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A prevenção e solução de litígios internacionais no direito penal internacional

fundamentos, histórico e estabelecimento de uma corte penal internacional (Tratado de Roma, 1998)

A prevenção e solução de litígios internacionais no direito penal internacional: fundamentos, histórico e estabelecimento de uma corte penal internacional (Tratado de Roma, 1998)

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Sumário: I-Introdução; II- Jurisdição e competência internacionais como elementos costitutivos da soberania e dirimentes de litígios internacionais, 1.Os limites da jurisdição internacional dos Estados- conceitos gerais, 2.A competência extraterritorial dos Estados, (i) O princípio da nacionalidade. ii) O princípio da segurança. nacional. iii) O princípio da universalidade. iv) O princípio da universalidade. v) princípio da territorialidade subjetiva e objetiva. vi) O princípio da personalidade passiva.) 3.A busca da efetividade das decisões nacionais criminais em território estrangeiro.; III- Base para o estabelecimento de uma corte penal internacional; 1. O problema de um direito penal internacional.2. Terminologia, distinção, posição e conteúdo do direito penal internacional. 3. Delitos comuns atentatórios de interesses dos Estados (crimes internacionais).IV- O tratado de Roma de 1998 e a corte penal internacional, 1. Introdução à história de estabelecimento de uma corte penal internacional. 2. A Corte Penal Internacional: Tratado de Roma de 1998, 3. O Estatuto da Corte Penal Internacional de Roma. 3.1. Características gerais da Corte. 3.2. Vítimas e acusados. 3.3. Crimes internacionais objetos de jurisdição da Corte. 3.4. Jurisdição ratione temporis. A regra do ne bis in idem e os princípios gerais de direito penal. 3.5. Excludentes de responsabilidade penal. Erro de fato e erro de direito. Cumprimento de ordens de governo e de superiores. 3.6. Administração. 3.7. Pré-julgamento, prisão preventiva e julgamento perante a Câmara de Julgamento. 3.8. Penas e execução. 3.9. Solução de controvérsias no âmbito da Corte. 3.10. Disposições gerais atinentes ao processo de conclusão dos tratados internacionais.; V- Conclusões.


Capítulo I: Introdução

As questões envolvendo o direito penal internacional estão se tornando cada vez mais importantes em matéria de prevenção e solução de litígios internacionais. De uma forma cada vez mais intensa, pesquisadores de diversas áreas, mesmo aquelas não diretamente afetas ao direito ou ao direito internacional, vêm percebendo a necessidade de se ponderar sobre antigos problemas políticos e sociais, tais como segurança pública, sob perspectivas mais especializadas. A interdisciplinariedade, indipensável para o pensamento do mundo contemporâneo, exige do pesquisador, do político, do próprio Estado, o lançar mão de "novos" conceitos de "velhas" disciplinas para equacionar problemas que afetam não mais o Estado ou o indivíduo de forma isolada, mas problemas cujos efeitos se projetam além fronteiras e cuja solução deve, portanto, ser pensada de forma igualmente extraterritorial.

Há algum tempo, as fronteiras físicas entre Estados deixaram de ser barreiras efetivas contra os efeitos de atos praticados no Estado vizinho - atos lícitos ou ilícitos, civis ou penais. Nesta perspectiva, em matéria de direito penal, a solução de litígios entre particulares de um e outro Estado, com o tempo, passou a integrar a própria política internacional dos Estados. A jurisdição internacional, limitada pela competência internacional, passou a ser um instrumento de ampliação da soberania interna do Estado e, por consequência, também um instrumento de política internacional, incrementando sensivelmente o número e diversificando a natureza dos litígios internacionais.

Litígios, nos dizeres de CHIOVENDA, são "conflitos de interesses"; para HOBBES [1], podem ser também considerados como litígios a simples ameaça de conflito, ainda que este jamais venha a ocorrer. Para Francesco CARNELUTTI, citado por Vicente GRECO Filho, "Há conflito entre dois interesses quando a situação favorável para a satisfação de uma necessidade exclui a situação favorável para a satisfação de uma necessidade diversa." [2]. De qualquer forma, tem-se o litígio no "interesse" dos sujeitos, independentemente da resistência de outrem [3].

No âmbito do direito interno, os sujeitos envolvidos nos litígios são três: o devedor, o credor e o Estado, ao passo que se têm somente dois focos de interesses envolvidos - o primeiro na relação credor-devedor, consubstanciado no interesse de recomposição dos danos causados (interesse privado); o segundo, na relação Estado-devedor, voltado à defesa do interesse público de preservação do estado de Direito, da segurança pública e bem-estar coletivo.

No âmbito do direito internacional, predomina o interesse público sobre o privado, característica que não exclui da apreciação da lei internacional relevantes questões atinentes aos direitos dos indivíduos, as quais recebem tratamento indireto, portanto por via reflexa, através da atuação dos Estados na ordem internacional, que cuidam de representar diplomaticamente os mais legítimos interesses do indivíduos enquanto não-sujeitos de direito internacional. No entanto, em algumas situações especiais definidas no direito internacional, reconhece-se no indivíduo personalidade e capacidade internacional e, por conseguinte, exigem-se requisitos para sua atuação como sujeito de direito internacional. Isto porque o direito internacional foi criado por Estados e dirigido à regulamentação das relações entre Estados soberanos, os quais, no exercício desta soberania interna, cuidam de regular as relações de seus nacionais.

Diz-se, então, que o indivíduo sempre foi concebido como objeto de tutela do Estado, razão pela qual não pode atuar interna ou externamente com plena capacidade e personalidade senão nos limites traçados pelo Estado. Equivocada assertiva! De modo bastante claro, vê-se que o indivíduo e o Estado são as figuras mais importantes a serem consideradas neste nossos estudo. O indivíduo como sujeito ativo e passivo de crimes; o Estado como persecutor e punidor destes atos criminosos.

Diferentemente do direito interno, no direito internacional Estado e indivíduo podem ser sujeitos de direitos, proposição que nos obriga a investigar a capacidade e personalidade destes entes, antes de reconhecer-lhes a legitimidade postulatória de direitos. Na relação de direito interno, capacidade e personalidade são regras claramente postas pelas leis do Estado. Se não se adequam os indivíduos às prescrições legais, não lhes é reconhecida legitimidade postulatória. No direito internacional, os requisitos da legitimidade postulatória não se reportam ao direito interno dos Estados. Será sujeito de direitos internacionais todo aquele que for destinatário direto da norma internacional, não importando se o destinatário é ou não capaz em relação à lei de seu Estado de origem [4].

Consequência direta desta regra, expressamente reconhecida no artigo 27 do Estatuto de Roma da Corte Penal Internacional [5], é o não reconhecimento dos indivíduos como sujeitos de direito em relação ao direito penal internacional, contrariamente ao seu amplo reconhecimento no âmbito do direito internacional penal [6], distinção doutrinária que nada influi na qualidade e quantidade de litígios cujos efeitos se espraiam da esfera interna para a internacional. Neste artigo, dirigido à análise da Corte Penal Internacional, portanto ao tratamento jurídico internacional dos crimes internacionais e do direito penal internacional, não cuidaremos dos ilícitos próprios ao direito internacional penal.

Para tanto, cuidamos de dividir este estudo em cinco capítulos: I - Introdução; II - Jurisdição e competência internacionais como elementos constitutivos da soberania e dirimentes de litígios internacionais; III - Bases para o estabelecimento de uma corte penal internacional: o direito penal internacional; IV - O Tratado de Roma de 1998 e a Corte Penal Internacional; e V - Conclusões.

No capítulo destinado ao estudo da jurisdição e competência internacionais como elementos constitutivos da soberania e dirimentes de litígios internacionais, cuidaremos de analisar as bases sobre as quais se apóia o direito internacional, com destaque ao direito penal internacional e seus limites. No capítulo terceiro, socorrendo aos fundamentos lançados no capítulo anterior, debruçar-nos-emos sobre os fundamentos para o estabelecimento de uma corte penal internacional, a partir do estudo da terminologia, distinção, objeto e conteúdo do direito penal internacional. Finalmente, no último capítulo, faremos um breve exposição sobre a história e os fundamentos do Tratado de Roma de 1998, com especial atenção ao Estatuto da Corte Penal Internacional.


Capítulo II: Jurisdição e competência internacionais como elementos constitutivos da soberania e dirimentes de litígios internacionais

A jurisdição e a competência internacionais dos Estados são elementos que compõem o moderno conceito de soberania do Estado, o qual vem sendo gradativamente erigido sob a perspectiva internacionalista de que os Estados, na ordem internacional, relacionam-se sob um regime de cooperação, não de subordinação, razão pela qual se pode afirmar que a soberania de um Estado não é absoluta, mas limitada na própria soberania dos demais Estados e nas normas de direito internacional [7].

A despeito da simplicidade do enunciado da regra, muitas são as divergências quanto à sua aplicação e abrangência, sejam elas consideradas na esfera internacional (cortes internacionais), seja na interna (tribunais nacionais).

Se uma decisão é tomada numa corte internacional ou organização internacional, nenhum esforço requer a percepção de seus efeitos extraterritoriais para um e outro Estado querelante. Por outro lado, se a decisão é tomada por um tribunal interno, idêntico efeito extraterritorial pode aflorar, atingindo pessoas, coisas e fatos situados noutro território.

O poder jurisdicional é do Estado e ligado diretamente ao exercício de sua soberania. Internamente, pode o Estado dispor de forma absoluta quanto à organização e administração de seus Poderes. Na ordem internacional, estes Poderes corporificam-se na forma indivisa de "Estado", que exerce seu poder jurisdicional através da atuação conjunta de todos os seus Poderes internos. Assim, são atos de jurisdição internacional do Estado não somente os atos Judiciários, mas também os Legilativos e Executivos, pois todos estes, em conjunto, representam um único Estado, uma única soberania. No limite da jurisdição internacional atua a competência internacional. Portanto, é a competência internacional que limita a soberania de um Estado.

