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Controle Externo do Ministério Publico em face da Atividade de Polícia Judiciária

Limites Constitucionais e Legais

Controle Externo do Ministério Publico em face da Atividade de Polícia Judiciária. Limites Constitucionais e Legais

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Pretende-se neste artigo traçar breves considerações sobre o exercício do controle externo pelo Ministério Público em face da atividade-fim da Polícia Judiciária.

CONTROLE EXTERNO EXERCIDO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO EM FACE DA ATIVIDADE DE POLÍCIA JUDICIÁRIA: LIMITES CONSTITUCIONAIS E LEGAIS

 

BARROS, Flávio Craveiro Vasconcelos de[1]


 

RESUMO

Pretende-se neste artigo traçar breves considerações sobre o exercício do controle externo pelo Ministério Público em face da atividade-fim da Polícia Judiciária. Fixadas as premissas iniciais, discorrer-se-á sobre os limites constitucionais e legais desse controle, fazendo-se uma análise de tais instrumentos normativos, utilizando-se de uma hermenêutica literal, sistemática e crítica para tanto. Por fim, ressalta-se a importância do desempenho de tal mister pelo Douto Parquet para a manutenção do Estado Democrático de Direito e dos direitos e garantias fundamentais individuais.

PALAVRAS-CHAVE: Controle externo; Ministério Público; Polícia Judiciária.

 

1. Introdução

O presente artigo pretende discorrer sobre o controle externo exercido pelo Ministério Público em face da atividade de polícia judiciária, ressaltando sua importância enquanto elemento de proteção dos direitos fundamentais, bem como expor e definir os seus limites impostos pela Constituição Federal, pelo Código de Processo Penal, pela Lei Complementar n.º 75/93, pela Lei n.º 8.625/93, e pela Resolução n.º 20 do Conselho Nacional do Ministério Púbico, tendo como base bibliográfica, além destes instrumentos normativos aqui trazidos à baila, alguns artigos já escritos sobre essa temática.

Como dever institucional e não mera faculdade discricionária, o controle externo da atividade policial deve ser exercido em suas exatas dimensões, não comportando interpretação extensiva.

Desse modo, o controle externo exercido pelo Ministério Público, enquanto meio componente dessa sistemática de freios e contrapesos adotados pela nossa Carta Republicana, deve está pautado no respeito à Carta Republicana e às leis pertinentes vigentes no país.

Outrossim, o controle externo da atividade policial pelo Ministério Público deve ter como intuito a manutenção da regularidade e da adequação dos procedimentos empregados na execução da atividade policial, bem como a integração das funções do Ministério Público e das Polícias voltadas para a persecução penal e o interesse público (cf. art. 2º da Res. CNMP Nº 20, de 28 de maio de 2007 e art. 1º da Res. CSMPF Nº 88, de 03 de agosto de 2006).

Consequentemente, o Ministério Público, enquanto instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, responsável pela manutenção do regime jurídico democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, nos termos do art. 127, da CF/88, deve exercer o controle externo com responsabilidade e voltado para o exercício da atividade-fim da polícia judiciária.

Assim, o presente texto não apenas trará considerações sobre o exercício desse controle externo, mas também exporá os seus limites constitucionais e legais, valendo-se para tanto de uma interpretação sistemática e literal, trazendo a lume as necessárias críticas do ponto de vista jurídico.

2. Considerações gerais: Controle administrativo

Antes de adentrarmos no cerne do controle externo exercido pelo Ministério Público em da atividade de Polícia Judiciária, é preciso que se entenda o que vem a ser controle administrativo e como ele está dividido segundo a doutrina administrativista.

O controle administrativo deve ser entendido como o poder-dever que a Administração Pública tem de controlar a legalidade e validade de seus atos.

Controle, em tema da administração pública” – ensina Hely Lopes Meirelles (1991) – “é a atividade de vigilância, orientação e correção que um Poder, órgão ou autoridade exerce sobre a conduta funcional do outro”. Esclarece ainda o saudoso mestre, à página 561: A Administração Pública, em todas as suas manifestações, deve atuar com legitimidade, ou seja, segundo as normas pertinentes a cada ato e de acordo com a finalidade e o interesse coletivo na sua realização”[2]

O controle administrativo visa assegurar a legalidade, a legitimidade e a economicidade das atividades administrativas desenvolvidas por todos os Poderes. É a fiscalização que incide sobre as atividades desenvolvidas pela Administração Pública.

Esse controle pode ser interno (é o poder-dever), quando exercido pelo próprio Poder ou instituição que pratica o ato fiscalizado, ou externo, quando executado pelos Poderes Legislativo e Judiciário, pelo Ministério Público ou pela própria sociedade.

Para João Ricardo Carvalho de Souza[3] o controle interno se constitui no controle institucional exercido pela própria polícia sobre seus membros.

Segundo o mesmo autor, há de se considerar, ainda, que, pelo próprio conhecimento que os integrantes do controle interno têm da mecânica e da estrutura policial, associado com sua própria experiência pessoal como policial, a sua capacidade de identificar possíveis desvios de conduta, nos diversos níveis hierárquicos que compõem o órgão de segurança pública, não pode ser igualada a nenhuma forma de controle externo.

O controle interno, exercido normalmente pelas corregedorias da Polícia, tem se mostrado a mais eficiente forma de controle dos organismos policiais, mas sofre um grave problema que é a interferência do espírito corporativo sobre as apurações e as decisões proferidas.

