Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/27257
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Fixação de danos morais coletivos em termo de ajustamento de conduta celebrado pelo Ministério Público

Fixação de danos morais coletivos em termo de ajustamento de conduta celebrado pelo Ministério Público

Publicado em . Elaborado em .

Versa o presente trabalho sobre uma singela análise do termo de ajustamento de conduta como instrumento de atuação do Ministério Público e a possibilidade de fixação de indenização por dano moral coletivo na avença.

FIXAÇÃO DE DANOS MORAIS COLETIVOS EM TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA CELEBRADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO

  1. DISSERTAÇÃO SOBRE FIXAÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL COLETIVO NOS TERMOS DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA CELEBRADOS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO

 

O sistema jurídico brasileiro foi amplamente modificado ante a percepção dos conflitos de massa. Consagrou-se a tutela coletiva como forma de conferir efetividade aos direitos metaindividuais, adotando-se novos mecanismos, tanto judiciais quanto extrajudiciais, de solução dessas disputas. O fundamento dos direitos coletivos estrutura-se nos direitos humanos fundamentais que, indiscutivelmente, por sua própria natureza, são de ampla relevância social.

A Constituição da República (art. 127, caput) conferiu ao parquet a atribuição de defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, na qualidade de órgão agente, dissociando-o da função eminentemente parecerista até então prevalecente. A instituição tornou-se, portanto, uma das protagonistas nas questões afetas às demandas de massa.

O Ministério Público, em sua atuação, notadamente por meio de um perfil resolutivo, busca solucionar os conflitos com repercussão social fora do Judiciário, quando existe tal possibilidade. Para tanto, um dos principais instrumentos de que dispõe é o termo de ajustamento de conduta, no qual devem ser estipuladas cláusulas mínimas como forma de proteção contras as lesões ou ameaças de lesões aos interesses transindividuais.

O Professor José dos Santos Carvalho Filho[1] define o termo de compromisso de ajustamento de conduta como:

“o ato jurídico pelo qual a pessoa, reconhecendo implicitamente que sua conduta ofende interesse difuso ou coletivo, assume o compromisso de eliminar a ofensa através da adequação de seu comportamento às exigências legais”.

O termo de compromisso surgiu no sistema jurídico brasileiro como aperfeiçoamento da tutela transindividual, visando reduzir as lides individuais com a solução, ainda no âmbito administrativo, das lesões difusas e coletivas.

Divergem os estudiosos da matéria quanto a sua natureza jurídica. Segundo Cristiane Aneolito Ferreira[2], as principais correntes doutrinárias a respeito do tema defendem ser o termo: transação, ato ou negócio jurídico diverso ou, título executivo extrajudicial.

A corrente que sustenta ser transação estipula que, na verdade, trata-se de avença com características próprias, não correspondendo, exatamente, aos acordos de direito privado. O Professor Hugo Nigro Mazzili, citado pela autora[3], argumenta que:

        “Embora tenha o caráter necessariamente consensual, o compromisso de ajustamento não tem a mesma natureza contratual típica do Direito Privado, nem chega a ser propriamente uma transação de Direito Público. Trata-se, antes, de concessão unilateral do causado do dano, que acede em ajustar sua conduta às exigências legais, sem que o órgão público que toma seu compromisso esteja a transigir em qualquer questão ligada ao direito material, até porque não o poderia fazer, já que, em matéria de interesse transindividuais, o órgão público legitimado e o Estado não são titulares do direito lesado”.

Nesta senda, prevalece o entendimento que conjuga as duas últimas posições. O termo de ajuste de conduta é negócio jurídico diverso, pois é ato jurídico unilateral quanto à manifestação volitiva e espontânea do compromitente em adequar-se a lei, e bilateral quanto à formalização, a que a lei atribui eficácia de título executivo extrajudicial (art. 5, § 6º da Lei 7.347/85).

Importante destacar que o termo de ajustamento de conduta constitui importante instrumento à disposição do Ministério Público para consecução de seus objetivos constitucionais, especialmente a tutela dos interesses metaindividuais.

Neste ponto surge questão relativa à possibilidade de ser fixada no instrumento de ajuste a previsão de indenização do dano moral coletivo.

O dano moral coletivo pode ser conceituado como “violação transindividual dos direitos da personalidade[4]”.

Enquanto nos EUA, além da função reparadora de danos, há a adição das funções punitivas e dissuasórias da responsabilidade civil – respectivamente, punitive damages e exemplary damages –, no Brasil, as funções de desestímulo e punição foram abraçadas pela função compensatória. É a teoria do dano moral.

O dano moral coletivo é compreendido, inicialmente, estabelecendo-se um paradigma com o dano moral individual. O Poder Judiciário, na análise dos pleitos de dano moral individual, leva em consideração, além da situação em concreto (afetação às integridades física e psíquica e à honra da vítima), um ponto sancionatório e outro de desestímulo (função punitiva e dissuasória), a fim de que o agente não volte a perturbar a intangibilidade jurídica da vítima.