Pensando o mundo moderno, vê-se que os choques de interesses nas duas esferas de relacionamento (indivíduo-Estado e indivíduo-indivíduo) vêm se multiplicando exponencialmente, em total descompasso com o estabelecimento de instrumentos eficazes para prevenção e solução destes conflitos de interesse, aos quais se denominou-se de "litígios". Assim, divergências em matéria de jurisdição e competência internacionais, atinentes aos efeitos extraterritoriais das decisões dos Estados ou de órgãos internacionais, tendem a se tornar cada vez mais frequentes, como também são mais frequentes o socorro às mais variadas formas de solução de litígios, tal como a arbitragem ou a submissão do caso à jurisdição de uma corte internacional.

Deste modo, é de se considerar que discorrer sobre "prevenção" de litígios é mero exercício de retórica. Se existe um interesse resistido, existe litígio. Se não existe litígio nem ameaça a interesses (potencial confronto), não há que se falar em prevenção. Daí a distinção adotada sobre litígio: é conflito ou simples ameaça de interesses, independentemente de oposição.

Por estas razões, ainda que pensados de forma cartesiana, nos limites de regras e das formas de solução de controvérsias, os litígios são inevitáveis. Os conflitos de interesse não se reprimem pela simples existência de leis ou dos mais eficientes sistemas de solução de controvérsias, pois mesmo após a decisão jurisdicional permanece uma das partes irresignada, vencida em sua pretensão.

A competência internacional, limitadora da jurisdição e soberania internacionais, surge neste panorama de inevitáveis choques de interesses como indicadores das regras a serem aplicadas para a "ideal" composição do litígio. O produto do exercício da competência internacional são decisões (internas ou internacionais) cujos efeitos extraterritoriais dependem de efetividade para serem eficazes. Sem efetividade, as decisões sobre litígios perdem-se no vazio, perpetuando-se o litígio.

Para melhor compreensão destas idéias, dividir-se-á este capítulo em quatro títulos. No primeiro título far-se-á a análise dos limites da jurisdição internacional dos Estados, permeada por breves notas sobre os fundamentos políticos [8] que os inspiraram. O segundo título tratará da competência internacional dos Estados e suas limitações no direito internacional. No terceiro título, tratar-se-á da busca da efetividade das decisões penais nacionais em território estrangeiro, título introdutório ao estudo do direito penal internacional, a ser apresentado no capítulo seguinte.

1. Os limites da jurisdição internacional dos Estados - conceitos gerais.

Seria de bom alvitre iniciar a exposição com a determinação de um conceito de "jurisdição internacional". A maioria dos leitores fixaria o conceito e procuraria adequar neste cada idéia inserta no texto. Não é isto que se deseja, pois, diferentemente das ciências exatas, onde os conceitos ou teoremas são verdades absolutas e universais que se explicam em si mesmas, os conceitos nas ciências humanas são asserções tão relativas que já nascem fadados à própria extemporaneidade.

Mesmo assim, a técnica exige que se determine um conceito para justificar a tese defendida. Assim, a primeira advertência que se faz para elaboração de um conceito em direito internacional, tal como o conceito de "jurisdição internacional" é deixar de lado o plano e os paradigmas do direito interno, onde a jurisdição está vinculada a um elemento essencialmente territorial e competência representa a delimitação do exercício desta jurisdição, seja em razão do valor e da matéria, da função ou do território [9]. No plano do direito internacional, jurisdição e competência fundem-se num único conceito.

No plano internacional, os Estados não estão subordinados num ordenamento horizontal [10], não há hierarquia, portanto não há "poder". Há, sim, a harmonização natural de poderes, no que se pode denominar de "pacto de soberanias", onde nenhum Estado deixa de ser mais ou menos soberano ao permitir que decisões estrangeiras produzam efeitos em seus territórios, já que o próprio ato permissivo é um exercício de soberania. Tem-se, portanto, um arranjo horizontal que possibilita ao Estado exercer seu poder jurisdicional além de suas fronteiras, sem ferir prerrogativas de outros Estados.

A realização deste "pacto de soberanias" dá-se através de técnicas que visam delimitar os contornos da competência legal internacional dos Estados. Estas técnicas, na visão de FALK, denominam-se jurisdição internacional [11].

Ao nosso ver, jurisdição internacional é uma prerrogativa estatal atribuída pelo ordenamento internacional que permite aos Estados estender seu controle sobre pessoas, recursos e eventos ocorridos fora de seu território. Depreende-se do "conceito" que as regras de exercício de jurisdição internacional do Estado, embora ditadas pelo seu ordenamento interno, são limitadas pela ordem internacional [12].

No entanto, a ordem jurídica internacional é descentralizada, carente de instituições de interpretação imparcial de leis e de força para impor autoridade quanto aos limites da competência estatal. Fora do restrito universo das integrações regionais mais complexas, tais como uma Comunidade Européia ou uma Integração Econômica Total [13], o Estado ainda é tradicionalmente visto como centro de autoridade, o que faz da reciprocidade um importante elemento de estabilidade das relações entre os Estados, especialmente em se tratando de execuções de julgados estrangeiros em matéria penal.

Neste contexto, a solução de controvérsias internacionais, através da delimitação da competência legal internacional dos Estados, está nos arranjos horizontais, ou seja, nos tratados internacionais de direito material e especialmente de execução de julgados estrangeiros, já que, na essência, o ordenamento jurídico internacional é resultado de um arranjo horizontal. Um arranjo coordenativo garante que, dentro dos limites traçados nos tratados, o Estado conserve sua soberania (o que reforça a idéia de que a soberania não é um conceito de ordem interna, mas internacional) [14]. Isto significa que é a lei internacional que autoriza o Estado a exercer jurisdição sobre qualquer ato que não esteja sob expressa proibição da lei internacional [15].

Embora se fale sobre regras internacionais que limitam a competência legal internacional do Estado, a princípio, todo Estado é livre para definir sua competência internacional, na qual se inserem todas e quaisquer formas ou regras de solução de litígios.

A primeira regra limitadora desta competência é ditada pelo art. 2º da Carta das Nações Unidas, que reconhece a jurisdição territorial interna como absoluta. Uma segunda regra expressa a idéia de equipotência dos Estados: a jurisdição internacional externa é concorrente. Finalmente, uma terceira regra diz que um Estado não pode exercer sua jurisdição dentro do território de outro Estado, como consequência da exclusividade da competência territorial [16]

A partir destas regras verificam-se duas situações distintas: a primeira do Estado que evoca a competência internacional para julgar determinado caso; a segunda, do Estado que pretende fazer cumprir sua decisão em território estrangeiro.

Na primeira situação ocorre o típico conflito de competência internacional, no qual se discute qual Estado julgará o caso. Na solução do conflito está intrínseca a resposta sobre a execução do julgado, seja no território A, seja no B. Esta decisão se faz com base em princípios de direito internacional.

Já na segunda situação, não é o conflito de competência internacional o cerne da lide, mas a pretensão de um Estado de fazer executar sua decisão em território estrangeiro. A solução para a questão, de acordo com as mencionadas regras internacionais, parte do princípio de que a violação da jurisdição interna de um Estado somente se dá via consentimento (lei interna) ou por tratado internacional [17], pois o caráter absoluto da competência territorial para atos realizados em território nacional é indiscutível.

2. A competência extraterritorial dos Estados.

No título anterior, verificou-se, em duas situações bem distintas, os limites internos e externos da jurisdição internacional dos Estados. Ao lado da jurisdição internacional [18], constatou-se que a regra de competência internacional é, na verdade, o elemento que traz a matéria sub judice para a injunção jurisdicional interna do Estado. Neste título, sob a perspectiva que se vem traçando, cuidaremos da competência internacional dos estados e dos efeitos extraterritoriais de normas nacionais.

A pesquisa a mais de duas dezenas de julgados da Suprema Corte dos Estados Unidos, da Corte Permanente de Justiça Internacional e Corte Internacional de Justiça permitiu concluir que, somente a partir da segunda década do Século XX, o termo Law of Nations, utilizado como representativo de um ordenamento internacional costumeiro, foi substituído pelo termo International Law, que consagra um ordenamento internacional, positivado nas diversas convenções internacionais que passavam a surgir em maior número e abrangendo um número mais significativo de matérias.

Historicamente, em 1917 sobreveio a Primeira Guerra Mundial, cuja influência direta sobre a América e Europa mudaram definitivamente o pensamento do mundo moderno. Até então, as revoluções ficavam restritas aos territórios e seus efeitos irradiavam indiretamente através de pensadores que sempre adicionavam ao contexto e às idéias revolucionárias sua própria ideologia. Assim ocorreu em todo o mundo moderno com relação aos ideias liberais preconizados na Independência dos Estados Unidos (1776) e na Revolução Francesa (1789).

Este pensamento moderno do mundo pós-Primeira Guerra, fez fixar regras mais concretas de direito internacional (International Law), especialmente no que se referia a aplicação extraterritorial de leis nacionais, hoje o centro das controvérsias internacionais no âmbito do direito penal internacional.

Nos Estados Unidos, a aplicação de leis nacionais com efeitos extraterritoriais, bem como o reconhecimento da jurisdição internacional de outros Estados, sempre foi uma questão tratada de forma mais política e menos jurídica, de firmação de sua independência política [19].

A resposta da Comunidade Internacional (leia-se do Mundo Europeu) para a instabilidade das decisões americanas veio em 1927, através da Corte Permanente de Justiça Internacional, no julgamento do caso Lotus [20], um caso de direito penal internacional no qual se reconheceu como legítima a ampliação da jurisdição territorial turca, desde que circunscrita às regras de direito internacional. Fixava-se com maior força, através de um precedente jurisprudencial, limites legais internacionais para o exercício da jurisdição e da competência legal internacional.

Para apresentar o que a doutrina internacionalista entende como regras limitadoras da competência internacional, deve-se ter sempre em voga o conceito de jurisdição internacional proposto no primeiro título deste capítulo: jurisdição internacional é uma prerrogativa estatal atribuída pelo ordenamento internacional, que permite aos Estados estender seu controle sobre pessoas, recursos e eventos ocorridos fora de seu território). O ordenamento internacional, através de regras limitadoras da competência internacional, impõe limites legais à soberania e, consequentemente, à jurisdição internacional dos Estados.

