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Eutanásia.

Uma análise a partir de princípios éticos e constitucionais

Eutanásia. Uma análise a partir de princípios éticos e constitucionais

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Resumo: Visa-se, pela presente monografia, realizar um estudo sobre a Eutanásia, tendo como base a Ética e o primado constitucional da Dignidade da Pessoa Humana, onde buscar-se-á subsídios para sua conversão em Direito Positivo. Diante dos avanços médico-científicos, presenciados cotidianamente com as descobertas tecno-cientifícas, quanto às formas de criar, manter e prolongar a vida, os quais colidem com culturas vigentes, questiona-se, ao mesmo tempo, a necessidade de tais progressos e seus efeitos juntos aos Direitos Fundamentais de cada indivíduo. Com essas constantes descobertas, nota-se que a sociedade se depara com situações com as quais não sabe como se portar, necessitando de uma ampla discussão nas áreas da Sociologia, Biologia, Medicina, Psicologia, Teologia, Direito e outras, com o intuito de buscar soluções para impasses tais como o do tema proposto, ou seja, a Eutanásia. Enseja-se então, um estudo da Bioética, buscando-se uma reflexão na utilização de tais procedimentos, que envolvem o bem mais supremo do ser humano, a Vida. Nota-se, pelo prisma da Dignidade da Pessoa Humana, que tais descobertas, ao invés de proporcionar qualidade de vida e bem-estar, vem, muitas vezes, direcionando-se apenas para a quantidade de vida, desferindo golpes fatais em princípios Éticos e Constitucionais, que à deriva passam, sem serem observados. Busca-se atingir o objetivo do presente trabalho, através da pesquisa bibliográfica em livros, textos e periódicos, assim como na legislação pátria.

Sumário: Introdução; 1. Ética, moral, deontologia e direito: uma Sintetização de conceitos. 1.1. Ética. 1.2. Moral. 1.3. Direito. 1.4. Deontologia. 2. A origem da bioética e seus princípios. 2.1. A origem, 2.2. Os princípios. 3. As diferenças entre Bioética e Biodireito, 3.1. Bioética, 3.2. Biodireito. 4. Dignidade humana: significado e alcance, 4.1. Dignidade de pessoa humana. 5. A origem e a classificação da eutanásia., 5.1. Origem, 5.2. Classificação. 6. Eutanásia, distanásia e ortonásia: distinções necessárias, 6.1. Distanásia, 6.2. Ortonásia. 7. Posturas religiosas frente a eutanásia, 7.1. Budismo, 7.2. Cristianismo, 7.2.1. Outras religiões cristãs, 7.3. Islamismo, 7.4. Judaísmo. 8. Análise das argumentações contra e a favor da eutanásia, 8.1. Os que se opõem à prática da eutanásia, 8.2. Os que se põem favoráveis à prática da eutanásia. 9. A eutanásia em alguns países, 9.1. No Brasil, 9.2. Na Austrália, 9.3. Na Holanda. 9.4. No Uruguai, 9.5. Na Colômbia, 9.6. Nos Estados Unidos. 1.0. Considerações finais. Anexos. Referências bibliográficas


INTRODUÇÃO

Nota-se, diante das descobertas ocorridas nas últimas décadas, que determinadas situações, pela sua novidade, não encontram previsão legal ou afrontam, pelo menos, de forma aparente, a legislação atual ou, ainda, simplesmente, dadas leituras descontextualizadas; não são percebidas suas possibilidades de normas válidas e possível eficácia, possibilitando-se assim, questionar-se quais as posturas a serem adotadas nesses casos.

A Eutanásia, distante de ser um acontecimento próprio da nossa sociedade, apenas ganha novo espaço frente a problemas ocasionados pelas ações provindas do conhecimento do Homem, que na euforia das descobertas fantásticas, ocorridas no século XX, desprendeu-se de alguns aspectos fundamentais para a evolução de uma sociedade mais humanizada.

Surgiu, em função desses fatos, a Bioética, que busca, em suas origens, aspectos fundamentais para a prática desses novos conhecimentos, os quais se encontram em constantes atritos com regras e com princípios, assim como com religiões e com outras culturas.

Tais descobertas devem ter, pelo menos em princípio, o objetivo de melhorar a qualidade de vida, não podendo ser esses conhecimentos utilizados contra o próprio Homem, quer violentando seu corpo, quer violentando sua dignidade.

A Eutanásia volta à tona nas discussões ocorridas em todas as esferas da sociedade. Volta-se a questionar princípios tais como Ética e Moral, sendo que, para os profissionais de várias áreas, surge novo instituto chamado de Deontologia. A Bioética oportuniza-se pela conjunção desses novos pensamentos, ocasionando uma nova postura a ser tomada nas ações que envolvem a vida humana.

Nota-se, hoje que a Eutanásia deixa de ser vista apenas como a simples possibilidade de ocasionar a morte a alguém, que está sofrendo em função de determinada moléstia. Estudiosos do mundo todo a reclassificam e a apresentam a esse novo cenário mundial, que, por sua vez, possui pouca ou nenhuma legislação com referência a tal tema, inclusive no Brasil.

Encontra-se, na Eutanásia, logicamente, posições conflitantes quanto à sua prática.

Alegam os contrários a tal prática, princípios religiosos, entendendo que, sendo a vida um dom divino, não tem o Homem o direito de subtraí-la de alguém, e, além do mais, dizem que o Homem foi feito a imagem e semelhança de Deus, portanto qualquer ato contra a vida humana, é um ato contrário a Deus. Entendem, alguns ainda, que quanto maior for o sofrimento, maior será o benefício à alma humana.

Aparecem, também, aqueles que apontam para a questão da sucessão de bens e direitos, entendendo que tal prática pode ser levada a termo apenas em beneficio do profissional que a possibilita e ou dos herdeiros, desprezando-se por completo a vontade e as crenças do enfermo.

Entendem os favoráveis à Eutanásia que sua utilização não visa exterminar pessoas, mas, sim, amenizar sofrimentos inevitáveis e dolorosos. Acreditam que a vida, por ser sagrada e também por ser o maior bem que o Homem pode possuir, deve ser mantida, durante todo o seu transcurso, com a maior Dignidade possível, até o seu término, com a morte, que também faz parte da vida e, por conseqüência, também deve ser digna.

Para estas, então, não basta viver com dignidade, se ao final da vida essa não lhe é proporcionada.

Assim sendo, verifica-se quais os motivos que impedem a positivação da prática de Eutanásia, ou o porquê da não positivação. Em análise oposta surgem os motivos que possibilitam a discussão para a criação de lei específica sobre o tema, que deve oportunizar à Eutanásia uma prática não passível de sanções.

Cumpre lembrar ainda, que, em nosso Código Penal, tal prática é prevista como ilícito penal, com previsões de sanções.

Com tudo isso, na desesperada busca do conhecimento que cerca o mundo misterioso da Vida e da Morte - as ciências - de um modo geral, envolvem-se na difícil tarefa de delinear o transcurso da Vida Humana, que diante das descobertas ocasionadas pelo Homem, proporcionam um acirrado debate sobre a manutenção artificial da vida e o direito de morrer com Dignidade, buscando-se, dessa forma, uma resolução ao impasse em torno do tema, satisfazendo as dúvidas frente a positivação de medidas concernentes a Eutanásia.


1. ÉTICA, MORAL, DEONTOLOGIA E DIREITO: UMA SINTETIZAÇÃO DE CONCEITOS

Inicialmente, para um melhor aproveitamento, passa-se a ver conceitos fundamentais para o entendimento do tema proposto.

1.1 Ética

Provêm os primeiros estudos envolvendo a ética, dos filósofos gregos, cerca de 500 e 300 a.C. período em que surgiram muitas idéias, definições e teorias que nos acompanham até os dias de hoje. Entre os vários pensadores desta época, podemos afirmar que Sócrates, Platão e Aristóteles, foram os responsáveis pela grande e incrível análise e reflexão sobre o agir do homem.

Privilegia, entretanto, este estudo, os dois últimos, ou seja: Platão e Aristóteles, que poderão ser mais bem compreendidos através de algumas das idéias que descrevem os problemas éticos formulados naquela época:

A reflexão grega neste campo surgiu como uma pesquisa sobre a natureza do bem moral, na busca de um princípio absoluto da conduta. Ela procede do contexto religioso, onde podemos encontrar o cordão umbilical de muitas idéias éticas, tais como as duas formulações mais conhecidas: "nada em excesso" e "conhece-te a ti mesmo". O contexto em que tais idéias nasceram está ligado ao santuário de Delfos e do deus Apolo. (Valls, 1998, p. 24)

Platão (427-347 a.C.) era discípulo de Sócrates e, em sua corrente de pensamento, apresenta-se acreditando na vida após a morte, valorizando, desta forma, o ascetismo, que repudia, definitivamente, todo e qualquer ato ou fato que seja pertinente ao prazer do corpo (matéria). Acreditando na vida pós morte, é defensor da imortalidade da alma, conforme sugeriu no diálogo Fédon, em que é coerente com uma preexistência da alma, sendo que a felicidade só é encontrada após a morte.

Pela visão de Platão, os homens deveriam durante a vida contemplar idéias, e, principalmente, a idéia mais importante de todas, que era a do Bem. Como o astrônomo contempla os astros, o filósofo contempla, através da arte da dialética, as idéias mais altas, entre elas as do Ser e do Bem: "O Ser é imutável, e também o Bem. A partir deste Bem superior, o homem deve procurar descobrir uma escala de bens, que o ajudem a chegar ao absoluto".(Valls, 1998, p. 26)

Seguindo essa linha de pensamento, Platão descreve que sábio não é o cientista teórico, mas sim o homem virtuoso, ou o que busca a vida virtuosa, e a virtude é uma purificação, sendo que através dela o homem descobre como desprender-se do corpo e com tudo que está ligado a esse terreno. A prática da virtude é a coisa mais preciosa que existe para o homem, sendo essa a harmonia tanto social, como individual.

O homem que é virtuoso, para Platão, é o que está assimilando Deus. Naturalmente, que a plebe da época não concordava com esses valores, pois via a hierarquia de bens, descrita pelo filósofo, contraposta a sua, porém para Platão, o sábio era aquele que busca assemelhar-se ao Deus, tanto quanto lhe é possível assemelhar-se a Deus.

Platão organiza um quadro onde descreve as diferentes virtudes, que são:

Justiça (dike) a virtude gera, que ordena e harmoniza, e assim nos assemelha ao invisível, divino, imortal e sábio; Prudência ou Sabedoria (frônesis ou sofía) é a virtude própria da alma racional, a racionalidade como o divino no homem: orientar-se para bens divinos. Esta virtude, que para Platão equivale à vida filosófica como uma música mais elevada, é aquela que põe ordem, também, nos nossos pensamentos; Fortaleza ou Valor (andréia) é a que faz com que as paixões mais nobres predominem, e que o prazer se subordine ao dever; Temperança (sofrosine) é a virtude de serenidade, equivalente ao autodomínio, à harmonia individual.

Dessa forma, indubitavelmente, o que caracteriza as idéias de Platão, é a do Sumo Bem, ou seja a Vida Divina, caracterizadora da ética platônica, a equivalência da contemplação filosófica e virtude, e da virtude como ordem e harmonia universal. É extremamente mínima a diferença entre a virtude intelectual da virtude moral, assemelhando-se à prática teórica.

Aristóteles (384-322 a.C.), que era discípulo de Platão, foi um grande pensador especulativo e profundo psicólogo, levando mais a sério que Platão, a observação empírica, ou seja, do conhecimento prático, o que de certa forma era oposto ao seu mestre Platão, que apoiava-se mais na teoria.

Aristóteles parte da relação existente entre o Ser e o Bem, incidindo, na questão da variedade do Ser, pois para cada Ser deve haver um Bem, em conformidade à essência e natureza do seu próprio Ser. Dessa forma, quanto mais complexo for o Ser mais complexo será o Bem, apontando para a conclusão de que, segundo Aristóteles, a ética é finalista, ou seja, quais os fins que devem ser almejados para que o homem alcance a felicidade.

Para Aristóteles, o Bem ou a Felicidade do Homem consiste na consagração de vários bens (amizade, saúde e até mesmo alguns bens materiais), pois, segundo Aristóteles, o homem é um ser complexo, e sem um determinado conjunto de bens, não há como perdurar a felicidade, "mas é claro que há uma certa escala de bens, pois os bens são de várias classes, e uns melhores de que outros" (Valls, 1998, p. 30).

Aristóteles acredita que a composição da felicidade não se baseia unicamente em um Bem, pois, caso contrário, teríamos de escolher qual o melhor Bem; se seria a Virtude, a Força, o Poder, a Riqueza, a Beleza, a Saúde ou os Prazeres Sensíveis, e Aristóteles parte do princípio de que o homem tem o seu ser no viver, no sentir e na razão. Dessa forma, o homem não pode unicamente viver, mas sim viver racionalmente, ou seja viver de acordo com a razão.

A razão, para não se deixar ela mesma desordenar, precisa da virtude, da vida virtuosa. Qual seria, então, a virtude mais alta, ainda que não a única necessária? O bem próprio do homem é a vida teórica ou teorética, dedicada ao estudo e à contemplação, a vida da inteligência. (Valls, 1998, p. 30)

O pensamento, para Aristóteles, é o elemento divino do homem, e, automaticamente, o Bem mais precioso. Assim, o prazer não é um bem absoluto, mas também não é um mal, pois ele acompanha as diferentes atividades, mesmo as intelectuais ou espirituais, mas, decisivamente, para Aristóteles, a felicidade é conquistada pela virtude, e as virtudes são analisadas longa e detalhadamente, não admitindo jamais a composição do homem sem a conjunção corpo/espírito, sendo que, como corpo, está sujeito a paixões e a alma, aos bons hábitos. Aristóteles, como se vê, valoriza a vontade humana, a deliberação e o esforço em busca de bons hábitos, enquanto que o homem necessita converter suas melhores disposições naturais, em hábitos de acordo com a razão, ou seja, virtudes intelectuais.

A tradução, segundo Aristóteles, de virtude, segue o pensamento de que é um hábito adquirido, voluntário, deliberado, que consiste no justo meio em relação a nós, tal como o determinaria o bom juízo de um varão prudente e sensato, julgado conforme a reta razão e a experiência.

Abrindo-se um "parênteses" no texto, entende-se ser necessário conhecer o significado etimológico do termo ética, conforme segue.

A palavra Ética deriva do grego, sendo o seu significado entendido da seguinte forma, ethos igual a ética, dessa forma, ethos igual a modo de ser.

Portanto, a Ética não se aplica como forma de agir, essa fica a cargo da Moral, que é determinante na forma do agir. A Ética é a designação filosófica sobre a Moral, isto é, sobre as regras e os códigos morais que norteiam a conduta humana. Dessa forma cabe atribuirmos a Ética como a ciência da conduta humana.

A Ética pode ser entendida como reflexão dos costumes e ações humanas, sendo importante analisar-se sob o prisma da sociedade em que se situa o estudo, devendo sempre ser respeitado o costume, o direito e qualquer outro modo indicativo referente a tal grupo ou camada social.

Por ser parte da filosofia, a ética tem como objetivo a ação humana, fixando-se não no que o homem é de fato, mas sim no que ele deve ser e fazer de sua vida.

Baseados nos ensinamentos dos filósofos supra-mencionados, é necessário, para que exista ética, que o agente esteja consciente, ou seja, que tenha capacidade para discernir o Bem e o Mal e toda a sua repercussão. A consciência moral, portanto, possui capacidade de discernir entre um e outro e de avaliar, julgando o valor das condutas, e de agir conforme os padrões morais.

Os valores podem ser entendidos como padrões sociais ou princípios aceitos e mantidos por pessoa e pela própria sociedade, dentre outros.

1.2 Moral

Quanto as suas raízes etimológicas, tem-se que: mos igual a moral, (mos igual a mores), por sua vez mores é igual a costume.

Pode-se afirmar que enquanto a Ética é a teoria, é a ciência que estuda a própria Moral, e a moral é espécie conectada com o empírico.

Da necessidade de conviver-se em sociedade, surge a Moral, sendo essa a reunião de regras que são determinantes para o relacionamento dos indivíduos. Embora que sejam freqüentemente usados como sinônimos, a Ética e a Moral, não o são. Assim, quando se indaga o que é correto, aborda-se a Ética; a seguir, quando há a ação, questiona-se a Moral, uma vez que é referente ao ato em si.

A ética aborda o que deve ser ou, pelo menos como deveria ser, já, a Moral, é referente ao tocante do que é vivido, do ato em ação e suas consequências. A Ética estuda, aconselha e até ordena, mas a Moral é coexistente, sendo ambas relacionadas a valores e a decisões que levam a ações com todas a sua abrangência para nós e os outros.

Os dois vocábulos direcionam-se a qualidades humanas, ou pelo modo de ser, ou pelo caráter de cada um, em que se apoia o fato ponderante aos costumes ou as normas adquiridas, ocasionando o comportamento moral do homem. Pode-se afirmar que a Ética analisa as regras e os princípios morais que são destinados a orientar a ação humana.

O desrespeito a alguma das regras morais pode provocar uma tácita ou manifesta, uma atitude de desaprovação. Apesar de haver um mecanismo individual uma reação instintiva contra regras e obediências a qualquer autoridade, até hoje nenhum grupo ou comunidade pode existir sem normas constrangedoras da moral. (Costa, 1999, In: <https://jus.com.br/artigos/1835/etica-moral-e-bioetica>)

A conduta ética materializa-se na oportunidade do agente agir conscientemente, ou seja no discernir entre o bem e o mal. Cabe aceitar que o agir eticamente é ter conduta de acordo com o bem, porém, definir objetivamente o bem, é estudo progressivo, uma vez que tal conceito é extremamente evolutivo, sendo que o que hoje pode ser o bem, amanhã não o é ao passo que a moral, que possui a capacidade de discernir entre um e outro e de avaliar julgando o valor das condutas e de agir conforme os padrões morais, torna-se responsável pelas ações e emoções, ordinariamente por suas conseqüências. Os valores podem ser entendidos como padrões ou princípios aceitos em determinado tempo, porém nunca de forma determinante e imutável. Assim, em cada período, a percepção individual é mutável, ocasionando diferentes pesos e, consequentemente a moral variará, dependendo do modo de existência de cada pessoa, de suas convicções filosóficas, experiências vividas ou até de crenças religiosas. Em suma, cada pessoa, cada sociedade, cada classe social, tem seus valores que devem ser considerados em qualquer situação, nas mais diversas situações.

Atualmente, segundo Carlin (1997), são dois os significados conferidos ao vocábulo ética, sendo que, em sentido amplo, relaciona-se com a ciência do direito e a doutrina moral, e, em sentido restrito, refere-se aos atos humanos e às normas que constituem determinado sistema de conduta moral, integrando-se, pois, única e especialmente, com a doutrina moral.