O autor Renato Vieira de Souza[4] frisa a importância do controle da Polícia para o êxito da Democracia.  Sob esse prisma, é necessário ressaltar que no Estado Democrático de Direito o poder é limitado por meio de um complexo sistema de controle de uma instituição por outra, de tal modo que nenhuma delas o exerça de forma concentrada e, deste modo, coloque em risco os interesses da coletividade.

Para Ricardo Fontanella[5], o art.129, VII, da CF conferiu ao Ministério Público o exercício do controle externo da atividade policial, objetivando que seja exercida fiscalização sobre as atividades da polícia em sua missão de apurar as infrações penais, para que o inquérito seja revestido de elementos fortes a dar suporte à ação penal e ao próprio processo penal, bem como que atividade policial trilhe pela legalidade.

Por muito tempo a incumbência constitucional permaneceu carente de meios concretos de efetivação, dependente da construção de um pensamento uniforme, de âmbito nacional, firmado em princípios coesos, a fim de evitar a disparidade de regulamentos isolados ou ações desconexas, de baixa eficácia.

Compete ao Ministério Público, como titular da ação penal pública, zelar pela efetividade e eficácia da investigação de todos os crimes noticiados ao poder público e, com exclusividade, decidir pela propositura da ação penal e demais atos investigatórios ou pela requisição de diligências complementares (art. 129, I, CF/88).

Para o pleno exercício de sua atribuição constitucional o Ministério Público deve ter acesso aos registros de ocorrências e demais documentos elaborados pelas instituições policiais, aos atos praticados no trabalho de investigação e aos resultados obtidos.

Em respeito ao princípio constitucional da eficiência, descrito no art. 37, caput, da CF/88, nos Estados em que as instituições policiais informatizaram o registro de ocorrências policiais, o Ministério Público necessita ter livre acesso aos sistemas de registro, às ferramentas de busca, aos recursos de impressão e aos mecanismos de consolidação estatística. Por outro lado, um controle externo eficaz, permitirá o pleno conhecimento e valorização das instituições policiais, mediante a uniformização de procedimentos, análise e divulgação das práticas exitosas, convênios para treinamento de pessoal, adequação da carga horária e prevenção dos riscos inerentes à atividade policial.

O sucesso do controle externo da atividade policial depende do comprometimento das instituições envolvidas e da disposição das polícias em debaterem com a sociedade suas atividades, com posterior criação de mecanismos de controle do uso da força e das técnicas de investigação, que deverão observar de modo irrestrito o respeito aos direitos e garantias fundamentais dos indivíduos.

É válido ressaltar as limitações que o controle externo apresenta, uma vez que pode ser exercido por pessoas não conhecedoras em profundidade do labor da atividade policial, assim como é dependente, mais das vezes, de dados e provas que são obtidas pelos próprios policiais, que são colegas de profissão daqueles que são o alvo das investigações. No entanto, o controle externo se faz necessário, isso porque este complementa o controle interno exercido pelas próprias polícias, o qual também tem limitações devidas principalmente ao sprit de corps observado naquelas.

3. Controle externo da atividade policial para a garantia dos direitos fundamentais e normalidade do regime jurídico posto

A atividade policial é, por essência, a face mais visível do poder do Estado, pois nela se mostra a força e coercitividade decorrentes de sua supre­macia, podendo afetar significativamente os direitos essenciais do cida­dão: a vida, a liberdade e os bens. Daí porque, num Estado Democrá­tico de Direito, a referida atuação deve sempre, mais que qualquer outra, pautar-se pelo respeito aos direitos e garantias constitucionais, não excluindo outros decorrentes do regime e dos princípios adotados pela nossa Carta Magna, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte, conforme preleciona o § 2º, do art. 5º, da CF.

Os direitos e garantias fundamentais consagrados na Constituição da República existem justamente para proteger o cidadão contra eventuais excessos do Estado, coibindo os abusos por parte de agentes públicos. Destarte, o Estado Democrático de Direito não admite poder absoluto ou ilimi­tado, de modo que todas as atividades estatais estão sujeitas a controle. O sistema de freios e contrapesos, inerente ao regime republicano, pre­coniza a repartição das competências entre diversos poderes e órgãos, possibilitando que uns fiscalizem os outros.

Dentre os direitos fundamentais do cidadão, destacam-se o de somente ser processado pela autoridade competente, o do devido processo legal, o de não ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente e, ainda, o de ser informado de seus direitos, dentre os quais o de permanecer calado e de receber a assistência da família e de advogado (CF, arts. 5º, incisos LIII, LIV, LXI e LXIII). Tais direitos, que têm a ver com civilidade, não são simples recomendações que possam ser ignoradas ou flexibili­zadas sem consequências: sua inobservância implica em ilegalidade. É inadmissível que, sob o pretexto de evitar ou reprimir delitos, as forças policias não os observem. A repressão à criminalidade e a persecução penal, imprescindíveis à vida em sociedade, somente serão legítimas se realizadas com estrita observância a esses direitos.

Deltan Martinazzo Dallagnol[6] vislumbra o controle externo exercido pelo Ministério Público em face da atividade de polícia judiciária como forma de proteção dos direitos fundamentais, sendo aquele uma “Instituição já pronta, que conta com garantias constitucionais contra ingerências políticas, e é um órgão ramificado em todo o País, contando com mais de dez mil Promotores e Procuradores da República para exercer tal atividade”.

Segundo ainda o referido jurista, o Ministério Público é o órgão mais preparado e mais indicado para exercer o controle externo da polícia. Não só pela iniciativa e penetração geográfica, mas também porque recebe todo o trabalho de investigação policial para oferecer uma acusação criminal e que, por isso, já detém um conhecimento especializado da atividade policial.

