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Concurso de pessoas nos delitos omissivos

Concurso de pessoas nos delitos omissivos

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Os crimes podem ser comissivos ou omissivos. Comissivos são os praticados mediante ação, como, no homicídio, atirar na vítima, golpeá-la etc. Crimes omissivos, ensina claus roxin, são infrações de dever, em que autor não pode ser qualquer pessoa, e sim a quem incumbe a obrigação concreta de evitar o resultado descrito no tipo[1]. Ex.: abandono material (Código Penal, art. 244). Nesses delitos, o dever de agir "não deriva propriamente de fundamentos positivos, mas de exigências de solidarismo do homem para com outros homens dentro da comunidade"[2]. Classificam-se em omissivos próprios e impróprios.

Crimes omissivos próprios ou puros são os que se perfazem com a simples não-realização de um ato esperado, independentemente de um evento posterior. A afetação jurídica do interesse protegido é objetivamente imputada ao sujeito pela simples omissão normativa. Ex.: omissão de socorro, que se consuma com a abstenção de prestação de assistência ao necessitado, não se condicionando a forma simples a qualquer conseqüência jurídica.

Denominam-se delitos omissivos impróprios (impuros ou comissivos por omissão) aqueles em que o sujeito, abstendo-se de realizar a esperada conduta impeditiva do resultado jurídico, deixa que ele ocorra. Neles, o evento está ligado normativamente à abstenção da realização da conduta impeditiva a qual o "garante" omitente estava obrigado. São crimes materiais, de conduta e resultado[3]. A atuação esperada não é um comportamento positivo qualquer, mas uma ação que possivelmente obstaria a afetação jurídica do bem penalmente protegido[4]. O art. 13, § 2.º, do CP disciplina a imputação objetiva nos delitos omissivos impróprios, descrevendo elementos normativos do tipo[5]. Ex.: a mãe deixa de alimentar o filho de tenra idade, vindo a vítima a falecer. Responde por homicídio (delito comissivo por omissão). São descritos em tipos abertos, compostos de uma figura típica incriminadora e de uma norma de extensão prevista na Parte Geral, que impõe a obrigação de agir, exigindo sempre "a atividade integradora do Juiz"[6]. Na omissão imprópria, encontramos delitos omissivos e não comissivos. Isso decorre da cláusula genérica de conversão de crimes ativos em omissivos prevista no art. 13, § 2.º, do CP.

Nos delitos omissivos, sejam próprios ou impróprios, comuns ou que contenham no tipo uma condição especial do autor (crimes próprios), não há co-autoria ou participação mediante omissão. Realmente, uma das formas de concurso de pessoas, a co-autoria, na lição de johannes wessels, baseia-se no princípio "do atuar em divisão de trabalho e na distribuição funcional dos papéis", considerando o co-autor um "colaborador e parceiro da resolução comum para o fato e da realização comunitária do tipo, de forma que as contribuições individuais completam-se num todo unitário, devendo o resultado final ser imputado a todos os participantes"[7].

Nos delitos de conduta negativa, não se pode dizer que a omissão de um sujeito constitui parte do todo, que a conduta omissiva de um completa a do outro, que há divisão de tarefas etc. Como diz beatriz vargas ramos, "a omissão não é fracionável", não se constatando, sob o aspecto objetivo, uma "obra comum"[8]. O dever de atuar, observa nilo batista, "é indecomponível"[9]. Suponha-se que vários sujeitos encontrem uma pessoa se afogando e, podendo salvá-la sem risco pessoal, deixem-na morrer. Há tantos crimes de omissão de socorro quantos sejam os omitentes[10], uma vez que não é admissível que os autores possam repartir comportamentos negativos[11].

Não existe co-autoria na omissão imprópria. Imagine que pai e mãe, de comum acordo, venham a matar uma criança por falta de aleitamento. Há dois autores diretos de homicídios dolosos. Como diz nilo batista, "a omissão de um não completa a omissão do outro"[12].


NOTAS

1.Autoría y Dominio de Hecho en Derecho Penal. Trad. Joaquín Cuello Contreras e José Luis Serrano Gonzáles de Murillo. Madri: Marcial Pons, 2000. p. 498.

2.DIAS, Figueiredo. Direito Penal. Coimbra: Universidade de Coimbra, 1975. p.166.

3.DA ROCHA, Fernando A. N. Galvão. Imputação objetiva nos delitos omissivos. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, vol. 33, p. 118, n. 7, jan.-mar.2001.

4.SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. El Delito de Omisión: Concepto y Sistema. Barcelona: Bosch, 1986. p. 281 e ss.

5.REALE JÚNIOR, Miguel. Teoria do Delito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 184, n. 3.3.

6.FRANCO, Alberto Silva. Crimes comissivos por omissão. In: FRANCO, Alberto Silva. Temas de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1986. p. 52. Para Silva Franco, esse sistema acarreta "o surgimento de um dispositivo penal de duvidosa constitucionalidade por representar um flagrante agravo ao princípio da legalidade". (p. 40)

7.Direito Penal: Parte Geral. Trad. Juarez Tavares. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1976. p. 121.

8.Do Concurso de Pessoas. Belo Horizonte: Del Rey, 1996. p. 153.

9.Concurso de Agentes. Rio de Janeiro: Liber Juris, 1979. p. 65.

10.PRADO, Luis Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 269.

11.CALVO, Julio J. Casende. Problemas de autoría y participación en relación con los delitos de homicidio y asesinato. In: CALVO, Julio J. Casende. Delitos Contras las Personas. Madri: Consejo General del Poder Judicial, 1999. p. 151; PRADO, Luis Regis. Loc. cit.

12.BATISTA, Nilo. Loc. cit. No mesmo sentido da inexistência de co-autoria e sim autorias: JAKOBS, Günther. Derecho Penal: Parte General. Trad. Joaquín Cuello Contreras e José Luis Gonzáles de Murillo. Madri: Marcial Pons, 1997. p. 791; Idem. La omisión: estado de la cuestión. In: JAKOBS, Günther. Sobre el Estado de la Teoría del Delito. Madri: Civitas, 2000. p. 142-143, n. 3; BACIGALUPO, Enrique. Derecho Penal: Parte General. Buenos Aires: Hammurabi, 1999. p. 564, n. 1.158.


Autor

  • Damásio E. de Jesus

    Damásio E. de Jesus

    advogado em São Paulo, autor de diversas obras, presidente do Complexo Jurídico Damásio de Jesus

    atuou durante 26 anos no Ministério Público do Estado de São Paulo, tendo se aposentado em 1988 como Procurador de Justiça. Teve papel significativo em trabalhos importantes realizados para o Ministério da Justiça, a Prefeitura da Cidade de São Paulo, a Câmara dos Deputados, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e a Secretaria da Administração Penitenciária do Estado de São Paulo. Com vasto reconhecimento internacional, atuou também como representante brasileiro nas várias sessões organizadas pela Organização das Nações Unidas (ONU) em todo o mundo, onde já discutiu variados temas, a maioria abordando a prevenção ao crime e a justiça penal, os crimes de corrupção nas transações comerciais internacionais, o controle de porte e uso de armas de fogo, entre outros.

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JESUS, Damásio E. de. Concurso de pessoas nos delitos omissivos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 53, 1 jan. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2511. Acesso em: 10 maio 2024.