A ética não possui caráter legal, traduzindo-se, enfim, no respeito a regras de conduta não sancionadas por outras normas. "Não é direito, não é deontologia e não é moral" (Carlin, 1997, p. 33)

1.3 Direito

No campo do Direito, abre-se a discussão, que é abordada na área da Filosofia, entre o Direito e a Moral, ocasionando uma discussão acerca do assunto.

A palavra Direito provém do latim directu, que suplantou a expressão Jus, do latim clássico, devido a sua expressividade. Em Roma havia o Jus e o Faz, sendo Jus o conjunto de normas formuladas pelo homem, destinadas à sociedade, e Faz o conjunto de normas de origem divina, religiosa, que regeriam as relações entre os homens e as divindades.

Dessa forma, o Direito passa a ser descrito como a ciência das regras obrigatórias que presidem as relações dos homens em sociedade.

Para Kant, o ser é colocado como inatingível pelo pensamento humano, vindo a influenciar de forma explícita o pensamento jurídico de sua época, já que aquele permanece prisioneiro de suas próprias formas subjetivas de pensar, enquanto que o dever ser impõe-se à vontade humana. Os filósofos do Direito, após Kant, passam a se posicionar, reduzindo o Direito a um mero dever ser, sem relação com o ser.

Kant ainda revela três pontos de sua investigação filosófica, através de três questionamentos. Que posso conhecer? Que devo fazer? O que é permitido fazer?

O paralelo entre Moral e Direito norteia toda a obra jurídica de Kant, tendo a liberdade como ponto de partida e pano de fundo. Kant observa que o verdadeiro critério diferenciador entre Moral e Direito é a razão pela qual a legislação é obedecida. Afirma, ainda, que a vontade jurídica é heterônima, posto que condicionada por fatores externos de exigência da mesma, enquanto que a vontade Moral é autônoma, já que o móbil desta é o dever pelo dever.

Para Limongi França, o direito pode ser entendido sobre quatro aspectos:

  • Como o Justo;

  • Como Regra de direito;

  • Como Poder de direito;

  • Como Sanção de direito.

Os jurisconsultos romanos já ensinavam que jus est a justitia appellatum, isto é, o direito provém da justiça. Pode-se, a partir de tal premissa, afirmar que o direito não tem e não pode ter outro objetivo senão a realização da justiça, que segundo Sidou, "justiça é a virtude de atribuir a cada um o que é seu" (1991, p. 318).

Como Regra de Direito é a ordem social obrigatória estabelecida para regular a questão do meu e do seu (Direito Objetivo), sendo que, Como Poder de direito, é o conjunto de faculdades que as pessoas têm, conferido pela Regra de direito (Direito Subjetivo); e, como Sanção de direito, onde se discute o fato de existir ou não direito sem sanção, isto é, sem a força do poder público ou dos grupos sociais que torna obrigatório.

Já, para Miguel Reale, existem apenas três perspectivas para compreensão da palavra direito: elemento Valor, como instituição primordial; elemento Norma, como medida de concentração da conduta social; elemento Fato, como condição da conduta.

Quanto ao significado de termo "ciência", vale-se, para os fins deste trabalho, aquele que diz ser a busca permanente e constante pela verdade, e que pelo fato dela não ser unívoca, não há como designar um tipo específico de conhecimento, não existindo um critério único que determine sua extensão, natureza ou caracteres, devido ao fato de vários critérios terem fundamentos filosóficos, e que, de certa forma, extravazam a prática científica.

Unindo-se os paradigmas de Direito e Ciência, pode-se concluir que:

O direito como Ciência, valoriza, qualifica, atribui consequentemente a um comportamento. Não tem função de critérios filosóficos, religiosos ou subjetivos, mas em função da utilidade social. Para o direito, a conduta é o momento de uma relação entre pessoas, e não o momento da relação entre pessoas e divindade e entre pessoas e sua consciência, ou seja, o direito não se limita apenas na verificação simples dos atos ou dos acontecimentos, muito pelo contrário, eles são analisados pelas consequências que produzem.(Oliveira, 1999, In: <https://jus.com.br/artigos/1835/etica-moral-e-bioetica>)

É cabível afirmar que o direito como ciência está preocupado com a ordem social e a segurança da sociedade, sendo dessa forma a sociedade e a vontade do homem que atuam na interpretação dessas necessidades e transformam as regras, que essas necessidades impõem, naquilo que chamamos de Direito Positivo.

1.4 Deontologia

O termo Deontologia foi utilizado, pela primeira vez, pelo filósofo inglês, Jeremy Bentham, no ano de 1834. Deontologia provém de dois vocábulos gregos, conforme segue: deontas, o que é obrigatório, aquilo que é necessário fazer (são os deveres de uma profissão), logos, é o conhecimento transmitido mediante provas, é o discurso prático sobre uma matéria (logos: ciência ou estudo).

Segundo Carlin, Deontologia é a ordenação da conduta do profissional, é a ciência dos deveres a que são submetidos os componentes de uma determinada profissão. Na definição de Jean Paul Buffelan, "deontologia designa o conjunto de regras e princípios que ordenam a conduta de um profissional" (Carlin, 1997, p. 32).

Privilegiando-se, aqui, a Deontologia Jurídica, torna-se primordial uma análise sobre dois diferentes ângulos (Carlin, 1997) que envolvem a postura das pessoas envolvidas no caso:

  • Do ângulo interno, trata-se das pessoas que estão no mesmo patamar – que exerçam a mesma profissão, ex. advogados – dessa forma os deveres do profissional concernem à Ordem e aos colegas.

  • Do ângulo externo, visa a repercussões a respeito de pessoas estranhas à profissão e, cujo destino, assegure o bom funcionamento de um serviço de interesse geral, dando ao público garantias.

Cumpre salientar que descobertas científicas e com as constantes descobertas e mudanças de posturas sociais e culturais, causas e conseqüências de mutações de valores e de direitos, tornam-se extremamente comuns que determinadas verdades caíam em desuso e outras sobrevenham, possibilitando uma nova via para a Justiça. Esta atuando sem medo e legitimada pela opinião pública, age como contra-poder, sob o benefício de uma ética diferente, e o homem, como agente provedor dessa mudança na sociedade, impõe seus novos valores, produzindo justificação fática para o direito e o comportamento social, com todos os seus componentes e fenômenos.

Partindo do pressuposto de que a vida social não é exclusivamente conflitiva, é claro, também, a existência de pelo menos três modos possíveis de dirimir controvérsias, quais sejam, segundo Carlin a conciliação, o recurso à força e a constituição de função judicial.

A atividade jurisdicional impõe uma deontologia indispensável e internamente ligada à noção do juiz, pois se é grande a responsabilidade ética de quem elabora a lei, não é menor a daqueles que têm de apreciá-las. A lei, em sua generalidade, difere do ato jurisdicional, que se aplica ao caso concreto e pressupõe a realização da Justiça que, com certos caracteres, torna-se imutável. (1997, p. 41)

Assim sendo, cabe concluir que a Deontologia versa sobre os aspectos éticos relacionados às atitudes vindas das ações éticas nas relações profissionais, tanto entre os mesmos de uma determinada categoria profissional, com destes em relação a cada pessoa sujeita a seus serviços.


2. A ORIGEM DA BIOÉTICA E SEUS PRINCÍPIOS

Nota-se, do até aqui exposto, que os termos Moral, Ética e Direito, buscam suas raízes em um passado bastante remoto, não encontrando, apesar disso, unicidade de sentido quanto aos seus significados. Optou-se por significações usuais dentro das outras que estudam a Bioética. Da mesma forma, e pela mesma razão, conceituou-se Deontologia, sendo os termos em questão indispensáveis ao conteúdo que ora se passa a estudar.

2.1 A Origem

Nos anos 60, nos Estados Unidos, questionou-se, pela primeira vez, a problemática da ética para com aqueles que não podiam expressar suas vontades de forma autônoma, sem influências de enfermidade, mais precisamente os pacientes: de diálise, em estado comatoso, portadores de Síndrome de Down, e outros que encontravam-se em estado de iminente morte. A preocupação não era voltada para a cura da enfermidade em si, mas sim, do abuso no tratamento clínico e experimentos nesses pacientes. Tais fatos contribuíram, decisivamente, tendo-se presente o senso ético, para o despertar de uma discussão voltada para os direitos dos pacientes, vindo, no ano de 1970, surgir a Carta dos Direitos do Enfermo, aprovada e reconhecida por todas as entidades relacionadas com a saúde, ocasionando um novo marco nas relações entre os profissionais da saúde e os doentes. A discussão girava em torno do conhecimento médico e de sua utilização no frágil ser humano, que, por seu estado moribundo, encontrava-se freqüentemente angustiado.

O termo Bioética foi utilizado, pela primeira vez, nos Estados Unidos, pelo médico oncologista e professor da Universidade de Wisconsin, Van Rensselder Potter, em um artigo no qual aparece a palavra bioética: Bioethics: the Science of Survival, vindo no ano seguinte (1971) a ser consagrada na obra intitulada Bioethics: Bridge to the future.

O termo Bioética, para Potter, vinha ao encontro de como deveria ser a ciência na sobrevivência de diferentes ameaças à vida, chegando a essa conclusão a partir de suas pesquisas sobre o Câncer. "Esta doença não é apenas uma enfermidade física, mas uma manifestação das ameaças do ambiente. Daí a necessidade de uma ciência da sobrevivência" (Junges, 1999, p. 16). O que de certa forma, comungava com a proposta apresentada na Carta dos Direitos do Enfermo.

Decisões políticas, muitas vezes, ignoram o conhecimento biológico global, colocando em perigo o futuro da humanidade e, certamente, o futuro dos recursos biológicos a seu serviço. Exige-se uma educação biológica e ética do gênero humano para compreender a relação do ser humano com o Kosmos. Precisamos, segundo Potter, de uma ciência da sobrevivência do ser humano, da promoção da qualidade da vida. A Bioética responde a esta necessidade. (Junges, 1999, p. 18)

Seis meses mais tarde, Andre Hellegers funda o Joseph and Rose institute for the Study of Human Reproduction and Bioethics, sendo que, com Hellegers, o termo ganha um sentido mais próximo do utilizado atualmente, ou seja, como ética das ciências da vida, considerada particularmente ao nível do humano.

A questão relacionada do conhecimento médico e sua utilização, frente ao paciente, estava sacramentada, passando-se a discussão voltada para valores humanos como a chave hermenêutica do progresso das ciências, da qualidade da vida e das ciências ambientais.

Dessa forma, o termo Bioética passou a ser utilizado para todos os pontos referência que adviessem da vida. Não bastava apenas a descoberta, mas sim como utilizá-la a serviço, da forma mais ética, do homem.

Na América Latina destacam-se algumas instituições que promovem a discussão, a pesquisa e a formação em Bioética, quais sejam: Programa Regional de Bioética da organização Panamericana de Salud em convênio com a Universidade do Chile e o Ministério da Saúde do Chile; Escuela Latinoamericana de Bioética da Fundación Dr. José Maria Mainetti (Argentina) que organizou, em 1994, na cidade de Buenos Aires, o II Congresso Mundial de Bioética, promovido pela Associação Internacional de Bioética; Federación Latinoamericana de Instituiciones de Bioética (FELAIBE) de Bogotá (Colômbia).

No Brasil possuímos as seguintes instituições: Sociedade Brasileira de Bioética (São Paulo); Núcleo de Estudos voltados para a Bioética (Brasília); Núcleo de Estudos da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; Instituto Camiliano de Pastoral da Saúde e Bioética das Faculdades Integradas São Camilo (São Paulo).

Além das instituições citadas, percebe-se um número crescente de obras que são publicadas regularmente sobre a Bioética, tanto no Brasil como fora dele, demonstrando a importância de tal tema junto às comunidades científicas de grande parte do globo.

Aprofundando o estudo voltado para a Bioética, passa-se a descrever o seu significado etimológico: bio significa vida; ética o mesmo que ethos, que quer dizer modo de ser.

Na forma contemporânea, pode-se afirmar ainda que Bioética é o Ato Correto de Lidar com a Vida, ou que deveria ser o correto, podendo, ainda, ter o entendimento das relações do homem com a vida, sob o enfoque das escolhas boas e más, do ponto de vista ético, conforme descrito anteriormente: a reflexão ética do "bem" e "mal", do "justo" e do "injusto". Para Mário López (1997), bioética é o estudo sistemático da conduta humana nas áreas das ciências da vida e dos cuidados da saúde, à medida que tal conduta é examinada à luz dos valores e princípios morais. Conceito que assemelha-se com o proposto na Encyclopedia of bioethics, (Reich, 1995) sendo o estudo sistemático das dimensões morais – incluindo visão, decisão, conduta e normas morais – das ciências da vida e do cuidado da saúde, utilizando uma variedade de metodologias éticas num contexto interdisciplinar. De forma sucinta, portanto, pode-se conceituar a bioética como ética aplicada à vida.

Apresenta, a Bioética, três características próprias, quais sejam: nasce em um ambiente científico, como uma necessidade sentida pelos próprios profissionais da saúde, em seu sentido mais amplo, de proteger a vida humana e seu ambiente; Possui caráter interdisciplinar, pois congrega profissionais da área médica, teólogos, sociólogos, juristas, antropólogos, psicólogos, eticistas, filósofos, etc; E, por último, é um ramo do conhecimento humano, que se apóia mais na razão e no bom juízo moral de seus investigadores, do que em alguma corrente filosófica ou autoridade religiosa. Daí, os seus princípios, objeto do próximo estudo, serem de caráter autônomo e universal.

2.2 Os Princípios

Descritas as características, passamos ao estudo dos princípios da Bioética.

Conforme exposto anteriormente, a bioética teve a sua gênese na preocupação da utilização dos conhecimentos médicos na vida dos pacientes, com início nos anos 70, e, mais precisamente no ano de 1974, o Congresso americano criou a National Commission for the protection of Human Subjects of Biomedical and Behavioral Research, com o objetivo de realizar uma pesquisa voltada para a identificação dos princípios éticos básicos que deveriam nortear a experimentação em seres humanos, nas ciências do comportamento e na biomedicina. Frise-se que a finalidade destes princípios é para colaborar com os cientistas, sujeitos de experimentação, avaliadores e cidadãos interessados em compreender os conceitos éticos inerentes à pesquisa nos seres humanos. Tal trabalho levou quatro anos para chegar a sua conclusão e apresentar os seguintes princípios norteadores: beneficência, autonomia, justiça.

2.2.1 Princípio da Beneficência

Sua característica é apontada pela obrigação do bem-estar dos outros, sendo extremamente necessário levar em conta os desejos, necessidades e os direitos de outrem. Leva em conta a instância ética da profissão médica e a estrutura da deontologia profissional: "O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício do qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional" (Código Brasileiro de Ética Medica, artigo 2º). Assim, devem ser atendidos os interesses do paciente e devem ser evitados danos, pois qualquer tentativa, de se fazer um bem à alguém, envolverá o risco em prejudicá-lo, pois, a ética, de qualquer atividade da área de saúde está estreitamente ligada à determinação do bem do enfermo. Apóia-se, tal determinação, no fato de que o fim primado de toda profissão é de estar a serviço da vida do ser humano.

Esta intencionalidade beneficente não recebeu, durante séculos, nenhuma objeção. A relação médico-doente pautava-se no paternalismo médico e na infantilização do enfermo, porque o diagnóstico e, principalmente, a terapêutica eram de exclusiva competência do médico. A intencionalidade beneficente do paternalismo médico visa ao bem do paciente. Com base em que parâmetros definir o bem do paciente? Quem decide entre as indicações do médico e as preferencias do enfermo? É necessário responder a estas perguntas para que o princípio da beneficência continue a regular a ação do médico. (Junges, 1999, p. 46)

Dessa forma, emerge uma dúvida que deve ser altamente discutida sempre quando tratar-se do princípio por ora em discussão. Com a potencialidade dos inventos e descobertas técnico-científicas, surge o questionamento entre o bem concebido pelo médico e o bem humano, no caso o do paciente. Nesse caso tona-se duvidoso se tais avanços e recursos representam um bem para o paciente ou para a missão médica. Nesse caso, para aplicar o princípio da Beneficência, é necessário distinguir o significado do bem do paciente para evitar o "paternalismo", como autonomismo. Sendo que, "a autonomia não é uma alternativa para a beneficência. Devem ser complementares" (Junges, 1999, p. 47). Se por um lado a autonomia está a serviço da beneficência, para que essa não seja desrespeitada, a beneficência está a serviço da autonomia, com a finalidade de chegar a um consentimento informado e competente. A beneficência não serve tão-somente para impedir danos e promover benefícios, mas sim para equilibrar os possíveis danos com os possíveis bens de uma ação.

Percebe-se, então, que a beneficência possui duas faces: a) prover benefícios e b)equilibrar benefícios e danos.

A beneficência, na prática, deve seguir o seguinte roteiro:

  • O enfermo corre risco significativo de sofrer dano ou prejuízo;

  • A ação do profissional é requerida para impedir esse dano;

  • Essa ação provavelmente o impedirá;

  • Ela não trará risco significativo para o próprio profissional;

  • O benefício do enfermo excede em valor o possível dano para o profissional.

Como pode ser observado nessa condição, a beneficência a ser atingida é aquela em relação ao paciente, sendo que, em determinados casos, para ser atingida, fere-se ou causa-se dano a outrem, ocasião que deve ser utilizado o princípio da eqüidade, visto que muitas vezes a beneficência deriva da própria reciprocidade.

No mesmo enquadramento do princípio da beneficência, existe uma sub-divisão, a do princípio já exposto e o princípio da não-maleficência, que retrata parte do juramento hipocrático, o de não fazer o mal. Enquanto que o princípio da beneficência busca infligir o mal ou dano a outrem, o princípio da não-maleficência exprime que devemos impedir o mal ou dano aos outros, remover o mal ou dano, e fazer ou promover o bem.

Insta que é imprescindível não se assemelhar a maleficência com malevolência, pois:

A maleficência deve ser distinguida da malevolência (má vontade), porque esta descreve mais uma atitude interna ou vício moral e aquela o resultado da ação moral. A malevolência diz respeito à intencionalidade da ação e a maleficência refere-se ao resultado da ação. A maleficência, em geral, está associada a dano, ofensa, afronta. Pode significar dano psicológico ou dano à reputação, mas em geral, compreende o dano físico. (Junges, 1999, p. 50)

Pode-se, ainda, afirmar que o dever da não-maleficência inclui não só o dever de sanar o mal atual, bem como os futuros males. Embora que, em certas situações, seja impossível evitar males futuros, não evitando, dessa forma, o bem na sua totalidade.