Assim, o legislador constituinte, após consolidar o Ministério Público como ins­tituição autônoma e permanente, essencial à função jurisdicional do Esta­do, incumbida da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, lhe atribuiu, como função institucional, o controle da atividade policial. É seu dever, como órgão externo, assegurar que a atuação policial, a um só tempo, atenda aos prin­cípios da efetividade e da legalidade, compatibilizando as características de máxima eficiência e absoluto respeito aos direitos fundamentais.

A atuação institucional nessa seara, portanto, vai além da fiscalização das atividades tendentes à persecução penal, cabendo ao Ministério Público reprimir eventuais abusos, mediante instrumentos de respon­sabilização pessoal (penal, cível e administrativa) e também zelar para que as instituições controladas disponham de todos os meios materiais para o bom desempenho de suas atividades, inclusive, quando necessá­rio, acionando judicialmente o próprio Estado. A função controladora estende-se a todos os órgãos constitucionalmente incumbidos de ativi­dades policiais e de segurança pública, abrangendo as polícias civis, mi­litares, legislativas, federal, rodoviária, ferroviária, corpos de bombeiros e guardas municipais.

Conforme preleciona Carlos Alexandre Marques[7], o norte orientador da atuação do Ministério Público no exercício do controle externo da atividade policial deve abranger todas as funções policiais que esbarram nos direitos fundamentais do cidadão ou que caracterizam atos de persecução penal, afastando, em contrapartida, todos os demais que se limitam à esfera interna dos organismos policiais, ou seja, excetuando-se as questões administrativas e hierárquicas.

É necessário, pois, que o Ministério Público brasileiro se estruture para o efetivo exercício da função controladora que a Constituição lhe con­fiou, com o intuito de assegurar aos cidadãos uma atividade policial eficiente e atenta aos direitos fundamentais.

4. Limites normativos

A atividade-fim de polícia judiciária é controlada pelo Ministério Público, órgão incumbindo da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, nos termos do art. 127, da Lei Maior. Ocorre que tal controle possui limites normativos delineados na própria Constituição Federal e nas normas que regulamentam a organização e atribuições institucionais daquele órgão de controle.

De acordo com o autor Mário Konichi Higuchi Júnior[8], nem toda atividade policial está sujeita ao controle externo exercido pelo Ministério Público, mas apenas aquela relacionada à sua atividade-fim, que se relaciona com as funções institucionais do Parquet: trata-se da investigação de crimes, dentro e fora dos inquéritos policiais, ou seja, a tarefa de polícia judiciária e de apuração de infrações penais.

Para Marques[9]

Não deve haver timidez no dever constitucional do controle externo da atividade policial, e, por isso, o vê com largos limites: tal controle deve abraçar as notícias de delitos recebidas pela polícia, a apuração dos crimes e das infrações de improbidade administrativa praticados por policiais, os casos esquecidos ou não investigados, a fiscalização dos prédios policiais e de carceragem, a cobrança do regular trâmite dos procedimentos investigatórios, o cumprimento das requisições ministeriais, a preservação das liberdades e garantias individuais etc.

4.1. Limites Constitucionais

Numa interpretação contextualizada e sistemática da Constituição, o controle externo da atividade policial é uma garantia dos direitos fundamentais mais básicos do cidadão. Enquanto artigo 5º, § 2º, da Lei Maior alberga a compreensão elástica dos direitos e garantias fundamentais, o artigo 60, § 4º, impede a supressão dessa garantia, erigida a cláusula pétrea.

Destarte, para Higuchi Júnior[10], a previsão constitucional da competência do Ministério Público no controle externo da atividade policial não é simples faculdade outorgada, mas verdadeiro dever institucional, dado o seu caráter funcional ser da própria essência desse órgão (no paradigma constitucional atual) e a sua importância fundamental para o regime democrático e as garantias fundamentais.

O referido autor ainda deixa claro que o exercício do controle externo do Ministério Público se dá em decorrência direta do instituto constitucional de separação dos poderes (instituições) segundo o qual deve ser utilizado o sistema de freios e contrapesos do mister de cada instituição, a fim de se evitar os abusos. O argumento principal defendido é o de que, pela sua natureza, o controle externo deve seguir rígida delimitação, conforme uma interpretação sistemática do instituto em estreita correlação com o regime adotado na Carta Magna, em especial, com o princípio da divisão dos poderes.

A Carta Republicana traz, para resguardar a garantia dos direitos fundamentais, entre outros dispositivos, o art. 129, inciso VII, dentre as funções institucionais do Douto Parquet, a do exercício do controle externo da atividade policial. Senão vejamos o dispositivo aduzido abaixo:

“Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

(...)

VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior;”.(grifo nosso)

Observa-se que a Constituição Federal embora traga dentre as funções institucionais do Ministério Público o exercício do controle externo da atividade policial, empresta a tal dispositivo um caráter de norma com aplicabilidade limitada, remetendo-a para a forma emprestada pelas leis complementares que estabelecem a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público.

Desse modo, todo o controle exercido pelo Ministério Público em face da atividade-fim da Polícia Judiciária deve ser pautado de forma a respeitar o que preconiza a Lei Maior, em normas de natureza complementar, que regulamentam o dispositivo constitucional trazido à baila.

Nessa esteira, não pode o custos legis fiscalizar em sede de controle externo, senão a atividade de Polícia Judiciária correlacionada ao seu próprio exercício de ação.