Portanto, para solução de conflitos de soberanias equipotentes tornou-se imprescindível lançar-se mão de outros elementos que justificassem, com razoabilidade [21], a prevalência da jurisdição de um Estado sobre outro. O elemento territorial, aplicado de modo isolado, tal como faziam as Cortes norte-americanas, não respondia mais pela solução das questões que exigiam solução legal extraterritorial, sem descuidar da efetividade.

Na busca destes outros elementos limitadores da competência legal internacional, pesquisadores de Harvard Law School [22], em 1935, demonstraram que alguns princípios de direito internacional eram universalmente aceitos e até mesmo consagrados no ordenamento interno de muitos países.

Estes elementos, denominados princípios norteadores dos limites da jurisdição internacional, foram identificados como princípio da nacionalidade, princípio da segurança, princípio da universalidade, princípio da territorialidade objetiva e subjetiva e princípio da personalidade passiva. A exceção do último destes princípios, que suscita alguma controvérsia, todos os demais, como asseverado, experimentavam reconhecimento universal, especialmente em matéria penal.

Vale anotar que estes princípios não devem ser considerados isoladamente, mas em conjunto. A questão é: dirimido o conflito de competências, o Estado que a mantiver julgará o caso tal como o teria julgado o Estado que a renunciou? O objetivo de toda decisão que pretenda produzir efeitos extraterritoriais é a razoabilidade no convencimento sobre as razões de prevalecimento de uma jurisdição sobre outra, quesito de elevada importância am matéria de direito penal. Veja-se, pois, como se enunciam estes princípios.

i) O princípio da nacionalidade.

De acordo com o princípio da nacionalidade, um Estado pode exercer jurisdição sobre seus nacionais, inclusive sobre atos por praticados fora do território do Estado, regra que suscita muitos conflitos de jurisdição internacional entre os Estados. O fundamento deste princípio é a preservação de regras de direito interno, seja daquelas que garantem direitos fundamentais aos seus cidadãos, seja daquelas que tipificam condutas antijurídicas indesejáveis (crimes).

O princípio da nacionalidade sofre algumas restrições quando se trata de pessoas jurídicas, dada a diversidade de critérios de fixação de nacionalidade. A solução proposta por alguns ordenamentos, por exemplo, é buscar na nacionalidade dos controladores da pessoa jurídica o elemento que permitirá fazer incidir suas leis. Isto é o que ocorre com a aplicação extraterritorial das leis anti-monopólio dos Estados Unidos [23].

Em matéria penal, o direito brasileiro dispõe sobre a jurisdição brasileira, sem prejuízo de convenções internacionais, tratados e regras de direito internacional, ao crime ao crimes cometido em território nacional. Considera a lei nacional como local do crime o lugar "onde ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado" (art. 6º do Código Penal), ficando sujeito à lei brasileira, embora cometido no estrangeiro, os crimes elencados no art. 7º do referido Código desde que, respeitadas as exceções previstas na lei, o agente adentre em território nacional, o fato seja punível também no local do fato, estar o crime entre aqueles que o Brasil permite a extradição, não ter sido o agente absolvido ou perdoado no estrangeiro e não estar extinta a punibilidade segundo a lei mais favorável. No que se refere à extradição, a Constituição Brasileira de 1988 trata do assunto entre as cláusulas pétreas (art. 5º , LI; 60, §4º, IV), determinando que "nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei".

No direito comparado, BASSIOUNI [24] destaca que também o direito penal francês expressamente estende sua jurisdição sobre todos os crimes cometidos por nacionais franceses, mesmo aqueles cometidos fora de seu território. No direito norte-americano, não existe expressa previsão legal sobre a matéria, mas a Suprema Corte há muito tem reconhecido a jurisdição dos Estados Unidos sobre crimes cometidos extraterritorialmente por norte-americanos [25], entendimento que se consolidou no julgamento do caso Bowman v. United States [26], julgado na Suprema Corte em 1922, no qual se estatuiu:

"The three defendants who were found in New York [but who commited the criminal acts while in Brazil] were citizens of the United States and were cretainly subject to such laws as it might pass to protect itself and its property. Clearly it is no offense to the dignity or sovereignty of Brazil to hold them for this crime against the Government to which they owe allegiance."

ii) O princípio da segurança nacional.

Segundo o princípio da segurança nacional, é lícito ao Estado agir em defesa de sua independência política, integridade territorial, segurança externa e interna, ainda que os fatos sejam praticados ou concebidos no exterior, sob a condição de que não tenham sido praticados no exercício regular de um direito reconhecido no Estado onde foi praticado. Aplica-se também esta jurisdição em relação à contrafação ou falsificação de símbolos nacionais, moeda, documentos que envolvem a credibilidade do Estado [27].

Para os mais atentos que acompanham a política norte-americana na América Central (exceto em relação à Cuba, que esteve protegida sob o escudo da Guerra Fria pela ex-URSS) e mais recentemente na América Andina, diversos exemplos de tentativas dos Estados Unidos de impor os efeitos de suas leis anti-drogas podem ser lembrados, todos como se legitimados por fatores de proteção da segurança nacional dos Estados Unidos, especialmente quanto ao tráfico internacional de drogas [28].

No direito francês, a previsão de aplicação da jurisdição sobre crimes contra a segurança do Estado, contrafação de selos nacionais, moedas ou crime contra agentes diplomáticos ou consulares franceses está inserta no artigo 694 do Code de Procedure Penal [29]. No direito internacional (Corte Internacional de Justiça) o governo turco alegou o princípio da segurança nacional (protective principle) ao lado do princípio da personalidade passiva no famoso caso Lotus [30] (França v. Turquia, CPJI, 1927), mas a Corte firmou a jurisdição da Turquia pelo princípio da territorialidade objetiva.

iii) O princípio da universalidade.

O princípio da universalidade é um remanescente do direito internacional clássico, daquele direito a que se referia a Law of Nations, um direito não positivado, mas que visava a colaboração recíproca dos Estados em reprimir crimes e atos atentatórios aos mais basilares princípios de direito, tais como o tráfico de escravos, de mulheres e de crianças, a pirataria, o genocídio e os crimes de guerra e contra a humanidade [31].

iv) princípio da territorialidade subjetiva e objetiva.

A solução para a questão anteriormente proposta (do indivíduo que do Estado A atira e mata um outro no Estado B) encontra resposta no desenvolvimento deste princípio, no qual o Estado passa a considerar o evento em dois momentos: parte ocorrendo dentro do seu território, parte, fora. Assim, um crime é cometido inteiramente dentro do território quando todos os seus elementos constitutivos se consumam dentro deste território; por outro lado, se o crime é cometido somente "em parte" dentro do território é porque pelo menos um de seus elementos constitutivos ocorreram fora deste território.

O princípio subjetivo confere competência ao Estado para estender sua jurisdição sobre participantes de eventos iniciados no Estado, mas consumados no exterior. Nos Estados Unidos, por exemplo, a Suprema Corte não reconhecia a jurisdição americana sobre crimes ocorridos fora do território americano, exceção feita a alguns casos extraordinários [32], pois prevalecia naquele sistema o entendimento de que o Estado tem jurisdição absoluta sobre todos os eventos ocorridos em seu território em razão de seu direito de soberania [33].

Já o princípio objetivista permite que o Estado conhecer, processar e julgar eventos iniciados no exterior, mas consumados dentro de seu território. No âmbito internacional, este princípio teve abrigo no caso Cutting [34], comentado por John Basset Moore, que declarou o princípio da seguinte forma: um homem que, intencionalmente, pratica atos que provocam efeitos em outro território, é reconhecido como responsável na jurisdição criminal de todas as nações [35]. Este caso representou uma grande evolução do princípio da territorialidade, pois o fundamento para firmar a competência mexicana sobre evento ocorrido no exterior, praticado por estrangeiro, sob as leis de outro país, não foi a extensão da competência territorial, mas a própria competência territorial [36].

Esta territorialidade objetiva, não aceita de início pelos Estados Unidos Unidos, que travaram uma batalha diplomática contra a decisão do caso Cutting, ganhou espaço firme nas cortes americanas, desenvolvendo-se para a teoria que ficou conhecida por teoria do impacto territorial.

De acordo com esta teoria, o Estado possui competência para legislar e conhecer de eventos ocorridos ainda que integralmente no exterior, envolvendo participantes nacionais ou estrangeiros, desde que tais eventos venham a produzir efeitos no território do próprio Estado. Não é mais necessário que parte do evento se realize dentro do território. Preponderam os efeitos e os resultados lesivos dentro do território. Criou-se uma ficção legal de que o agente deve ser considerado como se tivesse presente no território onde se propagaram os efeitos de seus atos criminosos. Mais uma vez, não se tem a extensão do território para justificar a competência legal internacional, mas o exercício de própria jurisdição interna.

Além do direito penal, foi com base nesta teoria que os tribunais americanos, e seus juízes, passaram a considerar sob jurisdição interna as questões envolvendo as leis anti-monopólio americanas, mesmo aquelas envolvendo empresas americanas no exterior ou empresas estrangeiras em territórios independentes. Sob o argumento de preservação da livre economia e dos mercados americanos, os Tribunais nacionais passaram a "legitimar os interesses" expansionista do país, fortalecendo sua política e economias internas.

v) O princípio da personalidade passiva.

O princípio da personalidade passiva, como se disse, não goza de aplicação universal tal como os demais princípios elencados. De acordo com este princípio, um Estado pode ampliar sua competência para processar e julgar crimes ou violações cometidas contra seus nacionais. Para os países que adotam o sistema do Common Law, tal como os Estados Unidos, o elemento passivo não é justificativa legítima para ampliação da competência [37].

No direito francês, relata BASSIOUNI, após a experiência do caso Lotus, em 1927, e os eventos em Haia, em 1974 (quando foram feitos reféns franceses e danificado o prédio do Consulado Geral francês), o artigo 689 do Código de Processo Penal ganhou redação que exprime o máximo do princípio da personalidade passiva, dispondo que todo estrangeiro que seja autor ou cúmplice de um crime cometido fora da França contra nacionais franceses devem ser processados e julgados de acordo com a lei francesa [38].

3. A busca da efetividade das decisões nacionais penais em território estrangeiro.

O reconhecimento de algumas daquelas citadas regras internacionais de limitação da competência internacional, por certo, não é suficiente para a solução do maior dos problemas em matéria de litígios internacionais, seja na área penal, seja na civil. A problemática da concorrência de competências internacionais, cujas bases estão lançadas no direito interno dos Estados, não pode ser solucionada, mas mitigada por aquelas regras limitadoras e, de modo mais eficaz, através de tratados internacionais de cooperação judiciária.

Assim, quando se pretende dirimir litígios internacionais deve-se pensar, primeiramente, na efetividade da decisão a ser proferida, antes mesmo de se pensar na criação de instrumentos (órgãos) internacionais de solução de litígios, a exemplo da recém-criada Corte Penal Internacional (International Criminal Court). Efetividade e solução de litígios se alcançam através da compatibilização de sistemas jurídicos, especialmente quanto à execução de decisões estrangeiras, cujos requisitos extrínsecos (juízo de delibação) poderia ser realizado diretamente pelo juiz monocrático no exame de admissibilidade da ação [39].

Os litígios envolvendo o direito penal, que se detém sobre os efeitos extraterritoriais das decisões penais, devem, pois, ser pensadas na perspectiva de estabelecimento de um sistema de cooperação internacional, envolvendo as áreas de execução penal, de política ostensiva e repressiva às diversas modalidades de crimes internacionalmente relevantes, cujos atos e efeitos se propagam além fronteiras, transformando um problema de paz, segurança e bem-estar coletivo interno em preocupações internacionais. Este é o objeto de estudo do capítulo que segue.


Capítulo III: Bases para o estabelecimento de uma corte penal internacional:
O direito penal internacional

1. O problema de um direito penal internacional [40].

De que trata, afinal, o direito penal internacional? Seria um ramo do direito internacional clássico ou simples aplicação extraterritorial de direito interno dos Estados? Existe um direito penal internacional?

Segundo SCHWARZENBERGER, o direto penal internacional, que trata dos chamados crimes internacionais cometidos por particulares, desenvolveu-se em sua técnica a partir dos conceitos e princípios de direito internacional clássico (law of nations), entre os quais se destacam o princípio da soberania, do qual decorrem, por exemplo, os mencionados princípios limitadores da competência internacional dos Estados (i.e. segurança, universalidade, nacionalidade, territorialidade e personalidade passiva).

Para os estudiosos que reconhecem a origem clássica do direito penal internacional, este pode ser considerado sob seis diferentes significados: como reflexo do escopo territorial do direito penal interno; como direito penal interno derivado de normas internacionais; como direito penal interno autorizado por lei internacional; como direito penal interno comum a todas as nações civilizadas; como cooperação internacional na administração da justiça penal interna e como direito penal internacional no sentido material da palavra.

Se entendermos o direito penal internacional como reflexo do escopo territorial do direito penal interno, então devemos considerá-lo como verdadeiro nascedouro de conflitos internacionais. De fato, é regra universalmente aceita a competência legal internacional do Estado para conhecer, processar e julgar os crimes cometidos em seu território. Contudo, tal como já tivemos a oportunidade de verificar, estas mesmas leis podem estender a competência do Estado sobre crimes cometidos por nacionais ou estrangeiros situados no exterior. É neste ponto que surgem os conflitos de competência concorrente, regra reconhecida no direito internacional.

A solução do litígio que então surge está na aplicação de princípios de direito internacional clássico de limitação da competência legal internacional dos Estados, bem como na negociação e conclusão de tratados internacionais onde estejam claramenta previstas os determinantes da competência legal internacional de cada um dos Estados envolvidos no conflito.

Como direito penal interno derivado de normas internacionais, o direito penal internacional surge de obrigações acordadas em tratados internacionais ou de deveres dos Estados decorrentes do direito internacional consuetudinário. Este é o caso do crime de pirataria, considerado o mais antigo ato reconhecido internacionalmente como crime, antes pelo direito consuetudinário e mais tarde por tratados internacionais [41].

Na concepção do direito penal internacional como um direito interno autorizado internacionalmente, temos duas categorias de crimes: a pirataria ius gentium e os crimes de guerra. Todo Estado tem o dever de combater a pitataria em seu território, dever que também se estende aos altos mares, em razão da aplicação da noção de ius gentium de que o mar é res comunes. No que se refere aos crimes de guerra, todo Estado deve punir toda e qualquer infração à regra de manutenção do bem-estar e paz internacionais. Nestes dois casos, o direito penal interno para persecução e punição dos violadores destes princípios surge por exigência do direito internacional, do direito penal internacional.

Em matéria de cooperação internacional na administração da justiça penal interna dos Estados, o quarto significado atribuído ao direito penal internacional, o já mencionado conflito de competências que frequentemente surge entre Estados, torna-se um dos principais fatores de impunidade e, consequentemente, de conflitos internacionais. Não são incomuns os casos que se tem a condenação de um indivíduo num Estado e sua absolvição por outro. Boa parte destes conflitos podem ser minimizados, com a predeterminação de regras de competência e jurisdição entre Estados, regras que podem e comumente ganham corpo em tratados de cooperação judicial.

Finalmente, no sentido material da palavra, direito penal internacional comporta todos os atos criminosos que atingem diretamente a sociedade internacional. É disciplina que tem origem no direito internacional clássico costumeiro, do qual se extrai uma clara e universal repulsa por atos reconhecidamente criminosos.

Em resumo, cada um dos seis significados atribuídos ao direito penal internacional revelam, de forma clara e objetiva, problemas que tocam menos ao reconhecimento e mais à efetividade do direito, a qual se traduz pela persecução e efetiva punição dos criminosos. Enquanto não se resolverem estas questões sobre efetividade, sobre procedimento penal, jamais se terá um rígido controle preventivo e dirimente sobre os litígios internacionais concernentes ao direito penal internacional. Mas, existe um direito penal internacional? Não há dúvidas quanto à relação direta entre o direito penal internacional e o direito internacional clássico. Os crimes internacionais já reconhecidos em tratados - tais como o genocídio, o sequestro de aeronaves, crimes de guerra, de discriminação racial, terrorismo - nada mais são que a consolidação de direito internacional costumeiro há muito tempo reconhecido como obrigatório por todas as nações.

Dispostos em tratados internacionais, os crimes internacionais ganham especial tratamento da comunidade internacional, especialmente quanto à prevenção e repressão. A primeira destas ações é realizada no âmbito do direito interno através da incorporação das regras do tratado aos ordenamentos nacionais; a segunda, além da atividade interna do Estado, conta com órgãos intergovernamentais especialmente criados para a repressão do crime, tal como a Interpol (International Criminal Police Organization).

Se existem crimes reconhecidamente internacionais, se existe um aparelhamento para sua prevenção e repressão, não se pode negar a existência de um direito penal internacional, ainda que este seja concebido, tal como declinamos há momentos, como um reflexo do direito penal interno dos Estados.

Evidência maior da existência de um direito penal internacional podem ser colhidas a partir do histórico das tentativas de estabelecimento de uma corte penal internacional, as quais serão objeto de análise em nosso próximo capítulo.

2. Terminologia, distinção, objeto e conteúdo do direito penal internacional [42].

2.1. Terminologia.

A terminologia usada para determinar o objeto do direito penal internacional é resultado da convergência de duas diferentes disciplinas legais que vêm se desenvolvendo de forma distinta e independente, mas atuando de modo complementar. A primeira destas disciplinas abrange os aspectos de direito penal do direito internacional (direito penal substantivo); a segunda, os aspectos internacionais do direito penal interno dos Estados (i.e. efeitos extraterritoriais das leis, Código Penal Brasileiro, art. 7º). Assim, um estudo da primeira destas disciplinas revela que esta trata essencialmente de direito penal internacional substantivo ou de crimes internacionais; a segunda, de sua vez, dos efeitos extraterritoriais das leis internas dos Estados.

Da conjunção das duas disciplinas surge o direito penal internacional, fundado na seguinte perspectiva: há determinada conduta tipificada no direito internacional como criminosa (crime internacional tipificado por disposição convencional, consuetudinária ou por princípios gerais de direito abrigados pelo direito internacional), ao mesmo tempo que, no direito interno, ocorre a coincidência do tipo internacional com o tipo doméstico e a conseqüente aplicação da lei interna. Quando a aplicação da lei interna passa a considerar para fins de conhecimento, processamento e julgamento, direta ou indiretamente, o crime internacional, afloram seus efeitos extraterritoriais.

Noutra vertente, estabelecendo-se uma distinção entre o direito penal internacional e o direito internacional penal, pode-se afirmar que a terminologia atribuída ao direito internacional penal não nega seu vínculo direto com o direito internacional convencional, de caráter público, cujo desenvolvimento, principalmente na área de "Direitos Fundamentais do Homem", proporcionou a construção, com fundamentos teóricos e empíricos, de dispositivos que possibilitam a responsabilização do Estado por atos de violação daqueles direitos [43].

A despeito das celeumas acadêmicas sobre os "aspectos penais" dos Atos de Estado, se existe ou não impropriedade na terminologia adotada por alguns autores, é correto pensar que os Estados podem ser submetidos a uma corte internacional para responderem por atos lesivos, omissivos ou comissivos, atentatórios aos direitos fundamentais do homem, especialmente os de primeira geração (i.e. direito à vida, à personalidade). Um exemplo é a Corte Interamericana de Direitos Humanos, criada pela Convenção de São José da Costa Rica, e a Corte de Estrasburgo, com semelhante competência no âmbito da Comunidade Européia.

2.2. Distinção.

Algumas distinções entre direito penal internacional e direito internacional penal podem ser desde logo extraídas das próprias dintinções terminológicas apresentadas no tópico anterior, as quais podem se somar outras, que abrangem a própria aplicação de uma ou outra disciplina.

Em breve resumo, veja-se a tabela prática a seguir sobre as distinções entre direito penal internacional e direito internacional penal:

DIREITO PENAL INTERNACIONAL

DIREITO INTERNACIONAL PENAL

SUJEITO ATIVO

Indivíduo

Responsabilidade do Estado

SUJEITO PASSIVO

Indivíduo

Indivíduo

TRIBUNAL

Ad hoc (i.e. Nuremberg, Tokio, ex-Iugoslávia e Ruanda) e Tribunais Nacionais.

Corte Internacional de Direitos Humanos (Convenção de San José da Costa Rica); Corte Internacional de Estrasburgo (CE).

LEGITIMIDADE

ATIVA

Estados e outros órgãos com personalidade internacional

(exceto indivíduos)

Estados (modernamente tem se admitido indivíduos)

2.3. Objeto [44].

O objeto das prescrições normativas do direito penal internacional é delimitar as condutas específicas que se consideram atentatórias a um interesse social que transcende a órbita interna do Estado, cuja proteção necessita a aplicação de sanções impostas pelos Estados, através de uma atuação não somente a nível nacional, mas também internacional, coletiva e de cooperação.

Segundo BASSIOUNI [45], existem 22 tipos de crimes internacionais: agressão, crimes de guerra, uso ilegal de armas, emprego ilegal de armas, crimes contra a humanidade, genocídio, discriminação racial, escravidão e crimes conexos, experimentos médico ilegais, pirataria, sequestro de aeronaves, uso de força contra pessoas internacionais protegidas, tomada de civis como reféns, tráfico de drogas, destruição ou roubo de tesouros nacionais, crimes contra o meio ambiente, roubo de material nuclear, uso ilegal dos correios, tráfico de publicações obscenas, interferência com cabos submarinos, falsificação ou contrafação de símbolos nacionais e o suborno de oficiais públicos estrangeiros.

A base legal de alguns destes tipos tem como fonte o direito consuetudinário e princípios gerais de direito, ao passo que outros já contam com previsão expressa em tratados internacionais.

A análise destes tipos e das convenções internacionais das quais foram extraídos (feita por BASSIOUNI) permite concluir que existem dez características penais que nelas se repetem com maior frequência: 1. reconhecimento explícito de que o ato é um crime internacional, ou um crime regulado por direito internacional, ou simplesmente um crime; 2.reconhecimento implícito da natureza penal de um ato pelo estabelecimento de um dever de proibir, prevenir, processar e punir; 3. criminalização de determinada conduta; 4. direito ou dever de processar criminosos; 5. dever ou direito de punir determinada conduta prescrita; 6. dever ou direito de extraditar; 7. dever ou direito de cooperar no processo e punição (inclusive assistência judicial em procedimentos penais); 8. estabelecimento de bases jurisdicionais penais (ou teoria de jurisdição penal ou prioridade em jurisdição penal); 9. referência à necessidade de estabelecimento de uma corte penal internacional; 10. eliminação da possibilidade de recursos a órgãos superiores; características presentes, inclusive, no Estatuto da Corte de Roma.

2.3.1. Sistemas de execução no direito penal internacional [46].

O direito penal internacional tem evoluído através de dois sistemas de execução: um direto outro indireto. O primeiro detém-se sobre a aplicação direta do lei internacional sobre o indivíduo, o que somente será possível a partir de uma corte internacional de controle direto e, conseqüentemente, de um aparato institucional judiciário. Contudo, a incapacidade da comunidade internacional para encontrar um consenso político na criação de uma corte internacional tem sido suprida pelo sistema de execução indireta, onde o Estado, e não o Direito Internacional, de acordo com normas internacionais, promove a proibição, prevenção, processamento e punição do criminoso.

De sua vez, o direito internacional penal tem como objeto a preservação de valores e princípios universalmente reconhecidos pelos Estados de atos praticados diretamente por Estados. Entre estes valores estão, por exemplo, os mencionados Direitos Fundamentais do Homem, que se identificam pela universalidade e pelo caráter absoluto de preservação da própria identidade do ser humano. Um Estado pode ser chamado a responder por atos atentatórios a direitos humanos (aniquilação de minorias, a exemplo do relativamente recente massacre dos curdos no Iraque) ou por omissão na repressão a estes crimes.

2.4. Conteúdo [47].

Como se disse, os aspectos penais do sistema de direito penal internacional compreende uma série de disposições internacionalmente estabelecidas por via consuetudinária, por princípios gerais de direito ou por tratados, incriminadores de determinada conduta. Seu conteúdo pode ser extraído a partir da regulação internacional de pelo menos, quatro matérias: 1. Controle de Guerra; 2. Regulamentação de conflitos armados; 3. Persecução de infrações das leis de guerra de sua iniciação e desenvolvimento; e 4. Delitos comuns de interesse internacional.

É importante destacar que o desenvolvimento das disposições integrantes de cada uma destas matérias tem sido progressivo e, de modo geral, tem seguido um modelo: o surgimento de um conjunto de obras doutrinárias que contituem base teórica mais específica, as quais, de sua vez, impulsionam a assunção de alguns compromissos internacionais, seguidos da formulação de proibições normativas específicas e a articulação de dispositivos sancionadores. Estas normas podem ser consolidadas em modelos ou projetos de convenções internacionais para estabelecimento de cortes penais internacionais, responsáveis pela persecução e punição de criminosos.

Para fins de an;alise no presente artigo, destacam-se entre aquelas quatro matérias de direito penal internacional os delitos atentatórios aos interesses comuns dos Estados.

3. Delitos comuns atentatórios de interesses dos Estados (crimes internacionais).

No âmbito das matérias objeto do direito penal internacional mencionadas no título anterior, BASSIOUNI [48] considera existirem duas formas básicas de tipificações penais, que resultam na identificação de crimes internacionais: tipificações penais destinadas ao Estado e as não destinadas ao Estado.

As tipificações destinadas aos Estados, geradas no âmbito das Nações Unidas, como obrigação internacional decorrente da própria Carta da ONU para a persecução e punição, no direito interno, de crimes universalmente reprováveis, tais como o genocídio, a segregação racial e a tortura.

Noutra vertente, as tipificações penais não destinadas aos Estados compreende o resultado da evolução progressiva nas obrigações, por via convencional entre os Estados, de processar e punir crimes como a pirataria aérea e apoderamento ilícito de aeronaves, escravidão, tráfico de mulheres e crianças, terrorismo e sequestro de pessoas internacionais protegidas; tipificações que também podem ser resultado da evolução progressiva nas obrigações por via consuetudinária, a exemplo do Convênio Internacional para Repressão de Circulação de Publicações Obscenas - 1923; do Convênio Internacional para Repressão de Competência Fraudulenta, abordando o dever de extradição; e do Convênio de Berna sobre envio de correspondência perigosa.


Capítulo IV: O Tratado de Roma de 1998 e a Corte Penal Internacional

1. Introdução à história de estabelecimento de uma corte penal internacional.

Ao final do século XIX, um período coroado de revoluções econômicas, sociais e políticas, a solução de conflitos internacionais já chamava a atenção da comunidade internacional.

Dentre os textos oficiais que narram as tentativas de estabelecimento de uma corte penal internacional, destaca-se a Convenção para Solução Pacífica de Disputas, assinada na Haia em 19 de julho de 1899, a qual jamais entrou em vigor, a exemplo dos diversos projetos com idêntico fim elaborados ao longo deste século, a exemplo da Convenção relativa ao Estabelecimento de uma Corte Internacional de Presas, assinada na Haia ,em 1907, entre outras que se cuidará oportunamente de mencionar.

Com a rendição da Alemanha ao final da Primeira Guerra Mundial, em 28 de junho de 1919, assinou-se o Tratado de Versailles (Tratado de Paz entre os Aliados e Forças Associadas e Alemanha), o qual entrou em vigor em 10 de janeiro de 1920 e previu a punição de crimes cometidos no período de guerra.

Ultrapasado o período de guerra, mas não os efeitos da convulsão política que desta se originou (e que derrocaria na Segunda Guerra anos mais tarde), em 16 de novembro de 1937, às portas da Segunda Grande Guerra, a insípida Liga das Nações propunha o estabelecimento de uma Convenção para a Criação de uma Corte Internacional Penal, a qual sequer chegou a vigorar. Em 1939 mais uma Grande Guerra espoucava na Europa, ganhando em poucos anos proporções mundiais, seja em termos territoriais, seja em atrocidades, crimes bárbaros, praticados contra seres humanos.

Em 08 de agosto de 1945 e 19 de janeiro de 1946, terminada a Segunda Guerra Mundial, assinaram-se e entraram em vigor, respectivamente, o Acordo para Persecução e Punição dos Principais Criminosos de Guerra do Eixo Europeu (Carta de Londres), que teve como anexo a carta do Tribunal Militar Internacional de Nuremberg, e o acordo para instalação do Tribunal Militar Internacional para o Extremo Oriente, o qual teve como anexo a Carta do Tribunal Militar Internacional para o Extremo Oriente (Tóquio) [49], considerados os dois primeros tribunais especiais da História para conhecimento, processo e punição a criminosos de Guerra.

Ainda em 1945, a Lei nº 10 do Conselho do Controle Aliado, para dar efeitos à Declaração de Moscou de 30 de outubro de 1943 e ao Acordo de Londres de 08 de agosto de 1945, estabeleceu uma base legal uniforme na Alemanha para a persecução dos criminosos de Guerra. O artigo segundo desta lei expresamente tipifica os crimes contra a paz, contra a humanidade e de guerra como atrocidades a serem punidas, independentemente de nacionalidade ou capacidade [50].

Ultrapassado o período de Guerra, teve-se a redação do Modelo de Estatuto para a Corte Internacional Penal, uma anexo ao relatório do Comitê sobre Jurisdição Penal Internacional da ONU, de 31 de agosto de 1951 e a Revisão deste Modelo, em 20 de agosto de 1953, pela mesma Comissão [51]. Em 1980, a Assembléia Geral das Nações Unidas propõe um Modelo de Estatuto para a criação de uma jurisdição penal internacional concernente à implementação de uma Convenção Internacional sobre Supressão e Punição do Crime de Apartheid [52]. Infelizmente, nenhuma destas Convenções chegou a entrar em vigor.

Anos mais tarde, a Assembléia Geral da ONU retomou esta antiga iniciativa através da Resolução 44/39, de 04 de dezembro de 1989, requerendo à Comissão de Direito Internacional a análise da questão sobre o estabelecimento de uma corte penal internacional. Em 28 de novembro de 1990, A Assembléia Geral, através da Resolução 45/41 convidou a Comissão de Direito Internacional a considerar as consequências de fixação de uma jurisdição penal internacional e do estabelecimento de uma corte penal internacional, pedido renovado através da Resolução 46/54 de 09 de dezembro de 1991.

Nesta época, ainda no ano de 1991, explodia na Europa, após quase cinquenta anos sem guerras, os violentos conflitos separatistas na Iugoslávia. Naquele ano, a Iugoslávia, reconhecida historicamente como um reduto de resistências políticas e de conflitos étnicos desde a assunção do Marechal Tito em 1948, iniciava seu violento processo de fragmentação. Eslovênia e Croácia proclamaram sua independência em 25 de junho de 1991, Bósnia-Herzegovina, em 6 de abril de 1992; e a remanescente República Federal da Iugoslávia (Sérvia e Montenegro), sua nova constituição em 27 de abril daquele mesmo ano, todos processos calcados em violentos conflitos armados internos.

Estes conflitos internos, cujos efeitos já se podiam sentir nos Estados vizinhos, a exemplo da instável Albânia, chamaram a atenção do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que ainda em setembro de 1991 declarou completo embargo internacional de armas e equipamentos militares para a Iugoslávia, seguindo-se uma série de medidas de intervenção até que, finalmente, em 22 de fevereiro de 1993, o Conselho de Segurança decide estabelecer um tribunal penal internacional para processar indivíduos responsáveis por sérias violações ao direito humanitário internacional cometidas no território da Iugoslávia. Estabelecia-se, então, o primeiro tribunal especial penal não-militar da história para conhecer, processar e julgar os crimes cometidos no território da ex-Iugoslávia a partir de 1º de janeiro de 1991 [53].

Ao mesmo tempo que o Conselho de Segurança preocupava-se com a ameaça à segurança internacional provocada pelos conflitos internos na ex-Iugoslávia e com o estabelecimento do Tribunal Penal Internacional, a Assembléia Geral das Nações Unidas, através das Resoluções 43/33, de 25 de dezembro de 1992 e 48/31, de 09 de dezembro de 1993, requereu à Comissão de Direito Internacional a elaboração de uma projeto de estatuto para uma futura corte penal internacional. . Desde a Segunda Guerra, era a primeira vez que se teria um tribunal especial da ONU para julgamento de crimes internacionais.

Entre os anos de 1992 e 1994, os estudos sobre o estabelecimento de uma corte penal internacional desenvolveram-se no âmbito da Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas, mais especificamente entre as 42ª e 46ª sessões da Comissão, até nesta última sessão se concluiu o projeto de estatuto para uma corte penal internacional, que foi o último e mais importante projeto sobre o qual comitês especializados da ONU viriam a trabalhar, discutir e posteriormente consolidar no Estatuto de Roma.

No entanto, ainda em 1994, o Conselho de Segurança da ONU criava, através da Resolução 955 de 08 de novembro de 1994 mais um tribunal especial para conhecer, processar e julgar crime de genocídio e outras graves violações em conflito internos de um Estado: estabeleceu-se o Tribunal Penal Internacional para Ruanda [54].

Em resumo, pode-se dizer que a experiência de duas guerras mundiais, as decepções acerca de convenções internacionais que não passaram de projetos e modelos, as constatações de que violações às mais elementares regra de direito internacional positivas (especialmente de direitos humanos e genocídio) continuaram a ser praticadas, muitas vezes por ação direta dos Estados, todos elementos considerados diante das experiências relativamente eficazes de persecução e punição de crimes internacionais (crimes de guerra, contra a paz, contra a humanidade e genocídio) verificadas nos tribunais especiais criados em Nuremberg, Tokio, ex-Iugoslávia e Ruanda, levaram à consolidação de um ideal maior para estabelecimento de uma corte penal internacional permanente para conhecer, processar e julgar crimes internacionalmente relevantes. Neste espírito, estabeleceu-se em 1998, através do Tratado de Roma, a Corte Penal Internacional, objeto de estudo de nosso próximo título.

2. O Tratado de Roma de 1998.

Os violentas conflitos que surgiram desde a independência da Croácia e da Eslovênia, na ex-Iugoslávia, em 1991 e em Ruanda, em 1994, que tiveram a intervenção do Conselho de Segurnaça das Nações Unidas, levaram a ONU, através de seu órgão máximo - a Assembléia Geral - a baixar a Resolução 43/53, de 09 de dezembro de 1994, a qual constituiu um Comitê ad hoc para o Estabelecimento de uma Corte Penal Internacional. O Comitê ad hoc reuniu-se, então, em abril e agosto de 1995 para examinar o modelo de estatuto para uma Corte Penal Internacional produzido pela Comissão de Direito Internacional em 1994 [55].

Acompanhando os avanços dos trabalhos do Comitê ad hoc, a Assembléia Geral, através da Resolução 50/46 de 11 de dezembro de 1995, decidiu criar um Comitê Preparatório para analisar os resultados e os diferentes pontos de vista discutidos nas reuniões do Comitê ad hoc. Assim, nesta resolução decidiu-se que em abril e agosto de 1996 estabelecer-se-ia um Comitê Preparatório das Nações Unidas sobre o estabelecimento de uma Corte Penal Internacional, de tal sorte que na mesma oportunidade realizar-se-iam suas duas primeiras sessões [56].

Na primeira sessão, entre 25 de março e 12 de abril de 1996, foram consideradas questões de escopo de jurisdição e definição de crimes, princípios gerais de direito penal, complementariedade (entre a Corte e os Tribunais nacionais), quais os casos que poderiam ser submetidos à Corte, cooperação estatal com a Corte. Na segunda sessão, instalada entre 12 e 30 de agosto de 1996, observaram–se as seguintes matérias: questões procedimentais, julgamento justo e direitos de suspeitos e acusados, penalidades, organização administrativa da Corte, método de estabelecimento da Corte, e relacionamento entre a Corte e as Nações Unidas [57].

Após a segunda sessão, em 16 de dezembro de 1996, a Assembléia Geral da ONU (Resolução 51/207), reafirmando o mandato do Comitê, decidiu que este se reuniria por mais quatro sessões, sendo que as duas últimas sessões se dariam entre 01 e 12 de dezembro de 1997 e 16 de março a 03 de abril de 1998, a fim de completar o projeto de um texto consolidado, apreciável e amplo de uma convenção para submissão a uma conferência diplomática de plenipotenciários [58]. Também se decidiu que a Conferência Diplomática de Plenipotenciários para adoção e finalização de uma convenção teria lugar em Roma, a partir de 15 de julho de 1998 [59], com duração de cinco semanas. Assim, durante a terceira e quartas sessões [60], o Comitê avançou sobre a discussão acerca do projeto da Comissão de Direito Internacional de 1994, retomando os trabalhos de estudo iniciados nas duas primeiras sessões. Ao final da quarta sessão, a Assembléia Geral baixou a Resolução 52/160 requerendo ao Comitê o prosseguimento dos trabalhos determinados na Resolução 51/207, de 17 de dezembro de 1996 e o fim das sessões com a redação final de um estatuto.

Assim, na quinta sessão [61], cuidou-se da preparação do texto do Estatuto da Corte a ser remetido à aprovação na Conferência de Plenipotenciários, bem como dos últimos debates acerca de temas como definição de crimes de guerra, princípios gerais de direito penal, penalidades, questões procedimentais e cooperação entre Estados.

Finalmente, em 17 de julho de 1998, em Roma, na sede da FAO (Food and Agriculture Organization) foi adotada a Conferência Diplomática das Nações Unidas de Plenipotenciários sobre o Estabelecimento de uma Corte Penal Internacional.

Foram convidados para a Conferência todos os membros das Nações Unidas e de suas agências especializadas, a Agência Internacional de Energia Atômica, organizações intergovernamentais credenciadas que participaram como observadores das sessões do Comitê Preparatório, a o Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia, o Tribunal Penal Internacional para Ruanda e organizações não-govenamentais credenciadas pelo Comitê.

Assinaram o Estatuto, ainda em 1998, setenta e um (71) Estados; até 23 de abril de 1999, outros onze (11) Estados cuidaram também de assiná-lo [62]. Ratificaram o Estatuto somente o Senegal (02 de fevereiro de 1999) e Trinidad e Tobago (06 de abril de 1999), restando outros cinquenta e oito (58) depósitos de instrumento de retificação, aceitação, aprovação ou acessão para que o Estatuto de Roma, de acordo com seu artigo 126, entre em vigor.

O Brasil participou da Conferência Diplomática das Nações Unidas de Plenipotenciários para o Estabelecimento de uma Corte Penal Internacional - Conferência de Roma, mas não assinou o Estatuto alegando flagrante incompatibilidade entre alguns dispositivos do Estatuto a Constituição Federal de 1988, a exemplo da previsão estatutária de pena de prisão perpétua (art. 77, 1, b contra o art. 5º, XLVIII, b, da Constituição Federal de 1988) aos condenados pela Corte. Como o Estatuto não admite reservas (art. 120), o Brasil, em consonância com o aberto apoio que dispensou à iniciativa do Estatuto e seu estabelecimento na Conferência, muito provavelmenteo assinará, mas dificilmente deverá ratificá-lo, pois depende este último ato, exclusivamente, de decisão do Congresso Nacional (art. 49, I, da Constituição Federal de 1988), Casa na qual provavelmente se obstará a ratificação de convenção internacional em flagrante atentado à Constituição Federal vigente, especialmente em suas disposições pétreas.

3. O Estatuto da Corte Penal Internacional de Roma.

Os debates entre os negociadores dos Estados durante as cinco sessões preparatórias do Comitê da ONU para o estabelecimento de uma corte penal internacional, ganharam destaque na redação do Estatuto de Roma: jurisdição; lei aplicável; admissibilidade; definições de crimes internacionais como genocídio, crimes de guerra, crimes contra a humanidade e crimes de agressão; elementos do crime; princípios gerais de direito penal; organização administrativa; procedimentos processuais; penalidades; cooperação e assistência judicial entre os Estados; e execução.

O Estatuto de Roma comporta 128 artigos divididos em 13 partes: 1. Estabelecimento da Corte; 2. Jurisdição, admissibilidade e lei aplicável; 3. Princípios gerais de direito penal; 4. Composição e administração da Corte; 5. Investigação e persecução; 6. O julgamento; 7. Penalidades; 8. Apelação e revisão; 9. Cooperação internacional e assistência judicial; 10. Execução; 11.Assembléia dos Estados Parte; 12. Financiamento; e 13. Cláusulas finais.

3.1. Características gerais da Corte.

Diferentemente das experiências anteriores em Nuremberg, Tóquio, ex-Iugoslávia e Ruanda, conhecidos tribunais internacionais especiais, a Corte Penal Internacional foi criada como uma instituição permanente, com limites bastantes claros de jurisdição sobre pessoas que cometam o que se convencionou denominar no Estatuto de "mais sérios crimes internacionais" [63], jurisdição que será exercida de forma complementar à jurisdição penal interna dos Estados Parte, pois, conforme prevê o próprio Estatuto, a jurisdição da Corte não inibe os Estados de aplicarem ao mesmo caso sua própria lei interna [64].

De fato, a função principal da Corte é a persecução e punição de crimes internacionais nos casos em que os Estados, no exercício de sua soberania interna, falham ou são omissos no devido tratamento de graves e extremas violações a direitos fundamentais do Homem resguardados pelo direito internacional [65], tais como o genocídio, os crimes de guerra, os crimes contra a humanidade, o crime de agressão, tipos penais internacionais expressamente abrangidos pelo Estatuto de Roma em seu artigo 5º [66], com a devida ressalva quanto à fixação da definição, aos elementos do crime e condições de exercício de jurisdição da Corte quanto ao crime de agressão, os quais serão objeto de proposta de emenda ou de revisão ao texto do Estatuto, a ser submetidas ao Secretariado Geral das Nações Unidas, nos termos dos artigos 121 e 123 do Estatuto.

Órgão independente, a relação da Corte com as Nações Unidas será objeto de acordo a ser firmado pela Assembléia de Estados Parte e a ONU, devendo ser concluído pelo Presidente da Corte. A despeito deste relacionamento formal a ser estabelecido, o Estatuto remete desde logo à apreciação da Secretaria-Geral da ONU questões sobre ratificação, aceitação e aprovação dos Estatuto pelos Estados [67], bem como referentes a solução de controvérsias [68], reservas [69], emendas [70], revisão [71] e denúncia [72] do Estatuto.

A princípio, a Corte permanente terá sua sede estabelecida na Haia, Holanda [73], personalidade legal internacional, além de capacidade necessária ao exercício de suas funções e cumprimento de seus propósitos. Nos termos do Estatuto, a jurisdição da Corte será exercida sobre o território dos Estados Parte e somente por acordo especial sobre territórios de outros Estados [74].

3.2. Vítimas e acusados.

No que se refere à nacionalidade dos criminosos, das vítimas e da relação destes com os Estados Parte, o Estatuto de Roma tratou da matéria de forma indireta. O artigo 1º fala em "jurisdição sobre pessoas em relação aos mais sérios cimes internacionais previstos no Estatuto" [75], de forma ampla, sem qualquer indicação sobre qualidades especiais exigidas dos sujeitos cujos direitos se pretende abrigar sob a jurisdição da Corte. O artigo 13, de sua vez, dispõe sobre as formas de acesso à Corte - comunicação de um Estado Parte ao Promotor, comunicação do Conselho de Segurança das Nações Unidas ao Promotor e por iniciativa proprio muto do promotor [76] , cuja interpretação deixa claro a impossibilidade de acesso direto das vítimas à Corte. Na declaração da competência internacional - ratione loci (art. 4º), ratione materiae (arts. 5º, 6º, 7º e 8º), ratione temporis (art. 11º) - não se trata da competência ratione personae. Em resumo, em momento algum o Estatuto faz qualquer referência à nacionalidade de acusados e vítimas.

Imagine-se, então, o seguinte problema: num futuro bastante incerto, o Estatuto de Roma vigora entre seus mais de 100 Estados Parte. Um indivíduo nacional do Estado A, que não faz parte do Estatuto nem tem qualquer tipo de acordo com a Corte, passa a cometer uma série de atos criminosos no território do Estado B, onde já vigora o Estatuto há alguns anos. Fixada a competência da Corte ratione loci e ratione materiae, o Promotor decide indiciar o indivíduo do Estado A como um violador dos artigos 5º, 1, b e 7º, 1, b do Estatuto - crime de extermínio. O Estado A decide intervir no processo instaurado perante a Corte, em representação de seu nacional, alegando que a este não se aplica o Estatuto, pois é nacional de Estado que não reconhece a jurisdição internacional da Corte, tampouco jurisdição de qualquer corte internacional sob seus nacionais. Do problema surge a pergunta: como a Corte decidiria esta questão prejudicial?

Se se recorrer a uma interpretação sistemática do Estatuto verificar-se-á, como já asseverado, que nada se fala sobre exceções de nacionalidades. Assim, uma vez cometido um ato criminoso em território de jurisdição da Corte, independentemente da nacionalidade do acusado, será competente a Corte para conhecer, processar e julgar o caso. O indivíduo do Estado A, em que pese a representação diplomática de seu Estado nacional, estaria sujeito à jurisdição, enfim, à lei aplicável pela Corte. Se este indivíduo foragir-se em território de estranho à jurisdição da Corte, o que pode se dar, inclusive, em seu próprio Estado nacional, por certo estará à salvo da ordem de prisão que a Corte eventualmente expedirá contra ele, pois somente poderá ser processado se comparecer pessoalmente perante a Câmara de pré-julgamento. Contudo, se adentrar desavisadamente em teritório de jurisdição da Corte, poderá ser preso e levado a julgamento, sem que seu Estado nacional possa, de forma direta perante a Corte, obstar seu julgamento e eventual condenação [77].

Noutra vertente do crime estão as vítimas. Para que se considere a tutela dos interesses de uma "vítima", basta que a violação ao estatuto (a um dos tipos penais) tenha se dado em respeito à competência ratione loci e ratione temporis, independentemente de sua nacionalidade.

Deve-se destacar, contudo, em relação às vítimas a diferença de tratamento de sua personalidade jurídica na esfera internacional em relação à de direito interno. No direito interno, a tutela de interesses dá-se de forma direta, por provocação direta da vítima ou do lesado; no direito penal internacional, esta tutela dá-se de forma indireta, através da intervenção de entes distintos da pessoa da vítima. No caso do Estatuto de Roma, tal como asseverado, a iniciativa, o poder de "representação" de reparação de direito perante a Corte dá-se somente através de Esrtados Parte, do Promotor ou do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Isto significa, em controvertida síntese, que o indivíduo para como vítima de um crime previsto no Estatuto de Roma, não deve ser considerado como sujeito de direito penal internacional, pois o Estatuto não o considera como destinatário direto da norma internacional.

Assim, pode-se dizer que os tipos penais previstos no Estatuto de Roma atingem o interesse do indivíduo, seja no pólo ativo, seja no passivo, de forma indireta. A satisfação do interesse dos indivíduos no âmbito do direito penal internacional dá-se através do concurso de terceiros, mesmo porque ao indivíduo é negado o direito de representação ou queixa diretamente perante a Corte.

Deve-se lembrar, também, que todos os quatro tipos de crime previstos no Estatuto se referem a crimes coletivos, "em massa", onde a identificação do sujeito passivo ou do direito individual afetado é irrelevante. Importa, sim, a preservação e a recomposição de um direito coletivo, apesar de o Estatuto prever no artigo 75 o direito de reparação às vítimas, pagamento que será efetuado a partir de um Trust Fund (art.79) composto de capital dos Estados Parte, das Nações Unidas e de colaboradores individuais. A tutela de interesses coletivos, difusos, cabe ao Estado (in casu, à Corte), tocando ao indivíduo somente de forma indireta.

3.3. Crimes internacionais objetos de jurisdição da Corte.

O referido artigo 5º do Estatuto de Roma limita a jurisdição da Corte sobre quatro tipos penais eleitos entre os mais sérios que acometem a comunidade internacional: genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e crimes de agressão, destacando-se, como condição para apreciação pela Corte do crime, a constatação de um dos elementos subjetivos do tipo: o dolo direto ou o dolo eventual do agressor, denominado no Estatuto de mental element [78].

Para efeitos do Estatuto, genocídio é crime caracterizado no artigo 6º, entre outras disposições ali encerradas, pela intenção de destruir, em todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, através de: assassinato de seus membros, produção de sérios danos corporais e mentais a seus membros, imposição de condições de vida que provoquem, total ou parcialmente, sua destruição física; imposição de medidas de controle de natalidade a estes grupos, transferência forçada de crianças deste grupo a outros grupos.

Os crimes contra a humanidade, previstos no artigo 7º, caracterizam-se pelo ataque direto contra qualquer população civil, com intenção de assassinato, extermínio, escravização, deportação ou transferência forçada; aprisionamento ou outra severa privação do direito de liberdade em violação a regras fundamentais de direito internacional; tortura; rapto, escravização sexual, prostituição forçada, esterilização forçada e demais graves violências sexuais; perseguição política, racial, étnica, nacional, cultural ou religiosa contra grupos ou a coletividade; desaparecimento de pessoas; crime de segregação racial (apartheid) e outros crimes intencionais que causem grande sofrimento, danos coporais, mentais ou à saúde física das vítimas.