Transportando o fato para a ótica coletiva, é possível verificar que a população de determinada região (ajuntamento de inúmeras personalidades) pode sofrer diversas agressões que reduzem sua segurança jurídica ou integridade em geral (publicidades enganosas, produtos impróprios, degradação ambiental de esfera irrecuperável, ataques à cultura, exposição a riscos desnecessários, etc.), merecendo tutela mediante a condenação por dano moral coletivo. Isso porque, na maioria dos casos, a função “reparação”, reconstituidora do status quo ante, já não é mais possível.

Com o advento do CDC, (art. 6º, inciso VI) e a adição da expressão “danos morais” no art. 1º da Lei de Ação Civil Pública pela Lei Antitruste (art. 88) foi concedido novo viés substancial ao direito coletivo, proporcionando normativamente a possibilidade de condenação por danos morais coletivos daqueles que constrangem os direitos fundamentais de ordem coletiva.

Existem duas correntes sobre o assunto: a primeira defende a responsabilidade subjetiva do causador do dano; a segunda sustenta a responsabilidade objetiva, fundando-se nas teorias da reparação integral dos danos e da proteção geral dos direitos (art. 5º, II, V, X, XXXV da Constituição).

Em vistas de sua finalidade, qual seja, solução extrajudicial dos conflitos transindividuais, a indenização arbitrada a título de dano moral coletivo poderá fazer parte tanto do termo de compromisso de ajustamento de conduta quanto da correspondente ação civil pública.

Por fim, insta destacar que os tribunais superiores vêm reconhecendo a responsabilidade objetiva daquele que causa lesão nas hipóteses de danos metaindividuais. É o que se verifica nos seguintes julgados: STJ – 2ª T – RESP 1.057.274/RS – Rel. Ministra Eliana Calmon e TST – 1ª T – RR 946/2006-025-12-00-0 – Rel. Min. Luiz Philippe Vieira de Mello Filho.

REFERÊNCIA

 

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 5 de out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>, acesso em: 1 de jun. 2013.

BRASIL. Lei nº 7.347, de 24  de julho de 1985. Lei de Ação Civil Pública. DOFC DE 25/07/1985, P. 10649, Brasília, DF, 24 de jul. 1985. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7347orig.htm>, acesso em: 1 de jun. 2013.

BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa e Proteção do Consumidor. D.O. DE 12/09/1990, P. 1 (SUPLEMENTO), Brasília, DF, 11 de set. 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078compilado.htm>, acesso em: 1 de jun. 2013.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Ação Civil Pública: comentários por artigo (Lei nº 7.347, de 24/7/85). 7ª ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2009.

FERREIRA, Cristiane Aneolito. Termo de Ajuste de Conduta Celebrado Perante o Ministério Público do Trabalho. 2011. Dissertação de Mestrado – Faculdade de Direito da USP, São Paulo, 2011.

MELO, Raimundo Simão. Ação Civil Pública na Justiça do Trabalho. 2ª Ed. São Paulo: LTr, 2004.

RESP 1.057.274/RS. Relator: Min. Eliana Calmon. Julgamento em: 01/12/2009, publicado no DJe de 26/02/2010. Disponível em <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200801044981&dt_publicacao=26/02/2010>. Acesso em 01-06-2013.

RR - 94600-70.2006.5.12.0025 Data de Julgamento: 17/12/2008, Redator Ministro: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 20/02/2009. Disponível em http://aplicacao5.tst.jus.br/consultaunificada2/index.jsp>. Acesso em 01-06-2013.


[1] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Ação Civil Pública: comentários por artigo (Lei nº 7.347, de 24/7/85). 7ª ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2009, p. 222.

[2] FERREIRA, Cristiane Aneolito. Termo de Ajuste de Conduta Celebrado Perante o Ministério Público do Trabalho. 2011. Dissertação de Mestrado – Faculdade de Direito da USP, São Paulo, 2011, p. 61.

[3] Op. Cit., p. 63.

[4] MELO, Raimundo Simão. Ação Civil Pública na Justiça do Trabalho. 2ª Ed. São Paulo: LTr, 2004, p. 101.


Autor

  • Eduardo Xavier de Souza

    Graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro;<br>Pós-Graduado em Ciências Jurídicas pela Universidade Cândido Mendes;<br>Pós-Graduando em Direito Aplicado ao Ministério Público pela Escola Superior do Ministério Público da União - ESMPU;<br>Analista Processual do Ministério Público da União;<br>Tutor Presencial das Disciplinas Jurídicas do Curso de Administração do Consórcio CEDERJ - Polo de Itaperuna;<br>Ex-servidor do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e do Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Rio de Janeiro.<br>

    Textos publicados pelo autor


Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelo autor. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi.