Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/26194
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Do reexame necessário à luz da Constituição Federal

tratamento desigual (i)legítimo da Fazenda Pública

Do reexame necessário à luz da Constituição Federal: tratamento desigual (i)legítimo da Fazenda Pública

Publicado em . Elaborado em .

A defesa da ideia de que o reexame necessário deve ser banido do ordenamento jurídico nacional leva em consideração apenas o princípio da isonomia formal, e não o da igualdade material.

Resumo: O texto aborda o reexame necessário no ordenamento jurídico nacional. Analisa as origens e os fundamentos que o suportam e tenta responder ao questionamento: é necessário mantê-lo no sistema processual civil à luz do princípio da isonomia consagrado na Constituição Federal de 1988?

Palavras-chave: Reexame necessário. Origem. Fundamentos. Espécies. Natureza Jurídica. Efeitos. Hipóteses de cabimento. Manutenção ou extinção do ordenamento jurídico nacional. Princípio da isonomia. Comparação entre o Código de Processo Civil de 1973 e o Projeto do novo Código de Processo Civil Brasileiro.

Sumário: Introdução.1. Origem histórica do reexame necessário.2. Fundamentos do reexame necessário.3. Espécies de reexame necessário.4. Natureza jurídica do reexame necessário. 4.1. Teoria do recurso.4.2. Teoria do impulso oficial..4.3. Teoria do ato complexo.4.4. Teoria da condição de eficácia.4.5. Teoria da condição de eficácia ex lege.5. Efeitos do reexame necessário.6. Hipóteses de cabimento do reexame necessário no CPC.7. Tutela antecipada genérica (artigo 273) e tutela antecipada específica (artigos 461 e 461-A) em face da Fazenda Pública e o reexame necessário.8.  Manutenção ou extinção do reexame necessário do ordenamento jurídico nacional frente ao princípio da isonomia.9. Comparação entre o reexame necessário no atual CPC e o Projeto de Lei 8.046/2010 (Projeto do novo CPC). Conclusão.Referências Bibliográficas.


Introdução

O presente estudo destina-se a analisar, de maneira simples e singela, o instituto do reexame necessário. Não tem o condão de exaurir a matéria, ainda que escassa a bibliografia específica a respeito da remessa necessária.

O interesse pela figura do reexame necessário surgiu da lide diária, das perguntas aparentemente sem respostas com as quais a autora se deparava em seu dia-a-dia de advogada pública.

A indagação inicial partiu da observação do estatuto do reexame necessário diante dos princípios processuais civis insculpidos na Constituição Federal de 1988, em especial, do princípio da isonomia entre as partes. Seria a previsão do reexame necessário constitucional? Teria ele sido recepcionado pela atual Constituição Federal? Haveria motivos para subsistir na nova ordem constitucional? Esses e outros questionamentos deram início aos trabalhos.

Tão logo feitas essas indagações, chegou-se a cogitar que o duplo grau de jurisdição obrigatório deveria ser eliminado do ordenamento jurídico nacional. As razões eram muitas e iam desde a alegação de que não passava de entrave ao trânsito em julgado da sentença, pois dificilmente o Tribunal reforma a decisão do juízo de primeira instância, bem como do fato de ser visto como protelatório do trânsito em julgado pelos advogados privados, e, ainda, visto como ônus ao Erário, pelos advogados públicos, pois aumenta o período de incidência de juros de mora e de correção monetária e, consequentemente, o pagamento devido pela Fazenda Pública.

Assim, postos na balança apenas a rara reforma, pelo Tribunal, da sentença de primeiro grau e o pagamento a maior das condenações impostas à Fazenda Pública em razão dos juros e da correção monetária devidos no período entre a data da prolação da sentença e a data de sua confirmação ou reforma pelo Tribunal, a solução não poderia ser outra que não a que pendesse à extinção do reexame necessário do âmbito do processo civil.

Ratificando a necessidade de extinção do reexame necessário do ordenamento jurídico atual ter-se-ia, ainda, uma vasta gama de princípios trazida pela inauguração do Estado Democrático de Direito com a nova ordem constitucional podendo-se destacar a celeridade, a economia e a igualdade processual.

Ocorre que extirpar o instituto do ordenamento jurídico, ainda que aparentemente fosse a melhor solução, juridicamente não seria plausível. Ver-se-á que o estatuto da remessa necessária foi inserido na ordem processual civil com o intuito de proteger o patrimônio público, eis que está sob a égide da supremacia e da indisponibilidade do interesse público.

Todavia, se antes o reexame necessário era pautado por princípios administrativos, hoje o que o mantém no ordenamento jurídico e fará com que perpetue no novo CPC é o princípio da isonomia. Em outras palavras, é a necessidade de que as partes litiguem em condição de igualdade que faz com que o duplo grau de jurisdição obrigatório permaneça no ordenamento jurídico nacional. É sabido que, embora a Fazenda Pública ainda esteja melhor aparelhada nos últimos anos, ainda assim trabalha com enorme carga de trabalho e reduzido número de procuradores, o que faz com que litigue em disparidade com o particular, sendo necessária a intervenção supletiva do Estado, por meio do legislador, para conter essas diferenças de ordem processual.

Para fins didáticos, conforme ser verá adiante, o presente estudo é dividido em nove capítulos. Parte-se da origem histórica e dos fundamentos, passa-se às espécies e à natureza jurídica para, então, se chegar às hipóteses de cabimento, analisando a (im)possibilidade de incidência da figura do reexame necessário nas decisões antecipatórias de tutela. Ao fim, analisa-se se é necessário mantê-lo ou retirá-lo do ordenamento jurídico nacional frente ao princípio da isonomia e faz-se breve comparação entre a remessa obrigatória no atual CPC e no Projeto de Lei 8.046/2010 – anteprojeto do CPC.


1.    Origem histórica do reexame necessário

Conta a história que o instituto do reexame necessário, também denominado no Código de Processo Civil revogado apelação ex officio, teve seu surgimento no Direito Medieval, mas sua utilização foi mais incisiva em Portugal, em meados do século XIV. Foi pensado inicialmente para o Direito Penal em razão da grande quantidade de poderes atribuídos ao magistrado no processo inquisitório, razão pela qual era necessária a criação de um instrumento para corrigir-lhe tal rigor (GATTO, 2011, p. 227).

Assim, em 12 de março de 1355, foi criada, por meio das Ordenações Afonsinas, a apelação ex officio. Estava o juiz obrigado a interpor recurso contra suas próprias sentenças que tivessem julgado crimes de natureza pública ou cuja apuração se iniciasse por devassa (CUNHA, 2007, p. 174). No século XVI, em 1521, as Ordenações Afonsinas foram substituídas pelas ordens de Dom Manuel e estas, pelas Filipinas em 1603. Em todas foi mantida a apelação ex officio. No Brasil, o Código Filipino vigeu do período colonial até pouco tempo depois da independência (TOSTA, 2005, p. 106).

Com a independência brasileira, em 1822, teve início no país um movimento pela criação de leis próprias. A inovação, no direito pátrio, foi a transposição da apelação ex officio do sistema penal para o processo civil.

A análise da legislação indica que o reexame necessário teve sua primeira aparição no sistema processual civil brasileiro na Lei de 04 de outubro de 1831, que, em seu artigo 90, previa que o juiz deveria recorrer de ofício da sentença que proferisse contra a Fazenda Nacional, se excedesse a sua alçada.

Art. 90. Fica extinto o actual Erario e o Conselho da Fazenda. As justificações n’este Tribunal serão feitas perante os juízes Territoriaes, com audiência do Procurador Fiscal; e as Sentenças que nele se proferirem a favor dos justificantes, serão sempre appelladas ex-officio para a Relação do Districto, sob pena de nulidade. (TOSTA, 2005, p. 108)

A partir da promulgação da Constituição Republicana de 1891, teve início o processo de codificação estadual, uma vez que seu artigo 34, item 23 atribuía ao Congresso Nacional a competência para legislar apenas sobre o processo na Justiça Federal, restando aos Estados legislarem a respeito dos feitos que tramitassem na Justiça Estadual. O reexame necessário (apelação ex officio) acabou por ter sido encampado por praticamente todos os Códigos Estaduais.

Todavia, a fragmentação da legislação processual não foi mantida por muito tempo. A Constituição de 1934 acabou por unificá-la e prever, ainda que de modo tímido, o reexame necessário em seu artigo 76, parágrafo único e artigo 144, parágrafo único, o que foi mantido pela Constituição de 1937 no artigo 101, parágrafo único.

Em 1939, com a promulgação do Código de Processo Civil, o reexame necessário foi previsto com validade para todo o território nacional. Em seu artigo 822, no capítulo destinado aos recursos, dispunha o CPC, in verbis:

A apelação necessária ou ex-officio será interposta pelo juiz mediante simples declaração na própria sentença.

Parágrafo único. Haverá apelação necessária:

I – das sentenças que declaram a nulidade do casamento;

II – das que homologam o desquite amigável;

III- das proferidas contra a União, o Estado ou o Município.                       

O Código de Processo Civil de 1973, no artigo 475, manteve o instituto do reexame necessário com algumas alterações. Dentre elas, destaca-se a mudança de seu nome, que antes era apelação ex officio, tendo passado a duplo grau de jurisdição e, paralelamente, seu deslocamento topográfico da matéria recursal para a da sentença e da coisa julgada.

Em relação à expressão “duplo grau de jurisdição”, Pedro Decomian destaca que não é das mais felizes, na medida em que toda decisão que seja recorrível fica sujeita ao duplo grau de jurisdição, desde que dela seja interposto recurso, com atendimento de todos os pressupostos de admissibilidade correspondentes (2012, p. 107).

Com o intuito de imprimir celeridade e economia ao sistema processual, em 26 de dezembro de 2001 foi promulgada a Lei 10.352, responsável por uma das minirreformas do CPC e pela alteração do artigo 475, que passou a ser redigido da seguinte maneira:

Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:

I – proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público;

II – que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública (art. 585, VI).

§ 1° Nos casos previstos neste artigo, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, haja ou não apelação; não o fazendo, deverá o presidente do tribunal avocá-los.

§ 2° Não se aplica o disposto neste artigo sempre que a condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos, bem como no caso de procedência dos embargos do devedor na execução de dívida ativa do mesmo valor.

§ 3° Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente.[1]

Dentre as alterações promovidas, pode-se elencar (a) a supressão do reexame necessário nos casos em que a sentença anular o casamento; nos casos em que a condenação ou direito controvertido for inferior a 60 (sessenta) salários mínimos; quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente; (b) a ampliação do leque de sujeitos com a inclusão do Distrito Federal, das Autarquias e Fundações Públicas, que, condenados, têm direito à ratificação da sentença pela instância superior; (c) o duplo grau de jurisdição obrigatório nos casos em que forem julgados procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública.


2.    Fundamentos do reexame necessário

Conforme Rafael Sérgio Lima de Oliveira, deve-se diferenciar o fundamento – ou razão – do reexame necessário da finalidade, pois esta diz respeito ao objetivo pretendido com a previsão do instituto enquanto aquele se refere à base jurídica e fática sustentadora do reexame necessário no ordenamento jurídico (OLIVEIRA, 2011, p. 173).

A razão de ser do instituto diz respeito à proteção do interesse público em juízo.

A remessa obrigatória intenta proteger os interesses da sociedade juridicamente titularizados nas pessoas públicas, fazendo com que a sentença prolatada no primeiro grau suba à instância superior para ser reanalisada na parte contrária ao erário, evitando que uma decisão juridicamente falha prejudique a sociedade. (OLIVEIRA, 2011, p. 174).

Na exposição de motivos do Anteprojeto da Lei 10.352/2001, que disciplinava, dentre outros temas, o instituto do duplo grau de jurisdição, entenderam Athos Gusmão Carneiro e Sálvio de Figueiredo Teixeira que deveria ser mantido o reexame necessário no sistema processual brasileiro para melhor preservar os interesses do Erário, tutelando patrimônio que é, em última instância, de todos os cidadãos (CARNEIRO, 1998, p. 36-45).

O fundamento do duplo grau de jurisdição ou reexame necessário pode ser visualizado no interesse em preservar determinados valores muito significativos, como os interesses da Fazenda Pública (...), exigindo-se, por isso, que decisões que lhes fossem desfavoráveis (muito embora pudessem estar corretas no caso concreto) fossem tomadas não apenas por um único órgão jurisdicional monocrático, mas confirmadas obrigatoriamente também por instância superior. (DECOMAIN, 2012, p. 109).

Reforçando tal entendimento, tem-se o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, representado no acórdão relativo do Recurso Especial 628.502/RS, 2ª Turma, da relatoria da Min. Eliana Calmon, julgado em 22.05.2006, que traz a instituição do reexame necessário como mecanismo de proteção do interesse público.[2]

Por outro lado, ressalta Gisele Welsch, é salutar que se pondere que o interesse público de que se trata sofre variações de acordo com o objeto da remessa necessária na hipótese considerada. Isso porque o instituto não é exclusividade do CPC, tendo previsão também em diversos outros diplomas normativos, e em todos eles sempre em prol do interesse público, mas nem sempre esse interesse público se traduz na defesa da Fazenda Pública (WELSCH, 2010, p. 58).

Em prosseguimento, Rafael Sérgio de Lima Oliveira traz observação de que o fundamento do duplo grau de jurisdição obrigatório pode ser cindido em dois: um de ordem jurídica, outro de ordem fática (OLIVEIRA, 2011, p. 174).

No que diz respeito à legitimação jurídica, deve-se buscá-la na Constituição Federal, uma vez que esta prevê a necessidade de salvaguardar o patrimônio transindividual.

No dizer de Jorge Tosta, “tal finalidade encontra-se amparada pela Constituição Federal que, em diversos dispositivos, tutela de maneira diferenciada o patrimônio público, através de instrumentos políticos ou jurídicos” (TOSTA, 2005, p. 136). Exemplo disso é o inciso I do artigo 23, inciso XXI do artigo 37 e artigo 100 da Constituição Federal de 1988.

No campo fático, dois argumentos subsidiam o reexame necessário: a possibilidade de falha da representação judicial do Poder Público em juízo e a corrupção dos agentes públicos no trato do Erário.

Se no direito lusitano a reanálise da instância superior veio para atenuar os efeitos do processo criminal inquisitório, a análise história do instituto no direito processual brasileiro mostra que ele teve e ainda tem uma grande força quando a intenção é proteger o patrimônio público (OLIVEIRA, 2011, p. 165).

Para Barbosa Moreira, o instituto é imprescindível uma vez que não se pode eliminar a falibilidade da Advocacia Pública, ainda que se conceba a qualidade de atuação dos procuradores do erário:

Concedido que, em regra, os procuradores da Fazenda se mostrem diligentes no exercício de suas funções, disso não se deduz a impossibilidade de que algum deles, por este ou aquele motivo, deixe de interpor apelação contra sentença desfavorável. Será hipótese rara, mas não inconcebível. Pois bem, acode a tais casos a regra do art. 475, que para isso foi concebida (BARBOSA MOREIRA, 2007, p. 209).