Roberto Barcellos de Magalhães[11] entende que ao Ministério Público cabe “a missão de exercer o controle ‘externo’ das investigações policiais, da coleta de provas e do destino e condição dispensados aos delinquentes”, mas faz a seguinte ressalva, de extrema relevância: “Não lhe cabe, porém, ingerir-se na organização interna da polícia.” Portanto, o autor mencionado analisa mais precisamente o assunto, expondo, a contrário senso, que as atribuições de investigação policial, com formação da prova que servirá de subsídio à formulação da denúncia a ser efetuada pelo órgão ministerial, cabem direta e privativamente à polícia.

Regulamentando o art. 129 da CF/88 foram editadas a Lei Complementar n.º 75, de 25/05/93, e Lei n.º 8625, de 12/06/93, onde podem ser encontrados vários dispositivos que tratam, direta ou indiretamente, do controle externo, pelo órgão ministerial, das atividades policiais.

4.2. Limites impostos pela Lei Complementar n.º 75/93.

A Lei Complementar n.º 75/93, que dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União, em traz em seu art. 3º a seguinte redação:

“Art. 3º O Ministério Público da União exercerá o controle externo da atividade policial tendo em vista:

“a) o respeito aos fundamentos do Estado Democrático de Direito, aos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, aos princípios informadores das relações internacionais, bem como aos direitos assegurados na Constituição Federal e na Lei;

“b) a preservação da ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio público;

“c) a prevenção e a correção de ilegalidade ou de abuso de poder;

“d) a indisponibilidade da persecução penal;

“e) a competência dos órgãos incumbidos da segurança pública.”

 

A mesma legislação complementar prevê, no art. 7º, inc. II, que incumbe ao Ministério Público da União, sempre que seja necessário ao exercício de suas funções institucionais, “requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial e de inquérito policial militar, podendo acompanhá-los e apresentar provas”.

Adiante, estabelece, nos arts. 9º e 10:

“Art. 9º. O Ministério Público da União exercerá o controle externo da atividade policial por meio de medidas judiciais e extrajudiciais, podendo:

I - ter livre ingresso em estabelecimentos policiais ou prisionais;

II - ter acesso a quaisquer documentos relativos à atividade-fim policial;

III - representar à autoridade competente pela adoção de providências para sanar a omissão indevida, ou para prevenir ou corrigir ilegalidade ou abuso de poder;

IV - requisitar à autoridade competente a instauração de inquérito policial sobre a omissão ou fato ilícito ocorrido no exercício da atividade policial;

V- promover a ação penal por abuso de poder.

Art. 10. A prisão de qualquer pessoa, por parte de autoridade federal ou do Distrito Federal e Territórios, deverá ser comunicada imediatamente ao Ministério Público competente, com indicação do lugar onde se encontra o preso e cópia dos documentos comprobatórios da legalidade da prisão.”

Não resta dúvida de que o arcabouço legal que assegura o controle externo da atividade policial pelo Ministério Público já existe, seja em nível constitucional, seja em nível infraconstitucional.

Há, porém, um grande abismo entre a proposta teórica e a sua implementação. Em verdade, há forte resistência corporativa por parte dos órgãos policiais, quanto a esse controle, que é tido como uma intromissão indevida do Ministério Público em suas funções institucionais.

Discorrendo sobre o art. 9º do aludido dispositivo normativo, passaremos a analisar cada inciso que o compõe:

O inciso I deste dispositivo informa que o Ministério Público para a consecução do seu mister tem livre ingresso em estabelecimentos policiais e prisionais. Isso quer dizer que aquele órgão não pode sofrer qualquer tipo de restrição em sua entrada nesses locais.

Por sua vez, o inciso II informa que o Ministério Público tem acesso a quaisquer documentos relativos à atividade-fim policial. Isso não quer dizer que tal acesso possa se dar de forma indiscriminada.  Segundo nossa interpretação, deve haver o respeito institucional. Ademais é preciso salientar que o acesso diz respeito apenas àqueles documentos atinentes à atividade-fim da polícia judiciária. Portanto, não pode o órgão ministerial, a título de controle externo, por exemplo, acessar lista de escala de plantão extraordinário, salvo se estiver agindo na condição de Ministério Público cível, com intuito de juntar provas para um inquérito civil, que possa vir a ser fundamento para uma possível ação de improbidade administrativa.

O inciso III menciona que cabe ao Ministério Público, no exercício do controle externo, “representar à autoridade competente pela adoção de providências para sanar a omissão indevida, ou para prevenir ou corrigir ilegalidade ou abuso de poder”, até porque há situações que ensejam medidas administrativas, que somente podem ser tomadas pela autoridade que detém poder hierárquico sobre o policial que eventualmente tenha praticado alguma infração disciplinar de forma comissiva ou omissiva.

Já o inciso IV diz que incumbe também ao Douto Parquetrequisitar à autoridade competente a instauração de inquérito policial sobre a omissão ou fato ilícito ocorrido no exercício da atividade policial”. Aqui não se trata mais de ilícito administrativo, mas sim penal, praticado pelo policial no bojo de sua função. Nessa situação a autoridade competente, ao receber tal requisição ministerial, tem o dever de designar um Delegado de Polícia, em caráter especial, para apurar a referida conduta delitiva supostamente praticada por servidor da instituição policial.

Por derradeiro, o inciso V informa que cabe no Ministério Público “promover a ação penal por abuso de poder”. Entenda-se aqui que o abuso de poder a que se reporta tal inciso, é aquele previsto na Lei n.º 4.898/65.

Desse modo, essa citada legislação considera o abuso de poder de autoridade aquelas práticas do servidor elencados em seus arts. 3º e 4º, a saber:

“Art. 3º. Constitui abuso de autoridade qualquer atentado:

a) à liberdade de locomoção;

b) à inviolabilidade do domicílio;

c) ao sigilo da correspondência;

d) à liberdade de consciência e de crença;

e) ao livre exercício do culto religioso;

f) à liberdade de associação;

g) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício do voto;

h) ao direito de reunião;

i) à incolumidade física do indivíduo;

j) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional.

 Art. 4º Constitui também abuso de autoridade:

a) ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder;

b) submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei;

c) deixar de comunicar, imediatamente, ao juiz competente a prisão ou detenção de qualquer pessoa;

d) deixar o Juiz de ordenar o relaxamento de prisão ou detenção ilegal que lhe seja comunicada;

e) levar à prisão e nela deter quem quer que se proponha a prestar fiança, permitida em lei;

f) cobrar o carcereiro ou agente de autoridade policial carceragem, custas, emolumentos ou qualquer outra despesa, desde que a cobrança não tenha apoio em lei, quer quanto à espécie quer quanto ao seu valor;

g) recusar o carcereiro ou agente de autoridade policial recibo de importância recebida a título de carceragem, custas, emolumentos ou de qualquer outra despesa;

h) o ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticado com abuso ou desvio de poder ou sem competência legal;

i) prolongar a execução de prisão temporária, de pena ou de medida de segurança, deixando de expedir em tempo oportuno ou de cumprir imediatamente ordem de liberdade.”

Destarte, tendo o servidor policial praticado quaisquer das condutas tipificadas nesses dois artigos, cabe ao Ministério Público promover a devida ação penal para que  haja a persecução penal do Estado em face dos fatos tidos por delitivos.

Por sua vez, o art. 10, da Lei Complementar n.º 75/93, diz que a “prisão de qualquer pessoa, por parte de autoridade federal ou do Distrito Federal e Territórios, deverá ser comunicada imediatamente ao Ministério Público competente, com indicação do lugar onde se encontra o preso e cópia dos documentos comprobatórios da legalidade da prisão”.

Vale ressaltar que este dispositivo está contido em uma legislação que trata da organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União, não se aplicando ao Ministério Público estadual, embora o art. 80, da Lei n.º 8.625/93 diga que a Lei Complementar n.º 75/93 lhe seja aplicável de forma subsidiária.

Isso porque a primeira parte do art. 10 supracitado se reporta à prisão efetuada por autoridade federal. Assim, entendemos que tal dispositivo não se aplica à autoridade policial estadual.

4.3. Limites previstos pela Lei n.º 8.625/93.

Dado diploma legal institui a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, e dispõe sobre normas gerais para a organização do Ministério Público dos Estados, também traz no seu texto algumas formas de controle externo exercido por aquele órgão em função da atividade de Polícia Judiciária.

É de se salientar que as regras referentes ao Ministério Público da União são aplicáveis, subsidiariamente, aos Ministérios Públicos dos Estados, consoante regra do art. 80 da Lei n.º 8625/93.

 De outra parte, a Lei n.º 8625/93, prevê, já no art. 10, dentre as competências do Procurador-Geral de Justiça, designar membros do Ministério Público para “acompanhar inquérito policial ou diligência investigatória, devendo recair a escolha sobre membro do Ministério Público com atribuição para, em tese, oficiar no feito, segundo as regras ordinárias de distribuição de serviços” - inc. IX, “e”.

A mesma legislação ordinária dispõe que no exercício de suas funções, poderá o representante do Ministério Público “requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial e inquérito policial militar, observado o disposto no art. 129, VIII, da Constituição Federal, podendo acompanhá-los” - art. 26, inc. IV. Ainda, diz que constituem prerrogativas dos membros do Ministério Público, no exercício de suas funções, “ingressar e transitar livremente” nas “delegacias de polícia”, conforme previsão do art. 41, inc. VI, “b”.

É preciso esclarecer, valendo-se de uma hermenêutica sistemática, que no caso do Ministério Público vir a requisitar diligências investigativas à autoridade policial, faz-se necessário que estas sejam devidamente fundamentadas, ou seja, devem ser específicas e imprescindíveis para o oferecimento da denúncia pelo Douto Parquet, não se aceitando requisições de diligências genéricas e sem qualquer fundamento jurídico, sob pena de haver patente contrariedade ao que dispõe a Constituição Federal, em seu art. 129, inciso VIII, e o Código de Processo Penal, em seu art. 16.

Por outro prisma, a requisição do Ministério Público para a instauração de inquérito policial, somente pode se dar nos casos de crimes que ensejam a persecução penal do Estado por meio de ação penal pública, já que quando se tratar de delitos cuja persecução estatal seja por meio de ação penal privada, a titularidade de tal ação passa para a pessoa da vítima ou de seu representante legal, não podendo o órgão ministerial, nesse caso, efetuar requisição ao Delegado para a instauração de inquérito policial.

Dessa forma, na situação dessa última hipótese, apenas à vítima ou seu representante legal é que podem requerer à autoridade policial a abertura de procedimento inquisitorial para a apuração do fato delitivo.

É necessário se ressaltar ainda o seguinte: o crime de ação penal pública pode ser de natureza incondicionada ou condicionada. No primeiro caso a autoridade policial pode iniciar a instauração do inquérito policial de ofício, ou seja, sem provocação, seja do Estado-Juiz ou do Ministério Público ou mediante requisições destes. Já na segunda hipótese a autoridade policial depende para a abertura do procedimento administrativo investigativo de requisição, seja da vítima ou do seu representante legal, ou até mesmo do Ministro da Justiça em casos específicos delineados na lei material penal. No entanto, em se tratando de delito de ação penal privada, o Delegado somente pode proceder à instauração do caderno investigativo mediante requerimento da própria vítima ou de seu representante legal, ressalvados, outrossim, os casos de ação penal privada exclusiva, em que apenas a vítima pode requerer a abertura de inquérito policial.

4.4. Limites previstos na Resolução n.º 20/2007 – CNMP

Esta Resolução regulamenta o art. 9º da Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993 e o art. 80 da Lei nº 8.625, de 12 de fevereiro de 1993, disciplinando, no âmbito do Ministério Público, o controle externo da atividade policial.

Dada resolução é constituída por oito artigos, que trazem no seu bojo, por exemplo, o apontamento de quais instituições policiais estão sujeitas a esse controle, seus objetivos, o seu rol para esse exercício, entre outros.

Com a edição da Lei n. 8.625/93 e, especialmente, da Lei Complemen­tar n. 75/2003, que se refere à primeira, não poderia mais haver qualquer dúvida acerca da regulação legal do controle externo da atividade policial – em que pesem algumas vozes em contrário –, porquanto os mecanis­mos hábeis à realização desse dever constitucional foram ali previstos e disciplinados (arts. 9º e 10).

Não obstante a isso, o Conselho Nacional do Ministério Público também dis­pôs a respeito da matéria, fazendo-o por meio da Resolução n.º 20/2007 do CNMP.

Importante salientar que, embora os mecanismos necessários ao pleno exercício do controle externo da atividade policial já estivessem à dis­posição dos membros do Ministério Público, ainda havia empecilhos à efetivação desse dever, muitas vezes por dificuldades na identificação, no caso concreto, das providências que poderiam ou deveriam ser adotadas com vistas à ampla implementação dessa atividade em âmbito nacional e de forma continuada. Lembre-se, inclusive, que considerável parcela dos Ministérios Públicos não dispunha de atos internos que regulassem a matéria e se prestassem como um roteiro hábil a autorizar o exercício mais completo e uniforme do controle externo da atividade policial.

Estes, provavelmente, podem ser destacados como as principais metas da regulamentação da matéria no âmbito do Ministério Público: identificar claramente os objetivos do controle externo da atividade policial (art. 2º da Res. n.º 20), relacionar os documentos referentes à atividade-fim da polícia merecedores de análise por parte dos membros do Ministério Público incumbidos, de qualquer modo, desse dever (art. 4º, II, III, IV, VIII e art. 5º, II e VIII) e elencar outras providências a serem adotadas durante as atividades de controle externo (art. 4º, I, VI, VII, IX e art. 5º, I, III, IV, V, VI, VII).

O resultado pretendido seria, assim, fornecer aos representantes do Ministério Público as ferramentas necessárias para, no âmbito da ati­vidade-fim da polícia, examinar documentos, materiais e instalações, aferir rotinas e procedimentos, certificando à sociedade o cumprimen­to, pelos organismos policiais, de seus afazeres com retidão e eficiência, sem prejuízo do absoluto respeito aos direitos e garantias inerentes ao Estado Democrático.

Merece menção, ademais, que a resolução em comento foi fustigada pe­rante o Supremo Tribunal Federal, por meio da ADIn. 4220, não sendo conhecida pelo Colendo Tribunal porquanto, na expressão do Eminente Ministro Eros Grau,  por tratar-se de ato de índole regulamentar, atrelado aos dispositivos legais que já disciplinam satisfatoriamente a matéria, não havendo inovação justamente porque os mecanismos primordiais para o exercício do controle externo da atividade policial são extraídos dos artigos 8º a 10 da Lei Complementar n. 75/93, que se referem, por seu turno, ao artigo 80 da Lei n. 8.625/93.

O entendimento do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que as competências do Conselho Nacional do Ministério Público foram delimitadas pela Constituição, Emenda Constitucional nº [45]/2004, destacando-se o "controle da atuação administrativa e financeira do Ministério Público e do cumprimento dos deveres funcionais de seus membros" (art. 130-A, § 2º). Desses comandos constitucionais que cuidam das competências do CNMP - art. 130-A, § 2º e incisos I a V - não consta qualquer autorização que permita a normatização do controle externo da atividade policial, o que, por si só, revela a inconstitucionalidade de o CNMP editar a Resolução nº [20]/2007 para tal fim.

4.5. Limites impostos pelo Código de Processo Penal

 Esta norma adjetiva traz alguns dispositivos que retratam o exercício e o limite do controle externo do Ministério Público, a exemplo do seu art. 5º, inciso II, e art. 16 ora copilados:

“Art. 5o  Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado:

(...);

II - mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo.

Art. 16.  O Ministério Público não poderá requerer a devolução do inquérito à autoridade policial, senão para novas diligências, imprescindíveis ao oferecimento da denúncia.”

De acordo com o artigo 5º, inciso II, não se pode olvidar que também cabe ao Ministério Público, nas hipóteses de ocorrência de crimes de ação penal pública, requisitar à autoridade policial a abertura do devido inquérito, a fim de se colher as provas e os indícios de autoria necessários à persecução penal estatal.

Por outro prisma, o artigo 16 neste texto colacionado deixa claro que o Ministério Público somente pode requerer a baixa dos autos do inquérito à autoridade policial para novas diligências, quando estas forem imprescindíveis para o próprio oferecimento da denúncia. E aqui vale ressaltar, que é preciso que o representante ministerial deva especificar a natureza da diligência por ele requerida.

É bom que se diga também que não há relação hierárquica entre a polícia judiciária e o Ministério Público. A autoridade policial, ao cumprir uma dada requisição ministerial, está apenas obedecendo aos ditames legais.

Nessa esteira, para Higuchi Júnior[12], não é intuito do legislador criar hierarquia ou disciplina administrativa, de forma a subordinar a autoridade policial ao Ministério Público.  Assim, o controle externo não importa poder disciplinar algum do Douto Parquet sobre a polícia. Na área funcional, se o promotor de justiça verificar a ocorrência de quaisquer faltas disciplinares, tendo esse órgão ministerial atribuições de controle externo – forma irrecusável de correição sobre a polícia judiciária –, há de dirigir-se aos superiores hierárquicos do funcionário público faltoso.

Portanto, vem a disposição transcrita trazer, em outras palavras, o entendimento de que o controle externo das atividades policiais não significa a condução da investigação nos procedimentos policiais.

5. Considerações finais

Concluindo, o controle externo da atividade policial pelo Ministério Público é instituto que configura parte fundamental da nova leitura paradigmática do princípio constitucional da divisão de poderes – em face ao sistema de freios e contrapesos. Como tal, e sendo funções constitucionais e inafastáveis do Ministério Público a defesa do regime democrático e das garantias fundamentais, o controle externo constitui mesmo um dever institucional e não mera faculdade ou liberalidade conferida ao Parquet.

Como dever do Ministério Público, o controle externo possui delimitação rígida, sem a qual haveria o risco do instituto ferir o próprio princípio que lhe dá base, subordinando inconstitucionalmente a polícia ao Parquet. Encontramos tal delimitação através de uma interpretação sistemática do instituto que nos levou a verificar o locus de sua atuação nas atividades-fim da polícia judiciária (ou nas atividades de mesma natureza da polícia ostensiva) e não com relação à qualidade do agente. Porém, devido ao papel fundamental do órgão ministerial na defesa dos direitos fundamentais, o controle externo também abarcaria os abusos, desde que guardassem relação direta ou influência negativa nas atividades-fim da polícia – sem os quais, o abuso estaria fora da abrangência do controle externo, mas (se constituísse infração penal) ainda estaria sob atuação do Ministério Público, como dominus litis da ação penal.

Por fim, cabe ressaltar que o sistema constitucional, como lembra Marques[13], é de “mútuo contraste e vigilância”, sendo os poderes independentes enquanto adstritos à legalidade, de modo que qualquer exorbitância na atuação ativa a censura e correção de outros, sem que isso signifique ingerência interna, como no caso do controle externo pelo Parquet, “mas sim a prática de atos administrativos pelo Ministério Público, de forma a possibilitar a efetividade dos direitos fundamentais da pessoa asseguradas na carta de 1988” [indicar autor, ano e p. dessa citação].

O texto também deixa límpido que não é intuito do legislador criar hierarquia ou disciplina administrativa, de forma a subordinar a autoridade policial ao Ministério Público.  Assim, o controle externo não importa poder disciplinar algum do Ministério Público sobre a polícia. Na área funcional, se o promotor de justiça verificar a ocorrência de quaisquer faltas disciplinares, tendo esse órgão ministerial atribuições de controle externo – forma irrecusável de correição sobre a polícia judiciária –, há de dirigir-se aos superiores hierárquicos do funcionário público faltoso.

Segundo João Ricardo Carvalho de Souza[14], diante desses fatos pode-se concluir que, em termos legislativos, não há o que se acrescentar. As normas legais já existentes atendem plenamente ao objetivo de estabelecimento de um controle externo da atividade policial pelo Ministério Público. A sua implementação não se verifica em razão de ausência de normas regulamentadoras, dependendo exclusivamente de um posicionamento pró-ativo do próprio Ministério Público e dos Governos Estaduais.

 Para Vladimir Aras[15] o problema não é de lei ou de falta dela. Há normatização suficiente sobre o controle externo, cuja finalidade é o aperfeiçoamento da persecução criminal e da segurança pública em benefício da sociedade. Quem pode ser contra isto? Portanto, o problema está no relacionamento entre as instâncias envolvidas. Membros do Ministério Público e policiais têm um histórico conflituoso, que, em larga medida, interfere negativamente no desempenho das duas instituições. Isto não é bom. Mas uma coisa é certa. Não pode haver poder sem controle, como num “Estado Policial”. Se a Constituição quis submeter a Polícia ao controle externo do Ministério Público (art. 129, VII), a mesma Constituição submeteu o Ministério Público ao controle externo do CNMP (art. 130-A).  Le pouvoir arrête le pouvoirE isto é bom.

Dos elementos apresentados no desenvolvimento desse estudo podemos, em síntese, afirmar o seguinte:

a) o controle a ser exercido sobre os órgãos policiais pode ser de duas naturezas: interno e externo;

b) o controle interno tem se mostrado a mais eficiente forma de controle dos organismos policiais, mas sofre um grave problema que é a interferência do espírito corporativo sobre as apurações e as decisões proferidas;

c) o controle externo pode ser exercido pelo Legislativo, pelo Ministério Público, pelo Judiciário, ou pela sociedade;

d) o controle externo não apresenta a mesma possibilidade de eficácia e eficiência, uma vez que pode ser exercido por pessoas não conhecedoras em profundidade do dia-a-dia da atividade policial, assim como é dependente, mais das vezes, de dados e provas que são obtidas pelos próprios policiais, que são colegas de profissão daqueles que são o alvo das investigações;

e) apesar da possibilidade de menor eficácia, o controle externo é importante para complementar o controle interno, sendo indispensável a sua existência;

f) no Brasil, existem o controle interno, exercido pelas Corregedorias de Polícia, e o controle externo, exercido pelo Legislativo, pelo Ministério Público, pelo Judiciário e pela Sociedade;

g) a principal crítica a ser feita ao controle interno no Brasil é a mesma que se pode fazer na maioria dos países onde ela existe - a forte influência do corporativismo e a ausência de transparência dos processos administrativos de apuração de denúncias contra policiais.

Assim sendo, apesar de toda crítica que se faz ao controle externo exercido pelo Ministério Público em face da atividade de polícia judiciária, aquele é necessário, não constituindo mera liberalidade do Douto Parquet. Muito pelo contrário, este tem a incumbência constitucional e legal para o efetivo exercício do referido controle, devendo, entretanto, pautar-se para tal mister, nos limites normativos que lhe são impostos.

Por derradeiro, é necessário frisar que o Ministério Público não detém o exercício do controle externo de forma ilimitada, devendo exercê-lo com responsabilidade, de forma a garantir a manutenção do Estado Democrático de Direito e dos direitos e garantias fundamentais individuais, fiscalizando a atividade-fim da polícia judiciária sem nenhuma intromissão de cunho interno, que diz respeito apenas à própria instituição policial.

ABSTRACT

The aim of this article was to consider the exercise of external control exerted by the Federal Prosecutor on the core business of the Judicial Police. After setting the initial premises, it will discuss the constitutional and legal limits of that control, making an analysis of such regulatory instruments, using a literal, systematic and critical hermeneutic on both. Finally, it is emphasize the importance of the performance of the external control for the maintenance of the democratic rule of law and basic rights and individual guarantees.

KEYWORDS: External Control; Federal Prosecutor;,Judicial Police.

REFERÊNCIAS

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[1] Graduado em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Especialista em Direito Penal e Processual Penal da UEPB. Delegado de Polícia Civil. Coordenador da Assessoria Jurídica da Secretaria de Estado da Segurança ee da Defesa Social da Paraíba. [email protected]

[2] LOPES MEIRELLES, Hely (in Direito Administrativo, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 562).

[3] DE SOUZA, João Ricardo CarvalhoControle externo da atividade policial.  Jun. 2001. Acesso em 12 abr. 2013.

[4] SOUZA, Renato Vieira de. O controle da polícia no Brasil: uma introdução ao controle científico da polícia. Disponível em: http://www.mp.pe.gov.br/uploads/hhIUhG8JwhaKtX61hZnGRg/ygNpScP2laWuk-ifmy_70Q/CEAP_-_Renato_Vieira_de_Souza.pdf. Acesso em: 21 mar. 2013.

[5] FONTANELLA, RicardoControle externo da atividade policial. Disponível em: http://www.mprr.mp.br/Intranet/pageDirectory/artigos/controleexterno.pdf. Acesso em 10 abr. 2013.

[6] DALLAGNOL, Deltan Martinazzo. Controle externo da atividade policial: panorama, problemas e perspectivas. Disponível em: http://gceap.prpr.mpf.gov.br/artigos/Artigo_problemas%20e%20perspectivas%20do%20controle%20externo%20da%20ativid.pdf. Acesso em 16 mar. 2013.

[7] MARQUES, Carlos Alexandre. Controle externo da atividade policial: natureza e mecanismos de exercício. Jun. 2000. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/1598.  Acesso em: 17 mar. 2013.

[8] JÚNIOR, Mário Konichi Higuchi. O controle externo da atividade policial pelo Ministério Público: extensão e delimitação do preceito constitucional. Disponível em: http://www.mp.mg.gov.br/portal/public/interno/.../id/4256v. Acesso em 15 mar. 2013.

[9] MARQUES, Carlos Alexandre. Controle externo da atividade policial: natureza e mecanismos de exercício. Jun. 2000. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/1598.  Acesso em: 17 mar. 2013.

[10] JÚNIOR, Mário Konichi Higuchi. O controle externo da atividade policial pelo Ministério Público: extensão e delimitação do preceito constitucional. Disponível em: http://www.mp.mg.gov.br/portal/public/interno/.../id/4256v. Acesso em 15 mar. 2013.

[11] DE MAGALHÃES, Roberto Barcellos. Comentários à Constituição Federal de 1998. Vol. 2. Ed. Liber Juris. Rio de Janeiro. 1993.

[12] JÚNIOR, Mário Konichi Higuchi. O controle externo da atividade policial pelo Ministério Público: extensão e delimitação do preceito constitucional. Disponível em: http://www.mp.mg.gov.br/portal/public/interno/.../id/4256v. Acesso em 15 mar. 2013.

[13] MARQUES, Carlos Alexandre. Controle externo da atividade policial: natureza e mecanismos de exercício. Jun. 2000. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/1598.  Acesso em: 17 mar. 2013.

[14] DE SOUZA, João Ricardo CarvalhoControle externo da atividade policial.  Jun. 2001. Acesso em 12 abr. 2013.

[15] ARAS, VladimirControle externo: o pomo da discórdia. 19 fev. 2010. Acesso em  07abril 2013.


Autor

  • Flavio Craveiro

    Formado pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará (2002). Especialista em D. Penal e D. Processual Penal pela Universidade Estadual da Paraíba. Professor em vários cursos preparatórios para concursos públicos no Estado do Ceará (2002-2004) e da Paraíba (2004-2008). Delegado de Polícia Civil do Estado da Paraíba desde 2004. Atualmente exerce o cargo de Coordenador da Assessoria Jurídica da Secretaria de Estado da Segurança e da Defesa Social da Paraíba.

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