Por influência, principalmente cristã, a ética médica, busca justificar seus efeitos negativos, ancorados em três princípios: Duplo Efeito, Totalidade e Mal Menor:

  • Princípio do Duplo Efeito - É aplicado quando a ação tem duas conseqüências, sendo uma positiva e a outra negativa. Dessa forma o efeito negativo é visto como indireto e não intencional. Ex.: Devido a moléstia que o atordoa, terei que amputar sua perna (efeito negativo), mas em compensação você continuará vivo (efeito positivo). "O sujeito moral somente pode admitir um efeito mau de seu ato, se esse efeito é indireto e compensado por uma razão proporcionada" (Knauer, 1965, p. 357). Na aplicação desse princípio, visa-se quatro condições; a ação em si deve ser boa; o fim deve ser honesto; o efeito negativo, alcançar o positivo; e deve haver proporcionalidade entre o efeito bom e o mau da ação.

  • Princípio da Totalidade - quando existe um conflito entre o bem da totalidade e o bem da parte, é necessário preferir o primeiro, sendo que esse princípio aplica-se somente à totalidade pessoal (pessoas), e não à totalidade social. Caso contrário, a pessoa seria sacrificada em favor da sociedade, sendo que tais ações foram comuns na antiguidade. Ex.: Extermina-se todos os portadores do vírus HIV, ou seja mata-se as pessoas portadoras e livra-se a sociedade da contaminação.

  • Princípio do Mal Menor - é o caso em que todos os atos a serem realizados serão negativos. Qualquer que seja a direção, a conseqüência será negativa, danosa. A Intenção é moralmente positiva ao escolher o mal menor, sendo que o agente não se torna culpado, pois a ação é permitida e, as vezes, obrigatória. Ex.: a decisão que envolva a mãe e filho na hora do parto, apenas um poderá sobreviver.

2.2.2 Princípio da Autonomia

Segundo Kant, as pessoas nunca devem ser tratadas como meios para fins de outras pessoas, pois deve o homem ter Direito às suas autonomias. O médico deve respeitar a vontade do paciente, visando as suas crenças e valores morais, porém deve ficar claro que a autonomia é limitada quando entra em conflito com o direito que envolva outras pessoas, inclusive o próprio médico. O que deve pontuar são os valores morais.

Há bem pouco tempo atrás, o ato médico não era questionado, sendo que esse era visto como paternalista e, o paciente como uma criança, sendo que no juramento hipocrático e nos códigos clássicos de medicina, tal afirmação é confirmada. Esse paternalismo foi, durante séculos, a tradição médica, impulsionada pelo dever com o bem estar do paciente, postura que até mesmo mistificou uma determinada superioridade moral de tal profissão médica, em volto de uma "aura", acompanhada pela do sacerdote e do juiz. "Nesta superioridade moral está a sua grandeza, mas também a sua fraqueza e a causa de suas deformações"(Junges, 1999, p. 41).

O paternalismo médico começa a ser questionado quando apareceram abusos e manipulações que feriam esta tradição, a valorização do pensamento de que o ser humano é sujeito e não objeto, ocasionando que o paciente não aceita mais ser entregue a um médico, como uma criança a sua nova babá, ou seja, inicia um processo, gradativo, que começa a exigir uma participação ativa no prognóstico e diagnóstico, sendo que em determinadas ações é exigido o consentimento informado, - autonomia – conforme prevê a Carta de Direito dos Enfermos. Passa-se ao seguinte entendimento, que o enfermo, enquanto sujeito e esse com sua dignidade, tem o direito de decidir autonomamente sobre a aceitação, ou não, do que se quer fazer com ele e do tratamento indicado.

Na verdade, o que se busca é que seja desmistificada a figura do paternalismo médico, não de forma a isentá-lo de sua responsabilidade, mas sim da autonomia, ou poder de livre escolha do enfermo.

Ser autônomo e escolher autonomamente não são a mesma coisa do que ser respeitado como agente autônomo. Ser respeitado significa ter reconhecido seu direito de autogovernar. É afirmar que o sujeito está autorizado a determinar-se autonomamente, livre de limitações e interferências. O princípio da autonomia expressa esse respeito. (Junges, 1999, p. 41)

O enfermo, diante das informações, tem a possibilidade de exercer a sua autonomia, e de ver essa respeitada. É importante, frise-se, que essa autonomia seja voluntária.

A questão que deve ser observada detalhadamente é a competência para o exercício do princípio da autonomia, pois existem casos em que é impossível a manifestação do enfermo, presentes determinadas circunstâncias que acercam essa decisão. Observa-se, nesse caso, as condições físicas e psicológicas do enfermo, para verificar se ele não está agindo de forma ansiosa e não voluntária. Da competência, para emitir juízos autônomos, depende todo o contexto, que qualificam como competente ou não, para a autonomia da decisão.

São três as condições que determinam a competência: capacidade para tomar decisões, baseada em motivos racionais; capacidade de chegar a resultados razoáveis através de decisões; e capacidade de tomar decisões.

O princípio da autonomia não cobre determinados casos, como por exemplo os relacionados com: crianças, suicidas potenciais, dependentes de drogas, excepcionais e demais casos que por seu estado físico ou psíquico, estejam impedidos de exercer voluntariamente a sua autonomia.

Deve estar o enfermo acima de qualquer interesse, visto que ele é sujeito e não objeto de alguma instituição que trata a saúde, ou de pesquisa científica, como visto anteriormente.

Seguindo essa linha de raciocínio, três indicações devem ser observadas:

  1. Em primeiro lugar, o melhor interesse do enfermo acontece quando a medicina realiza os seus objetivos constitutivos, ou seja: os de prevenir, curar, ter o cuidado de reabilitar uma função e de aliviar a dor. Quando se assumem tratamentos que não respondem a nenhum desses objetivos, pode-se estar seguro de que não se está buscando o interesse do paciente.

  2. Em segundo lugar, deve-se perguntar qual a escolha que o enfermo faria se estivesse consciente. A sua biografia pode fornecer elementos para orientar a escolha. Perguntar-se-ia, ainda, se são conhecidos os valores, projetos e esperanças do enfermo, se eles são algo decisivo para tomar uma decisão. Se não existe esse conhecimento, pode-se recorrer ao princípio de referência do que decidiria, em circunstâncias análogas, uma pessoa racional.

  3. Caberia, por último, indagar sobre quem é o sujeito mais competente para decidir pelo outro quando este está incapacitado. Quanto a decisão ser tomada em conjunto entre a equipe médica e os familiares, esta não parece uma boa solução. O ideal seria ser em conjunto, uma vez que a equipe médica tem a competência que vem do conhecimento da situação do doente e da confiança dos familiares, e por outro lado, a família também tem uma posição privilegiada, porque conhece o doente mais de perto. Contudo, devido ao envolvimento afetivo, os familiares podem ser incapazes de enfrentar situações-limite nas quais é necessário tomar uma decisão difícil. Por isso, a importância da equipe médica.

2.2.3 Princípio da Justiça

Busca o último princípio a ser estudado, apóia-se no contexto de que os juristas, os cientistas e os filósofos devem dar a sua contribuição para a busca da justiça, da vida, da liberdade, para que possam, eticamente, formar nossa consciência e das pessoas que participam do debate, que, por ora, se forma. Nesse último contexto, decorre a necessidade de integrar junto aos outros dois princípios, também o da Justiça, que visa o direito fundamental de igualdade e a necessária eqüidade na distribuição dos recursos.

As novas possibilidades de "intervento" médico referem-se a casos-limite, em que se torna difícil reconhecer a pessoa e onde a presença da dignidade humana é sutil. O que significa, nestes casos, igual respeito e consideração? Trata-se de situações nas quais as determinações pessoais são mais tênues, porque as potencialidades do sujeito ainda não se expressam no nível pessoal (embrião em estágios precoces); ou, porque, em vez de tratar o enfermo como pessoa, o reduzirá a uma vida vegetativa (estados comatoso); ou, porque a vida biológica que o "intervento" médico pode garantir não contém a promessa de comportar uma vida pessoa (patologias neonatais). (Junges, 1999, p.51)

O princípio da justiça visa evitar a discriminação frente a seleção, do paciente em igual estado e, ansiosamente, busca a solução para o seu mal. Entretanto necessária é uma reflexão no sentido de saber-se quem é o outro. É, portanto, necessário entender-se que o aspecto biológico não define o ser humano, mas é suporte de realização da pessoa humana e o lugar de verificação do respeito e consideração.

A questão de igualdade, de respeito e de consideração proclama mais a questão social. O princípio da Justiça visa exterminar a diferença que muitos pobres sofrem frente ao atendimento, ou melhor dizendo, sobre a discriminação no atendimento à saúde. O estado tem o dever de amparar a todos, e esse acesso não pode ser predeterminado, e sim preestabelecido no sentido de quem necessita, independente do respeito e consideração social que exista em torno desse enfermo.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos afirma em seu artigo 25:

Toda pessoa tem direito a um nível de vida adequado que assegure para si e sua família, a saúde e o bem-estar e, em especial, a alimentação, a habitação, a assistência sanitária e os serviços sociais necessários.

O segundo princípio, o da Justiça, é referente a eqüidade na distribuição de recursos. Mas qual o critério que deve ser adotado para essa distribuição?

Imagina-se, inicialmente, tratar-se de um problema político, como realmente de fato o é, mas a medicina não pode se exonerar dessa questão: "trata-se da justiça distributiva que aponta para as obrigações da sociedade considerada como um todo em relação aos indivíduos que a compõem" (Junges, 1999, p. 56). Dessa forma é correto afirmar que a sociedade deve atender às exigências razoáveis de cada cidadão, os quais variaram segundo tempos e lugares, tratando-se, hoje, da justiça relacionada com o direito à assistência sanitária.

Deve-se, pela eqüidade, verificar que todos tenham igualdade no acesso, sabendo-se que, porém, é indiscutível que os resultados poderão ser desiguais, e que sempre poderão haver desigualdade, sendo que elas são aceitas e justas, desde que tragam vantagens e benefícios para todos, a começar pelos mais desfavorecidos. Trata-se nesse caso do princípio da compensação, pois as imerecidas desigualdades requerem compensação social, que visará tratar igualmente a todas as pessoas e proporcionar uma autêntica igualdade de oportunidades.

Pela oportunidade, ainda, cabe dizer que o princípio de Justiça visa que todos tenham as mesmas condições de acesso a tratamentos e demais terapias pertinentes, assumindo uma perspectiva deontológica de igualdade e de imparcialidade.

Os princípios clássicos da Bioética, Beneficência, Autonomia e Justiça, são de naturezas diferentes dentro da própria ética, sendo que o princípio da autonomia provém da filosofia moral de Kant; o princípio da beneficência ao utilitarismo de Mill e o princípio de Justiça do contratualismo de Rawls.

Finalizando, pode-se afirmar que a Bioética é a Ética da vida, conforme ensina Correia (1996).

Ainda, segundo Junges:

Bioética – de vida e ética – é um neologismo que significa ética da vida. Este primeiro sentido já indica um conteúdo de enorme abrangência: o que é vida lhe compete. Decorre daí a dificuldade de se dar à bioética uma definição sumária e adequada, uma vez que as definições tendem sempre a fixar fronteiras e a bioética não tem fronteiras, não se definindo, por isso, como as demais disciplinas. (1999, p. 40)

De qualquer forma, a bioética, segundo a maioria dos autores, não tem, ainda, a sua definição e características definidas, mas, indiscutivelmente, assinala para a interdisciplinariedade, indicando uma grande perspectiva para a investigação, consolidando, enfim, a intersubjetividade.


3. AS DIFERENÇAS ENTRE BIOÉTICA E BIODIREITO

Embora os termos Bioética e Biodireito sejam semelhantes, não são sinônimos, sendo que um versa sobre ética e o outro sobre direito.

3.1 Bioética

Para o Dr. Carlin, Bioética, é "a maneira de regulamentação das novas práticas biomedicinais, atingindo três categorias de normas: deontológicas, jurídicas e éticas, que exigem comportamento ético nas relações da biologia com a medicina". (1996, p. 34 –35).

Marco Segre entende que "é a parte da Ética, ramo da filosofia, que enfoca as questões referentes à vida humana (e, portanto, à saúde). A bioética, tendo a vida como objeto de estudo, trata também da morte (inerente à vida)". (1995, p. 23).

Pode-se firmar que, a conceituação do termo bioética foi traduzido de uma forma que norteou todos os estudiosos das áreas envolvidas com o tema Bioético, sendo que esse conceito foi o adotado pela enciclopédia de Bioética, coordenada por W.T. Reich, na edição de 1978, definindo a bioética como "o estudo sistemático da conduta humana na área das ciências da vida e dos cuidados da saúde, na medida em que esta conduta é examinada à luz dos valores e princípios morais" (Clotet, 1993, p. 16). Já na edição de 1995, tem-se que "bioética é o estudo sistemático das dimensões morais – incluído visão moral, decisão, conduta e políticas – das ciências da vida e atenção à saúde, utilizando uma variedade de metodologias éticas em um cenário interdisciplinar". (Reich, 1995, p. 9)

A ética tem sido fundamental no exercício da Medicina em todas as épocas, mas, definitivamente, foi após a Segunda Guerra Mundial que a problemática da Bioética passou a ser objeto de estudo também da Filosofia, da Religião, das Ciências Sociais, do Direito, e, principalmente, das pesquisas em Ciências Biológicas.

Inicialmente restringia-se a Bioética ao Juramento Hipocrático, que tratava unicamente das obrigações e, conseqüentemente, das responsabilidades médicas, visando uma orientação de que o médico deveria mirar-se no bem-estar do paciente e da pertinente ação de não causar danos ao mesmo

No Tribunal de Nurenberg, através da condenação dos médicos considerados culpados de conduta contrária aos valores humanos, nas experimentações que ocorreram durante o regime Nazista da Alemanha, fez-se com que a Bioética passasse a ser objeto de estudos para as ciências já mencionadas, sendo que, dessa forma, a Bioética impôs-se como uma realidade e um novo objeto de estudos, que se iniciou na barbárie Nazista e persiste até o pretensioso Projeto Genoma.

Pode-se dizer que a Bioética analisa os problemas éticos dos pacientes e de todos os envolvidos na assistência médica, bem como de pesquisas científicas relacionadas com o início, a continuação e o fim da vida - como a engenharia genética, transplantes de órgãos, a reprodução humana assistida (embriões congelados, fertilização in vitro), prolongamento artificial da vida, os direitos dos pacientes terminais, a morte encefálica, a eutanásia, dentre outros fenômenos. Enfim, a bioética visa unicamente analisar as implicações morais e sociais das técnicas resultantes dos avanços nas ciências.

3.2 Biodireito

É ramo muito recente da ciência jurídica, e tem por objeto a análise, a partir de uma ótica jurídica, através de várias metodologias, dos princípios e regras que criam, modificam e extinguem as relações entre indivíduos e grupos, e entre esses com o Estado, quando essas relações disserem respeito ao início da vida, e ao transcurso dela ou ao seu fim.

Tais descobertas científicas, por serem recentes na literatura jurídica, e muitos careceram de regulamentação específica, demandam uma apreciação científica e ética, a qual necessita ser precedida de um debate acerca dos princípios que devem servir de parâmetros referenciais para o legislador.

Entretanto para que todas essas descobertas venham ao encontro do homem, necessário é que não fira o princípio constitucional fundamental da Dignidade da Pessoa Humana.

Evidente que o Direito deve abandonar imediatamente estas posturas – indiferentes e auto-suficiência – e buscar adequar-se aos novos tempos – à evolução das sociedade determinada pelos avanços da bioética.

Em parêntese, é preciso esclarecer que quando se fala em que o Direito tem se mostrado inerte ou arrogante, se está falando da postura da grande maioria dos juristas tradicionais, porque na realidade importantes vozes têm se levantado em alerta para a defasagem já mencionada. De outro lado, tomada a expressão bioética com a acepção original, com a abrangência pensada por Potter, se pode verificar que em algumas áreas, como, por exemplo, o meio ambiente, há uma certa preocuparão dos legisladores e juristas, também, que o direito experimentou uma razoável satisfatória, evolução neste campo nestas duas últimas décadas, (Esta evolução é sensível no Brasil, lugar de onde se está falando, embora seja visível no mundo inteiro) deficiência primordial se encontra nas questões relativas à biotecnologia. (Carlin, 1998, p. 100-101)

O Direito, no âmbito da Bioética, e, no momento, sendo discutido como Biodireito, encontra uma forte corrente de entendimento de que é aquilo que está codificado, ou seja, Direito é somente aquilo que está positivado, sendo que nesse âmbito inclui a variação de normas que impõem deveres e obrigações, legitimações, etc. E esse pensamento é que impulsiona a grande parte dos juristas, segundo Ramón Mateo (Carlin, 1998, p.99.):

Só a lei pode dizer-nos quando e em que condições se pode praticar um aborto ou realizar um transplante de órgãos. A fecundação artificial – e suas conseqüências jurídicas: filiação e herança – é também da incumbência do legislador. O internamento psiquiátrico imperativo, a vacinação obrigatória, as condições de experiências com humanos, a decisão geral do que se considera morte biológica, são, entre outros, expoentes de campos para os quais é inescusável o pronunciamento da lei. O mesmo pode dizer-se dos direitos sociais. De nada vale proclamar enfaticamente o direito à saúde de todos os cidadãos, se não se adota um estatuto que faça efetivo o acesso aos serviços sanitários.

Não parece discutível que somente a partir do ordenamento positivo, quer dizer, da criação do biodireito, possam resolver-se os problemas que vislumbra a bioética. (Carlin, 1998, p. 101-102)

Verifica-se que tal postura adotada é preocupante, haja vista que o autor entende que o biodireito é prioridade sobre a bioética. Casabona lembra que o Direito nem sempre opera assim, mas há ocasiões em que não se pode oferecer princípios normativos unívocos. Nestas condições, segundo o mesmo autor, "o Direito algumas vezes não está em condições de oferecer respostas adequadas, válidas para realidades ou fenômenos sociais novos, como está ocorrendo, em certa medida, com as ciências Biomédicas" (Carlin, 1997, p. 102)

Ao Direito cabe, propriamente, o papel legitimador, mas, com a questão envolvendo a Bioética, surge a necessidade de uma aderência maior e mais eficaz do direito, pois, até a sua positivação, podem ocorrer alterações ou atos que não sejam passíveis de reversão.

A Bioética e Biodireito são faces não opostas do conhecimento e do agir do ser humano. Mesmo que o enfoque divirja, o objeto sempre será o mesmo. Enquanto que a Bioética analisa o agir humano, o Biodireito considera os resultados externos, de uma ação, avaliados por um ordenamento jurídico. Como já foi afirmado que o objeto é o mesmo para ambos os estudos, a ordem do conhecimento prático exige-os mutuamente. A ordem jurídica remete à ordem moral para fundamentar a validade e os valores que sustentam a ordem constitucional. Dessa forma, a ordenação jurídica, que não tem base ética, não consegue impor-se, sendo que a ordem moral remete para a ordem jurídica para ter força jurídica e eficácia prática, no sentido de possibilitar a convivência social e educar para as exigências éticas de uma ordem democrática.

Enquanto que a bioética é uma das faces mais dinâmicas do panorama da ética, o biodireito não corresponde em contrapartida ao ordenamento jurídico.

A eficácia da bioética só se fará completa quando o biodireito já estiver positivado. Com os constantes avanços bioéticos, torna-se indispensável que o direito normatize questões a eles ligados, prevendo-os, regulamentando-os e, mesmo, criando sanções.

O problema está na própria dificuldade de definir vida humana, dignidade humana, pessoa humana que são metajurídicas de opção antropológica e ética. Em geral, as ordenações baseiam-se nas grandes declarações internacionais sobre direitos humanos. Mas estas declarações são vagas e podem apenas servir de fundamentação ética, não tendo força legal. A bioética necessita de formulações jurídicas mas claras e concretas. (Junges, 1999, p. 124)

Verifica-se a dificuldade na formação do biodireito, persistindo as lacunas, o que faz com que a bioética avance baseada apenas nas questões ética e não na questão jurídica, sendo que os avanços bioéticos atingem, de forma generalizada, a todos os seres humanos, enquanto que a questão voltada para o direito limita-se as declarações internacionais, sendo que estamos em um planeta com uma significativa pluralidade de opiniões e posturas frente aos direitos.

Para analisar ordenações legais que dizem respeito a problemas bioéticos, o jurista italiano Franscesco D’Agostinho formulou quatro paradigmas para compreensão e formação do biodireito, abaixo elencados (Junges, 1999)

  1. Paradigma Formalístico – Para esse paradigma, o específico jurídico não está na materialidade da norma, dependente unicamente do legislador, mas na sua estrutura formal. Em matéria de bioética, os juristas não teriam competência. Sua intervenção seria apenas extrínseca, enquanto possibilitam a formalização do ordenamento legal. Neste sentido, é impensável a constituição de um biodireito para este paradigma, pois o papel do direito é a pura formalização de decisões éticas prévias.

  2. Paradigma Individualístico-libertário – Este paradigma parte do pluralismo ético e nega ao direito uma função educativa e promocional. Ao contrário do paradigma precedente, não atribui ao direito uma função puramente formal, mas um papel mais substancial de garantir a cada indivíduo o direito à privacidade e à autonomia em sua decisões pessoais. O direito tem como objetivo defender os direitos dos singulares, entendidos como solicitações expressas e exigidas pelos indivíduos. Não existem direitos "em si", mas aqueles reconhecidos e reivindicados pelo sujeito. Quem não está em condições de exigir os seus direitos (fetos e adultos excepcionais) está excluído da proteção jurídica. Para serem coerentes, os defensores deste paradigma deveriam excluir também crianças. Não teriam proteção por si mesmas, mas por aqueles que exercem a tutela sobre elas.

  3. Paradigma Procedimental – trata-se de um paradigma mais sofisticado de tipo adaptativo. Parte do pressuposto de que o social não é pura agregação de interesses dos sujeitos singulares e de que não existem critérios prévios para dirimir os conflitos entre os interesses. Por isso atribui, ao direito, a função de defender uma ética convencional pública que fixe universalmente os procedimentos, publicamente aceitos, para gerir os problemas sociais. Portanto, os procedimentos são válidos porque foram convencionados e ninguém pode alterá-los por iniciativa própria ou a partir de uma visão ética particular. Este paradigma tem maior consistência jurídica, porque baseia-se na racionalidade democrática do acordo político. O seu limite é reduzir a democracia à mera convenção numérica e, por isso, impossibilitar a elaboração de uma normativa de caráter contrafactual.

  4. Paradigma Relacional – este paradigma assume a dimensão relacional de ser humano com o ponto de partida e vê o direito como um sistema objetivo de defesa das expectativas irrenunciáveis da pessoa humana na sua realidade de sujeito-em-relação. Portanto, o paradigma "relacional" possui um critério específico material para determinar a justiça. Nesta perspectiva, é juridicamente ilícita toda modalidade de relação que altere a simetria da reciprocidade, dando a um elo de relação poderes ou privilégios indevidos que não sejam também reconhecidos a outra parte. Para a Bioética, este paradigma revela-se particularmente fecundo. O direito é chamado a superar o reducionismo, que determinam a defesa dos direitos e a gestão da subjetividade jurídica. Esta é entendida numa lógica essencialmente individualista que desapossa e descapacita dos direitos quem é considerado fora da trama relacional. Este paradigma fundamenta-se numa antropologia relacional: o sujeito é estruturalmente aberto à alteridade, é constituído pela alteridade. Encontra-se nessa mudança não só a única possibilidade de defesa e promoção da sua dignidade, mas a única via de conquista da própria identidade. O vínculo que relaciona todo ser humano a outros seres humanos (principalmente o vínculo que aproxima quem cuida de alguém e quem é cuidado) não é apenas um vínculo social, mas mais profundamente, um vínculo humano-existencial, constituído pela subjetividade de ambos. O jurista deve reconhecer que não existe nenhuma expectativa juridicamente justa que não tenha seu fundamento na reciprocidade, nem direitos que possam ser reivindicados fora do contexto indivíduo, porque tal indivíduo propriamente não existe.

Ao garantir a relacionalidade, o direito não defende propriamente nenhum bem ou valor, nem mesmo o bem fundamental da vida. Contudo, põe uma condição para sua aceitação. Garante aqueles bens e valores que forme coerentes com a lógica da relacionalidade. Por mais alto e apreciado, determinado bem ou valor não é defensável se incompatível com a lógica da reciprocidade.

Cabe afirmar que o direito não tutela uma forma típica de relação, mas a relacionalidade em si mesma, isto é, aquela que funda a subjetividade e pressupõe a paridade ontológica dos coexistentes.

O papel do direito, assim como o da Bioética, que significa uma dinamização teórica e prática da ética em geral, exige uma reformulação das próprias categorias jurídicas constitutivas. A Bioética impulsiona uma teoria e uma prática dos seus pressupostos e procedimentos jurídicos para poder articular um biodireito, sendo que para atender a esse desafio devem ser seguidos pelos juristas o seguinte esquema apresentado na obra do Prof. Junges:

  • Reinterpretar, em chave relacional, a subjetividade jurídica geral e daqueles sujeitos caracterizados por debilidade relacional.

  • Reconhecer que a normatividade intrínseca dos sujeitos jurídicos, enquanto sujeitos sociais, não encontra seu fundamento na vontade do legislador, mas na própria identidade substancial do "social", como um conjunto de dinâmicas relacionais.

  • Individualizar o significado intrínseco das relações interpessoais como critério último da normatividade bioética.

  • Contribuir para a inserção dos direitos bioéticos no sistema positivo dos direitos humanos, entendidos como sistema que está acima dos Estados.

  • Reafirmar o caráter estritamente relacional da epistemologia jurídica. O direito é uma ciência prática que tem como objeto as ações sociais que são sempre intersubjetivas e cuja epistemologia é, por isso, essencialmente relacional. (Junges, 1999).

Pode-se, dessa forma, afirmar que é imprescindível a composição de um biodireito que promova e defenda a igualdade e o respeito recíproco dos sujeitos de qualquer relação interpessoal na qual está implicada a vida humana.


4. DIGNIDADE HUMANA: SIGNIFICADO E ALCANCE

Na continuidade, passa-se a análise da conceituação de dignidade Humana, porém para melhor aproveitamento, faz-se necessária uma análise do significado da expressão Princípio Constitucional.

Entende-se aqui como princípio, tudo aquilo que deve ser observado na composição de algo. Tratando-se do fato de estar-se buscando a conceito legal para o termo, é necessária a observação da conceituação provindo do doutrinador Bonavides:

A idéia de princípio, segundo Luís Diez Picazo, deriva da linguagem da geometria, "onde designa as verdades primeiras". Logo acrescenta o mesmo jurista que exatamente por isso são "princípios", ou seja, "porque estão ao princípio", sendo "as premissas de todo um sistema que se desenvolve more geométrico" (1996, p.228-229)

Para José Afonso da Silva, é necessária a distinção entre Princípios e normas, distinguindo-os da seguinte forma:

A palavra princípio é equívoca. Aparece com sentidos diversos. Apresenta a acepção de começo, de início (...) significa norma que contém o início ou esquema de um órgão, entidade ou de programa. (...) As normas são preceitos que tutelam situações subjetivas de vantagem ou de vínculo, ou seja, reconhecem, por um lado, a pessoa ou a entidade, a faculdade de realizar certos interesses por ato próprio, (...) Os princípios são ordenações que se irradiam e imantam os sistemas de normas. (1997, p.93-94)

Entende-se assim que princípios são os objetivos que regem determinado direito positivado, devendo ser respeitados na concepção posterior de qualquer norma.

Tratando-se que o objeto de estudo visa a conceituação de Princípios Constitucionais, entende-se, portanto, que todas as leis, para não correrem o risco de serem consideradas inconstitucionais, devem obedecer aos princípios previstos em nossa Carta Magna.

Os Princípios são, na verdade, normas mais abrangentes do que as regras (as quais são mais específicas), sendo que devem ser observadas na feitura de lei nova, na prática de atos administrativos, legislativos e judiciários, e devem observação, principalmente, na interpretação de leis para sua aplicação.

Seguindo a orientação dos Princípios Constitucionais, acrescenta-se o estudo dos Princípios Constitucionais Fundamentais que, segundo Silva, nos leva a seguinte discriminação:

  • (a) princípios relativos à existência, forma, estrutura e tipo de Estado: República Federativa do Brasil, soberania, Estado Democrático de Direito (art. 1º);

  • (b) princípios relativos à forma de governo e à organização dos poderes: República e separação dos poderes (art. 1º e 2º);

  • (c) princípios relativos à organização da sociedade: princípio da livre organização social, princípio de convivência justa e princípio da solidariedade (art. 3º, II);

  • (d) princípios relativos ao regime político: princípio da cidadania, princípio da dignidade da pessoa, princípio do pluralismo, princípio da soberania popular, princípio da representação política e princípio da participação popular (art. 1º, parágrafo único);

  • (e) princípios relativos a prestação do Estado: princípios da independência e do desenvolvimento nacional (art. 3º, IV);

  • (f) princípios relativos à comunidade internacional: da independência nacional do respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana, da autodeterminação dos povos: da não-intervenção, da igualdade dos Estados, da solução pacífica dos conflitos e da defesa da paz, do repúdio ao terrorismo e ao racismo, da cooperação entre os povos e o de integração da América Latina (art. 4º)" (2000, p. 98-99).

Os princípios constitucionais, ainda podem ser:

  • Constitucionais Gerais – "Decorrem de certas normas constitucionais e, não raro constituem desdobramento (ou princípios derivados) dos fundamentais, como o primeiro da supremacia da constituição e o conseqüente princípio da constitucionalidade, o princípio da legalidade, o princípio da isonomia, o princípio da autonomia individual, decorrente da declaração dos direitos, o da proteção social dos trabalhadores, fluente de declaração dos direitos sociais, o da autonomia municipal, os da organização e representação partidária, e os chamados princípio-garantias (o do nullum crimen sini lege e da nulla poena sine lege, o do devido processo legal, o do juiz natural, o do contraditório entre outros, que figurem nos incisos, XXXVIII a LX do art. 5º)..."(Silva, 2000, p. 97)

  • Constitucionais Implícitos – Não são encontrados de forma expressa na lei, mas oportunizam a sua dedução: "Na constituição brasileira, a doutrina e a jurisprudência têm reconhecido a vigência de inúmeros princípios constitucionais implícitos, como o princípio da proporcionalidade, da supremacia do interesse público, da presunção de constitucionalidade das leis (...), entre vários outros. É importante destacar (...) que inexiste hierarquia entre o princípio constitucionais explícitos e implícitos. Estes podem concorrer com aqueles em casos concretos, impondo-se nesta hipótese, o empreendimento de uma ponderação de interesses para resolução satisfatória da controvérsia" (Sarmento, 2000, p. 219)

Embora alguns autores, como é o caso de Paulo Bonavides, tratam todos como Princípios Constitucionais, descartam qualquer possibilidade de classificação.

Os princípios constitucionais outra coisa não representam senão os princípios gerais do Direito, ao darem estes o passo decisivo de sua peregrinação normativa, que, inaugura nos Códigos, acaba nas Constituições. (Bonavides, 1998, p. 262)

4.2 Dignidade de Pessoa Humana

Compreendidos o significado e a abrangência dos princípios constitucionais Fundamentais, faz-se necessário o entendimento de Dignidade da Pessoa Humana.

Encontra-se constantemente, manchetes proferindo Dignidade da Pessoa Humana entretanto associá-la ao nosso meio é uma tarefa que exige um pouco mais de entendimento para o seu significado.

Vejamos o significado da palavra Dignidade para Plácido e Silva. "Dignidade deriva do latin dignitas (virtude, honra, consideração) em regra se entende a qualidade moral, que, possuída por uma pessoa, serve de base ao próprio respeito em que é tida" (Silva, 2000, p. 267)

Em nossa Constituição Federal, em seu artigo inicial no inciso III, descreve a seguinte redação:

A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Direito Federal, constitui-se em Estado democrático de Direito e tem como fundamentos:

(...)

III - a dignidade da pessoa humana;

Tem-se, então, a Dignidade como um dos princípios norteadores de nossa Carta Magna, pela visão do doutrinador José Afonso Silva, o significado de tal princípio:

Dignidade da Pessoa Humana é um valor supremo que atraí o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida. "concebido como referência constitucional unificadora da todos os direitos fundamentais [observam Gomes Canotilho e Vital Moreira], o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e não uma qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da Dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos casos dos direitos sociais, ou invocá-la para construir "teoria do núcleo da personalidade" individual, ignorando-a quando se trate de garantir as bases da existência humana". Daí decorre que a ordem econômica há de ter por fim assegurar a todos existência digna (art. 270), a ordem social visará a realização da justiça social (art. 193), a educação, o desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania (art. 2500) etc, não como meros enunciados formais, mas como indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa humana. (Silva, 2000, p. 109)

Enriquece tal postura, a doutrinadora Diniz, ao afirmar que, "é o princípio moral de que o ser humano deve ser tratado como um fim e nunca como um meio". ( 1998, p. 133)

Dessa forma, é correto afirmar que a Dignidade Humana não oportuniza uma mera disposição legal, mas sim um imposição legal, onde as esferas Federal, Estadual e Municipal, devem ter uma atuação, impositiva, para a sua implantação.

Kant descreveu Dignidade de Pessoa Humana com o seguinte significado, "age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente com meio" (Junges, 1999, p. 110). Assim, tem dignidade algo, quando esse algo não tem preço, quando não pode ser trocado por outro equivalente, ou melhor, a pessoa é fim em si mesma, porque não tem valor peculiário e não pode ser usada como meio, para alcançar outro fim.

Essencialmente, por que, em todo ser humano, a diferença de outras criaturas é uma realidade moral; em outras palavras, a pessoa tem dignidade, porque é fundamentalmente capaz de auto-realização; é chamada a realizar com sua inteligência e liberdade a sua própria moralidade. A dignidade especial do ser humano não consiste em viver como um exemplar da sua espécie, mas a cada ser humano é dada uma tarefa específica e proporcionada: ser do ponto de vista moral e pela força da sua liberdade um ser humano bom. O significado da vida humana não é estar bem, mas ser bom. A dignidade humana para Kant fundamenta-se no fato de a pessoa ser essencialmente moral. (Junges, 1999, p.110)

Entende-se dessa forma que cada ser humano é único. É pessoa por ter características próprias em si, é insubstituível, por ter valor em si, isto é, goza de dignidade. A dignidade, por sua vez, não admite privilégios, e tão pouco é atribuído ou outorgado, mas sim uma característica do ser humano. Nasce de forma independente a qualquer condição social imposta ao seu humano.

A Dignidade da Pessoa Humana é absolutamente integral. Ela é auto-realização. Não se atribui a ser humano algum mais dignidade que a outro. "Ela serve para incluir todo ser humano e não para excluir alguns que não interessam; não pode ser usado como critério de exclusão, pois seu significado é justamente de inclusão" (Junges, 1999, p. 112).

A Dignidade da Pessoa Humana não fica exposta a possibilidade de algum tipo de condição, sendo que tal categoria levanta exigências éticas, por que o ser humano é pessoa, dessa forma, único e insubstituível.

Junto a Dignidade da Pessoa Humana, a Constituição Federal, faz menção ao direito à Vida:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residente no País a inviolabilidade do direito à vida (...).

Encontra-se na obra do Doutrinador Moraes, uma observação que se faz necessária para o entendimento da abrangência do citado artigo constitucional.

A Constituição Federal proclama, portanto, o direito à vida, cabendo ao Estado assegurá-lo em sua dupla acepção, sendo a primeira relacionada ao direito de continuar vivo e a Segunda de ter a vida digna quanto à subsistência. (1997, p. 51).

Entendendo-se que o Estado deve assegurar o direito de continuar-se vivo, e de proporcionar dignidade ao ser humano. Importante, nesse caso, é relacionar o direito à vida como uma obrigação do Estado, e não uma imposição do Estado, sendo que a questão relacionada à dignidade é fator obrigatório para a manutenção da vida humana.


5. A ORIGEM E CLASSIFICAÇÃO DA EUTANÁSIA

5.1 Origem

Criada no século XVII, pelo filósofo inglês Francis Bacon, que a designou como sendo a função do médico, quando este proporcionava morte indolor, calma e doce aos seus pacientes.

No seu sentido etimológico, de origem grega, Eutanásia significa, eu o mesmo que Bom/Boa, thanasia igual a Morte.

Dessa forma pode-se afirmar que Eutanásia significa Boa Morte, sendo utilizada ainda as seguintes expressões: Morte Calma, Morte Apropriada, Morte Tranqüila, Morte Doce, entre outras.

O termo Eutanásia, hodiernamente passou a ser utilizado para designar a morte deliberada de uma pessoa que sofre de enfermidade incurável ou muito penosa, sendo vista como meio para suprir a agonia demasiadamente longa e dolorosa do, então chamado, paciente terminal. Porém, seu sentido ampliou-se passando a abranger o suicídio, a ajuda em nome do Bom Morrer, ou Homicídio Piedoso.

O primeiro traço importante desta definição é que ela agrega a idéia de causar conscientemente a morte de alguém, por motivo de piedade ou compaixão, introduzindo outra causa, que por si só, seja suficiente para desencadear o óbito. A morte por Eutanásia é considerada uma morte "não natural". (Carneiro, 1999, In: <https://jus.com.br/artigos/1835/etica-moral-e-bioetica>)

A prática da Eutanásia não é recente na história da humanidade, sendo que várias culturas a praticavam, sendo porém a sensibilidade ética diferente em função de épocas ou lugares, como veremos.