Não se pode deixar de aqui registrar a importante lição de Wesley Corrêa Carvalho, para quem, a supremacia e a indisponibilidade do interesse público são sempre assacadas em primeiro lugar ao se tratar de justificar a existência de prerrogativas processuais concedidas aos entes públicos, no entanto, ainda que subsidiariamente, não deixam de ser mencionadas questões de ordem isonômica. Para o citado jurista, o que justifica as prerrogativas da Fazenda Pública atualmente é o princípio da isonomia, e não o da supremacia e da indisponibilidade do interesse público (2013, p. 157).

Como bem ressalta Ronaldo Campos e Silva, parafraseando Gustavo Binenbojm, o Estado Democrático de Direito é um estado de ponderação que se legitima pela proteção e defesa dos interesses coletivos e também dos interesses individuais. A identificação do interesse que deverá prevalecer há de ser feita mediante uma ponderação proporcional dos interesses em conflito, conforme as circunstâncias do caso concreto e a partir dos parâmetros erigidos pela Constituição, sem qualquer tipo de solução apriorística que permita antever a resolução do conflito de interesses em prol do interesse público (2012, p. 246).

Assim, “as prerrogativas da Fazenda Pública somente se justificam na medida em que sirvam de meio para alcançar a igualdade substancial no bojo do processo” (CAMPOS E SILVA, 2012, p. 247).

E eles têm razão. O que legitima as prerrogativas conferidas à Fazenda Pública em juízo atualmente não são os princípios da supremacia e da indisponibilidade do interesse público, mas, sim, a situação de desigualdade com que a Fazenda litiga em relação aos particulares, uma vez que responde a uma “(...) quantidade cada vez maior de ações, acrescentando-se a isso os entraves burocráticos que dificultam muito a atuação expedita, principalmente no que tange à prestação de informações por órgãos da estrutura administrativa, para subsidiar a defesa do Poder Público em juízo” (LIMA FRANCO, 2006, p.6).

Exemplo disso pode ser retirado da seguinte situação: imagine um trabalhador gaúcho que residiu no estado do Mato Grosso por quinze anos, tendo trabalhado nesse período como empregado rural sem contrato de trabalho registrado em CTPS. Ao descobrir-se portador de moléstia que lhe impede de trabalhar, dirige-se à Agência da Previdência Social da localidade em que residia e tem seu pedido de benefício por incapacidade negado, em que pese ter sido constatada sua incapacidade para seu labor habitual. Passados alguns meses, falece. Os dependentes habilitados à pensão, que tinham permanecido residindo no interior do estado do Rio Grande do Sul, ingressam com pedido administrativo de pensão por morte na localidade em que residem, o qual também é negado sob a alegação da ausência da qualidade de segurado do de cujus junto ao Regime Geral de Previdência Social. Irresignados, ingressam com ação judicial contra o INSS requerendo o reconhecimento da condição de segurado do de cujus do RGPS; o pagamento de auxílio-doença que o de cujus deveria ter recebido em vida; e, consequentemente, que o INSS seja condenado a lhes conceder pensão por morte. Para que seja possível defender a Autarquia Previdenciária, o procurador oficiante no feito deverá ter em mãos, no mínimo, cópias dos processos administrativos que indeferiram os dois benefícios previdenciários, além de cópias dos laudos médicos referentes às perícias pelas quais passou o de cujus junto ao INSS, e de consultas aos sistemas PLENUS e CNIS para saber se o de cujus já recebeu ou já requereu algum benefício previdenciário ou assistencial e em qual condição, bem como se possuía vínculos empregatícios em seu nome. Como foram realizados dois pedidos administrativos e em duas cidades/unidades federativas diferentes, deverá ser instruída a defesa da Autarquia com ambos os processos administrativos.

Vê-se, portanto, que em razão do emaranhado de órgãos existentes, não há como ser feita a coleta de informações e de documentos de forma rápida. Isso reflete apenas uma das inúmeras situações de desigualdade que se encontra a Fazenda Pública frente aos particulares quando estão litigando, situação que se torna apta a subsidiar a extensão de prerrogativas à Fazenda Pública em juízo.


3.    Espécies de reexame necessário

Dentre as classificações que são feitas, uma destina-se a dividir as espécies de reexame necessário em obrigatório e facultativo.

“O reexame é obrigatório quando a lei não oferece ao Juiz a possibilidade de decidir se determina ou não a remessa dos autos a outro órgão hierarquicamente superior” (TOSTA, 2005, p. 157).

Em contrapartida, é facultativo quando não impõe ao magistrado a necessidade de remessa dos autos à instância ad quem. É o que ocorre no artigo 898 da CLT, último resquício de exemplo do reexame facultativo.

Das decisões proferidas em dissídio coletivo que afete empresa de serviço público, ou, em qualquer caso, das proferidas em revisão, poderão recorrer, além dos interessados, o Presidente do Tribunal e a Procuradoria da Justiça do Trabalho.[3] (sem grifo no original)


4.    Natureza jurídica do reexame necessário

 Não consta no Código de Processo Civil (ou mesmo na legislação especial) dispositivo que indique, de forma segura e imune de dúvidas, a natureza jurídica do instituto (MAZZEI, 2011, p.420).

Desse modo, a doutrina divide-se em 5 (cinco) correntes ao analisar a natureza jurídica do reexame necessário muito embora, na visão de Barbosa Moreira, o assunto “sempre teve sabor exclusivamente acadêmico e está de todo superada” (BARBOSA MOREIRA, 2007, p. 201).

4.1.        Teoria do recurso

Tem, entre seus defensores, Sérgio Bermudes (1995, p. 159) e Araken de Assis (2001, p. 114-134).

Em que pese inexistir no reexame necessário as características recursais da voluntariedade, tipicidade, dialeticidade, interesse em recorrer, legitimidade, tempestividade, preparo e juízo de admissibilidade, seus defensores atribuem ao reexame necessário a natureza recursal em razão de que um órgão ad quem faz a revisão da matéria julgada em primeiro grau pelo juiz, argumentando que quem recorre não é o juiz, mas o Estado.

Essa parcela minoritária da doutrina consubstancia o reexame necessário como um sucedâneo recursal na medida em que há transferência, imposta pela lei, à instância superior do conhecimento integral da causa (ASSIS, 2007, p. 850).

Todavia, embora o CPC de 1939 denominasse o atual instituto do reexame necessário como apelação de ofício, sua natureza recursal nunca foi realmente reconhecida.

Trata-se de providência a ser obrigatoriamente adotada pelo magistrado, nas hipóteses em que legalmente prevista, consistente em ordenar que, uma vez vencido o prazo para que a parte sucumbente interponha seu recurso, os autos sejam submetidos à segunda instância, para reapreciação da matéria, com confirmação ou reforma (parcial ou total) daquilo que foi decidido. (DECOMAIN, 2012, p. 107).

4.2.    Teoria do impulso oficial

A teoria do reexame necessário como impulso oficial é capitaneada por Pontes de Miranda (1997, p. 156). Ela nega a natureza recursal do reexame necessário sob a alegação de que inexiste a característica da voluntariedade, essencial aos recursos. Por conseguinte, como o juiz não é capaz de postular nos autos do processo em que proferiu sentença, ele determina a subida dos autos para reapreciação pelo órgão ad quem por meio do impulso oficial estabelecido pela lei processual.

A apelação de ofício, seguindo a velha praxe, interpõe-se por simples declaração de vontade, que não se separa do ‘despacho’ devolutivo (sempre que, nas leis, não há razões do apelado). A figura processual não é a inserção do Estado, através do próprio juiz, na relação processual, e sim a de impulso processual. O juiz é recorrente, sem ser parte, sem ser litisconsorte ou terceiro prejudicado. A própria situação de recorrente é-lhe conferida como explicação do impulso, que se lhe confia; porque rigorosamente, a apelação de ofício é apelação sem apelante. A conclusão poderia ser mecânica, feita pelo escrivão. A lei entregou esta missão ao próprio juiz (PONTES DE MIRANDA, 1974, p. 216).

4.3.        Teoria do ato complexo

Inicialmente defendida por Frederico Marques, foi por ele revista mais tarde. Essa teoria busca fundamentos no Direito Administrativo, em especial, na definição de atos complexos: “envolvem necessariamente a manifestação de mais de um órgão, poder ou ente” (MEDAUAR , 2006, p. 149).

Do mesmo entendimento compartilha Rui Portanova. Para o desembargador gaúcho, algumas sentenças que envolvem interesse público são o primeiro momento de um ato judicial complexo, cujo aperfeiçoamento requer a manifestação do tribunal (2003, p. 266-267).

No Superior Tribunal de Justiça, ainda é possível encontrarem-se adeptos dessa corrente. Exemplo disso é o acórdão proferido no REsp 100.715-BA, da 1ª Turma, rel. Min. Humberto Gomes de Barros.

PROCESSUAL – DECISÃO CONTRÁRIA AO ESTADO – REMESSA EX OFFICIO – NATUREZA DO FENÔMENO – CPC ART. 475 – APELAÇÃO – TEMPESTIVIDADE – DISCUSSÃO INÚTIL – AGRAVO RETIDO – CONHECIMENTO.

1.     A decisão de primeiro grau, contrária ao Estado, constitui o primeiro dos momentos de um ato judicial complexo, cujo aperfeiçoamento requer manifestação do Tribunal.

2.     Quando aprecia remessa ex-officio, o Tribunal não decide apelação: simplesmente complementa o ato complexo.

3.     Não faz sentido discutir-se a tempestividade de apelação manifestada pelo Estado, contra decisão de primeiro grau. É que tal decisão será necessariamente apreciada pelo Tribunal ad quem.

4.     O agravo retido deve ser apreciado pelo tribunal, na assentada em que fizer a revisão ex officio (CPC, Art. 475). O Art. 523 do CPC deve ser interpretado de modo a não tornar inútil o Art. 522.[4]

Conforme o acórdão mencionado, o reexame necessário é um ato complexo porque o juiz, nesta hipótese, apresenta ao Tribunal um projeto de sentença que, aprovado, transforma-se em sentença, eficaz e apta a gerar coisa julgada. Em contrapartida, quando modifica o projeto, a Corte não estará reformando sentença. Estará ajustando a proposta que lhe parece deva ser a sentença correta.[5]

4.4.        Teoria da condição de eficácia

A teoria do reexame necessário como condição de eficácia da sentença é a que ganhou mais adeptos na doutrina nacional. Embora a impropriedade terminológica, eis que “condição” refere-se a evento futuro e incerto, tem dentre seus seguidores expoentes da doutrina jurídica nacional como Nelson Nery Junior, Mendonça Lima, Barbosa Moreira, Arruda Alvim, Grinover e Tucci.

Conforme essa teoria, a sentença é ineficaz quando presente alguma das hipóteses de reexame necessário. Apenas depois de reexaminada pelo Tribunal é que produzirá seus efeitos. Ou seja, não havendo o reexame, a sentença não transitará em julgado, razão pela qual se diz que está sujeita a uma condição.

Trata-se de condição de eficácia da sentença, que, embora existente e válida, somente produzirá efeitos depois de confirmada pelo tribunal.  (...) Enquanto não reexaminada a sentença pelo tribunal, não haverá trânsito em julgado, e, consequentemente, será ela ineficaz (NERY JUNIOR e NERY, 1999, p. 928).

Inclusive, esse tem sido o entendimento perfilhado pelo Superior Tribunal de Justiça em diversos de seus julgados[6]:

RECURSO ESPECIAL – ALÍNEA "A" – REEXAME NECESSÁRIO – INVERSÃO DOS ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA – POSSIBILIDADE – PRECEDENTES.

A teor do disposto no artigo 475, inciso II, do Código Buzaid, a remessa necessária tem a natureza jurídica de "condição de eficácia da sentença". Por esse motivo, "tem translatividade plena, submetendo ao tribunal toda a matéria levantada e discutida no juízo inferior, mesmo que a sentença não a haja apreciado por inteiro" (Nelson Nery Júnior in "Princípios fundamentais - Teoria Geral dos Recursos", RT, 4ª edição, p. 57).

Assim, mesmo que a parte não tenha manejado recurso de apelação e suscitado o exame, pela egrégia Corte julgadora, da questão relativa aos ônus sucumbenciais, ou, se, hipoteticamente, não tivesse sido ultrapassado o juízo de admissibilidade de recurso interposto, ao Tribunal competia a análise dos pontos controvertidos do processo, em razão do reexame necessário, pois, de acordo com as disposições do artigo 475 do CPC, "há a devolução obrigatória da apreciação da matéria para o tribunal ad quem" (in Pontes de Miranda, "Comentários ao Código de Processo Civil", tomo V, 1974, Forense, p. 218).

Recurso especial provido para reconhecer que, a teor da decisão proferida pela egrégia Corte a quo, houve inversão dos ônus sucumbenciais no percentual fixado na sentença.[7] (sem grifo no original)

Por outro lado, pequena parcela da doutrina vê o reexame necessário como condição de existência da sentença, e não de eficácia. Para essa corrente, “sendo o reexame integrativo de certeza da sentença de primeiro grau, não se pode alegar que ela é existente se permanece a causa sem ser submetida ao reexame” (TOSTA, 2005, p. 150).

Para Seabra Fagundes,

Ao estipular a lei que de determinada sentença caberá recurso necessário, condiciona a integração e, consequentemente, a validez do pronunciamento jurisdicional ao dúplice exame da relação jurídica. Por imposição do seu texto, não haverá sentença, como ato estatal de composição da lide, antes que a segunda instância confirme ou retome o que na primeira se decidiu. Haverá um pronunciamento jurisdicional em elaboração, por ultimar, pendente de ato posterior necessário. O julgado estará incompleto, como se diz em acórdão do Supremo Tribunal Federal. É o que se infere da natureza e finalidade desse recurso de exceção (SEABRA FAGUNDES, 1946, p. 193-194).

4.5.        Teoria da condição de eficácia ex lege

Por fim, essa teoria, capitaneada por Jorge Tosta (2005, p. 151 e 167), que refuta todas as anteriores, prega que “o reexame não passa de uma condição suspensiva ex lege que, repita-se, em nada difere da que também está sujeita a sentença contra a qual foi interposto recurso”.

Para o citado jurista, “(...) o reexame necessário é um mero instrumento legal de prolongamento do estado natural de ineficácia de algumas sentenças” (TOSTA, 2005, p. 167). Ou seja, o reexame necessário apenas evita a coisa julgada. Ele não impede a execução provisória da sentença nos casos em que a lei deu à própria sentença eficácia imediata uma vez publicada como, por exemplo, nos casos dos incisos I a VII do artigo 520 do CPC. Significa que essa eficácia não é suspensa pelo reexame necessário.

Na verdade, Jorge Tosta faz uma retificação na teoria da condição da eficácia da sentença, ao afirmar que a ineficácia da sentença irá ocorrer se o recurso voluntário cabível (seja ele apresentado ou não) detiver efeito suspensivo capaz de inibir eventual execução provisória. Em situação inversa, não tendo a apelação voluntária possibilidade de afastar (ordinariamente) a execução provisória, não se poderia cogitar em remessa como condição suspensiva de ineficácia da sentença (MAZZEI, 2011, p. 170).

Rafael Sérgio Lima de Oliveira não vê diferença na distinção adotada por Jorge Tosta entre o reexame necessário como condição para a eficácia da sentença e a figura da condição suspensiva ex lege. Para ele, ambas as figuras impedem a produção dos efeitos do mesmo modo que o efeito suspensivo dos recursos. Ou seja, assim como os recursos, o duplo grau obrigatório às vezes não é dotado de efeito suspensivo (OLIVEIRA, 2011, p. 170).


5.    Efeitos do reexame necessário

Em que pese o duplo grau de jurisdição obrigatório ter sido excluído do capítulo destinado aos recursos, merecem ser pesquisados seus efeitos tendo em vista que sua aplicação ocasiona uma revisão do julgado pela instância superior. Para tanto, a doutrina tem se utilizado da classificação dos efeitos dos recursos (devolutivo, translativo, suspensivo, expansivo e substitutivo) e analisado se incidem ou não na remessa necessária.

O efeito devolutivo, inerente aos recursos, já é passível de ter sua incidência descartada de antemão, uma vez que está umbilicalmente ligado ao princípio do tantum devolutum quantum appellatum e ao princípio dispositivo. Ou seja, o juízo ad quem apenas analisa a matéria objeto de impugnação. “Há, por assim dizer, à semelhança do que ocorre com o juiz em relação ao pedido inicial, o que se pode denominar de princípio da adstrição do juízo ‘ad quem’ à impugnação” (TOSTA, 2005, p. 85). Desse modo, a devolutividade é inaplicável ao reexame necessário tendo em vista que o Tribunal ad quem irá analisar a parte da decisão que prejudicou a Fazenda Pública mesmo que não tenha havido impugnação desta.

O efeito translativo, informado pelo princípio inquisitório, é, por sua vez, aplicável no reexame necessário. Na prática, o que ocorre é a translatividade das matérias decididas contrariamente à Fazenda. “Diante da indisponibilidade do interesse público versado no processo, a legislação autoriza o Tribunal Superior a fazer o reexame, mesmo quando não há impugnação da Fazenda Pública” (OLIVEIRA, 2011, p. 171).

Todavia, essa translatividade não é ampla, “(...) ela é restrita à parte que prejudicou a Fazenda Pública (rectius: julgou contra a Fazenda). Logo, não se translada para o Tribunal as questões decididas em prol da Fazenda” (TOSTA, 2005, p. 171). Corolário do exposto é a Súmula 45[8] do STJ, que proíbe a reforma da sentença para piorar a situação da Fazenda Pública.

De fato, como também já se anotou, o reexame necessário existe como mecanismo destinado à proteção mais reforçada dos interesses da Fazenda Pública, que poderiam, em tese, restar prejudicados por decisão de instância originária, monocraticamente proferida, e que transitasse em julgado por falta de interposição de recurso.

Em virtude desta sua finalidade, resta claro que a situação da Fazenda Pública não pode ser agravada pela decisão proferida ao realizar-se o reexame necessário. Se existe para beneficiá-la, não faria sentido que por seu intermédio se alcançasse justamente o resultado inverso. (DECOMAIN, 2012, p. 115).

Entretanto, desse entendimento não compartilha Nelson Nery Junior (2003, p. 813). Para ele, no reexame obrigatório, o efeito translativo é pleno, estando o Tribunal autorizado a examinar integralmente a sentença, podendo modificá-la total ou parcialmente, inclusive agravando a situação da Fazenda Pública (NERY JUNIOR; NERY, 2003, p. 814).

(...) é manifestação do efeito translativo no processo civil: transfere-se o conhecimento integral da causa ao tribunal superior, com a finalidade de estabelecer controle sobre a correção da sentença de primeiro grau. Daí por que, mesmo sem recurso das partes, pode haver modificação parcial ou total da sentença, mesmo em detrimento da Fazenda Pública. Fosse a remessa necessária decorrência do efeito devolutivo em favor da Fazenda, aí sim não poderia haver piora de sua situação processual. Por esta razão é incorreto o fundamento do Verbete 45 da súmula do STJ, que diz não poder haver piora da situação da Fazenda Pública no julgamento da remessa necessária (NERY JUNIOR, 2004, p. 95).

Desse entendimento também compartilha Araken de Assis (2007, p. 95-96):

Conferir-se à remessa necessária efeito translativo ‘pleno’ porém secundum eventum afigura-se-nos contraditório e inconstitucional. Contraditório porque, se há translação ‘ampla’, não pode ser restringida à reforma em favor da fazenda; inconstitucional porque, se secundum eventum, fere a isonomia das partes no processo.

A jurisprudência do STJ, no entanto, filia-se à translatividade restrita, pois não é da natureza do instituto o beneficium commune. Em que pese extensa a ementa do acórdão proferido no Recurso Especial 1.233.311/PR, em que foi Relator o Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 24.05.2011, ela merece ser transcrita, eis que bastante elucidativa à compreensão da matéria ora analisada.

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PRELIMINAR DE OFENSA AO ART. 475 DO CPC. NÃO ACOLHIMENTO. PARTICULAR QUE NÃO APELOU DA SENTENÇA NA PARTE EM QUE RESTOU SUCUMBENTE. LIMITES DA DEVOLUTIVIDADE DO REEXAME NECESSÁRIO: QUESTÕES JULGADAS EM PREJUÍZO DA FAZENDA PÚBLICA. SÚMULAS 45 E 325 DO STJ. ENTENDIMENTO DOUTRINÁRIO DE BARBOSA MOREIRA. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO ART. 535 DO CPC.

1. Não obstante a controvérsia doutrinária e jurisprudencial que existe sobre os limites da matéria devolvida e em relação à própria existência do reexame necessário, a orientação deste Tribunal firmou-se no sentido de que, "no reexame necessário, é defeso, ao tribunal, agravar a condenação imposta à Fazenda Publica" (Súmula 45/STJ), sendo que "a remessa oficial devolve ao Tribunal o reexame de todas as parcelas da condenação suportadas pela Fazenda Pública, inclusive dos honorários de advogado" (Súmula 325/STJ).

2. Isso porque o reexame necessário é instituto destinado a proteger o interesse público, razão pela qual a devolutividade é restrita às questões que foram decididas em prejuízo da Fazenda Pública.

3. Há muito esta Corte tem entendido que: (a) "o reexame necessário, inclusive o previsto no art. 1º da Lei nº 8.076/90, é beneficio que aproveita somente as entidades da Administração Publica" (REsp 33.433/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ de 30.8.93);

(b) "no reexame necessário, é defeso, ao tribunal, agravar a condenação imposta a fazenda publica" (REsp 57.118/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Hélio Mosimann, DJ de 13.2.95); (c) "a remessa oficial, por si, não autoriza o tribunal 'ad quem' a manifestar-se sobre todas as questões postas em juízo" (REsp 60.314/MS, 1ª Turma, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, DJ de 25.3.96); (d) "O reexame necessário é estabelecido a beneficio das pessoas jurídicas de direito publico", de modo que, "se a parte que litiga contra estas não apelou, a condenação que sofreram não pode ser agravada pelo tribunal, sob pena de 'reformatio in pejus'" (REsp 111.356/SP, 1ª Turma, Rel. Min. José de Jesus Filho, DJ de 19.5.97).

4. Destaca-se, no âmbito doutrinário, a lição de José Carlos Barbosa Moreira: "A obrigatoriedade do reexame em segundo grau das sentenças contrárias à Fazenda Pública não ofende o princípio da isonomia, corretamente entendido. A Fazenda não é um litigante qualquer. Não pode ser tratada como tal; nem assim a tratam outros ordenamentos jurídicos, mesmo no chamado Primeiro Mundo. O interesse público, justamente por ser público — ou seja, da coletividade como um todo — é merecedor de proteção especial, num Estado democrático não menos que alhures. Nada tem de desprimorasamente 'autoritária' a consagração de mecanismos processuais ordenados a essa proteção".

5. Com amparo no entendimento jurisprudencial deste Tribunal e na doutrina citada, é imperioso concluir que, em se tratando de sentença parcialmente desfavorável à Fazenda Pública, em face da qual não foi apresentada apelação pelo particular, o exame da matéria pelo órgão ad quem limita-se à parte em que sucumbiu a Fazenda Pública, porquanto defeso ao tribunal piorar a sua situação. O não exame da parte em que sucumbiu o particular — que não apelou — não implica violação do art. 535 do CPC, sobretudo em razão dos limites da matéria devolvida. A regra proibitiva de agravamento da situação da Fazenda Pública é estendida a eventual recurso apresentado em face do acórdão proferido em sede de reexame necessário, razão pela qual não pode o particular — que não apelou — suscitar, em sede de recurso especial, eventual afronta a dispositivo de lei federal, em relação à parte da sentença que ele (particular) restou sucumbente. Ressalte-se que eventual provimento de tal recurso violaria, indiscutivelmente, o disposto no art. 475 do CPC e afrontaria a jurisprudência deste Tribunal, consolidada nas Súmulas 45 e 325 do STJ.

6. No caso concreto, em face da sentença que julgou parcialmente procedentes os embargos à execução fiscal, o ora recorrente (particular) não apelou, suscitando as questões em relação às quais restou sucumbente na sentença em sede de embargos de declaração. Nesse contexto, o Tribunal de origem tratou de modo adequado da questão ao afirmar que "não há omissão pela ausência de reexame integral da sentença, visto que a remessa oficial é relativa somente à parte da sentença que foi desfavorável ao ente público (União) que se beneficia do reexame".

7. Por fim, cumpre registrar que o entendimento adotado não conflita com o disposto na Súmula 423/STF ("Não transita em julgado a sentença por haver omitido o recurso 'ex officio', que se considera interposto 'ex lege'") nem com o acórdão proferido no REsp 905.771/CE (Corte Especial, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe de 19.8.2010), o qual pacificou entendimento no sentido de que, havendo reexame necessário, a ausência de anterior apelação por parte da Fazenda Pública não configura preclusão lógica para eventuais recursos subsequentes, sobretudo recurso especial.

8. Recurso especial não provido, no que se refere às preliminares de ofensa aos arts. 475 e 535 do CPC. Recurso não conhecido em relação às demais questões suscitadas, que foram decididas em prejuízo do particular que não apelou da sentença. (sem grifo no original)

Outro efeito que merece ser analisado é o efeito suspensivo. “Com a suspensividade, a sentença sujeita ao reexame necessário não pode ser executada provisoriamente” (OLIVEIRA, 2011, p. 172).

Jorge Tosta (2005, p. 181) ressalta que não é o reexame necessário que o possui, mas é a própria sentença que, por sua natureza, não tem aptidão para produzir efeitos senão depois de confirmada pelo Tribunal. O que a remessa obrigatória faz, assim como o recurso de apelação, é prolongar esse estado de ineficácia da sentença.

Em contrapartida, há casos em que a própria lei estabelece que a sentença produzirá efeitos tão logo publicada. É o caso dos incisos I a VII do artigo 520 do CPC, em que a apelação será recebida apenas em seu efeito devolutivo. Nesses casos, “o reexame necessário não obstará tais efeitos, servindo apenas para evitar a formação da coisa julgada” (TOSTA, 2005, p. 182).

De maneira peculiar, no reexame necessário, se manifesta o efeito expansivo, o qual também é decorrência do princípio inquisitório e apenas incide se previsto em lei. É o que ocorre com as questões de ordem pública, que podem ser conhecidas e acolhidas pelo Tribunal em reexame necessário mesmo com prejuízo à Fazenda Pública. Percebe-se, assim, que o reexame necessário leva ao conhecimento do Tribunal não apenas a reapreciação das questões contrárias à Fazenda, mas também as questões de ordem pública, ainda que não decididas pelo juízo a quo (TOSTA, 2005, p. 183-184).

Por fim, o efeito substitutivo sempre existirá, uma vez que com o reexame obter-se-á um ato novo substitutivo ao primeiro (ASSIS, 2007, p. 851).

Para Tosta (2005, p. 31), o efeito substitutivo só irá operar quando o julgamento do mérito do recurso coincide com o objeto submetido à apreciação do juízo a quo. Se o Tribunal se limitou a anular a decisão prolatada pelo juízo a quo, não chegando a apreciar o objeto litigioso discutido em primeiro grau, não haverá substituição.


6.    Hipóteses de cabimento do reexame necessário no CPC

Conforme o inciso I do artigo 475 do CPC, já transcrito alhures, estão sujeitas ao duplo grau obrigatório, não produzindo efeito enquanto não houver a confirmação do Tribunal, as sentenças proferidas contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público.

Deve-se observar que, até a edição da Lei 9.469, de 10.07.1997, doutrina e jurisprudência discutiam acerca da possibilidade de extensão da apelação ex officio às autarquias e fundações públicas. Na época, o STF chegou a editar a Súmula 620 referindo que a sentença proferida contra as autarquias não estava sujeita ao reexame necessário, exceto quando sucumbente em execução de dívida ativa. Na mesma esteira seguiu o TFR ao editar o Enunciado 34, assim como as decisões do STJ.

O entendimento somente mudou quando foi editada a MP 1.561/1997, posteriormente confirmada pela Lei 9.469/1997, que assim dispôs: “Aplica-se às autarquias e fundações públicas o disposto nos arts. 188 e 475, caput, e no seu inciso II do Código de Processo Civil”.[9]

Com a reforma do CPC, trazida pela Lei 10.352, de 26.12.2001, as autarquias e fundações públicas foram expressamente incluídas no inciso I do citado artigo.

Para Welsch (2010, p. 59), “sobre tal acréscimo produzido pela reforma é importante observar que, na verdade, apenas procurou-se positivar a matéria, uma vez que a prática forense há muito já admitia a inclusão das autarquias e fundações públicas no rol dos entes protegidos pelo reexame necessário”.

Da análise do dispositivo, pode-se concluir também que não se submetem ao reexame necessário as sentenças proferidas contra empresas públicas e sociedades de economia mista, uma vez que possuem personalidade jurídica de direito privado. O fundamento para tal exclusão está no inciso II do § 1° e no § 2° do artigo 173 da Constituição Federal, que dispõem, respectivamente, que elas se sujeitarão a regime jurídico próprio das empresas privadas e não poderão gozar de tratamento diferenciado nem de privilégios não extensivos às empresas do setor privado.

Também se pode deduzir que apenas se submetem ao duplo grau de jurisdição sentenças que resolvem o mérito. Estão excluídas as sentenças terminativas, conforme entendimento do STJ[10], as decisões interlocutórias e os despachos.

“Os acórdãos, mesmo nos casos de competência originária de tribunal, por serem decisões colegiadas não estão sujeitos ao reexame obrigatório” (NERY JUNIOR; NERY, 2003, P. 813).

Jorge Tosta (2005, p. 236) ressalta que não são todas as sentenças terminativas que estão excluídas da reapreciação pelo Tribunal ad quem. Refere o jurista que se deve observar o momento em que é proferida a sentença e se ela traz prejuízo ao Erário. Se a sentença que extingue o processo, sem resolução de mérito, em que a Fazenda é autora, é proferida ab initio, ou seja, antes de o réu integrar a relação jurídica processual, não está sujeita ao reexame necessário, pois não traz prejuízo ao Erário. A contrario sensu, se pronunciada a extinção do processo após o réu integrar a relação jurídica processual, havendo, assim, imposição dos ônus da sucumbência ao ente público autor, cujo valor da condenação ultrapassa 60 (sessenta) salários mínimos, deve a sentença ser submetida ao reexame necessário[11], já que nesse caso ocorreu prejuízo ao patrimônio público.

De forma a subsidiar seu posicionamento, Tosta traz a lume entendimento do STJ[12] que considera reformatio in pejus a decisão do tribunal local que, em reexame necessário, impõe a Fazenda Pública a condenação em honorários advocatícios quando a sentença de primeiro grau não o fez. Ressalta que, em sede de reexame necessário, não pode o Tribunal impor à Fazenda condenação em verba honorária quando a sentença não a tenha fixado[13], de igual modo a sentença que condenou o ente público autor nos ônus de sucumbência, mesmo sem julgar o mérito, deve submeter-se ao reexame necessário . Em ambos os casos, o objetivo é evitar que, do ponto de vista prático, o erário sofra prejuízo indevido (TOSTA, 2005, p. 236-237).

Nelson Nery Junior (2003, p. 814) advoga em sentido contrário ressaltando que a sentença extintiva de mérito não é sentença proferida contra a Fazenda Pública ou a autarquia, pois haveria somente o reconhecimento judicial de que não se poderia examinar a questão de fundo, motivo pelo qual essa sentença não é passível de remessa obrigatória.

Ainda a respeito do inciso I do artigo 475 do CPC, pode-se questionar se incide ou não o reexame necessário em ações promovidas por um ente da Fazenda Pública contra outro. A resposta é afirmativa. Incide, sim, o reexame necessário seja quem for o sucumbente, pois o citado dispositivo não faz distinção no sentido de exigir o reexame apenas se a parte adversa da Fazenda Pública for pessoa natural ou pessoa jurídica privada ou, ainda, entidade sem personalidade jurídica, conforme bem destaca Pedro Roberto Decomain (2012, p. 110).

Outra questão que pode ser levantada da análise do inciso I do artigo 475 do CPC diz respeito à sentença proferida em processo no qual a Fazenda Pública figure como assistente simples do réu e ele restar sucumbente. A dúvida é se essa sentença estaria sujeita ou não ao reexame necessário.

A resposta, conforme Leonardo José Carneiro da Cunha, é pela não incidência do duplo grau de jurisdição obrigatório quando a Fazenda Pública figurar como assistente simples do réu no caso de ele vir a ser derrotado. Alega o jurista que o assistente simples não adquire a condição de parte, figurando como mero auxiliar de uma delas (2007, p.188).

O certo é que o assistente não adquire a condição de parte, nem se sujeita à coisa julgada material. Ora, já se viu que o reexame necessário constitui condição de eficácia da sentença, de forma que não se produz coisa julgada enquanto a sentença não for revista pelo tribunal. No caso de a Fazenda Pública ser assistente simples, não haverá sentença contra ela proferida, não sendo hipótese, portanto, de reexame necessário (DA CUNHA, 2007, p. 188).

No mesmo sentido é o ensinamento de Athos Gusmão Carneiro (2003, p. 151).

O terceiro, ao intervir no processo na qualidade de assistente, não formula pedido algum em prol de direito seu. Torna-se sujeito do processo, mas não se torna parte. O assistente insere-se na relação processual com a finalidade ostensiva de coadjuvar a uma das partes, de ajudar ao assistido, pois o assistente tem interesse em que a sentença venha a ser favorável ao litigante a quem assiste.

Prosseguindo a análise, vê-se que o inciso II do artigo 475 do CPC também foi alterado pela Lei 10.352. A reforma foi responsável por corrigir o defeito do anterior inciso III do citado artigo. A redação, que antes se referia ao duplo grau de jurisdição obrigatório nos casos de improcedência da execução de dívida ativa, passou a prever o reexame necessário nos casos de procedência, total ou parcial, dos embargos à execução de dívida ativa, “situação que impõe a desconstituição total ou parcial do título que apoiou a ação executiva proposta pelo ente público” (MONTENEGRO FILHO, 2009, p. 22). A impropriedade terminológica advinha do fato de que na execução não se deve falar em improcedência do pedido satisfativo, pois não há propriamente uma apreciação cognitiva. Todavia, é possível, em certas situações, falar-se em improcedência dos embargos à execução, pois nesse é que há uma efetiva atividade cognitiva, conforme resume Gisele Welsch (2010, p. 64).

Ao se analisar a redação do inciso II do artigo 475, pode-se observar que não está tratando da sentença do artigo 795 do CPC. Esta encerra o processo (extintiva). Aquele, trata da incidência do duplo grau de jurisdição obrigatório nos casos de procedência, total ou parcial, dos embargos à execução fiscal. Assim, conforme Welsch, não se deve aplicar o dispositivo quando se tratar de execução diferente da oriunda de dívida ativa (2010, p. 63).

Para Jorge Tosta (2005, p. 189), o citado inciso II tornou-se totalmente dispensável ante o que agora dispõe o inciso I, pois este já se refere à sentença proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público, o que também abrange os casos de procedência dos embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública.

Quando o juiz profere sentença julgando procedentes embargos à execução de dívida ativa está, sem dúvida alguma, julgando contra a Fazenda Pública, pois além de inviabilizar a cobrança do débito fiscal naquele feito, impõe a ela a condenação nas verbas de sucumbência (TOSTA, 2005, p. 189).

Por outro lado, a 2ª Turma do STJ[14], suplantando o decidido no Recurso Especial 228.691/RJ[15], entendeu que, da análise sistemática dos incisos I e II do artigo 475 do CPC, pode-se concluir que o inciso I se aplica somente ao processo de conhecimento e que o inciso II se aplica apenas aos embargos à execução de dívida ativa. Observe-se:

PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. REEXAME NECESSÁRIO. ART. 475, II, DO CPC. SENTENÇA DE MÉRITO. ART. 269, IV, DO CPC.

1. O reexame necessário, com base nos incisos I e II do art. 475 do CPC, limita-se ao processo de conhecimento e aos casos de procedência, no todo ou em parte, de embargos opostos em execução de dívida ativa da Fazenda Pública, afastando a obrigatoriedade do duplo grau de jurisdição em caso de sentença que julga extinta execução fiscal sem exame de mérito, como na presente hipótese.

2. Havendo sentença de mérito, como é o caso, há obrigatoriedade do duplo grau de jurisdição, já que a execução fiscal foi julgada extinta nos termos do artigo 269, inciso IV, do Código de Processo Civil.

3. Embargos de declaração conhecidos como agravo regimental. Agravo regimental provido. (sem grifo no original)

“Significa que o reexame necessário previsto no inciso I do art. 475 do CPC refere-se, apenas, ao processo de conhecimento, não se estendendo para embargos do devedor opostos em execução movida contra ou pela Fazenda Pública, salvo se a execução for fundada em dívida ativa” (CUNHA, 2007, p. 186).

(...) para que se garanta a incidência do recurso de ofício, é necessário que o julgamento seja proferido em embargos opostos por pessoa executada pela Fazenda Pública, apoiando-se a execução na constituição da dívida ativa (art. 2º da Lei 6.830/80). Se a sentença dos embargos for proferida em qualquer outra situação, mesmo que desfavorável à Fazenda Pública, o reexame necessário não se confirma, como, por exemplo, com a sentença proferida em embargos à execução opostos pela Fazenda Pública na tentativa de desconstituir o título que apoiou execução contra ela proposta nos termos do RESP 425.052-SC, 12.11.2002. (MONTENEGRO FILHO, 2009, p. 22).

Para melhor compreensão, podem-se utilizar excertos do voto condutor nos Embargos de Divergência 251.841/SP, da relatoria do Min. Edson Vidigal (Corte Especial, DJU de 03.05.04):

Estou entre aqueles que entendem que o legislador, ao tratar do exame necessário no processo de conhecimento, determinou a sua aplicação sempre que a sentença for desfavorável à União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público (art. 475, I), mas que, no tocante ao processo de execução, limitou seu cabimento somente aos casos de procedência, no todo ou em parte, de embargos opostos em execução de dívida ativa da Fazenda Pública (CPC, art. 475, II).

Partindo de uma interpretação sistemática, é de se concluir que se a intenção do legislador fosse determinar o reexame necessário para todas as sentenças contrárias à Fazenda Pública, tanto no processo de conhecimento quanto no de execução, bastaria o comando inserto no art. 475, I, para que todos os casos fossem abrangidos.

Todavia, mediante outro inciso (art. 475, II), fez questão de impor expressamente a remessa necessária para apenas uma determinada situação jurídica no processo de execução: nos casos de procedência, no todo ou em parte, de embargos opostos em execução de dívida ativa da Fazenda Pública.

Portanto, ante a necessidade de inserir essa específica determinação legal relativa ao processo de execução, é de se concluir que o comando inserto no inciso anterior (art. 475, I) diz respeito tão-somente ao processo de conhecimento.[16] (sem grifo no original)

Todavia, desse entendimento não compartilha Jorge Tosta. Para ele (2005, p. 209), o art. 475, I, do CPC não restringe a incidência do reexame necessário apenas à sentença proferida no processo de conhecimento, e aplica-se ao processo de execução. Alega que se o objetivo do reexame necessário é evitar que eventuais erros da sentença possam causar prejuízos ao Erário, é decorrência lógica que tal situação também pode ocorrer no julgamento dos embargos à execução fundada em título executivo judicial (artigos 604 c/c 730 do CPC). Como exemplo, cita a hipótese de o juiz rejeitar os embargos à execução nos quais a Fazenda demonstra de maneira inequívoca que o demonstrativo do débito apresentado com a execução é exorbitante.

Em relação ao citado inciso II do artigo 475 do CPC, deve-se deixar registrado que, ainda que a sentença seja de procedência apenas parcial dos embargos à execução, o reexame necessário incidirá desde que o valor do crédito excluído da execução fiscal seja superior a sessenta salários mínimos ou se a decisão não tiver sido fundamentada em jurisprudência do Plenário do STF ou em súmula deste ou de outro Tribunal Superior competente.

Questão interessante que emerge da análise do dispositivo ora em questão diz respeito à hipótese da sentença que extingue execução fiscal acolhendo exceção de pré-executividade. Estaria ela sujeita ao reexame necessário?

Pedro Roberto Decomain defende que sim sob o seguinte argumento:

Embora não haja sido prolatada em embargos à execução fiscal, é forçoso reconhecer que a situação de reexame necessário mencionada no inciso II do art. 475 (procedência dos embargos à execução) na verdade já está de todo modo compreendida no inciso I (sentença proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, autarquia ou fundação pública de qualquer deles). Se a sentença que extingue a execução pela procedência de embargos fica sujeita a reexame necessário, também o deve ficar aquela que extingue a execução acolhendo exceção de pré-executividade. (2012, p. 112).

Todavia, ressalta o jurista que, se a exceção de pré-executividade for acolhida apenas parcialmente, então, formalmente, o reexame necessário não seria cabível, uma vez que não se estaria em face de sentença como requer o artigo 475 do CPC, mas de decisão interlocutória. Por outro lado, do ponto de vista substancial, ele alerta que a situação não difere daquela do acolhimento parcial dos embargos (DECOMAIN, 2012, p. 112).

Formalmente, a decisão que lhes dá provimento parcial extingue o processo de embargos à execução resolvendo o mérito, e por isso pode ser considerada sentença. Ocorre que, do ponto de vista da essência, nada se altera, eis que no provimento parcial dos embargos à execução, esta prossegue pelo saldo, exatamente como acontece com o acolhimento apenas parcial da exceção de pré-executividade. Por isso mesmo, pessoalmente, se crê ficar sujeita a reexame necessário também está última decisão, embora, como dito, formalmente não deva ser havida como sentença (DECOMAIN, 2012, p. 112).

O STJ, por sua vez, trata da questão sob a ótica do conteúdo da decisão, ratificando seu entendimento de que, em decisões de mérito, é obrigatório o duplo grau de jurisdição. Tal orientação é possível de ser extraída da interpretação a contrario sensu do julgado transcrito a seguir.

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. REEXAME NECESSÁRIO. DESCABIMENTO.

1. O reexame necessário, previsto no artigo 475, do Código de Processo Civil, somente se aplica às sentenças de mérito (Precedentes do STJ: REsp 781.345/MG, Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, julgado em 29.06.2006, DJ 26.10.2006; REsp 815360/RS, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 04.04.2006, DJ 17.04.2006; REsp 640.651/RJ, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 18.10.2005, DJ 07.11.2005; REsp 688.931/PB, Rel. Ministro Franciulli Netto, Segunda Turma, julgado em 14.12.2004, DJ 25.04.2005; e AgRg no REsp 510.811/MG, Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, julgado em 19.08.2004, DJ 27.09.2004).

2. In casu, a extinção do executivo fiscal se deu em virtude do acolhimento de exceção de pré-executividade, uma vez configurada carência da ação por ausência de interesse de agir.

3. Recurso especial provido.

(REsp 927.624/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/10/2008, DJe 20/10/2008). (sem grifo no original).

Dando-se prosseguimento à análise do artigo 475 do CPC, passa-se ao seu § 1°, o qual dispõe que, nos casos previstos neste artigo (incisos I e II), o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, haja ou não apelação; não o fazendo, deverá o presidente do tribunal avocá-los. Todavia, não impõe prazo para o juiz remetê-los. O ideal é que os autos sejam remetidos à instância superior apenas após o encerramento do prazo para que a Fazenda Pública beneficiária ou o Ministério Público interponham recurso. Ou seja, “somente depois que este prazo se houver escoado sem a interposição de apelação por qualquer deles, ou depois que este recurso já houver sido interposto, é que os autos haverão que ser remetidos ao Tribunal” (DECOMAIN, 2012, p. 117).

Da nova redação do dispositivo, verifica-se que o § 1°, antigo parágrafo único, teve suprimida de seu texto a palavra “voluntária”, donde se conclui que apelação sempre se refere àquela feita voluntariamente. Assim, apresentado ou não recurso de apelação, seja pela Fazenda Pública ou pelo particular, os autos subirão obrigatoriamente para segunda análise. Se assim não for feito pelo magistrado a quo, o presidente do tribunal deverá avocá-los. Conforme lembrado por Leonardo José Carneiro da Cunha, a omissão poderá ser corrigida pelo juiz a qualquer tempo por iniciativa própria ou por provocação das partes, uma vez que não há preclusão quanto à matéria (2007, p. 189).

