecadação em aproximadamente 600%, num primeiro momento.

No Estado de Minas Gerais, por sua vez, os municípios de Betim, Contagem, Ipatinga, Uberlândia e Coimbra, após investirem em sistemas de disposição final de lixo, através de aterros sanitários e/ou unidades de compostagem, atendendo a mais de 3 milhões de habitantes, o que corresponde a 1/5 da população urbana do Estado, tiveram sensível incremento em sua receita tributária, decorrente do repasse de ICMS.

Inúmeros outros Municípios já estão sendo beneficiados e outros tantos buscam seu enquadramento, com projetos ambientais em fase de licenciamento.

Saliente-se, ainda, a união de esforços que se observa entre Municípios de pequeno porte, na elaboração de projetos conjuntos de disposição final de lixo e tratamento de esgotos, o que é possível e até mesmo desejável, beneficiando todos os entes envolvidos quanto ao repasse de recursos. Assim como os problemas ambientais não se circunscrevem a determinada região, também as ações devem desconhecer os limites geográficos.

De falar-se ainda sobre o importante papel de conscientização observado nos Estados onde o ICMS Ecológico foi implantado, especialmente nos municípios diretamente interessados, com investimentos maciços em educação ambiental. A partir desse passo, aliada à ainda indispensável ação estatal, evidencia-se a mobilização social em prol da melhoria da qualidade de vida, com mudança de concepção acerca da valoração de espaços anteriormente tidos como empecilhos ao desenvolvimento.

Afastando, pois, o sentimentalismo que ao longo dos tempos ampara os movimentos ambientalistas e que, não se pode negar, teve sua parcela de responsabilidade na evolução do pensamento voltado ao desenvolvimento sustentável, revela-se o ICMS ecológico uma ação administrativa, política e comunitária, com tendência a tangenciar futuramente o modelo estatal de intervenção na política ambiental, pois não restam dúvidas de que os olhos da economia voltam-se para o meio ambiente, não sendo raros os exemplos de investimentos privados em unidades de conservação e de mananciais, com vistas à garantir a manutenção de outras atividades industriais.

A preservação ambiental será, sem sobra de dúvidas, a responsável pela riqueza dos municípios em futuro próximo.

Joinville, 23 de agosto de 2001.

Éderson Pires[3]


NOTAS

1.Trata-se de decisão consensual extraída de documento de quarenta capítulos, para o qual contribuíram governos e instituições da sociedade civil de 179 países, envolvidos, por dois anos, em um processo preparatório que culminou com a realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento - CNUMAD, em 1992, no Rio de Janeiro, conhecida por ECO-92.

2.Projetos de Lei Ordinária nº 82/1995 e 226/1999 e de Lei Complementar 04/2001.

3.Advogado, Procurador do Estado de Santa Catarina, Formado em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina, cursando especialização em Direito Tributário pela Universidade da Região de Joinville.

Rua Princesa Isabel, 238, Edifício Príncipe, Sala 508, Centro de Joinville/SC – CEP 89.201.270.


BIBLIOGRAFIA:

SPINELLI, Edilson. Pesquisa e biodiversidade. In www.atribunaonline.com.br;

MAGElA, Geraldo. ICMS ecológico e desenvolvimento turístico. In www.atribunaonline.com.br

RIBEIRO, Maurício Andrés. Ana Lúcia Bahia Lopes e Ludmila Alves Rodrigues. Fundação Estadual do Meio Ambiente de Minas Gerais. ICMS ecológico. O ICMS e o Sanemento, in www.unilivre.org.br - Diário do Comércio de 22/01/98.

BERALDIN, Neivo. ICMS ecológico, in www.neivoberaldin.com.br;

Legislação Consultada:

Constituição Federal de 1988;

Constituição do Estado de Santa Catarina;

Constituição do Estado do Paraná;

Constituição do Estado de Minas Gerais;

Lei Complementar Nacional nº: 63/90;

Lei Complementar do Estado do Paraná nº: 59/91;

Lei Ordinária do Estado do Paraná nº: 9.491/90;

Leis Ordinárias do Estado de Santa Catarina nº: 7.722/89, 7.816/89, 8.206/90;

Lei Ordinária do Estado de Minas Gerais nº: 12.040/95

Projetos de Lei nº: PL 82/95- SC, PL 226/99 – SC;

Projeto de Lei Complementar nº: 04/2001 – SC;


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PIRES, Éderson. Icms ecológico. Aspectos pontuais. Legislação comparada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 52, 1 nov. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2328. Acesso em: 26 abr. 2024.