  • Platão[1], em seus Diálogos, lembra a respeito a afirmação de Sócrates de que "o que vale não é o viver, mas o viver bem". (Carneiro, 1998, Im: <https://jus.com.br/artigos/1835/etica-moral-e-bioetica>) O princípio da qualidade de vida é usado para defender a Eutanásia, por considerar que uma vida sem qualidade não vale a pena ser vivida.

  • Encontramos na Bíblia, configurada a Eutanásia, no Livro dos Reis, na passagem em que Saul (BÍBLIA Sagrada, Samuel, Capítulo 31, versículo 1 a 13), lançando-se sobre sua própria espada para não cair prisioneiro, vem a ferir-se e, por isso, pede a seu escravo que acabe com sua vida.

  • Os birmaneses enterravam vivos os enfermos graves e os idosos, como forma de poupá-los de maior sofrimento. (Carneiro, 1998, In: <https://jus.com.br/artigos/1835/etica-moral-e-bioetica>)

  • As populações rurais sul-americanas, por serem forçadamente nômades por fatores ambientais, sacrificavam anciões e enfermos, para não ter que os abandonar ao ataque de animais selvagens. (Paganelli, 1998, In: <https://jus.com.br/artigos/1861/a-eutanasia>)

  • Em Atenas, o Senado ordenava a eliminação de anciões, ministrando-lhes bebida venenosa – conium maculatum - em banquetes especiais.

  • Na Índia, eram lançados no Ganges os incuráveis, mas antes lhes vedavam a boca e as narinas com lama sagrada. (Carneiro, 1998, In: <https://jus.com.br/artigos/1835/etica-moral-e-bioetica>)

  • Em Roma, César, ao colocar seu polegar para baixo, autorizava a Eutanásia, concedendo ao gladiador um modo de escapar da desonra e da morte com grande agonia. Ainda o Estado tinha o direito de não permitir cidadãos disformes ou monstruosos, por conseqüência, ordenava ao pai a quem nascesse semelhante filho, que o matasse. Ainda em Roma, os condenados à crucificação, "embora não faltem intérpretes a afirmar ser o vinagre e o fel, oferecidos a Jesus Cristo, era uma forma de proporcionar a morte sem dor" (Carlin, 1998, p. 140), tomavam bebida que produzia um sono profundo, dessa forma não sentiriam as dores dos castigos e iam morrer lentamente. (Carneiro, 1998, In: <https://jus.com.br/artigos/1835/etica-moral-e-bioetica>)

  • Os Celtas matavam crianças disformes, velhos inválidos e doentes incuráveis. Paganelli, 1998, In: <https://jus.com.br/artigos/1861/a-eutanasia>)

  • Na era medieval, era entregue ao soldado mortalmente ferido um Punhal de Misericórdia, para que ele pudesse suicidar-se, com a finalidade de evitar um prolongado sofrimento, ou que viesse a cair em poder do inimigo. (Paganelli, 1998 In: <https://jus.com.br/artigos/1861/a-eutanasia>)

  • Em Esparta, por sua cultura e espírito bélico, era comum a prática da Eutanásia, onde velhos e crianças malconformados eram lançados do alto do monte Taijeto, pelo fato de serem imprestáveis para a comunidade, e a fim de evitar qualquer sofrimento ou vir a tornar-se cargo inútil para seus familiares, bem como para o Estado. Isso ocorria, porque na mentalidade dos espartanos a guerra se sobrepunha a qualquer sentimento ou laço familiar. O filho macho era visto sob o aspecto militar. Dessa forma era dispendioso para o Estado manter uma criança que não lhe fosse útil, sendo que, para sua família, era vergonhoso possuir uma criança incapacitada para as glórias da guerra[2].

  • Napoleão Bonaparte, na campanha do Egito, pediu ao médico, que matasse os soldados atacados pela peste, tendo o cirurgião respondido que o médico não mata, sua função é curar.

  • Mas recentemente na Alemanha Nazista, a pretexto de depuração da raça, tivemos o holocausto de milhões de pessoas. (Carneiro, 1998, In: <https://jus.com.br/artigos/1835/etica-moral-e-bioetica>)

É oportuno lembrar que esse costume da Eutanásia ainda é praticado, atualmente, por alguns povos como por exemplo, os batas e os neocaledônios. Por último, "os povos caçadores e errantes, matavam seus pares velhos, doentes, para que os mesmos não ficassem abandonados à sorte e às feras, nem tampouco fossem trucidados pelos inimigos, e essa atitude era vista pelo carinho e atenção que dispensavam a seus entes queridos, sendo que tal atitude foi largamente imitada pelos índios brasileiros" (Paganelli, 1998, In: <https://jus.com.br/artigos/1861/a-eutanasia>)

5.2 Classificação

O termo Eutanásia, conforme exposto anteriormente, o significado de Boa Morte, não se limita apenas em proporcioná-la, mas sim, como proporcioná-la, podendo assim ser classificada:

  • Ativa: Quando consiste no ato deliberado de provocar a morte sem sofrimento do paciente, por fins misericordiosos;

  • Passiva: Dá-se quando a morte do paciente ocorre, dentro de uma situação de terminalidade, ou porque não se inicia uma ação médica ou pela interrupção de uma medida extraordinária;

  • Espontânea ou Libertadora: Ocorre quando o enfermo incurável provoca a morte por próprios meios;

  • Voluntária: Ocorre quando a morte é provocado atendendo a uma vontade do paciente;

  • Involuntária: Ocorre quando a morte é provocada contra a vontade do paciente;

  • Não Voluntária: Caracteriza-se pela inexistência de manifestação da posição do paciente em relação a ela;

  • De Duplo Efeito: Dá-se quando a morte é acelerada como uma conseqüência indireta das ações médicas, que são executadas visando o alívio do sofrimento de um paciente terminal;

  • Eugênica:[3] É a eliminação indolor dos doentes indesejáveis, dos inválidos e velhos, no escopo de aliviar a sociedade do peso de pessoas economicamente inúteis;

  • Criminal: É a eliminação de pessoas socialmente perigosas;

  • Experimental: É a ocisão de determinados indivíduos, com o fim experimental para o progresso da ciência;

  • Solidarística: É a ocisão indolor de seres humanos no escopo de salvar a vida de outrem;

  • Teológica: Ou morte em estado de graça;

  • Legal: Regulamentada ou consentida pela lei;

  • Suicídio-assistido: É o auxílio de quem já não consegue realizar sozinho a sua intenção de morrer;

  • Homicídio: Resulta da distinção entre aquela praticada por médico e aquela praticada por parente ou amigo;

  • Animal: Que tem se revestido cada vez mais de aspectos éticos, neste caso a Eutanásia é realizada quando não existem meios de manter um animal sem sofrimento; quando clinicamente não há como mantê-lo vivo ou na falta de condições locais para realizar tratamento clínico ou cirúrgico. Admite-se na hipótese de o proprietário não ter recursos financeiros para realizar o tratamento, ou se não há interesse em gastar alta soma num animal de esporte, que não dará retorno. O veterinário, além de adotar método indolor, deve considerar a afetividade que existe entre o proprietário e seu animal, antes de recomendar a Eutanásia.

Frente a classificação dos tipos de Eutanásia, necessário se faz um breve comentário, quanto a sua prática.

Na ocasião da prática da Eutanásia, é necessário que se verifique que o paciente não sentirá nenhum tipo de dor. Dessa forma, para entendermos a significado do termo indolor, busca-se considerações a respeito da dor e de sua dimensão.

Embora a dor física seja a fonte mais comum de sofrimento, a dor no processo do morrer vai além do físico, tendo conotações culturais, subjetivas, sociais, psíquicas e éticas. Portanto, lidar efetivamente com a dor em todas as suas formas é algo critico para um cuidado digno dos que estão morrendo. A dor tem pelo menos quatro distintos componentes: físico, psíquico, social e espiritual, os quais podem ser assim dimensionados:

  • Dor Física: É a mais óbvia e a maior causadora de sofrimento. Surge de um ferimento, doença, ou da deterioração progressiva do corpo, no idoso e no doente mental terminal; impede o funcionamento físico e a interação social. No nível físico, a dor funciona como um alarme de que algo está errado no funcionamento do corpo. Como a dor afeta o todo da pessoa, ela pode facilmente ir além de sua função como sinal de alarme. A dor intensa pode levar a pessoa urgentemente a solicitar sua própria morte.

  • Dor Psíquica: Freqüentemente, surge do enfrentar a inevitabilidade da morte, perdendo controle sobre o processo de morrer, perda das esperanças e sonhos, ou ter que redefinir o mundo. Causa inevitável de perda do humor.

  • Dor Social: É a dor do isolamento. A dificuldade de comunicação que se experimenta justamente porque o morrer associa-se a idéia de solidão justamente em um momento em que desfrutar de uma companhia é muito importante. A perda do papel social familiar é, também, bastante dura, como, por exemplo, um pai doente torna-se dependente dos filhos e necessita ser cuidado por eles.

  • Dor Espiritual: Surge da perda de significado, sentido e esperança. Apesar da aparente indiferença da sociedade em relação ao "mundo além deste", a dor espiritual está aí. Necessita-se de um sentido – uma razão para viver e uma razão para morrer. (Pessini, 2000, In: <https://200.239.45.3/cfm/espelho/revista/bio1v4/distanásia.html>)


6 EUTANÁSIA, DISTANÁSIA E ORTONÁSIA: DISTINÇÕES NECESSÁRIAS

Os termos a serem abordados trazem, todos, na sua conceituação, o fator Morte, e fazem-se presentes no processo do morrer.

Conforme descrito anteriormente, Eutanásia significa a morte tranqüila, boa e serena, não ocasionando agonia ao paciente.

6.1 Distanásia

No seu sentido de origem grega, Distanásia quer dizer: dis igual a afastamento (nesse caso, prolongamento exagerado) e thanasia o mesmo que morte

Pode-se afirmar, a partir do seu significado etimilógico, que Distanásia, é o prolongamento exagerado, desnecessário, no processo da morte inevitável. O dicionário Aurélio traz a seguinte conceituação: "Morte lenta, ansiosa e com muito sofrimento".( Aurélio, 2000, p. 1345)

Trata-se do caso em que o médico, visando prolongar o vida do paciente terminal, com o esgotamento de todos os recursos, submete-o a um grande sofrimento, atendendo a perspectiva de que foi feito todo o possível e utilizado todo o recurso disponível, na tentativa de salvar o paciente, que, no caso concreto, é o paciente terminal.

Fala-se, nos Estados Unidos, em Futilidade Médica, e na Europa, em Obstinação Terapêutica.

Para enriquecimento ilustrativo, cita-se um caso famoso, no Brasil, de Distanásia, ocorrido em 1985, ou seja, a morte do então eleito Presidente da República Federativa do Brasil, Tancredo Neves. Perdurou por 36 dias o processo de sua morte, onde foram utilizados todos os recursos disponíveis para que se mantivesse vivo.

Entende-se, por Distanásia, portanto, a morte ansiosa e sofredora, sendo que, além de comum nos hospitais, é aceita na sociedade. Traduz a idéia de que tudo está, ou foi feito, para que se mantivesse a vida.

O Dr. Jonh Hansen publicou no Washington Post, em maio de 1991 uma história interessante, nominada de "Escolhendo morte ou Mamba em UTI".

Três missionários foram aprisionados por uma tribo de canibais, cujo chefe lhes ofereceu escolherem entre morte ou Mamba (Mamba é uma serpente africana peçonhenta. Sua picada inflige grande sofrimento antes da morte certa ou quase certa). Dois deles, sem saber do que se tratava, escolheram Mamba e aprenderam da maneira mais cruel que Mamba significava uma longa e torturante agonia, para só então morrer. Diante disso o terceiro missionário rogou pela morte logo, ao que o chefe respondeu-lhe: "morte você terá, mas primeiro um pouquinho de Mamba". (Pessini, 2000, In: <https://200.239.45.3/cfm/espelho/revista/bio1v4/distanásia.html>)

Verifica-se portanto, ser a Distanásia a obstinação terapêutica, com o resultado previsível de fracasso, e de grande sofrimento ao paciente.

6.2 Ortonásia

Utilizando-se do mesmo critério, o significado do termo Ortanásia, derivada do grego, é: orto o mesmo que Correto (tha) násia igual a Morte.

Pode-se afirmar que Ortonásia significa a Morte Em Seu Tempo Certo, sem abreviação ou prolongamento desproporcional do processo de morrer:

Frente aos avanços da tecnologia, acobertadas da realidade da morte, a eutanásia, especialmente na modalidade omissiva, aproxima-se do conceito de ortotanásia, qual seja, o de morte, no momento certo, sem dificuldade desproporcionais ou distorções de seu processo.(Carlin, 1998, p. 146)

Apresentadas as características particulares, de cada um dos processos de mortes, observa-se que, enquanto a Eutanásia preocupa-se com a morte digna da pessoa, a Distanásia, por seu termo, busca o esgotamento dos recursos, sendo o oposto da Eutanásia. Já, a Ortonásia aparece como o limite certo da vida.

Verifica-se que no nosso ordenamento jurídico e social, pátrio, aceita-se a propositura da morte sofredora, demonstrando-se interesse algum para com o paciente, mas, precisamente, poderia ser dito que os interesses estão voltados para a utilização de conhecimentos tecno-científicos, de forma que o paciente passa a ser mero objeto para a utilização de tais mecanismos. Insta que o procedimento da Distanásia é aceito sem nenhuma sanção legal ou social quanto sua utilização, importando pouco, ou nada, a vontade ou as conseqüências oferecidas ao paciente.

A Ortonásia é a oportunidade da morte correta, sem ultrapassar barreiras e sem motivar debates com princípios Éticos, Teológicos ou Jurídicos.

A Eutanásia, merecedora de uma observação por estar implícita a Ortonásia, busca atender à questão da Dignidade Humana, assegurando sua extensão no processo do morrer, ocasionando o morrer bem.


7. A POSTURA DAS RELIGIÕES FRENTE A EUTANÁSIA

Centra-se, o presente estudo, a seguir, na postura das quatro maiores religiões do mundo: Budismo, Cristianismo, Islamismo e Judaísmo, frente a questão da prática da Eutanásia por seus seguidores.

A prática da Eutanásia tem provocado uma grande reflexão entre os pensadores religiosos, nesse momento em que verdades tradicionais colidem com as novas realidades, oportunizadas pelas ciências da vida e da saúde. Oportuno dizer que tais conceitos evoluíram, demonstrando que essa nova fase demonstra que a Eutanásia não é vista com tanta aspereza pelas quatro maiores religiões do mundo, sendo que, entre algumas, sua prática é um dever.

7.1 Budismo

O Budismo conta hoje com aproximadamente 500 milhões de seguidores. Fundado na Índia por Siddhartha Gautama (480-400 a C), que com seus "35 anos foi iluminado, passando a ser chamado de Budda,[4] esse é único, não ficando nenhuma outra autoridade religiosa em seu lugar" (Pessini, 1999, p. 319). O objeto de todos os seus seguidores é a iluminação (nirvana), ou seja, um estado de espírito e perfeição moral que pode ser conseguido por qualquer ser humano que vive de acordo com os ensinamentos de Buda.

O Budismo não acredita em ser superior ou num deus criador, não entra na discussão da existência ou não de um deus. O que se apresenta, como motivo para os estudiosos, voltados ao estudo das religiões, é que o Budismo não é uma religião, mas sim uma filosofia de vida, seguida pelo caminho da sabedoria, iluminação e compaixão.

Os documentos budistas se referem à Buda freqüentemente, como sendo o "grande médico". Assim como o médico cuida das doenças do corpo, Buda cuida das doenças do espírito Becker, 1994; Keon, 1998; Nakasone, 1995 (Pessini, 1999, p. 319).

Os budistas tradicionalmente associaram a vida com sensibilidade e, num sentido amplo, estão englobados também os animais e as plantas. A sensibilidade inclui sentimento e consciência. Uma vez que o sentimento é parte da sensibilidade, muitos budistas entendem que não podem ser feitos transplantes de órgãos, especialmente de coração, uma vez que a morte da mente não é a morte do corpo (pessoa), porque a morte é entendida como dissolução de corpo e mente, ou seja, a morte pressupõe o fim do corpo e da mente.

Os budistas não vêem na morte o fim da vida, mas sim uma simples transição. O suicídio, em determinados casos, foi visto por Buda com elogios, como no caso dos suicídios praticados em Vakkali e Channa, que foram cometidos por causa de enfermidades dolorosas e irreversíveis. Mas é importante observar que o fato de Buda elogiar os suicidas não se baseia no fato deles estarem em estado terminal, mas, antes, porque estavam com as mentes livres de egoísmo e de desejos, e estavam iluminados no momento da morte.

O budismo reconheceu, já há muito tempo, o direito das pessoas de determinar quando deveriam passar desta existência para a seguinte. Reafirmando o que anteriormente foi expressado, o importante não é se o corpo vive ou morre, mas se a mente pode permanecer em paz e harmonia consigo mesma. A tradição Jodo (a terra pura) tende a dar ênfase à continuidade da vida, enquanto que a tradição Zen tende a sublimar a importância do momento e a maneira de morrer. Os budistas valorizam mais a paz da mente e a honra da vida, do que uma vida longa.

O código Samurai incluía uma disposição para a eutanásia: o Kaishakunin (assistente).

O simples corte no hara (abdômen) era muito doloroso e não provocava uma morte rápida. Depois de cortar o hara, poucos Samurais tinham forças suficientes para degolar-se ou cortar a espinha dorsal. Mas sem cortar o pescoço, a dor do hara aberto continuaria durante minutos ou horas antes da morte. Portanto, o Samurai combinava com um ou mais kaishakunin para que o assistissem em seu suicídio. Enquanto o Samurai tranqüilizava sua mente e se preparava para morrer em paz, o kaishakunin permaneceria ao seu lado. Se o Samurai falasse ao kaishakunin antes ou durante a cerimônia seppuku, a resposta padrão era go anshin (mantém tua mente em paz), buscando dessa forma que o suicida pudesse morrer com a menor tensão e a maior paz mental. Depois que o Samurai terminasse de abrir o ponto preestabelecido ou desse qualquer outro sinal, o kaishakunin tinha o dever de cortar-lhe o pescoço para terminar com sua dor, dando-lhe o golpe de misericórdia.

O suicídio dos Samurais era o equivalente moral da Eutanásia, sendo as razões do suicídio Samurai as seguintes: evitar a morte inevitável por mãos de outros; escapar de um período prolongado de dor insuportável ou de sofrimento psicológico, quando não podiam continuar a ser membros ativos e úteis para a sociedade; conforme observa-se são esses os parâmetros singulares da prática da Eutanásia; para evitar uma morte inevitável por mãos de outros (incluindo doenças irreversíveis); para evitar um longo período de dor e de sofrimento.