A ausência de reexame necessário, quando obrigatório, impede o trânsito em julgado nos termos da Súmula 423 do STF – “Não transita em julgado a sentença por haver omitido o recurso ex officio, que se considera interposto ex lege”.

Convém lembrar que, como o reexame necessário não tem natureza recursal, não está sujeito a preparo, não admite a apresentação de contrarrazões pela parte vencedora, nem recurso adesivo (CUNHA, 2007, p. 189).

Determinada, pelo juiz a quo, a remessa dos autos ou sendo eles avocados pelo Tribunal, o procedimento que se adotará é aquele previsto no Regimento Interno do respectivo Tribunal. “O que se percebe, em verdade, é que o procedimento para o processamento e julgamento do reexame necessário é idêntico ao da apelação” (CUNHA, 2007, p. 190). Assim, aplica-se ao reexame necessário o disposto no artigo 552 do CPC, que exige a inclusão do seu julgamento em pauta com, no mínimo, 48 horas entre a publicação da pauta e o julgamento, sob pena de nulidade como também se aplica o artigo 557 do CPC e seu § 1°-A nos termos da Súmula 253 do STJ – “O art. 557 do CPC, que autoriza o relator a decidir o recurso, alcança o reexame necessário”.

O tribunal a que se refere o caput do art. 475 do CPC não se restringe ao órgão colegiado. Hoje, com a nova sistemática implantada pelo art. 557 do CPC, é forçoso reconhecer que todo e qualquer recurso ou procedimento a ele assemelhado quanto ao processamento (como é o caso do reexame necessário) pode ser decidido pelo relator nas hipóteses mencionadas no citado dispositivo legal.

(...)

Certamente a circunstância de a lei referir-se apenas a recurso e não à remessa obrigatória não é óbice à aplicação do art. 557 do CPC ao reexame necessário. Mesmo porque, sendo o processamento do reexame necessário em tudo e por tudo igual à apelação, não há razão alguma para se negar àquele a incidência da norma prevista no citado artigo. (TOSTA, 2005, p. 241 e 243).

No mesmo sentido leciona Misael Montenegro Filho:

O fato de a questão ser reapreciada por um só magistrado não desnatura o instituto, considerando que a exigência repousa na preocupação de que a causa seja revista, não necessariamente por um Colegiado, bastando que uma segunda opinião seja manifestada nos autos, esperada em virtude da preocupação com a segurança jurídica das relações que envolvem a Fazenda Pública (2009, p. 24).

Convém advertir, aqui, que o artigo 557 do CPC deverá ser aplicado com nuances. No caso, o relator não poderá negar seguimento a recurso contrário à jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do STF ou de Tribunal Superior, mas deverá aplicar o disposto no § 3° do artigo 475 do CPC – que será analisado logo adiante, o qual determina que não haverá reexame necessário quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente.

A melhor exegese indica que a aplicação do art. 557 do CPC, em se tratando de reexame necessário, só deve ocorrer quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do STF ou em súmula deste ou do Tribunal Superior competente. Isso para evitar contradição entre as decisões monocráticas regionais, em prejuízo da segurança jurídica e da uniformidade de interpretação da legislação federal e da Constituição da República. (TOSTA, 2005, p. 244).

Assim, após a análise do § 1° do artigo 475 do CPC, que dispõe acerca do procedimento do duplo grau de jurisdição obrigatório, passa-se à análise dos § § 2° e 3°, os quais contemplam os temperamentos do instituto, impedindo a remessa nas causas de pequeno valor, ou seja, as que não ultrapassarem sessenta salários mínimos e quando houver jurisprudência do plenário do STF ou súmula deste ou de outro tribunal superior (GATTO, 2011, p. 242).

O § 2° disciplina que não haverá reexame quando a condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos, bem como no caso de procedência dos embargos do devedor na execução de dívida ativa do mesmo valor.

Para Francisco Glauber Pessoa Alves (2002, p. 31), da leitura do § 2°, pode-se concluir que, além das causas envolvendo a condenação da Fazenda Pública em valor inferior a 60 (sessenta) salários mínimos, ele exclui, também, da incidência do reexame necessário as causas meramente declaratórias ou constitutivas.

Ao analisar o § 2° do artigo 475 do CPC, Araken de Assis (2007, p. 856) destaca dois problemas que atravancam sua correta interpretação e aplicação prática. O primeiro diz respeito ao valor do crédito da Fazenda Pública. O segundo refere-se à exigência de “valor certo” não superior a 60 (sessenta) salários mínimos.

Em relação ao valor do crédito da Fazenda Pública, observa Araken (2007, p. 856) que o artigo 87 do ADCT da Constituição Federal de 1988, alterado pela EC 37/2002, estipula limites diferentes e menores para a Fazenda Pública dos Estados-membros (40 salários mínimos) e dos Municípios (30 salários mínimos). Nesse caso, poder-se-ia cogitar de uma revogação parcial do § 2° do artigo 475 do CPC na seara das Fazendas estadual, distrital e municipal em virtude da emenda constitucional superveniente. Para o jurista, no mínimo, faz-se necessário realizar uma interpretação consentânea com os incisos I e II do artigo 87 do ADCT da CF/1988, subordinando-se ao reexame todas as sentenças cuja repercussão exceda os referidos limites.

No que tange ao segundo entrave apontado por Araken (2007, p. 856) – “valor certo” – que significa valor quantificado economicamente, valor líquido, o doutrinador ressalta que a previsão normativa é inócua, pois são raros os pronunciamentos que atingem tal nível de perfeição e que a exigência de que o “valor certo” seja indicado expressamente no provimento torna impraticável a disposição.

Convém seja observado que o STJ posicionou-se no sentido de que a expressão “valor certo” deve ser aferida quando da prolação da sentença e, se não for líquida a obrigação, deve-se utilizar o valor da causa, devidamente atualizado, para que seja feito o cotejo com o parâmetro limitador do reexame necessário.[17]

Neste contexto, decidiu-se que é incabível a remessa oficial quando o valor controvertido, assim entendidas as parcelas vencidas antes do ajuizamento da ação, somadas a 12 (doze) posteriores, conforme artigo 260 do Código de Processo Civil, ficam abaixo de 60 (sessenta) salários mínimos, consoante se vê à fl. 121:

"No caso dos autos o valor do direito controvertido, assim entendidas as parcelas vencidas antes do ajuizamento da ação somadas a 12 posteriores (art. 260 do CPC), como se pode constatar de uma simples consulta aos elementos que estão nos autos, fica abaixo de sessenta salários mínimos, razão pela qual não conheço da remessa oficial." grifo nosso.

Portanto, impõe-se considerar o espírito do legislador que, com a intenção de agilizar a prestação jurisdicional, implementou diversas alterações recentes no Código de Processo Civil, como a do caso vertente com relação ao parágrafo 2º do artigo 475 do Estatuto Processual.

Desta forma, não é razoável obrigar-se à parte vencedora aguardar a confirmação pelo Tribunal de sentença condenatória cujo valor não exceda a 60 (sessenta) salários mínimos.

Em sendo assim, a melhor interpretação à expressão "valor certo" é de que o valor limite a ser considerado seja o correspondente a 60 (sessenta) salários mínimos na data da prolação da sentença, porque o reexame necessário é uma condição de eficácia desta.

Assim, será na data da prolação da sentença a ocasião adequada para aferir-se a necessidade de reexame necessário ou não de acordo com o "quantum" apurado no momento.

Neste sentido, quanto ao "valor certo", deve-se considerar os seguintes critérios e hipóteses orientadores: a) havendo sentença condenatória líquida: valor a que foi condenado o Poder Público, constante da sentença; b) não havendo sentença condenatória (quando a lei utiliza a terminologia direito controvertido - sem natureza condenatória) ou sendo esta ilíquida: valor da causa atualizado até a data da sentença, que é o momento em que deverá se verificar a incidência ou não da hipótese legal.[18] (sem grifo no original).

Todavia, insta seja destacado que há julgado, mais remoto, no próprio STJ apontando que não deveria ser utilizado o valor da causa como parâmetro. Dever-se-ia buscar o valor da condenação ou do direito controvertido. O fundamento da decisão é de que o critério do valor da causa é de natureza essencialmente econômica, não suscetível de ser aplicado às causas fundadas em direito de outra natureza.[19]

Outra questão levantada em relação ao § 2° do artigo 475 do CPC diz respeito à cumulação subjetiva em litisconsórcio ativo quando as pretensões consideradas individualmente não atingem o valor de 60 (sessenta) salários mínimos. A dúvida que emerge é se deve ser considerado o valor global da condenação ou o valor per capita.

 Flávio Jorge Cheim, Fredie Didier Jr. e Marcelo Abelha Rodrigues compartilham o entendimento de que, mesmo havendo relações jurídicas distintas, o processo deve ganhar outra dimensão econômica em sua estrutura, devendo a condenação ser vista como um todo, apesar de cada um dos litigantes receber sua cota parte individualmente (2003, p.128-129).

Porém, o STJ possui entendimento diverso. No Recurso Especial 314.130/DF, em que foi relator o Min. Jorge Scartezzini, julgado em 25.05.2004[20], restou assentado que na cumulação subjetiva, o litisconsórcio se forma não em razão de um só fato, mas em razão de um fundamento de fato. O que há, na realidade, é identidade fática na situação de todos os recorrentes. Daí a existência de um só processo, em que há tantas relações jurídicas processuais quanto são os litisconsortes. Desse modo, no litisconsórcio ativo voluntário, o valor da causa é determinado pela divisão do valor global pelo número de litisconsortes, aplicando-se a Súmula 261 do extinto TFR[21].

Por fim, deve-se destacar que o valor do salário mínimo a ser levado em conta é aquele em vigor na data da publicação da sentença e que deve ser levado em consideração não apenas o valor do principal a cujo pagamento a Fazenda Pública haja sido condenada, mas também o valor dos consectários legais correspondentes – correção monetária e juros moratórios – até a data da publicação da sentença, acrescido esse valor dos honorários advocatícios. Se essa soma for superior a sessenta vezes o salário mínimo em vigor na data da publicação da sentença, o reexame necessário incidirá (DECOMAIN, 2012, p. 110).

No que tange ao temperamento contido no § 3° do artigo 475 do CPC, vê-se que ele dispensa de reexame a sentença contrária ao Poder Público que estiver fundada em jurisprudência do plenário do STF ou em súmula deste ou do tribunal superior competente mesmo que condenada a Fazenda Pública em quantia superior a 60 (sessenta) salários mínimos. O objetivo da exceção é a “uniformização da posição das altas cortes, afastando o reexame de demandas decididas sob o pálio dos tribunais que já estabeleceram a interpretação a ser dada para as normas do caso” (GATTO, 2011, p. 244).

Deve-se observar que o citado dispositivo não exige que a sentença esteja “fundamentada”, mas sim “fundada” em jurisprudência do plenário do STF ou em súmula deste ou de outro tribunal superior competente. Conclui-se, portanto, na esteira de Jorge Tosta (2005, p. 246), que não importa tenha o juiz de primeiro grau deixado de mencionar expressamente na fundamentação de sua sentença a jurisprudência do STF ou a súmula deste ou do respectivo Tribunal superior na qual se baseou, bastando que a sentença esteja em consonância com tal entendimento.

Em relação ao parágrafo ora analisado, importante destacar-se que a jurisprudência ou a súmula do tribunal superior que, invocada na sentença, dispensa o reexame necessário, há de ser entendida como aquela que diga respeito aos aspectos principais da lide, às questões centrais decididas, e não, necessariamente, aos seus aspectos secundários e acessórios. É o privilégio da força normativa da jurisprudência, no dizer de Welsch (2010, p. 71). Nesse sentido tem-se o entendimento do STJ, traduzido no voto do Rel. Min. Teori Albino Zavascky, no julgamento do Recurso Especial 572.890/SC.[22]

Ainda, é preciso atentar quando há vários capítulos no dispositivo da sentença. Refere Pedro Decomain que, quando há várias condenações, por exemplo – por se tratar de processo com cumulação de pedidos, sendo apenas um deles fundamentado em decisão plenária do STF ou em súmula dele ou de outro Tribunal Superior, apenas em relação a este capítulo da decisão é que deixará de incidir o reexame necessário. Será cabível em face dos demais aspectos do dispositivo (2012, p. 111).


7.    Tutela antecipada genérica (artigo 273) e tutela antecipada específica (artigos 461 e 461-A) em face da Fazenda Pública e o reexame necessário

Em 1994, o Código de Processo Civil (Lei 5.869) sofreu sua primeira minirreforma. Com a edição da Lei 8.952, de 13 de dezembro de 1994, foram inseridos no sistema processual civil pátrio os institutos da antecipação dos efeitos da tutela (art. 273) e da tutela específica das obrigações de fazer ou não fazer (art. 461).

Conforme se depreende da leitura do artigo 273 do CPC, o juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que exista verossimilhança da alegação fundada em prova inequívoca, risco de lesão ou manifesto propósito protelatório do réu, além da ausência de irreversibilidade do provimento antecipatório.

Inserido o instituto no ordenamento jurídico processual, muito se questionou acerca da possibilidade ou não de ser concedida tutela antecipada em face da Fazenda Pública. A resposta não foi unânime. Inicialmente, a doutrina bipartiu-se.

Os que defendiam a inadmissibilidade da antecipação de tutela em ações propostas contra a Fazenda Pública sustentavam-se no artigo 475 do CPC – a sentença somente produz efeito depois de sujeita ao reexame necessário. Questionavam como poderia ser concedida a tutela antecipada se é necessário o reexame da sentença pelo Tribunal para que a decisão produza seus efeitos.

Para Welsch (2010, p. 106), não faria sentido se impedir a antecipação de tutela em ações ordinárias com base na necessidade do reexame necessário, até porque este é apenas condição para a confirmação da sentença, e não da decisão interlocutória que concede a antecipação de tutela.

No mesmo sentido é o dizer de Leonardo José Carneiro da Cunha ao escrever que “(...) a simples existência do reexame necessário não é fator necessário e suficiente para impedir a concessão de provimentos antecipatórios contra a Fazenda Pública” (2007, p. 221).

Após muito debate a respeito, concluíram a doutrina e a jurisprudência que é possível, sim, a concessão de tutelas antecipadas em face da Fazenda Pública, exceto nos casos previstos na Lei 9.494/1997.

Entretanto, restou em aberto o questionamento acerca de incidir ou não o reexame necessário nas decisões interlocutórias, que antecipam os efeitos da tutela, proferidas contra a Fazenda Pública.

    Em 1993, a Medida Provisória 375 chegou a prever instituto semelhante ao reexame necessário para as decisões interlocutórias. Dispunha em seu artigo 5° que a decisão concessiva de medida cautelar ou de liminar, devidamente fundamentada, deveria conter recurso de ofício para o Presidente do Tribunal competente para os recursos na causa. Entretanto, foi considerada inconstitucional pela ADI 975-3 (Rel. Min. Carlos Velloso, DJU 15.12.1993, p. 27-691).                  