Em síntese, a perspectiva budista em relação a Eutanásia, gira em torno da proposta de que a vida, embora seja preciosa, não é considerada divina, pois não existe a crença em um ser supremo ou deus criador. Nos valores básicos do budismo, além da sabedoria e da preocupação moral, que andam juntas, existe o valor básico da vida, que diz respeito não somente aos seres humanos, como é comum nas outras religiões mundiais, mas inclui a vida animal. A crença no Karma e renascimento tem uma profunda influência na atitude budista, em relação à natureza vivente. Sendo o que faz com que os budistas não tenham uma separação entre vida humana e outras formas de vida, e dessa forma, é atingido o estado de consciência e paz no momento da morte. Não existe uma oposição ferrenha contra a eutanásia ativa e passiva, que pode ser aplicada em determinadas circunstâncias.

7.2 Cristianismo

Os cristãos somam a quantia de 2 bilhões de seguidores em todo o mundo, segundo o Anuário Pontifício - 1999. Os católicos são maioria apenas na América onde alcança 62,9%, na Europa 41,4%, na Oceania 27,5%, na África 49% e na Ásia 3%.

Inicialmente têm-se a visão de que a Igreja Católica posiciona-se contra a prática da Eutanásia, o que de fato não é verdade, conforme as declarações feitas pelo Papa Pio XII, - 24./5/1957- em que orientava o médico para:

... incumbência do médico tomar todas as medidas ordinárias destinadas a restaurar a consciência e outros fenômenos vitais. Não tem, entretanto, a obrigação de continuar de forma indefinida o uso de medidas em casos irreversíveis. De acordo com o critério da igreja Católica, chega um momento em que todo o esforço de ressuscitação deve suspender-se e não nos opormos mais à morte. (Diniz, 1999, p. 255)

Já em Junho de 1980, no Documento da sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, o papa João Paulo II afirmou:

Ante a iminência de uma morte inevitável, apesar dos meios empregados, é licito, em consciência, renunciar a alguns tratamentos que procuram unicamente um prolongamento precário e penoso da existência. Por isso o médico não tem motivo de angústia como se não houvesse prestado assistência a uma pessoa em perigo. (Pessini, 1999, p. 319)

Posição essa que foi novamente mantida pelo Catecismo da Igreja Católica, e referendado pelo mesmo papa em 1992, onde foi admitida a "interrupção de procedimentos médico custoso, ou perigoso, que mantém artificialmente vivo o paciente" (Pessini, 1999, p. 319).

Percebe-se uma evolução dos documentos mais antigos aos mais recentes, onde o bem da pessoa passa a ser interpretado e valorizado, sendo apresentadas normas morais para resolver tal impasse.

Acrescenta-se, ainda, que a Eutanásia deixa de ser vista como o simples fato de tirar a vida de alguém, e sim como uma preocupação com o bem estar do doente, e não por um desejo de desfazer-se dele, conforme a Declaração da Congregação para a Doutrina da Fé, editada em 1980.

Experimentam grande angústia acerca do sentido da velhice extrema e da morte" e "também começam a perguntar-se se não têm direito de procurar para si ou seus companheiros uma ‘morte suave’, que lhes abrevie os sofrimentos e que a seu ver esteja mais de acordo com a dignidade humana. Além disso, os pedidos dos doentes que desejam a própria morte devem ser entendidos como ‘um caso de angustiado pedido de ajuda e amor.’ (Pessini, 1999, p. 318)

A revolução frente a Eutanásia, na Igreja Católica, fez-se pela distinção entre Matar e Deixar Morrer, sendo que entendesse como:

  • Matar - Ação ou omissão que visa causar a morte.

  • Deixar Morrer - É a não aplicação ou descontinuação de um tratamento desproporcional e oneroso de maneira que a natureza possa seguir seu curso.

A tradição católica defende que existe uma diferença moral entre, de um lado não utilizar um tratamento num paciente terminal, quando nada mais pode ser feito para reverter significativamente a progressividade da deterioração de vida, e, de outro, intervir diretamente para provocar a morte do paciente. Nota-se, pelo exposto, que a Igreja Católica condena a Eutanásia Ativa, admitindo a Eutanásia Passiva.

7.2.1 Postura adotada por outras religiões Cristãs.

Em pesquisa realizada pelo prof. Pessini, (1999) foi constatada a seguinte postura de outras religiões cristãs:

  • Adventistas do Sétimo Dia – É a favor de um consenso informal favorável à Eutanásia passiva, sendo que quanto a Eutanásia Ativa, não tem posição definida.

  • Igrejas Batistas – Defendem o direito do paciente de tomar suas próprias decisões, em relação as medidas ou tratamentos de vida e que deve ser incentivado por meio de legislação de diretrizes avançadas de vida. Condenam a Eutanásia ativa como violação da santidade da vida.

  • Mórmons (Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos últimos Dias) – na visão desse seguimento religioso, quando a morte é inevitável, ela deve ser vista como uma bênção e intencionalmente parte da existência eterna. Não existe obrigação de estender a vida mortal por meios não razoáveis. A pessoa que participa de uma prática Eutanásica, deliberadamente, causando a morte de uma pessoa que esteja sofrendo de uma condição ou doença terminal, viola os mandamentos de Deus.

  • Igreja Ortodoxas Orientais – Os meios mecânicos extraordinários podem deixar de ser utilizados ou removidos, quando os maiores sistemas físicos falharem e não existirem razoáveis expectativa de recuperação. A Eutanásia constitui a ação deliberada de tirar a vida humana e, como tal, é condenada como assassinato (Igreja Grega). Qualquer procedimento que torne a Eutanásia uma alternativa preferível é por sua natureza imoral e deve ser rejeitado.

  • Igreja Episcopal – não existe obrigação moral em prolongar o morrer por meios extraordinários, se a todo custo a pessoa está morrendo. Cabe em última instância a decisão ao paciente ou procurador, bem como serem expressos nas diretrizes avançadas de vida. É moralmente errado tirar intencionalmente a vida humana para aliviar o sofrimento causado por uma doença incurável, incluindo uma dose letal de medicamento ou veneno, uso de armas letais, atos homicidas e outras formas de Eutanásia Ativa.

  • Testemunhas de Jeová – quando a morte é iminente e inevitável, as Escrituras não exigem que os meios extraordinários (e onerosos) sejam utilizados para prolongar o processo do morrer. A Eutanásia ativa é considerada um assassinato que viola a santidade da vida.

  • Igrejas Luteranas – aprova a descontinuação de medidas extraordinárias ou heróicas de prolongamento da vida. Administrar medicação contra a dor, mesmo com o risco de apressar a morte, é permitido. As diretrizes avançadas de vida são estimuladas. O tratamento pode ser interrompido, não aplicado ou recusado, se o paciente está irreversivelmente morrendo, ou o tratamento impõe sacrifícios desproporcionados. A Eutanásia é sinônimo de morte piedosa, que envolve suicídio e/ou assassinato, portanto é contrário a lei de Deus. A Eutanásia Ativa destrói deliberadamente a vida. A ingestão deliberada de drogas e outros meios para abreviar a vida são atos de homicídio intencional.

  • Pentecostal – essa denominação religiosa reconhece, informalmente, que medidas de suporte de vida podem ser apropriadamente interrompidas em pacientes com doenças incuráveis, terminais ou em estado de coma vegetativo persistente. Demonstra uma forte oposição em relação ao suicídio e à Eutanásia Ativa.

  • Reformada (Presbiteriana) – para essa Igreja Evangélica, não é necessário prolongar a vida ou o processo do morrer de uma pessoa que está gravemente doente e tem pouca ou nenhuma esperança de cura. Permite a não utilização ou interrupção de sistemas de suporte de vida para que o paciente tenha uma trajetória natural em direção à morte.

  • Igreja Unida de Cristo – A recusa de um prolongamento artificial e penoso da doença terminal é ética e teologicamente apropriada. Incentiva-se a utilização de diretrizes avançadas de vida. Afirma a liberdade e a responsabilidade individual. Não defende a Eutanásia como opção cristã, mas o direito de escolher é uma legítima decisão cristã. O governo não deve fechar as opções que pertencem aos indivíduos e famílias.

  • Igreja Menonita – Aprova informalmente a remoção dos obstáculos que impedem a morte natural. A vida humana é um dom sagrado de Deus. A participação na abreviação do processo do morrer é condenada.

  • Igreja Metodista Unida – entende que toda pessoa tem o direito de morrer com dignidade, ser cuidada com carinho e sem esforço terapêutico que apenas prolongam indevidamente doenças terminais, simplesmente porque existe tecnologia disponível. É interessante frisar que essa denominação, através da Conferência do Pacífico, apoiou a iniciativa 119 do Estado de Washington (EUA) para legalizar o suicídio assistido e a Eutanásia Voluntária.

7.3 Islamismo

Traz no seu significado literal a tradução de "Submissão à Vontade de Deus". Pode-se afirmar que é, entre as quatro religiões propostas para o estudo, a mais jovem e a única surgida após o cristianismo (Maomé – 570-632 d. C). Calcula-se que a população mundial de muçulmanos alcance a quantia de um bilhão, ou seja, um quinto da população mundial, Sachedina, 1995; Schepherd, 1998. (Pessini, 1999).

Em 1981, a UNESCO proclamou em 19 de setembro a Declaração Islâmica dos Direitos Humanos, baseado no Corão e na Suna ( tradição dos ditos e ações do Profeta), organizada por eminentes juristas muçulmanos e representantes de movimentos e correntes de pensamento islâmico. É um dos documentos fundamentais publicado pela Conselho Islâmico para marcar o começo do século XV da era islâmica.

Em seus artigos, no que toca o direito a vida, Pessini afirma que:

A vida humana é sagrada, e inviolável, e devem ser envidados todos os esforços para protege-la. Em particular, nenhuma pessoa deve ser exposta a lesões ou à morte, a não ser sob a autoridade da lei

Durante a vida e depois da morte deve ser inviolável o caráter sagrado do corpo de uma pessoa. Os crentes devem velar para que o corpo falecido seja tratado com a solenidade exigida. Concilium, 1994 (1999, p. 325).

Todos os Direitos Humanos, na legislação Islâmica, provêm de Deus, não sendo presente de uma pessoa a outrem, e nem propriedade de qualquer criatura que algumas vezes os distribui e outras vezes os retém. Dessa forma tais direitos, são confirmados por garantias religiosas e morais, independente da punição legal, que sempre deve ser imposta aos possíveis infratores e abusadores.

Segundo a concepção islâmica, a pessoa humana é digna de toda honra existente, tudo que o céu e a terra abrangem deve estar a sua disposição, mas por outro lado, a pessoa humana, é criatura de Deus e seus representantes na terra. Ele a criou com as próprias mãos, deu-lhe o sopro de sua alma e fez dela a figura mais bela, sendo a vida de uma única pessoa quase tão valiosa como a vida de todo o gênero humano.

"Se alguém matar uma pessoa (mas) não (por exemplo, como vingança) por um outro (que foi morto por esta pessoa) ou (como castigo) pela desgraça (que esta cometeu na terra), isto deve ser considerado como se tivesse matado todas as pessoas. E se alguém mantiver com vida outra pessoa é como se tivesse mantido com vida todas as pessoas". (Suna: a mesa, verso 32)

Curiosamente, a tradição islâmica, considera a vida tão valiosa, que proíbe que seus seguidores bebam vinho, que, pela sua visão, aniquila o juízo e prejudica a capacidade de percepção e discernimento. Proibindo, também, tudo o que prejudica o bom senso humano, ou que debilita a faculdade humana.

Diante dessa postura, verifica-se que o Islamismo não aceita a prática da Eutanásia para abreviar a vida, mas entende que o papel do médico é de manter o paciente vivo e não de intervir no processo da morte, pois a morte não é um castigo e sim um translado para outra vida, sendo que "...não se deve degradar ou tratar com desprezo o corpo da pessoa morta. Deve-se lavar o defunto, envolvê-lo em pano próprio e, após uma oração especial, enterrá-lo" (Pessini, 1999, p. 323). Entendendo, ainda, que a vida é de Deus, dada por ele e tirada por ele, sem que nisso ocorra qualquer interferência, pois a morte é a conclusão de uma vida e começo de outra.

Cabe observar-se que diante desse postura, quanto ao paciente que se encontre em estado vegetativo ou de qualquer outro estado que o impeça de viver a plenitude da vida, não tem direito, o médico, no caso concreto, de utilizar qualquer procedimento que impeça o processo de instalação da morte, ocasionando, pela fé islâmica, o começo de uma nova vida. A visão islâmica, quanto a morte, é vista como obediência a vontade de Deus, limitando de forma definitiva e drástica a autonomia da ação humana para a manutenção da vida.

7.4 Judaísmo

Considerada a mais antiga fé monoteísta do Ocidente, onde, em seus ensinamentos, as regras de condutas de seus seguidores, fundamentam suas regras nas interpretações da Escritura e em princípios morais.

Sua regras morais evoluíram juntamente com o avanço da sociedade contemporânea e, consequentemente, às novas tecnologias, gerando uma gama enorme de posições a respeito de problemas éticos.

O século XX trouxe problemas e realidades, tais como: criação do Estado de Israel, o Holocausto e o progresso da medicina, bem como, as mudanças globais no status da mulher e preocupação com o meio ambiente, trazendo a tona questionamentos às antigas Escrituras e a posição ética frente a tais fatos.

A morte da pessoa humana é assunto de ampla discussão entre bioeticistas e judeus contemporâneos. Pela medicina moderna a morte encefálica (cerebral) é o verdadeiro critério de morte, mas nos escritos do judaísmo tradicional, temos o critério da respiração e da parada cardíaca. Para os rabinos ortodoxos, a morte ocorre através do ensinamentos tradicionais. Já os Judeus contemporâneos, entendem que se é o cérebro que controla a respiração e o coração, se existir uma falência irreversível na área cerebral, não há que se esperar que o paciente volte a suas funções normais, pois já encontra-se no processo, irreversível da morte.

A morte cerebral constitui o fundamento para se desligar o paciente do respirador, uma vez que a respiração neste caso não é feita pelo paciente, mas pela máquina. Uma vez que hoje somos capazes de manter muitos sistemas físicos operando mesmo sem atividade cerebral, fica claro que tal discussão poderia ter importantes conseqüências práticas. De fato, não se fazendo isso, seria uma violação da Lei judaica, da proibição de deixar o morto sem ser enterrado. Sanhedrin 46b; Deut. 21;23. (Pessini, 1999, p. 325)

A Eutanásia, porém, é um exemplo em que rabinos de diferentes tendências têm visões muito similares. O argumento utilizado é o de que o moribundo é de qualquer maneira uma pessoa viva, e que deve ser tratado com a mesma consideração devida a toda e qualquer pessoa vivente. Mesmo nos casos de o paciente ser terminal, e em meio de muita dor, e diante da solicitação de acabar com tudo, isto não pode ser permitido, segundo o judaísmo. O médico que agir de tal maneira, causando a morte do paciente, é culpado de assassinato.

A eliminação da dor é um valor importante, mas desaba quando a sua implementação implica restringir a vida, porém não exige do médico o dever de ter que fazer tudo para manter vivo o paciente ou prolongar sua vida. É aceito o tratamento que alivia a dor à custa de tempo de duração de vida, e, nesse caso, alguns rabinos entendem que não existe nada de errado com tal tratamento, especialmente porque a própria dor pode abreviar a vida e, certamente, degradar sua qualidade.

O ponto importante a ser compreendido é que, exceto para o movimento da reforma judaica, a decisão correta não pertence ao indivíduo. É tarefa das autoridades rabínicas usar suas capacidades para interpretar a Torah e relacioná-la à vida cotidiana e chegar a uma decisão. (Pessini, 1999, p. 325)

A tradição judaica, em relação a prática da Eutanásia, é contrária. O médico serve como um meio de Deus, que deve preservar a vida humana, sendo-lhe proibido arrogar a prerrogativa divina de decisão entre a vida e a morte de seus pacientes. O conceito de que a vida é santificada, significa que não pode ser terminada ou abreviada, tendo como motivações a conveniência do paciente, utilidade ou empatia com o sofrimento do mesmo.

Na crença judaica, é importante discernir entre o prolongamento da vida do paciente e o alongamento do sofrimento da agonia do paciente. Esse diferencial oportuniza a pratica da Eutanásia Passiva, sendo que se o médico estiver convencido de que a morte poderá ocorrer em três dias, pode suspender as manobras de reanimação e, também, o tratamento não analgésico, mas proíbe a Eutanásia Ativa.

O grande dilema gira em torno de concepções sobre a Vida, onde alguns entendem ser um Dom Divino, portanto indisponível. Mas há uma conotação, bem disposta, em relação aos tratamentos, os quais, tendo origem no conhecimento humano (tecno-científico), não podem ser barreira para a finalização ou impedimento ao chamamento de Deus (processo da morte ou finalização da vida). Dessa forma, a discussão passa a gravitar em torno da Dignidade da Pessoa Humana, que é o propósito do presente trabalho.


8. ANÁLISE DAS ARGUMENTAÇÕES CONTRA E A FAVOR DA EUTANÁSIA

Recentemente foi publicada uma reportagem, que afirmava: "Pena de morte, eutanásia e aborto. Poucos assuntos, tirando fora futebol e política, são capazes de mobilizar tanta gente em debates informais – e a maioria com opiniões geralmente radicais – quanto esses três" (Mendes, 2000, p. 2).

Pode-se afirmar que a Eutanásia é prática tão antiga quanto a vida em sociedade, sendo utilizada desde tempos imemorais, em sociedades muito distintas, desde a espartana a indígena brasileira.

O tema volta a ser discutido com muita ênfase, principalmente frente às técnicas de prolongamento de vida, voltando-se, o homem, para questões éticas e morais, tendo-se ainda que a Dignidade Humana é fator imprescindível em qualquer que seja a instância da vida.

O tema gera constantes discussões em torno de posições contrárias e favoráveis a sua prática, e, dessa forma, passa-se a explanar as polemicas geradas em torno do tema.

8.1 Os que se opõem à prática da Eutanásia.

Os contrários à prática da Eutanásia sustentam que é dever do Estado preservar, a todo custo, a vida humana, que é bem jurídico supremo:

O poder público está obrigado a fomentar o bem-estar dos cidadãos e a evitar que sejam mortos ou colocados em situação de risco. Eventuais direitos do paciente estão muitas vezes subordinados aos interesses do Estado, que obriga adoção de todas as medidas visando o prolongamento da vida do doente, até mesmo contra a sua vontade. (Chaves, 1999, In: <http://www.neofito.com.br/juridico.htm>)

As religiões Cristãs trazem, em suas tradições, posições contrárias a qualquer prática que atente contra a vida. Do ponto de vista dos religiosos, Deus, dá o Dom à vida, e somente Ele pode dar a morte, posição que foi defendida por, Monsenhor Alberto Giraldo, Presidente da Episcopal e Arcebispo de Medellín, em resposta à decisão da Corte Constitucional da Colômbia, que considera a prática da Eutanásia não passível de punição.

Nunca é moralmente lícita a ação, que, por sua natureza, provoca, direta ou intencionalmente, a morte do paciente. Por conseguinte jamais é lícito matar um paciente, nem sequer para não vê-lo sofrer ou não fazê-lo sofrer, ainda que ele o peça expressamente. Nem o paciente, nem os médicos, nem os enfermeiros, nem os familiares têm a faculdade de decidir ou provocar a morte de uma pessoa. Além disso, não é lícito negar a um paciente a prestação de cuidados vitais, sem os quais seguramente morreria, ainda que sofra de um mal incurável; nem é lícito renunciar a cuidados ou tratamentos proporcionados e disponíveis, quando se sabe que estes são eficazes, mesmo que só parcialmente. Também não se deve negar tratamento a paciente em coma se existir possibilidade de recuperação.(Alves, 1999, p. 13)

Negando a prática da Eutanásia, alguns religiosos, expressam que: " A dor e o sofrimento muitas vezes, são o caminho que aproximam o homem do seu criador. Já perto de deixar esse ‘tabernáculo de miséria’, é o momento oportuno quando o sofredor redime-se, salva-se para a vida eterna"(Alves, 1999, p.15).

No Código Penal Brasileiro, a Eutanásia passiva enquadra-se como crime previsto no artigo 135, intitulado omissão de socorro;

Art. 135. Deixar de prestar assistência, quando possível faze-lo sem risco, à criança abandonada ou extraviada, ou a pessoa inválida ou ferida, ao desamparado ou em grave e eminente perigo; ou não pedir, nesses casos socorro da autoridade pública:

Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.

Parágrafo único. A pena é aumentada da metade, se da omissão resultar lesão corporal de natureza grave, e triplica, se resulta a morte.

No mesmo diploma legal, no art. 121 art. 3º prevê punição à quem oportunizar a Eutanásia ativa.

Art. 121. Matar alguém:

Pena- reclusão, de seis a vinte anos.

O Dr. Erik Frederico Gramstrup posiciona-se contra a Eutanásia, entendendo que: "a vida humana só mereceria apreço na medida em que fosse apta para proporcionar prazeres e utilidades, para a própria pessoa ou para a comunidade. Isso significa olvidar o valor absoluto da vida, que persegue fins superiores a si, sendo portanto indisponível" (Paganelli, 1998, In: <https://jus.com.br/artigos/1861/a-eutanasia>).

O criminalista Dr. D’Urso, declarou a imprensa que a Eutanásia seria uma fatalidade entre os Homens, que em seu entender: "Ora não sejamos hipócritas, pois o que taxativamente leva à pratica da Eutanásia não é piedade ou a compaixão, mas sim o propósito mórbido e egoístico de poupar-se ao pungente drama da dor alheia (...), encargos econômicos e pessoais que ela representa" (O Estado de São Paulo, 1990, p. 14). Posicionando-se da mesma forma, segundo a Associação Hospitalar Norte-americana, 70% das 6.000 morte que ocorrem, em média, nos hospitais americanos, são de alguma forma, ‘negociadas entre os interessados,’ que se acertam na suspensão de terapias apenas de prolongamento da vida, ou, até mesmo, na sua não aplicação inicial" (Fascículos de Ciências penais, v. 4, nº 4, p. 5). Ou como: "Que dizer dos casos em que profissionais atestassem um quadro dramático com intenções pérfilas, a soldo, por exemplo, dos herdeiros", (Paganelli, 1998, In: <https://jus.com.br/artigos/1861/a-eutanasia>).

Nota-se que, na história recente da humanidade, o regime nazista utilizou-se da prática da Eutanásia, em nome da conservação de uma suposta "pureza racial".

Entende-se, ainda, que, paralelo ao fato de acreditar-se ser a Vida um direito irrenunciável, não possui, um enfermo em estado terminal, condições para manifestar sua vontade. E mesmo que manifestasse seria escasso, senão nenhum, o valor de sua manifestação de vontade.

Ora, se se nega, com habitualidade, eficácia fática e jurídica ao consentimento de quem tem o desenvolvimento mental incompleto ou obnubilado, quanto mais a quem perdeu o poderoso instinto de autoconservação, por estar com faculdades perturbadas.

Além do mais, possui razões de sobra todos aqueles que defendem a tese de que a medicina não é pitonisa infalível. Em quantas hipóteses não restariam dúvidas quanto ao tempo de sobrevivência? (Paganelli, 1998, In: <https://jus.com.br/artigos/1861/a-eutanasia>).

Outro fator, refere-se as descobertas ocorridas a cada instante no mundo científico, sendo que dessa forma, o que hoje é irreversível, amanhã pode não ser, sendo que qualquer atitude diante da eutanásia, é fatal.

Encontramos, na medicina, o juramento de Hipócrates, que por volta do ano 430 a.C., em sua obra Epidemia, já aconselhava a classe médica usando esse princípio. (Carneiro, 1999, In: <https://jus.com.br/artigos/1835/etica-moral-e-bioetica>)

"Pratique duas coisas ao lidar com as doenças: auxilie ou não prejudique o paciente".

O Juramento médico consagra implicitamente esse princípio.

A ninguém darei, para ajudar, remédio mortal, nem conselho que induza à perdição."

Com a intenção de uniformizar o entendimento mundial dos médicos acerca da ética aplicada à Eutanásia, Ortanásia e Distanásia, várias declarações emergiram em face à mudança das culturas, no decorrer desse século. A Declaração de Genebra, adotada pela Assembléia Geral da Associação Médica Mundial, acrescentou ao juramento Hipocrático:

"Manterei o mais alto respeito pela vida humana, desde sua concepção. Mesmo sob ameaça, não usarei meu conhecimento médico em princípios contrários às leis da natureza."

No Código internacional de Ética Médica, adotado pela 3ª Assembléia Geral da Associação Médica Mundial, ocorrida em Londres, no mês de outubro de 1949, incluiu-se entre outros, os "Deveres do médico para Com o Doente".

O médico deve ter sempre presente o cuidado de preservar a vida humana.

O médico deve a seu paciente completa lealdade e empregar em seu favor todos os recursos da ciência.

A Declaração de Veneza, adotada pela Associação Médica Mundial em 1983, determina

1. O dever do médico é curar, quando for possível, aliviar o sofrimento e atuar para proteger os interesses do seu paciente.

2. Não fará exceção alguma a este princípio, ainda que seja caso de este princípio doente incurável ou malformação.

3. Este princípio não exclui a aplicação das regras seguintes:

3.1. O médico pode aliviar o sofrimento de um paciente com enfermidade terminal interrompendo o tratamento curativo com o consentimento do paciente ou de sua família imediata, em caso de não poder expressar sua própria vontade. A interrupção do tratamento não desobriga o médico de sua função de assistir o moribundo e dar-lhe os medicamentos necessários para mitigar a fase final de sua doença.

3.2. O médico deve evitar empregar qualquer meio extraordinário que não traga benefícios para o paciente. (Carneiro, 1999, In: <https://jus.com.br/artigos/1835/etica-moral-e-bioetica>)

O Código Brasileiro de Ética médica, aprovado pela Resolução CFM, (Conselho Federal de Medicina), nº 1.246/88 e divulgado pelo Diário Oficial da União de 26 de janeiro de 1988, pág. 1574 – Seção I, determina:

Art. 6º - O médico deve guardar absoluto respeito pela vida humana, atuando sempre em benefício do paciente. Jamais utilizará seus conhecimentos para gerar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser humano ou para permitir e acobertar tentativa contra a dignidade e integridade.

(...)

É vedado ao médico:

Art. 66 – Utilizar, em qualquer caso, meios destinados a abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu responsável legal.

Verifica-se que a Eutanásia, em qualquer que seja a sua classificação, é considerada ilícito penal e, uma violação aos princípios éticos médicos.

Essa prática, qualquer que seja seu sentido e seus argumentos, não passam de uma subversão a toda a doutrina hipocrática, pois distorce e avilta o exercício da medicina, cujo compromisso é voltar-se sempre para o bem do homem e da humanidade, prevenindo doenças, tratando dos enfermos e minorando o sofrimento, sem discriminação ou preconceito de qualquer natureza.(Paganelli, 1998, In: <https://jus.com.br/artigos/1861/a-eutanasia>)

Verifica-se que a corrente que posiciona-se contra a prática da Eutanásia, entende que a dor, não é justificativa aceitável para o extermínio de si ou de outrem. E como cita o Dr. Erik, a utilização de expressões "vida sem valor", é tão absurda quanto referir-se a quadratura do círculo.

8.2 Os que se põem favoráveis à prática da Eutanásia

Os que aderem a corrente favorável a propositura da prática de Eutanásia, defendem em seus discursos que: na medicina existem quadros irreversíveis em que o sofrimento, ocasionados por dores e sofrimentos, faz com que o paciente almeje a antecipação da morte, como forma de livrar-se do padecimento que se torna o viver. E essa antecipação da morte, só atenderia aos interesses do paciente de morrer com dignidade, como daria efetividade ao princípio da autodeterminação da pessoa em decidir sobre sua própria morte.

As correntes defensoras da pratica de Eutanásia, dividem-se em dois grupos, os quais chamam-se de Radicais e Moderados, que defendem a Eutanásia da seguinte forma - para os radicais:

  • Toda a vida gravemente tolhida em suas manifestações por padecimento físico ou moral carece de valor;

  • Nessas hipóteses, pode representar gravame injusto para a família e para a sociedade, por exemplo, ocupando leitos hospitalares;

  • Se a situação é irreversível, não há porque lutar contra o que as próprias forças da ciência revelam-se impotentes;

  • O interessado tem direito à morte condigna;

  • Os que admitem a forma eugênica ainda dizem que a mesma atenuaria, na vida social, a proliferação das mazelas da população eliminada, evitando o "mau exemplo" ( no caso dos criminosos) e a propagação genética.

Para os moderados:

  • O consentimento do interessado ou de membro da família;

  • A certeza da proximidade e inevitabilidade da morte atestada por profissional habilitado etc.

Montaigne já afirmava: "Você não morre por estar doente, mas você morre porque está vivo" (Zuben 1999, In: <https://fae.unicamp.br/html/vonzuben/morte.htm>).

Defendem também que: Todo o ser humano tem o direito de viver em dignidade, dessa forma porque negar-lhe, de modo reacionário, o poder de decidir sobre sua morte com dignidade e que seja auxiliado nessa escolha? Por que o Direito impede o exercício de um direito?

Não há dúvida que a Eutanásia pode cessar o sofrimento físico e emocional do paciente, assim como de seus familiares, bem como cada um é dono de si mesmo. E se o suicídio é um direito do titular da vida, como negar-lhe o mesmo quando não mais lhe convém viver, quando ele mesmo renuncia, abdica, deste direito. Não pode a lei interferir na decisão, pois o paciente terminal, embora mantido vivo, artificialmente, por meio de sofisticados aparelhos, já não possui mais condições de interagir, ou atuar em situações singelas do cotidiano. "Retirar do ser humano sua dignidade, em nome de um direito absoluto, não é muito diferente do que sentenciá-lo à própria morte, em vida" (Carlin, 1998, p. 143).

O direito à vida deve ser entendido da forma mais ampla possível, compreendendo, essencialmente e indissociavelmente, a Dignidade da Pessoa Humana, que, em certos casos, orienta-se para acatar a morte como única opção.

Observa-se, porém, nas últimas décadas, a progressividade, desumanização das etapas evolutivas dos indivíduos, culminando com a total manipulação do processo de gerar um novo ser, através das técnicas de procriação assistida e, com a tecnologização da morte. Esse último fenômeno acaba por gerar toda a perplexidade de uma Sociedade que, ao dominar a técnica e a ciência, perde a noção basilar e referencial de finitude da existência humana. (Carlin, 1998, p. 144)

As fantásticas aparelhagens de que dispõem a humanidade, no tocante a manutenção da vida, chegam a chocar a própria natureza humana, fazendo com que UTIs passem a serem vistas como verdadeiras catedrais do sofrimento, onde a própria medicina investe com a intenção não-intencional de superar-se. E na mesma ordem, os cuidados médicos são devidos até chegado o inexorável fim, e o processo da morte iniciado, é irreversível, portanto prudente é que a medicina, preocupe-se em amenizá-lo.

Como todo ser humano é mortal, deve-se aceitar, naturalmente, o declínio e a morte com parte da condição humana, pois não se pode, indefinidamente, evitar o óbito, por ser um mal que fatalmente ocorrerá, havendo moléstia invencível. É preciso dar ênfase ao paradigma de cuidar e não de curar, procurando aliviar o sofrimento. É necessário que se aceite a morte e que se tenha por objetivo a restauração da saúde. O ser humano pode ser curado de uma doença mortal, mas não de sua mortalidade.(Diniz, 1999, p. 262)

Pela visão dos favoráveis à Eutanásia, entende-se de que adianta um viver sem vida, um paciente em estado terminal, com constantes abalos físicos e psicológicos, não tem o porquê de continuar com esse sofrimento. Entendem ainda os favoráveis a tal prática que, mesmo a vida sendo um bem indisponível, não pode ser, ao mesmo tempo, um bem impositivo. A Constituição Federal prima pela Dignidade da Pessoa Humana, e essa é defendida para que o Homem a tenha por toda a vida, inclusive em seu término.

De que adiante viver com dignidade, se ao final perder-se-á? E a propósito os defensores da Eutanásia, entendem que viver é um direito e não uma obrigação.

O paradigma válido para toda ciência, é que esteja sempre a serviço do bem estar do Homem, respeitando a Dignidade do ser humano.

Para Quill, Cassel e Meier, a Eutanásia deve ser aceita, em todas as sociedades, porém sua prática deve seguir o seguinte roteiro:

A.O paciente, além de sofrer de mal incurável e associado a um incontrolável sofrimento, deve estar ciente da moléstia, do prognóstico e dos tipos de tratamento paliativos disponíveis;

B O médico deve averiguar se o sofrimento do paciente e se o seu desejo de suicidar-se não decorrem de tratamento paliativo inadequado que lhe foi ministrado;

C.O doente deve ter manifestado sua vontade de morrer de modo claro e espontâneo;

D.O médico deve certificar-se de que o julgamento do paciente não está distorcido;

E.O ato de assistência ao suicídio só pode ser levado a efeito no contexto de uma significativa relação médico-paciente;

F.A imprescindibilidade da consulta a um outro médico para ter certeza de que o pedido do paciente é racional, consciente e voluntário, de que o diagnóstico estão certos e de que as alternativas de tratamento paliativo são as adequadas;

G.A apresentação de uma documentação que comprove a observância de cada um dos requisitos acima apontados. (Diniz, 1999, p. 249)

O Dr. Hans Henning Atrott e o Dr. Hackenthal, médicos alemães, adeptos da Eutanásia, que admitem a aplicação de medicamentos letais, sendo que o último aceitou aplicar uma dose de cianureto em uma enferma incurável de câncer de pele que, após treze operações, ficou completamente desfigurada. Por isso diz Lecha Mazzo, que a Eutanásia é a morte dulcificada, desejada e provocada tão depressa quanto seja perdida toda a esperança científica. (Diniz, 1999, p. 250)

Nota-se, dessa forma, que há uma tendência, cada vez maior em aceitar a suspensão do tratamento ou dos meios artificiais da vida, ante uma morte concretamente confirmada. Parte da sociedade passa a entender que nas situações de irreversibilidade da consciência e de outras funções superiores, e quando essa vida se mantém de forma considerada artificial, o indivíduo teria direito de morrer com toda a dignidade possível.

Já se condena a distanásia ou encarniçamento terapêutico, anunciada como a manutenção obstinada e precária de um paciente que vive apenas às custas de meios artificiais capazes de prolongar o mecanismo da morte, muitas vezes até sob velada censura dos familiares. ( 1991, p 56)

Os que defendem a Eutanásia, o fazem como um verdadeiro direito de morrer, ou o direito de morrer com dignidade, diante da situação irremediável e penosa, e que tende a uma agonia prolongada e cruel. Assim, seria concedida ao médico a faculdade de proporcionar uma morte sem sofrimento ao paciente portador de uma enfermidade se sem esperança de retornar, a agonia fosse longa e sofrida.

O problema da morte piedosa ou por compaixão, ao enfermo incurável e dolorido, consiste em seu estado e em sua doença que, desejando abreviar seus sofrimentos, seria visto como um ato de humanidade e justiça. Sendo ainda que, o Homem não goza, dentre seus direitos, do privilégio de dispor de sua própria vida, quando por sua livre e espontânea vontade, desistir de viver.

Negar a Eutanásia a um paciente em fase terminal, é o mesmo que furtar-lhe a liberdade. Não haveria um delito a ser punido, mas sim, um alívio na angústia e no sofrimento.


9. A EUTANÁSIA EM ALGUNS PAÍSES

9.1 No Brasil

A Eutanásia não é aceita em nosso ordenamento jurídico, face a proteção ao mais valioso dos bens - a vida - pois a Eutanásia é vista como um homicídio. Entretanto, existe no Senado o projeto de lei nº 125/96, que visa a disciplinação da Eutanásia, conscienciosa e racional, de uma prática humanitária, cujas origens remotas se encontram na sabedoria instintiva dos seres humanos primitivos, da época tribal.

Apesar de ausência de legislação específica sobre a matéria, o Judiciário poderá se deparar com casos desse tipo e não poderá se escusar em decidir qual o melhor caminho.

Por isso, na opinião de Ivair Nogueira Itagiba, compete ao intérprete e ao aplicador da lei extrair o direito compatível com a objetividade e a evolução.

A principal finalidade de uma Constituição é a garantia das liberdades e dos direitos individuais e coletivos, sem que isso implique numa negativa ao direito de morrer. Segundo preceitua o Código de Malines no art. 66, as pessoas têm direitos anteriores e superiores a toda lei positiva". Estes direitos derivam da natureza humana racional e livre, portanto, se necessário for, tem o paciente e/ou os seus, o direito de recorrer ao Judiciário para ver garantido o seu direito de morrer. (Itagiba, et al. 1999, In: <https://jus.com.br/artigos/1835/etica-moral-e-bioetica>).

9.2 Na Austrália.

Nos territórios do Norte da Austrália, esteve em vigor de 1º de julho de 1996 a março de 1998, a prática da Eutanásia, ocasião que oportunizou a morte de quatro pessoas[5]. Tal lei recebeu o nome de "Lei dos Direitos dos Pacientes Terminais" (Carneiro, et al, 1999, In: <https://jus.com.br/artigos/1835/etica-moral-e-bioetica>).