Rita Gianesini sustenta ser necessária a remessa obrigatória quando proferida decisão interlocutória que antecipa os efeitos da tutela contra a Fazenda Pública. Refere que

“(...) apesar de ser uma decisão interlocutória, há necessidade de a concessão da tutela antecipada ser reexaminada pelo tribunal. Se não for assim, esta tão propugnada celeridade criaria empecilhos ao próprio interesse público, o que não tem sentido algum” (GIANESINI, 2000, p. 173).

Entretanto, a jurisprudência atual do STJ não aceita a incidência do instituto da remessa em relação às interlocutórias que antecipam os efeitos da tutela, ainda que adentrem o mérito. Observe-se:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. TUTELA ANTECIPADA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. MATÉRIA NÃO DECIDIDA PELA CORTE ESTADUAL. ENUNCIADOS NºS 282 E 356 DA SÚMULA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ANÁLISE DE SEUS PRESSUPOSTOS. REEXAME DE PROVAS. ENUNCIADO Nº 7 DA SÚMULA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REEXAME NECESSÁRIO. ARTIGO 475 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. INAPLICABILIDADE.

1. Em sendo a questão relativa à impossibilidade de concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública (artigo 1º da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Medida Provisória nº 2.180-35/2001), deduzida nas razões do recurso especial, estranha à decisão do Tribunal a quo, ressente-se, conseqüentemente, do indispensável prequestionamento, cuja falta inviabiliza o conhecimento da insurgência especial, a teor do que dispõem as Súmulas nºs 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal.

2. A verificação do atendimento aos requisitos necessários à concessão da tutela antecipada (comprovação da verossimilhança e do receio de dano irreparável) envolve reexame de matéria fático-probatória, inapreciável em sede de recurso especial.

3. A decisão que antecipa os efeitos da tutela proferida no curso do processo tem natureza interlocutória, não lhe cabendo aplicar o artigo 475 do Código de Processo Civil, o qual se dirige a dar condição de eficácia às sentenças proferidas contra a Fazenda Pública, quando terminativas com apreciação do mérito.

4. Agravo regimental improvido. (sem grifo no original).[23]

Corroborando tal entendimento, tem-se a lição de Rui Portanova (2003, p. 268), ao referir que “não se pode perder de vista que o duplo grau obrigatório é princípio somente nas hipóteses expressamente previstas em lei. Logo, é impensável interpretação extensiva”.

Na mesma esteira segue Leonardo José Carneiro da Cunha (2007, p. 221):

(...) muito se discutiu sobre a submissão da decisão concessiva da tutela antecipada ao reexame necessário, quando contrária à Fazenda Pública, eis que satisfativa e antecipatória de mérito. A melhor solução é a que aponta para a não sujeição de tal decisão ao duplo grau obrigatório, porquanto não se trata de sentença. Haverá, isto sim, proibição de concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública nas hipóteses elencadas na Lei 9.494/97, de que é exemplo a concessão de aumento ou extensão de vantagem a servidor público. Nesse caso, não se admite a antecipação de tutela, em razão de vedação legal que toma como premissa regras financeiras e orçamentárias. Em se tratando, no entanto, de caso em que seja permitida a tutela antecipada contra a Fazenda Pública, não há razão legal para submeter a correspondente decisão ao reexame necessário.

Misael Montenegro Filho também corrobora a tese da impossibilidade de incidir o artigo 475 do CPC nos casos de antecipações de tutela proferidas contra o Poder Público, o que faz nos seguintes termos:

Questão elegante diz respeito à eventual incidência do art. 475 à hipótese que envolve a antecipação de tutela contra a Fazenda Pública. Esse pronunciamento judicial, como regra, é de natureza interlocutória, o que afastaria da previsão da norma processual, já que o reexame necessário ocorre quando o pronunciamento judicial for sentença, de mérito ou terminativa, desfavorável à pessoa jurídica de direito público. Contudo, não se pode negar que a antecipação de tutela confere à parte uma fração ou a totalidade do que a ela seria conferido através da sentença. Assim, a antecipação de tutela é uma espécie de sentença proferida em momento atípico, diferentemente das liminares ou cautelares, que não são satisfativas, apenas protegendo o bem ou o direito a ser disputado na ação principal.

(...)

A antecipação de tutela é típica decisão interlocutória, que não pode ser qualificada como sentença pelo só fato de atribuir à parte uma fração ou a totalidade do que se busca obter por meio da sentença, pela razão de ser satisfativa.

Preferimos interpretar a norma do art. 475 de modo gramatical, reservando o reexame necessário apenas para as situações que envolvem a prolação de sentença contra a Fazenda Pública. (2009, p. 23).

Frente ao exposto, pode-se referir que cabe a antecipação de tutela em face da Fazenda Pública, com exceção das hipóteses elencadas na Lei 9.494/97, e que tais decisões, ainda que adentrem o mérito, não se sujeitam ao reexame necessário, uma vez que o artigo 475 do CPC disciplina que as sentenças proferidas contra a Fazenda Pública somente produzirão efeitos depois de confirmadas pelo Tribunal, não fazendo referência às decisões que antecipam os efeitos da tutela.

As normas do reexame necessário, pela sua afinidade com o autoritarismo, são de direito estrito e devem ser interpretadas restritivamente, em obséquio dos direitos fundamentais, constitucionalmente assegurados, até porque, ao menor desaviso, submeter-se-á o processo a tempos sociais prescritivos ou a aprofundamentos intoleráveis de privilégios, denegatórios do direito à tutela jurisdicional.[24]

Desse modo, tratando-se de norma que concede prerrogativa à Fazenda Pública, não há como interpretá-la extensivamente para incluir ao abrigo da lei as antecipações de tutela proferidas contra o Poder Público.


8.    Manutenção ou extinção do reexame necessário do ordenamento jurídico nacional frente ao princípio da isonomia

Dispõe a Constituição Federal em seu artigo 5°, inciso I, que todos são iguais perante a lei. Consagra aí o que se denomina de princípio da igualdade.

Embora a Constituição não enuncie expressamente um “princípio processual da isonomia entre as partes”, é evidente que o processo justo depende do tratamento isonômico entre os litigantes, o que se impõe a partir da cláusula aberta do devido processo legal (art. 5°, LIV), da igualdade de todos perante a lei (art. 5°, caput) e da própria noção de República (CAMPOS E SILVA, 2012, p. 246).

No âmbito processual civil, o princípio vem insculpido no inciso I do artigo 125 do CPC, o qual teve recepção integral pela nova ordem constitucional e consagra que o juiz deve dar aos litigantes tratamento idêntico. Isto é, deve tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades.

No Projeto do novo CPC, o princípio da igualdade vem previsto dentre os princípios e garantias fundamentais do Processo Civil. Em seu artigo 7° traz o seguinte regramento: “É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz velar pelo efetivo contraditório”.

O princípio da isonomia é composto de duas faces: a igualdade formal e a material e não se realiza se ambas não estiverem presentes. Aquela é a igualdade na lei enquanto que esta é a igualdade perante a lei. Conforme ensina José Afonso da Silva, aquela exige que, nas normas jurídicas, não haja distinções que não sejam autorizadas pela própria constituição, e esta corresponde à obrigação de aplicar as normas jurídicas gerais aos casos concretos, na conformidade com o que elas estabelecem, mesmo se delas resultar uma discriminação (2002, p. 214).

Interpretando-se sistematicamente a Constituição Federal, verifica-se que ela preocupa-se tanto com a igualdade formal quanto com a material na medida em que prevê a igualdade perante a lei em seu artigo 5° e a igualdade na lei em seu artigo 7°, por exemplo, uma vez que traz um amplo rol de direitos sociais criando ao Estado o dever de minimizar as desigualdades.

Nessa esteira, emerge o tratamento processual diferenciado conferido à Fazenda Pública em relação aos particulares, justificado pela perseguição da igualdade substancial, e não apenas formal, uma vez que os direitos defendidos pela Fazenda são direitos públicos, ou seja, de toda a coletividade, sendo, portanto, metaindividuais (NERY JUNIOR, 2004, p. 79).

A Fazenda Pública possui várias prerrogativas em juízo: prazo em dobro para recorrer e em quádruplo para contestar (artigo 188 do CPC); dispensa do pagamento antecipado das despesas processuais e do depósito na ação rescisória (artigo 20 e 488, parágrafo único do CPC); duplo grau de jurisdição obrigatório (artigo 475 do CPC); inocorrência dos efeitos da revelia (inciso II do artigo 320 do CPC); pagamento por precatório por precatório de débitos pecuniários resultantes de sentença quando condenada em quantia superior a sessenta salários mínimos (artigo 100 da CF); impenhorabilidade de seus bens (artigo 67 do CC e 648 do CPC).

Todavia, a doutrina divide-se em relação às prerrogativas conferidas à Fazenda Pública frente aos particulares, questionando-se se são compatíveis com o princípio da isonomia. Ou seja, não chega num consenso se existe diversidade de fato entre as situações ou os sujeitos a justificar o tratamento normativo diferenciado atribuído a cada uma delas, conforme ressalta Jorge Tosta (2005, p. 133).

No que tange ao reexame necessário, já nos idos dos anos 60 (sessenta), José Frederico Marques referia que o obrigatório duplo grau de jurisdição tratava-se de “instrumento eficaz para evitar conluios pouco decentes entre juízes fracos e indignos desse nome e funcionários relapsos da administração pública” (1969, p. 282), o que justificava sua manutenção no ordenamento jurídico nacional.

Atualmente, a corrente pela manutenção do reexame necessário no ordenamento jurídico nacional é capitaneada por José Carlos Barbosa Moreira. Em capítulo intitulado de “Em defesa da revisão obrigatória das sentenças contrárias à Fazenda Pública” (2007, p. 208-210), o doutrinador destaca que, in verbis:

(...) Causa especial perplexidade, na crítica ao art. 475, a referência aos "visíveis moldes fascistas", a propósito da revisão obrigatória das sentenças contrárias à Fazenda Pública — instituto de que, entretanto, nenhum antecedente se aponta, como cumpria, na legislação imposta à Itália pelo fascismo. Tais "moldes" seriam fascistas porque "obsessivamente voltados à tutela do Estado". Mais correto, parece-nos, é ver no dispositivo em foco instrumento de tutela do patrimônio público. Não quer a lei, à evidência, que a Fazenda Pública saia sempre vitoriosa quando litiga contra particular: essa, sem dúvida, seria ideia absurda - fascista ou não. Quer a lei, porém, que a Fazenda Pública só fique vencida depois que o pleito se submeta a dois exames, em primeiro e em segundo graus de jurisdição; quer dizer: quando haja maior certeza de que é tal o resultado justo.

(...) A proteção ao patrimônio público, frise-se, é objetivo a ser perseguido sob regime político democrático não menos sob qualquer outro regime.

(...) A obrigatoriedade do reexame em segundo grau das sentenças contrárias à Fazenda Pública não ofende o princípio da isonomia, corretamente entendido. A Fazenda não é um litigante qualquer. Não pode ser tratada como tal; nem assim a tratam outros ordenamentos jurídicos, mesmo no chamado Primeiro Mundo. O interesse público, justamente por ser público — ou seja, da coletividade como um todo — é merecedor de proteção especial, num Estado democrático não menos que alhures. Nada tem de desprimorosamente "autoritária" a consagração de mecanismos processuais ordenados a essa proteção. (sem grifo no original)

Marcus Vinícius Lima Franco destaca que

Justifica-se o tratamento diferenciado, porque a Fazenda Pública, como corporificação da Administração em juízo, nada mais é do que o conjunto formado pela soma interesses de todas as pessoas, da coletividade. A res publica a todos pertence e disso resulta a indisponibilidade dos seus interesses. A Fazenda, ao ser demandada em juízo, deverá perseguir o interesse público. Por isso, as normas processuais que a outorgam prazos dilatados e outras prerrogativas compatibilizam-se com os preceitos constitucionais. A Carta Magna, a começar pela exigência do precatório para pagamento de dívidas pecuniárias, deixou expresso a premência em tutelar o interesse público discutido no âmbito processual. O resultado da lide, a negligência daqueles que representam a Fazenda em juízo afetam a todos. É prejuízo de toda a sociedade. (2006, p. 6).

Contrariamente, Nelson Nery Junior entende que a previsão da remessa necessária no ordenamento jurídico nacional é inconstitucional (2004, p. 95-96), o que faz sob os seguintes argumentos:

Da forma como tem sido interpretado o instituto da remessa obrigatória do CPC, art. 475, pelos nossos tribunais, notadamente pelo STJ, sua inconstitucionalidade é flagrante porque ofende o dogma constitucional da isonomia.

(...) “O escopo final da remessa obrigatória é atingir a segurança de que a sentença desfavorável à Fazenda Pública haja sido escorreitamente proferida. Não se trata, portanto, de atribuir-se ao Judiciário uma espécie de tutela à Fazenda Pública, a todos os títulos impertinente e intolerável. Conferir-se à remessa necessária efeito translativo ‘pleno’ porém secundum eventus afigura-se-nos contraditório e inconstitucional. Contraditório porque, se há translação ‘ampla’, não pode ser restringida à reforma em favor da fazenda; inconstitucional porque, se secundum eventum, fere a isonomia das partes no processo. (sem grifo no original)

Oreste Nestor de Souza Laspro compartilha desse mesmo entendimento. Em sua obra “Duplo grau de jurisdição no direito processual civil” (1995, p. 170-171), o monografista defende a inconstitucionalidade do reexame necessário secundum eventum litis, por considerá-lo ofensivo ao princípio da igualdade, previsto no inciso I do artigo 5° da CF. Refere que o artigo 475 do CPC adota critério unilateral para incidência da remessa necessária, pois determina sua aplicação apenas se o resultado da lide for num determinado sentido – secundum eventum litis – o que, afronta o princípio constitucional da isonomia entre as partes. Sugere que a incidência do reexame necessário deveria considerar a matéria, e não o resultado da lide para não afrontar o princípio da igualdade.

(...) De fato, a necessidade de reexame, sempre que se tratar de um critério bilateral, ou seja, qualquer resultado de primeira instância obriga o rejulgamento em segunda instância, não pode ser considerado ofensivo à igualdade das partes. Ocorre que essa bilateralidade é absolutamente excepcional, sendo que a regra geral é do reexame necessário ser aplicado não em razão da matéria, mas sim do resultado da demanda. Esse casuísmo se mostra incompatível com o princípio da igualdade exposto no inc. I do art. 5° da CF, que deve ser entendido como identidade de situações jurídicas. Não se pode admitir, evidentemente, que as partes no processo tenham tratamento desigual, sem que sua finalidade seja a equiparação de forças (...). (LASPRO, 1995, p. 170-171). (sem grifo no original)

No mesmo sentido manifesta-se Rui Portanova, para quem “parece induvidoso, nos dias atuais, que o duplo grau obrigatório é demais. Na medida em que privilegia uma parte, afronta o princípio informativo jurídico da igualdade” (2003, p. 269).