Porém, para utilizar-se da lei, era necessário seguir o seguinte roteiro:

1.Paciente faz a solicitação a um médico;

2.O médico aceita ser seu assistente;

3.O paciente deve ter 18 anos, no mínimo;

4.O paciente deve ter uma doença que, no seu curso normal, ou sem a utilização de medidas extraordinárias, acarretará sua morte.

5.Não deve haver qualquer medida que possibilite a cura do paciente;

6.Não devem existir tratamentos disponíveis para reduzir a dor, sofrimento ou desconforto;

7.Deve haver a confirmação do diagnóstico e do prognóstico por um médico especialista;

8.Um psiquiatra qualificado deve atestar que o paciente não sofre de uma depressão clínica tratável;

9.A doença deve causar dor ou sofrimento;

10.O médico deve informar ao paciente todos os tratamentos disponíveis, inclusive tratamentos paliativos;

11.As informações sobre os cuidados paliativos devem ser prestadas por um médico qualificado na área;

12.O paciente deve expressar formalmente seu desejo de terminar com a vida;

13.O paciente deve levar em consideração as implicações sobre a sua família;

14.O paciente deve estar mentalmente competente e ser capaz de tomar decisões livres e voluntariamente;

15.Deve decorrer um prazo mínimo de sete dias após a formalização do desejo de morrer;

16.O paciente deve preencher o certificado de solicitação;

17.O médico assistente deve testemunhar o preenchimento e a assinatura do Certificado de Solicitação;

18.Um outro médico deve assinar o certificado atestando que o paciente estava mentalmente competente para livremente tomar a decisão;

19.Um interprete deve assinar o certificado, no caso em que o paciente não tenha o mesmo idioma e origem dos médicos;

20.Os médicos envolvidos não devem ter qualquer ganho financeiro, além dos honorários médicos habituais, com a morte do paciente;

21.Deve ter decorrido um período de 48 horas após a assinatura do certificado;

22.O paciente não deve ter dado qualquer indicação de que não deseja mais morrer;

23.A assistência ao término voluntário da vida pode ser dada. (Carneiro, 1999, In: <https://jus.com.br/artigos/1835/etica-moral-e-bioetica>).

Verificou-se que além do roteiro a ser seguido, a lei determinava três requisitos essenciais para que o interessado pudesse utilizar-se da Eutanásia:

1º. O estado de saúde do paciente deveria ser crítico e atestado por três médicos;

2º. Os períodos de tempo devem ser extremamente respeitados;

3º. Após esse período, o paciente teria acesso a um equipamento, operado por computador, que consiste em um tubo que é ligado à veia do paciente e uma tecla "SIM". Se o paciente pressionasse a tecla, recebia uma injeção letal. (Alves, 1999, p. 15)

9.3 Na Holanda.

Na Holanda, a Eutanásia é regulada, mas continua ilegal.

Desde 1990, o Ministério da Justiça e a Real Associação Médica Holandesa (RDMA) concordaram em um procedimento de notificação de Eutanásia. Desta forma, o médico fica imune de ser acusado, apesar de ter realizado um ato ilegal.

A Lei Funeral (Burial Act) de 1993 incorporou os cinco critérios para Eutanásia e os três elementos de notificação do procedimento. Isto tornou a Eutanásia um procedimento aceito, porém não legal. Estas condições eximem o médico da acusação de homicídio.

Os cinco critérios estabelecidos pela Corte de Rotterdam, em 1981, para a ajuda à morte não criminalizável:

  • 1) A solicitação para morrer deve ser uma decisão voluntária feita por um paciente informado;

  • 2) A solicitação deve ser considerada por uma pessoa que tenha uma compreensão clara e correta de sua condição e de outras possibilidades. A pessoa deve ser capaz de ponderar estas opções, e deve ter feito tal ponderação;

  • 3) O desejo de morrer deve ter alguma duração;

  • 4) Deve haver sofrimento físico ou mental que seja inaceitável ou insuportável;

  • 5) A consultoria com um colega é obrigatória.

O acordo entre o Ministério da Justiça e a Real Associação Médica da Holanda, estabelece três elementos para notificação:

  • 1) O médico que realizar a Eutanásia ou suicídio assistido, não deve dar um atestado de óbito por morte natural. Ele deve informar a autoridade médica local utilizando um extenso questionário;

  • 2) A autoridade médica local relatará a morte ao promotor do distrito;

  • 3) O promotor do distrito decidirá se haverá ou não acusação contra o médico.

Se o médico seguir as cinco recomendações, o promotor não fará a acusação.

Em 1990, na Holanda, ocorreram 11.800 mortes por Eutanásia, suicídio assistido e overdose de morfina, perfazendo uma participação de 9% na mortalidade do país. Consultar anexo A

Em 1990, foram feitas 9000 solicitações de eutanásia ativa, mas somente 2300 foram atendidas por preencherem os critérios estabelecidos.

9.4 No Uruguai

Esse país foi o primeiro a ter legislação sobre a possibilidade da realização da Eutanásia, quando em 1º de agosto de 1934, na entrada do Código Penal Uruguaio foi caracterizado o "Homicídio Piedoso", no art. 37 do capítulo III, que abordou a questão da impunidade.

De acordo com a legislação uruguaia, é facultado ao juiz a exoneração do castigo a quem realizou este tipo, desde que preencha três condições básicas:

  • 1º. Ter antecedentes honráveis;

  • 2º. Ser realizado por motivo piedoso;

  • 3º A vítima ter feito reiteradas súplicas.

A proposta uruguaia, elaborada em 1933, é muito semelhante a utilizado na Holanda. Em ambos os casos, não há uma autorização para a realização da Eutanásia, mas sim, uma possibilidade do indivíduo que for o agente do procedimento, ficar impune, desde que cumpridas as condições básicas estabelecidas. Esta legislação foi baseada na doutrina estabelecida pelo penalista espanhol Jiménez de Asúa.

9.5 Na Colômbia

A Corte Constitucional da Colômbia autorizou a Eutanásia em casos de doentes terminais e com o consentimento prévio do envolvido.

Segundo pesquisa publicada pelo Jornal "El Tiempo", de Bogotá(capital colombiana), 84% dos entrevistados apoiam a legalização da Eutanásia. (A Folha de São Paulo, 1997. In: http://www.fsp.com.br).

9.6 Nos Estados Unidos

Segundo nota publicada no jornal A Folha de São Paulo 1999 (http://www.fsp.com.br), recentes pesquisas levadas a efeito na América têm dado conta de que a maioria dos americanos apóiam as idéias do movimento "Morte com dignidade" para paciente com doenças terminais, que provocam grande sofrimento físico. Mas a Suprema Corte, ao examinar dois casos nos Estados de Washington (Costa Oeste) e Nova Iorque (Costa Leste), decidiu que a dificuldade para se definir "doença terminal," e o risco de o desejo do paciente morrer, não ser voluntário, justificam e mantém a proibição do suicídio assistido.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pode-se afirmar, sem receio algum, que a Eutanásia é tão antiga como a vida em sociedade, que ela nasce do primado de que a vida em seu término, deve ser cercada de cuidados e amenizações.

O homem, questiona sobre a sua finitude, mas nega-se a aceitar a forma e quando ela ocorrerá, tentando abrandá-la o máximo possível, uma vez que a característica da Vida é nascer, viver e conseqüêntemente, morrer.

Quanto as religiões, analisadas no presente trabalho, consagram a aceitação de algum tipo de Eutanásia. E entende-se que, um dos fatores da não positivação da Eutanásia, implica em posturas religiosas. Essa não pode ser aceita, devido estar claro em nossa Carta Magna a liberdade ao culto, subentendendo-se que o não culto, também é um direito. Nesse caso, não pode nossa constituição excluir as pessoas sem credo.

Algumas, principalmente as cristãs, entendem que a vida é um dom divino, que Deus a deu e somente Ele tem o direito de tirá-la. Posição esta, no mínimo, contraditória, uma vez que o término natural da vida ocorre em função de alguma enfermidade, e, dessa forma, a pessoa doente não poderia sofrer nenhum tipo de intervenção humana – tecno-científicas -, pois estaria indo contra a vontade de Deus. Aceitar a um tratamento, seria o mesmo que rejeitar o chamado divino.

A propositura da Eutanásia não visa exterminar humanos, como ocorreu na Segunda Guerra Mundial - Eutanásia Eugênica - onde quem não fosse da raça Ariana, não merecia viver, era impuro e inferior. A Eutanásia visa o respeito ao ser humano, evitando sofrimento e tortura ao seu término.

Freqüentemente, estamos diante de notícias externando a falta de leitos hospitalares, sendo que muitos estão ocupados por pacientes terminais, onde o Estado continua a fazer investimento, mantendo vivas, verdadeiras carcaças humanas em decomposição, em estado agonizante e terminal. E, em alguns casos, constata-se que a sociedade que negou dignidade a esse paciente, quando em condições de efetivamente viver, hoje oferece-lhe tecnologia de última geração para mantê-lo vivo.

Não pode, também, de forma alguma, ser argüido de que as descobertas da ciência estão ocorrendo a todo instante pelo mundo, e que, a qualquer momento, poderá descobrir-se a cura para determinada enfermidade, que hoje é incurável. Haja vista que os meios de comunicação, nos dias de hoje, são extremamente ágeis. Uma rápida consulta através de Internet, ou um e-mail, e a dúvida já estaria sanada. Além do mais, qualquer que fosse a descoberta, dependeria de tempo para a sua infiltração no mercado mundial de medicamentos e/ou procedimentos médicos. Isso tudo sem abordarmos custos.

Outro problema existente é a obstinação terapêutica. Médicos costumam esquecer o prognóstico dos pacientes, quando se empolgam na sua missão de salvadores, e vão desde logo conectando-os a fios e tubos, iniciando um processo de desencargo de consciência, preferindo o tratamento desnecessário, frente ao quadro clínico irreversível. Fortunas são gastas com esses pacientes, quando que os recursos poderiam ser empregados de maneira muito mais efetiva, principalmente em um país pobre como é o caso do Brasil. É importante destacar que a vida humana não merece economia, mas ao invés de gastar quantias altíssimas em casos irrecuperáveis, o dinheiro poderia ser investido em outros ramos da saúde pública.

Nota-se a preocupação quanto a possíveis questões que envolvam as sucessões de bens e direitos onde familiares, interessados na herança, ocasionariam, conjuntamente com profissionais da área da saúde, a morte de alguém em benefício próprio. Tal afirmação não merece consideração, uma vez que mesmo não estando positivada a Eutanásia, nada impede que profissionais e familiares, em comunhão de esforços, obtenham tal resultado, sem deixar qualquer resquício do crime praticado. Além do mais, tal ato seria crime, pois estaria contra os princípios da prática da Eutanásia.

As descobertas inovadores devem ser utilizadas, sem dúvida alguma, em prol da vida, e essa, em toda as suas peculiaridades.

O conhecimento tecnológico não pode interferir na intimidade do próprio Homem, de forma a ser imposta, sem consultá-lo, e, além do mais, ninguém é obrigado a fazer algo não prescrito em lei. Nesse caso, ninguém é obrigado a receber tais tratamentos médicos, e, na sua impossibilidade de manifestação, que seja analisada a sua vontade, tácita ou expressa, externada no decorrer de sua vida.

Com que direito um médico pode impor um tratamento, que pode em certos casos ser comparado como uma forma de tortura, alegando estar preservando a vida? Importante entendermos que vida combina com dignidade e essa deve ser respeitada em qualquer instância da vida.

Não se verificou, em momento algum, um subsídio para que não fosse possível a positivação da Eutanásia. A proposta visa que se tenha o direito de resguardar determinados valores. Assim como se escolhe a casa para morar, o carro para andar, se possa, também, escolher uma morte para a despedida da vida. E, essa proposta, pode ser almejada com a positivação de uma lei que faculte ao paciente, e não que o obrigue a uma escolha. Ninguém será submetido a tratamento que não queira, mesmo poque os critérios para a adoção de tal prática já tramitam no mundo, sem causar danos a sociedade.

Atualmente, estamos diante do processo da morte, em passar por situações indignas para o ser humano, que, ironicamente, possui o direito à vida digna e à morte indigna.

Reafirmando, em último momento, que não foram encontrados subsídios para que a Eutanásia não passe a ser um direito do Homem, apoiado no princípio constitucional da Dignidade da Pessoa Humana, tal normatização merece atenção, uma vez que não será imposta, mas, sim, possibilitada a quem tiver interesse, contribuindo, dessa forma, para a aplicabilidade da Constituição Federal, que deve ser vista a partir de um novo paradigma - o da vida com bem individual e por cada um possível de disponibilidade - e não mais sob o paradigma da vida como bem divino e indisponível, como o trato a constituição pátria.

Frente as questões, da dignidade e Direito à vida, cabe destacar que o Direito à vida é, sem dúvida alguma, uma obrigação do Estado, porém sua interpretação não deve ser estendida com uma imposição legal do Estado, cabendo, a esse, o dever de proporcionar dignidade ao ser humano, e viabilizar todos os mecanismos que impeçam qualquer ato que afronte a Vida. Sendo que essa leitura deve limitar-se a vontade do ser humano, no tocante do seu direito individual, apoiado ao direito à liberdade e à dignidade.

O estado deve proporcionar o Direito a vida, no tocante do viver digno, não podendo o Estado omitir-se.

A dignidade deve ser proposta pelo Estado no sentido de proporcionar Vida e garanti-la.

Entretanto, a vida indigna é fato de total responsabilidade do Estado, nesse caso, o estado omisso.

Em casos de paciente terminais, o estado não tem o Direito de impor uma condição indigna ao paciente e/ou familiares, responsáveis, decidirem no tocante de seu término, resguardando-se ao direito de continuar a usufruir da Vida digna, proporcionada pelo Estado.

O Estado, enquanto provedor de Dignidade da Vida, deve direcionar todo os esforços no combate a mazelas humanas, como é o caso de milhões de famintos, moradores de rua e outros miseráveis em condições que atentam contra a Vida digna.

O simples fato de o ser humano querer poupar-se de sofrimento, fente à morte inevitável, não deve ser visto como afronte a Constituição Federal, no tocante do direito à Vida.


ANEXO

ANEXO A – Eutanásia ocorrida na Holnado no ano de 1990

(http://jus.com.br)

TIPO

Com consentimento

Sem consentimento

Total

Eutanásia ativa

2300

1000

3300

Suicídio assistido

400

-

400

Eutanásia por duplo efeito

3159

4941

8100

Total

5859

5941

11800


NOTAS

1. Platão em sua República expõe já conceitos de caráter solucionador patrocinando o homicídio dos anciões, dos débeis e dos enfermos. "Estabelecerá em nossa República uma medicina e uma jurisprudência que se limitem ao cuidado dos que receberam da natureza corpo são e alma famosa; e pelo que toca aos que receberam corpo mal organizado, deixá-los morrer e que sejam castigados com pena de morte os de alma incorrigível". (Carneiro, 1999, In: <https://jus.com.br/artigos/1835/etica-moral-e-bioetica>)

2. A história nos faz lembrar também que em Esparta, o homicídio não era considerado crime, desde que praticado em honra dos deuses; e o assassinato dos velhos, pedido muitas vezes por eles mesmos, era uma obra de piedade filial.

3. Os que abraçam essa forma justificam-na como meio de reduzir a pesada carga, para a sociedade, daqueles pacientes com desarranjos físicos e psíquicos graves. Pregam, na verdade, a eliminação simples, pura e cruel dos psicopatas, monstros, alcoólatras, criminosos pervertidos e inválidos e acrescentam, como argumento, o impedimento da propagação de tais problemas.

4. O Significado da palavra Buda provem do título de Honorífico de Budda, atribuído as pessoas que são iluminados, na melhor tradução a pessoa que obtém uma idéia nova que beneficia a todos. Pela etimologia, significa conhecer, ir às profundezas.

5. A Revista CONSULEX, 1999, nº 19 p. 15, afirma que foram nove pessoas que utilizaram esse sistema durante a vigência da lei.


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"Temos que ter presente que, da mesma forma que o desenvolvimento tecnológico propõe novas possibilidades de viver, ele aponta possibilidades cuja perversão muitas vezes sequer somos capazes de perceber."

José Luis Bolzan de Morais.


DEDICATÓRIA

Pena que não tenhamos tido tempo de compartilhar juntos esse momento de grande felicidade.

Pena que não conseguimos terminar nossas conversas, saboreadas à luz da experiência e do conhecimento.

Pela sua grandiosidade de Cidadão e Homem do Mundo, para o Mundo, não poderia deixar de dedicar, mesmo em sua ausência, o presente trabalho de conclusão do Curso, tão almejado, de Direito.

O tempo pode ter sido precoce em oportunizar nossa separação, mas seus ensinamentos de humanidade, guardarei sempre na lembrança.

Com todo o afeto e agradecimento, que tenho e sempre terei, homenageio através do presente trabalho

FRANCISCO ONÓFRIO FILHO (in memoriam)


AGRADECIMENTOS

Agradecer é tarefa fundamental, porém corre-se o risco de esquecer alguém, sendo que desde já peço as minhas desculpas. Entretanto, alguns registros de agradecimento se fazem necessários, sem os quais não seria possível a elaboração do presente trabalho.

Agradeço à Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC), ao Departamento de Direito, ao Centro de Pesquisas Jurídicas (CEPEJUR), bem como aos professores e funcionários que de uma forma ou outra, sempre foram atenciosos, delicados e sempre se colocaram disponíveis para contribuírem na minha formação acadêmica.

É necessário se fazerem alguns agradecimentos e considerações a algumas pessoas, entre elas:

À minha mãe Cenira e minha irmã Adriana, bem como ao pai, de fato, Almerino, que, mesmo nos momentos de minha ausência, voltada para os estudos, sempre estiveram presentes comigo. Também a tia Leda, pela longa fila que enfrentou no dia em que fez a minha inscrição no vestibular.

Ao professor, orientar do presente trabalho, Mestre Hugo Thamir Rodrigues, pela brilhante oportunidade que tive em ser seu aluno e orientando.

Ao Iguatemy Carlos Soares, pelo exemplo de profissional que é, almejando sempre a busca do eterno conhecimento e também, por ter-me incentivado à constante busca do saber.


Autor


Informações sobre o texto

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade de Santa Cruz do Sul-UNISC, para a obtenção do título de Bacharel em Direito, sob a orientação do Prof. Ms. Hugo Thamir Rodrigues.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COELHO, Milton Schmitt. Eutanásia. Uma análise a partir de princípios éticos e constitucionais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. -639, 1 out. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2412. Acesso em: 24 abr. 2024.