Luiz Guilherme Marinoni ressalta que as vantagens que costumam ser apontadas pela doutrina não permitem a conclusão de que o duplo grau deva ser preservado. Refere o doutrinador que não se deve esquecer que a finalidade do duplo grau não é a de permitir o controle da atividade do juiz, mas sim a de propiciar ao vencido a revisão do julgado.

Esse aspecto – revisão do julgado – é utilizado por Cristiane Flôres Soares Rollin como argumento contrário à manutenção da remessa necessária no ordenamento jurídico. Destaca ela que fundamentar o reexame necessário na possibilidade de revisão do julgado quando tão somente desfavorável à Fazenda Pública, e não estender aos particulares, é criar distinção desarrazoada, pois se presumiria que a decisão do juiz seria certa e confiável quando vencido o particular e não confiável nem apta a gerar efeitos quando vencida a Fazenda Pública (2003, p. 74).

Entretanto, a primeira corrente parece ser a que melhor reflete os ditames do ordenamento jurídico nacional. Inclusive, pode-se defendê-la com base no próprio princípio da igualdade material, e não apenas formal.

Se antes o intuito da previsão do recurso ex officio no sistema processual civil nacional era evitar a perpetuação de decisões proferidas por juízes imparciais ou não recorridas por procuradores desidiosos, hoje, o que fundamenta o instituto é o fato de que a Fazenda Pública tutela o patrimônio público, que é direito indisponível, enquanto que, do outro lado da relação jurídica processual, tem-se apenas interesses exclusivamente privados.

Aliado ao argumento da supremacia e indisponibilidade do interesse público, pode-se referir que o reexame necessário e as outras prerrogativas dos entes públicos emergiram em virtude das dificuldades enfrentadas em juízo para defender os direitos e interesses da Fazenda Pública, o que a posicionava em situação de desvantagem processual frente aos particulares, fato que impedia a isonomia processual, no dizer de Wesley Corrêa Carvalho (2013, p.159).

Para Jorge Tosta (2005, p.137), significa que, por meio da reapreciação da causa por outro órgão judicial hierarquicamente superior, tenta-se afastar ou reduzir eventuais riscos ao patrimônio público.

“Dessa forma, verifica-se com clareza a absoluta diversidade de fato entre os sujeitos da relação jurídica processual” (TOSTA, 2005, p. 134) a corroborar o tratamento normativo desigual previsto no artigo 475 do CPC.

Parece-nos que a solução mais adequada para conciliar tais aspectos seria extinguir o reexame necessário em face da Fazenda Pública e restaurar, em certa medida, a obrigatoriedade de intervenção do Ministério Público nos casos em que a Fazenda ficasse vencida e decorresse o prazo para o Procurador ou o advogado apelar da sentença. Assim, se o representante do Ministério Público verificasse a existência de algum error in judicando ou in procedendo que pudesse prejudicar o patrimônio público, interporia o respectivo recurso de apelação para que a questão fosse reexaminada pelo Tribunal.

Tal intervenção somente ocorreria, portanto, quando presentes dois requisitos de ordem objetiva: a existência de sentença desfavorável à Fazenda Pública e o decurso do prazo sem que o Procurador ou advogado da Fazenda recorresse (TOSTA, 2005, p. 145).


9.    Comparação entre o reexame necessário no atual CPC e o Projeto de Lei 8.046/2010 (Projeto do novo CPC)                                               

O Projeto de Lei 8.046/2010, mais conhecido como anteprojeto do Código de Processo Civil, já aprovado na Câmara dos Deputados e pendente de votação no Senado, mantém o estatuto do reexame necessário na Seção III do Capítulo XII, que é destinado à sentença e coisa julgada, tal qual o CPC atual.

Todavia, a incidência do instituto estará restrita às causas de alto valor. Observe-se:

Atual CPC

Novo CPC (PL 8.046/2010) (sem grifo no original)

CAPÍTULO VIII

DA SENTENÇA E DA COISA JULGADA

(...)

Seção II

Da Coisa Julgada

Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:

I – proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público;

II – que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública (art. 585, VI).

§ 1° Nos casos previstos neste artigo, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, haja ou não apelação; não o fazendo, deverá o presidente do tribunal avocá-los.

§ 2° Não se aplica o disposto neste artigo sempre que a condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos, bem como no caso de procedência dos embargos do devedor na execução de dívida ativa do mesmo valor.

§ 3° Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente. (Incluído pela Lei nº 10.352, de 2001)

CAPÍTULO XII

DA SENTENÇA E DA COISA JULGADA

(...)

Seção III

Da remessa necessária

Art. 483. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:

I – proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e as respectivas autarquias e fundações de direito público;

II – que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública.

III – que, proferida contra os entes elencados no inciso I, não puder indicar, desde logo, o valor da condenação.

§ 1º Nos casos previstos neste artigo, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, haja ou não apelação; não o fazendo, deverá o presidente do tribunal avocá-los.

§ 2º Não se aplica o disposto neste artigo sempre que a condenação, do proveito, do benefício ou da vantagem econômica em discussão for de valor certo inferior a:

I – mil salários mínimos para União e as respectivas autarquias e fundações de direito público;

II – quinhentos salários mínimos para os Estados, o Distrito Federal e as respectivas autarquias e fundações de direito público, bem assim para as capitais dos Estados;

III – cem salários mínimos para todos os demais municípios e respectivas autarquias e fundações de direito público.

§ 3º Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em:

I – súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça;

II – acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de casos repetitivos;

III – entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência.

Atualmente, sujeitam-se ao reexame necessário as sentenças proferidas contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e as respectivas autarquias e fundações de direito público que excedam a sessenta salários mínimos. O anteprojeto, a seu turno, no § 2° do artigo 483, prevê a incidência do instituto de maneira escalonada. Não estará sujeita ao reexame necessário a sentença proferida contra a União e as respectivas autarquias e fundações de direito público sempre que a condenação for de valor certo inferior a mil salários mínimos. No caso dos Estados, do Distrito Federal e das respectivas autarquias e fundações de direito público, o limite será de quinhentos salários mínimos. E, no caso dos demais municípios e respectivas autarquias e fundações de direito público, o limite será de cem salários mínimos.

O intuito da alteração do valor da condenação é fazer com que as causas em que haja condenação da Fazenda Pública atendam aos ditames do processo civil constitucional, quais sejam: celeridade, eficácia e economia processual.

O Projeto do novo CPC insere-se no contexto do Estado Constitucional e encampa suas características. Como já restou demonstrado, o Estado Constitucional é, a um só tempo, Estado de Direito e Estado Democrático. Como Estado de Direito, o Estado Constitucional impõe observância aos princípios da legalidade, isonomia, segurança jurídica e confiança legítima.

Nesse sentido, o Projeto do novo CPC reclama obediência aos princípios da legalidade e isonomia. E, para assegurar isonomia, o Projeto preocupa-se com a segurança jurídica, prevendo normas que estimulam a uniformização e a estabilização da jurisprudência (DA CUNHA, 2012, p. 352-353).

A segunda alteração refere-se ao § 3° do art. 483 do CPC. O novo dispositivo prevê que também não se aplicará o reexame necessário quando a sentença estiver fundada em súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça (inciso I); acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de casos repetitivos (inciso II); ou entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência (inciso III).

O instituto do incidente de resolução de demandas repetitivas também é uma das inovações trazidas pelo projeto do novo CPC. É prevista sua instauração perante o tribunal em razão de provocação do juiz, do relator, de uma das partes, do Ministério Público ou da Defensoria Pública, com o intuito de ser fixada a tese jurídica a ser aplicada aos diversos casos repetitivos.

A previsão contida no § 3° do artigo 483 do Anteprojeto do CPC vêm ao encontro dos princípios e das garantias fundamentais do processo civil. O novo CPC as trará em seu capitulo I. O novo Código será regido pela uniformização, estabilidade e valorização da jurisprudência a fim de obter maior racionalização e isonomia nas decisões proferidas pelo Poder Judiciário. Ou seja, é preciso que situações concretas iguais tenham idêntica solução jurídica. Assim é que, firmado entendimento jurisprudencial acerca de determinado assunto, os casos que o envolvam sigam o mesmo entendimento.

A obediência aos precedentes e a uniformização da jurisprudência prestam-se a concretizar, ainda, a segurança jurídica, garantindo previsibilidade e evitando a existência de decisões divergentes para situações jurídicas homogêneas ou para situações de fato semelhantes, sendo certo que decisões divergentes não atingem a finalidade de aplacar os conflitos de que se originaram as demandas. Casos iguais devem ter, necessariamente, decisões iguais, sob pena de se instaurar um estado de incerteza (DA CUNHA, 2012, p. 355).

Há quem diga que os precedentes são característica dos sistemas da common law. Engana-se. Conforme bem explicita Leonardo José Carneiro da Cunha, “os precedentes existem em todos os sistemas; se há decisão judicial, há precedente. (...) A referência ao precedente não é mais uma característica peculiar dos ordenamentos de common law, estando presente em quase todos os sistemas, também de civil law. (...) O que é típico ou próprio da common law é o stare decisis, que indica uma obrigação jurídica dos juízes sucessivos de não discordar de certos precedentes” (2012,  p. 356).

Ainda, o Anteprojeto do CPC prevê o reexame necessário quando a sentença proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e as respectivas autarquias e fundações de direito público, não puder indicar, desde logo, o valor da condenação. Em outras palavras, o duplo grau de jurisdição será obrigatório se a sentença não for líquida, o que vem a reforçar o já previsto no § 2° do artigo 475 do CPC atual, o qual prevê, como referido alhures, que o reexame necessário será dispensado caso a sentença seja líquida e de valor não excedente a sessenta salários mínimos ou caso ela se refira a direito de valor certo que também não supere sessenta salários mínimos.


Conclusão

Ao término do estudo, não há como passarem desapercebidas algumas constatações a respeito do estatuto do reexame necessário. São elas:

(a) o duplo grau de jurisdição obrigatório foi inserido no ordenamento jurídico nacional, especialmente no âmbito processual civil, a fim de tutelar o patrimônio público, uma vez que é regido pelos princípios constitucionais e administrativos da supremacia e da indisponibilidade do interesse público;

(b) no processo civil, o reexame necessário, em regra, é obrigatório, exceto nas situações descritas nos § § 1° e 2° do artigo 475 do CPC;

(c) o reexame necessário não tem natureza jurídica de recurso. A doutrina majoritária o considera como condição de eficácia da sentença. Isso significa que a sentença é ineficaz quando presente alguma das hipóteses de reexame necessário. Apenas depois de reexaminada pelo Tribunal é que produzirá efeitos;

(d) no reexame necessário, incide o efeito translativo em relação às matérias decididas contrariamente à Fazenda Pública nos termos da Súmula 45 do STJ e o efeito suspensivo, uma vez que a sentença não tem aptidão para produzir efeitos senão depois de confirmada pelo Tribunal. Também tem lugar o efeito expansivo, pois o reexame necessário leva ao conhecimento do Tribunal as questões de ordem pública, ainda que não decididas pelo juiz a quo, e, ainda, o efeito substitutivo, pois com o reexame obter-se-á um ato novo substitutivo ao primeiro;

(e) o reexame necessário não inibe a concessão de tutelas antecipadas em desfavor da Fazenda Pública, bem como não tem aplicação quando proferidas decisões interlocutórias que antecipem os efeitos da tutela, uma vez que o artigo 475 do CPC exige que seja proferida sentença para que haja incidência do duplo grau de jurisdição obrigatório;

(f) o princípio da isonomia é o que mantém o instituto vigente no atual CPC e no novo CPC, não devendo mais haver uma sobreposição dos interesses do Estado sobre o dos particulares, mas uma ponderação entre os interesses em conflito;

(g) a defesa da ideia de que o reexame necessário deve ser banido do ordenamento jurídico nacional leva em consideração apenas o princípio da isonomia formal, e não o da igualdade material;

(h) o reexame necessário virá previsto no novo CPC para as causas de alto valor proferidas contra a Fazenda Pública, havendo previsão de incidência escalonada conforme a parte ré tratar-se da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público. Dentre as causas de sua não incidência, estarão previstas a sentença proferida contra a Fazenda Pública, que estiver fundada em súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça; ou que estiver fundada em acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de casos repetitivos; ou, ainda, fundada em entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência.

Do exposto, vê-se que ao contrário de banir o instituto do ordenamento processual civil, por ser visto como privilégio da Fazenda Pública, o legislador tem tentado situá-lo como prerrogativa da Fazenda Pública, sustentada nos pilares da indisponibilidade e da supremacia do interesse público, como forma de garantir o patrimônio público, e, também, como forma de aplacar as desigualdades dos litigantes (particular versus Poder Público), fazendo com que ambos litiguem em posição de igualdade não apenas formal, mas também material.


Referências bibliográficas

ALVES, Francisco Glauber Pessoa. A remessa necessária e suas mudanças (Lei 10.259/01 e 10.352/01). Revista de Processo, n. 108, out-dez de 2002.

ASSIS, Araken de. Admissibilidade dos embargos infringentes em reexame necessário. In: Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, vol. 4, p. 114-134.

ASSIS, Araken de. Manual dos Recursos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Em defesa da revisão obrigatória das sentenças contrárias à Fazenda Pública. In: Temas de direito processual civil: nona série. São Paulo: Saraiva, 2007.

BERMUDES, Sérgio. Introdução ao processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 1995.

BRASIL. Código de Processo Civil de 1973. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869compilada.htm>. Acesso em 05 fev. 2013.

BRASIL. Decreto-lei 5.452, de 01.05.1973 (CLT). Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm>. Acesso em 07.02.2013.

BRASIL. Lei 9.469, de 10.07.1997. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9469.htm>. Acesso em 08.02.2013.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 1ª Turma. Rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. em 20.10.2005

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Ag 500.159/PR. 6ª Turma. Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. em 19.12.2003.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Recurso Especial 785.936/RJ. 6ª Turma. Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. em 20.04.2006.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp 1040007/PE. 6ª Turma. Rel. Min. Jane Silva, j. em 11.12.2008.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. EDcl no REsp 1018785/SP. 2ª Turma. Rel. Min. Castro Meira, j. em 07.08.2008.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. EREsp 226.387, Corte Especial, Rel. Min. Garcia Vieira e rel. p/acórdão Min. Fontes de Alencar, j. em 07.03.2001.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 100.715/BA. 1ª Turma. Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. em 14.04.1997. Disponível em < http://www.stj.jus.br/webstj/processo/Justica/detalhe.asp?numreg=199600431280&pv=010000000000&tp=51>. Acesso em 05.02.2013.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 200.967/PR. 2ª Turma. Relator(a) Ministro Franciulli Netto. j. 26.03.2002. Data da Publicação/Fonte DJ 30.09.2002 p. 210. RSTJ vol. 163 p. 216.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 259,204/PE, 5ª Turma. Rel. Min. Jorge Scartezzini, j. em 21.09.2000; Recurso Especial 52.101/ES. 2ª Turma. Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 15.08.2000; Recurso Especial 655.046. 6ª Turma. Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, j. em 14.03.2006.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 628.502/RS. 2ª Turma. Rel. Min. Eliana Calmon, j. em 22.05.2006. Disponível em < https://ww2.stj.jus.br/processo/jsp/revista/abreDocumento.jsp?componente=ITA&sequencial=620316&num_registro=200400165401&data=20060522&formato=PDF)>. Acesso em 12.02.2013.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 150.438/SP. 1ª Turma. Rel. Min. Garcia Vieira, j. em 07.11.1997

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 228.691/RJ. 1ª Turma. Rel. Min. Milton Luiz Pereira, j. em 18.11.1999.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 572.890/SC, 1ª Turma. Rel. Min. Teori Albino Zavascky, j. em 04.05.2004.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 576.698/RS. 5ª Turma. Rel. Min. Gilson Dipp, j. em 08.06.2004.

BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp 659.200/DF. 6ª Turma. Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, j. em 11.10.2004.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 927.624/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, 1ª Turma, j. em 02.10.2008.

CAMPOS E SILVA, Ronaldo. A isonomia entre as partes e a Fazenda Pública no Projeto do novo CPC. In: Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais,  ano 37, vol. 208, junho/2012.

CARNEIRO, Athos Gusmão. Intervenção de Terceiros. 14. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003.

CARNEIRO, Athos Gusmão; TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. 12° Anteprojeto. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, a.23, n.90, abr./jun. 1998.

CARVALHO, Wesley Corrêa. Prerrogativas da Fazenda Pública em juízo. Por que elas simplesmente não acabam. In: Revista Dialética de Direito Processual (RDDP), São Paulo, n. 121, abril-2013.

CHEIM, Flávio Jorge; DIDIER JR, Fredie; RODRIGUES, Marcelo Abelha. A nova reforma processual. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A fazenda pública em juízo. 5. ed. rev. e ampl. e atual. São Paulo: Dialética, 2007.

CUNHA, Leonardo José Carneiro da. O processo civil no Estado Constitucional e os fundamentos do Projeto do novo Código de Processo Civil Brasileiro. In: Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 37, vol. 209, julho/2012.

DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 20. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2002.

DECOMAIN, Pedro Roberto. O reexame necessário ainda é mesmo necessário? In: Revista Dialética de Direito Processual (RDDP), São Paulo, n. 116, novembro-2012.

GATTO, Joaquim Henrique. Reexame necessário. In: Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e assuntos afins. Coordenadores Nelson Nery Junior, Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. v. 12.

GIANESINI, Rita. Tutela antecipada e execução provisória contra a fazenda pública. Direito processual público. A fazenda pública em juízo. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 173.

JUNIOR, Nelson Nery; NERY, Rosa Maria. Código de processo civil comentado e legislação extravagante em vigor. 7. ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

LASPRO, Oreste Nestor de Souza. Duplo grau de jurisdição no direito processual civil. São Paulo; RT, 1995.

LIMA FRANCO, Marcus Vinicius. Alguns aspectos relevantes da Fazenda Pública em juízo. In: Revista Virtual da AGU, Ano VI, n. 59, dezembro de 2006. Disponível em: <http://www.agu.gov.br/sistemas/site/TemplateTexto.aspx?idConteudo=80516&ordenacao=1&id_site=1115)>. Acesso em 26.04.2013.

MARINONI, Luiz Guilherme. A prova, o princípio da oralidade e o dogma do duplo grau de jurisdição. Disponível em < http://www.juspodivm.com.br/novo/arquivos/artigos/processo_civil/duplo_grau_e_a_prova.pdf>. Acesso em 03.03.2013.

MARQUES, José Frederico. Instituições de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 1969, vol. IV.

MAZZEI, Rodrigo. A remessa “necessária” (reexame por remessa) e sua natureza jurídica. In: Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e assuntos afins. Coordenadores Nelson Nery Junior, Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. v. 12.

MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 10. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.

MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil, volume 2: teoria geral dos recursos, recursos em espécie e processo de execução. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2009.

NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 8. ed. rev. ampl. e atual. com as novas súmulas do STF e com análise sobre a relativização da coisa julgada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.

NERY JUNIOR, Nelson. Princípios fundamentais – Teoria geral dos recursos. 5. ed. São Paulo: RT, 2000.

NERY JUNIOR, NELSON; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 2003, 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais.

OLIVEIRA, Rafael Sérgio Lima de. O reexame necessário à luz da duração razoável do processo: uma análise baseada na teoria dos direitos fundamentais de Robert Alexy. Curitiba: Juruá, 2011.

PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Forense, 1974, t. V, arts. 444-475.

PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti; BERMUDES, Sérgio (atualizador). Comentários ao código de processo civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, v.11.

PORTANOVA, Rui. Princípios do Processo Civil. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.

ROLLIN, Cristiane Flôres Soares. In: As garantias do cidadão no processo civil. Org.: Sérgio Gilberto Porto. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.

SEABRA FAGUNDES, Miguel. Dos recursos ordinários em matéria civil. Rio de Janeiro: Forense, 1946.

TOSTA, Jorge. Do reexame necessário. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.

WELSCH, Gisele Mazzoni. O reexame necessário e a efetividade da tutela jurisdicional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.


Notas

[1] BRASIL. Código de Processo Civil de 1973. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869compilada.htm>. Acesso em 05 fev. 2013.

[2] PROCESSUAL CIVIL - ART. 535, II, DO CPC - INEXISTÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO QUANTO A ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL DISTINTO - REEXAME NECESSÁRIO - EFEITO TRANSLATIVO - AUSÊNCIA DE APELAÇÃO - PRECLUSÃO - INEXISTÊNCIA DE OMISSÕES - FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL.

1. Inexiste omissão se o Tribunal de origem manifestou-se adequadamente acerca da tese. Os embargos declaratórios têm por objetivo a supressão de omissões, obscuridades ou contradições verificadas na decisão impugnada, sendo descabida sua oposição para os casos em que se pretende obter uma interpretação distinta de determinada norma, porque o recurso destinado a tal fim é outro.

2. O reexame necessário, instituído como mecanismo de proteção do interesse público, tem por finalidade devolver ao Tribunal o conhecimento, tão-somente, das questões decididas em prejuízo do Estado.

3. Eventual reforma da decisão na parte desfavorável à Fazenda Pública, sem que exista recurso voluntário da parte adversa, implica a reformatio in pejus. Inteligência da Súmula 45/STJ.

4. Nas hipóteses em que aplicável a remessa obrigatória, o vencido em relação aos temas decididos favoravelmente ao ente público há de interpor o cabível recurso sob pena de, não o fazendo, operar-se a preclusão com respeito a essas questões. Precedentes.

5. Assim, à mingua da interposição do recurso de apelação, resta não-configurada contrariedade ao art. 535, II, do CPC.

6. Inadmissível o recurso especial se o Tribunal a quo resolveu a controvérsia com base em fundamento exclusivamente constitucional.

7. Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, improvido.

[3] BRASIL. Decreto-lei 5.452, de 01.05.1973 (CLT). Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm>. Acesso em 07.02.2013.

[4] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 100.715/BA. 1ª Turma. Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 14.04.1997. Disponível em < http://www.stj.jus.br/webstj/processo/Justica/detalhe.asp?numreg=199600431280&pv=010000000000&tp=51>. Acesso em 05.02.2013.

[5] Idem.

[6] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 259,204/PE, 5ª Turma. Rel. Min. Jorge Scartezzini. j. 21.09.2000; Recurso Especial 52.101/ES. 2ª Turma. Rel. Min. Nancy Andrighi. j. 15.08.2000; Recurso Especial 655.046. 6ª Turma. Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa. j. em 14.03.2006.

[7] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 200967/PR. 2ª Turma. Relator(a) Ministro Franciulli Netto. j. 26.03.2002. Data da Publicação/Fonte DJ 30.09.2002 p. 210. RSTJ vol. 163 p. 216.

[8] “No reexame necessário, é defeso, ao Tribunal, agravar a condenação imposta à Fazenda Pública”.

[9] BRASIL. Lei 9.469, de 10.07.1997. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9469.htm>. Acesso em 08.02.2013.

[10] RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. REQUISITOS AUTORIZADORES. SÚMULA N. 7/STJ. REEXAME NECESSÁRIO. ART. 475 DO CPC. INAPLICABILIDADE. VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR. EXCEÇÃO AO ART. 2°-B DA LEI N. 9.494/97. 1. A análise da presença dos requisitos ensejadores da antecipação dos efeitos da tutela, na forma do art. 273, I e II, do CPC, requer o revolvimento do espectro probatório contido nos autos, o que significa exceder o âmbito de cognição conferido ao recurso especial pela Lei Maior, consoante adverte a Súmula n. 7/STJ. 2. A decisão que antecipa os efeitos da tutela proferida no curso do processo tem natureza de interlocutória, não lhe cabendo aplicar o art. 475 do CPC, o qual se dirige a dar condição de eficácia às sentenças proferidas contra a Fazenda Pública, quando terminativas com apreciação do mérito (art. 269 do CPC). 3. A jurisprudência desta Corte Superior tem se posicionado firmemente no sentido de, bem sopesada a ratio legis que motivou o legislador ao editar o art. 2°-B da Lei n. 9.494/97, excetuar a regra a fim de fazer valer direitos irrenunciáveis. 4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesse ponto, não provido. (BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp 659.200/DF. 6ª Turma. Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, j. em 11.10.2004). (sem grifo no original)

[11] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 325: A remessa oficial devolve ao Tribunal o reexame de todas as parcelas da condenação suportadas pela Fazenda Pública, inclusive dos honorários do advogado.

[12] Reexame necessário. Reformatio in pejus. Honorários advocatícios – CPC, art. 20 – Súm. 45 do STJ. A julgadora de primeiro grau não condenou a recorrente em honorários de advogado, por terem sido arbitrados na ação principal. A requerente não apelou e o Egrégio Tribunal a quo, com base na remessa, condenou a União na sucumbência prevista no art. 20 do CPC. Súmula 45 do STJ. Recurso provido. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 150.438/SP. 1ª Turma. Rel. Min. Garcia Vieira, j. em 07.11.1997).

[13] Súmula 45 do STJ: No reexame necessário, é defeso, ao Tribunal, agravar a condenação imposta à Fazenda Pública.

[14] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. EDcl no REsp 1018785/SP. 2ª Turma. Rel. Min. Castro Meira, j. em 07.08.2008.

[15] PROCESSUAL CIVIL – REEXAME NECESSÁRIO – PROCESSO DE EXECUÇÃO – CABIMENTO. O artigo 475, II, do CPC estabelece o duplo grau obrigatório às decisões proferidas contra a União, os Estados e os Municípios, não restringindo sua incidência ao processo de conhecimento, razão pela qual deve-se aplicar este dispositivo legal ao processo de execução. A execução provisória da sentença só pode ser admitida após sua confirmação pelo tribunal. Recurso provido. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 228.691/RJ. 1ª Turma. Rel. Min. Milton Luiz Pereira, j. em 18.11.1999).

[16] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. EREsp 226.387, Corte Especial, Rel. Min. Garcia Vieira e rel. p/acórdão Min. Fontes de Alencar, j. 07.03.2001.

[17] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp 1040007/PE. 6ª Turma. Rel. Min. Jane Silva, j. em 11.12.2008.

[18] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 576.698/RS. 5ª Turma. Rel. Min. Gilson Dipp, j. em 08.06.2004.

[19] PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 282/STF. MANDADO DE SEGURANÇA.VALOR DA CAUSA. CONTEÚDO ECONÔMICO DA DEMANDA. REEXAME NECESSÁRIO. INTELIGÊNCIA DO § 2º DO ART. 475 DO CPC, COM A REDAÇÃO DA LEI 10.352/01. 1. A falta de prequestionamento da questão federal impede o conhecimento do recurso especial (Súmula 282/STF). 2. A exceção imposta pelo § 2º do art. 475, quanto ao cabimento do reexame necessário, aplica-se às sentenças em mandado de segurança. Precedente: Resp 687216/SP, Primeira Turma, Min. José Delgado, DJ de 18.04.2005. 3. O parâmetro adotado, no citado parágrafo, para definir as hipóteses de não cabimento do reexame necessário não foi o valor da causa, mas o valor da condenação ou do direito controvertido , que há de ser (a) certo e (b) não excedente a sessenta salários mínimos. Trata-se de critério de natureza essencialmente econômica, não suscetível de ser aplicado às causas fundadas em direitos de outra natureza. Ademais, a aferição dos seus pressupostos é feita, não pelos elementos econômicos da demanda, e sim pelos que decorrem da sentença que a julga. (REsp 625219/SP, 1ª T., rel. p/ acórdão Min. Teori Zavascki, DJ de 29.11.2004). 4. Recurso especial a que se nega provimento. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 704.677/SP. 1ª Turma. Rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. em 20.10.2005).

[20] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 5ª Turma. REsp 314.130/DF. Rel. Min. Jorge Scartezzini, j. em 25.05.2004.

[21] Súmula 261 do extinto TFR: No litisconsórcio ativo voluntário, determina-se o valor da causa, para efeitos de alçada recursal, dividindo-se o valor global pelo número de litisconsortes.

[22] É claro que não se pode dar interpretação rígida à norma do art. 475, § 3º, do CPC, a ponto de exigir, para sua aplicação, que haja súmula ou jurisprudência sobre cada um dos pontos enfrentados na sentença, sejam eles principais ou acessórios, importantes ou secundários. Se assim fosse, o dispositivo, certamente, seria letra morta, já que não se pode conceber hipótese em que o provimento sentencial esteja secundado, em toda a sua fundamentação e em todas as suas disposições, em precedentes de tribunal superior. Há de prevalecer interpretação que, com os olhos no sentido teleológico, confira à norma um mínimo de efetividade. A jurisprudência ou a súmula do tribunal superior que, invocada na sentença, despensa o reexame necessário, há de ser entendida aquela que diga respeito aos aspectos principais da lide, às questões centrais decididas, e não, necessariamente, aos seus aspectos secundários e acessórios. No caso dos autos, todavia, é justamente o contrário o que ocorreu: os precedentes e súmulas invocados dizem respeito a aspectos não controvertidos ou acessórios. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 572.890/SC, 1ª Turma. Rel. Min. Teori Albino Zavascky, j. 04.05.2004).

[23] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Recurso Especial 785.936/RJ. 6ª Turma. Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. em 20.04.2006.

[24] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Ag 500.159/PR. 6ª Turma. Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. em 19.12.2003.


Abstract: The text describes the review required in the legal order. It analyzes the origins and the foundations that keeps it and tries to answer the question: is necessary to keep it in the system of civil procedure in the light of the principle of equality enshrined in the Federal Constitution of 1988?

Key words: Review required. Origin. Fundamentals. Nature. Effects. Hypotheses of the appropriateness. Maintenance or extinction of the legal order. Principle of equality. Comparison between Code Of Civil Procedure 1973 and Draft-law of new Brazilian Code of Civil Procedure.


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOTTA, Marianna Martini. Do reexame necessário à luz da Constituição Federal: tratamento desigual (i)legítimo da Fazenda Pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3823, 19 dez. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26194. Acesso em: 16 abr. 2024.