Aos crimes de guerra foi dedicado o mais extenso dos artigos do Estatuto (art. 8º), cujos fundametos expressamente se encontram na Convencão de Genebra de 12 de agosto de 1949 e no próprio corpo do Estatuto, distinguindo entre os conflitos armados de caráter internacional dos não-internacionais [79].

A interpretação e aplicação dos artigos 6º, 7º, e 8º pela Corte, cujas modificações serão adotadas por votação de dois terços dos Estados Parte [80], serão auxiliadas pelos elementos dos crimes [81] referidos nestes artigos.

3.4. Jurisdição ratione temporis. A regra do ne bis in idem e os princípios gerais de direito penal.

A Corte exercerá sua jurisdição ratione temporis, ou seja, somente apreciará crimes cometidos após seu estabelecimento e, no caso de Estado que vier a esta aderir, somente após o decurso de prazo estipulado no instrumento de ratificação, aceitação, adoção ou acessão [82], em respeito aos princípios de direito penal reconhecidos nos artigos 22 e 23 do Estatuto, muitas vezes referidos nos casos das tribunais militares especiais de Nuremberg e Tóquio, do nullum crime sine lege e da nulla pena sine lege.

A comunicação à Corte sobre atos supostamente criminosos (art. 5º do Estatuto) cabe somente aos Estados Parte e ao Conselho de Segurança das Nações Unidas [83], devendo ser dirigidas ao Promotor [84] da Corte, que cuidará das investigações sobre as pessoas envolvidas e os fatos criminosos. Se o Promotor concluir que há razoáveis bases para se proseguir na investigação, submeterá o caso à Câmara de Pré-Julgamento [85].

Na Câmara de Pré-Julgamento analisar-se-ão os requisitos de admissibilidade do caso [86], entre os quais se destaca a omissão ou falha do Estado no cumprimento da obrigação de investigação e persecução de crimes previstos no Estatuto. À Corte, como já se asseverou, cumpre esta função de realização do direito internacional e das normas previstas no tratado para prevenção, julgamento e punição dos crimes internacionais. Esta regra se faz necessária, pois nada impede que os Estados julguem e punam os criminosos que pratiquem atos previstos no Estatuto.

Para se evitar o Ne bis in idem [87], ou seja, que uma pessoa seja julgada e condenada duas vezes pelos mesmos crimes, o Estatuto prevê que: 1. Nenhuma pessoa será processada perante a Corte por crimes previstos no Estatuto se esta já se pronunciou a respeito deles, absolvendo-a ou condenando-a; 2. Nenhuma pessoa será processada diante de qualquer outro tribunal por crimes previstos no Estatuto (art.5º) se já processado diante da Corte; 3. Nenhuma pessoa que já tenha sido processada por crimes previstos no Estatuto tornará a ser processada pela Corte pelas mesmas condutas, exceção feita a julgamento de outro tribunal com o propósito de proteger o criminoso da responsabilidade por crimes abrangidos pela jurisdição da Corte, ou que tenha sido conduzido ao arrepio das regras de conduta regidas pela impacialidade e independência, de acordo com as normas do devido processo legal reconhecidas pelo direito internacional, ou tenha sido conduzido de maneira inconsistente com a devida aplicação da justiça.

Analisando cada um destes dispositivos, verifica-se que a regra do ne bis in idem conflita com o disposto no artigo 80 do Estatuto, o qual prevê que a execução da decisão da Corte e a aplicação da pena ao condenado não prejudicará a punição deste pelo Estado Parte, de acordo com seu direito interno. Esta última regra admite, portanto, que haja dois julgamentos e, por conseguinte, a possibilidade de dois resultados conflitantes: absolvição e condenação. Problema que não se resolve nas regras do Estatuto.

Se entendermos as duas esferas como independentes, o conflito torna-se aparente; contudo, ocorrendo decisões conflitantes entre o Estado e a Corte, surje a responsabilidade e obrigação do Estado Parte com relação à decisão da Corte, tornando-se mais uma vez bastante flagrante o conflito, especialmente em relação ao artigo 80 do Estatuto de Roma.

A solução para este conflito pode ser encontrada nas regras que estabelecem a lei aplicável [88] nos julgamentos da Corte, se não no Estatuto, nas normas interpretativas subsidiárias previstas no artigo 21, 1, "b": tratados internacionais e princípios e regras de direito internacional.

Diferentemente da "não-hierarquia" atribuída as fontes de direito internacional elencadas no conhecido artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, as fontes de interpretação e aplicação do Estatuto de Roma são apresentadas de forma taxativa e hierarquicamente organizada. Em primeiro lugar devem ser aplicados o Estatuto, os elementos dos crimes e regras de procedimento e prova; em segundo lugar, se possível, tratados aplicáveis e princípios e regras de direito internacional, entre os quais se incluem os princípios gerais de direito sobre conflitos armados; em terceiro lugar, os princípios gerais de direito derivado da Corte a partir da investigação do sistema legal de direito interno dos Estados, entre as quais se incluem a lei interna do Estado que regularmente teria jurisdição sobre o caso. Far-se-á a aplicação deste princípios desde que não violem o Estatuto, o direito internacional nem os padrões e normas internacionalmente reconhecidas.

Os princípios gerais de direito penal a que se refere o Estatuto, exaustivamente estudados e discutidos nas sessões preparatórias da Conferência para Estabelecimento de uma Corte Penal Internacional, reconhecidos universalmente, foram identificados e apresentados em número de nove: 1. Nullun crime sine lege [89]; 2. Nulla pena sine lege [90]; 3. Não retroatividade da lei ratione persona [91]; 4. Responsabilidade penal individual [92](ii) Be made in the knowledge of the intention of the group to commit the crime; (e) In respect of the crime of genocide, directly and publicly incites others to commit genocide; (f) Attempts to commit such a crime by taking action that commences its execution by means of a substantial step, but the crime does not occur because of circumstances independent of the person´s intentions. However, a person who abandons the effort to commit the crime or otherwise prevents the completion of the crime shall not be liable for punishment under this Statute for the attempt to commit that crime if that person completely and voluntarily gave up the criminal purpose. 4. No provision in this Statute relating to individual criminal responsibility shall affect the responsibility of States under international law."; 5. Exclusão de jurisdição da Corte sobre menores de 18 anos [93]; 6. Irrelevância de capacidade jurídica oficial para julgamento perante a Corte [94]; 7. Responsabilidade de comandantes e superiores por ordens à subordinados [95]2. With respect to superior and subordinate relationships not described in paragraph 1, a superior shall be criminally responsible for crimes within the jurisdiction of the Court committed by subordinates under his or her effective authority and control, as a result of his or her failure to exercise control properly over such subordinates, where: (a) The superior either knew, or consciously disregarded information which clearly indicated, that the subordinates were committing or about to commit such crimes; (b) The crimes concerned activities that were within the effective responsibility and control of the superior; and (c) The superior failed to take all necessary and reasonable measures within his or her power to prevent or repress their commission or to submit the matter to the competent authorities for investigation and prosecution."; 8. Não aplicabilidade de estatuto de limitações criados por Estados a crimes sob jurisdição da Corte [96]; 9. Elemento mental (somente se submeterá à Corte os crimes previstos no art. 5º, intencionalmente praticados ou cujo resultado criminoso e lesivo se admitia - art. 30) [97].

3.5. Excludentes de responsabilidade penal. Erro de fato e erro de direito. Cumprimento de ordens de governo e de superiores.

Também cuidou o Estatuto das excludentes de responsabilidade penal [98], a exemplo da ocorrência doença mental ou doença que diminua a capacidade de discernimento da pessoa sobre a natureza ilegal de sua conduta; legítima defesa própria ou de outrem; pessoa em Estado de intoxicação que afete o discernimento sobre a legalidade e natureza de seus atos; pessoa que pratique atos necessários e razoáveis a se evitar a morte ou sérios danos físicos a si a outrem, desde que a pessoa não cause danos maiores que aqueles que pretende evitar.

Outro dispositivo do Estatuto que merece destaque é o tratamento dado ao erro de fato e erro de direito [99]. O erro de fato pode ser arguído como excludente da responsabilidade criminal somente se negar o elemento mental exigido para o crime (dolo direito ou dolo eventual); o erro de direito, assim como qualquer outra espécie de conduta particular, é crime dentro da Jurisdição da Corte e não será excludente da responsabilidade criminal senão se negar o elemento mental exigido para o crime.

No que se refere ao cumprimento de ordens superiores e de prescrições legais [100], seja por civis, seja por militares, haverá responsabilidade criminal do agressor, exceto se a pessoa estiver sob obrigação legal de obediência a ordem de Governo ou de superior hierárquico; ou se a pessoa não souber que a ordem é ilegal ou se a ordem não for manifestamente ilegal. Contudo, para efeito do Estatuto, qualquer ordem para se cometer genocídio ou crimes contra a humanidade são consideradas (iure et de iure) como manifestamente ilegais e, portanto, não têm o condão de afastar a responsabilidade criminal do sujeito.

3.6. Administração.

Administrativamente, a Corte se divide em quatro órgãos (art. 44), cada qual com funções minunciosamente determinadas: Presidência (art. 38); Divisão de apelação, divisão de julgamento e divisão de pré-julgamento (art. 39); gabinete do Promotor (art. 41) e Registro (art. 34).

3.7. Pré-julgamento, prisão preventiva e julgamento perante a Câmara de Julgamento.

Para que o acusado possa ser julgado, o caso deve ser admitido pela Corte na Câmara de pré-julgamento, segundo as regras estabelecidas nos artigos 62 a 76 do Estatuto, entre as quais se destacam: a presença física do acusado durante todo o julgamento (art. 63), exigência que afasta a possibilidade de julgamento à revelia) [101]; o dever da Câmara julgadora de exercer suas funções e poderes de acordo com o Estatuto e as regras de julgamento e provas (lei aplicável), garantir um justo e rápido julgamento, respeitando os direitos do acusado e o dever de proteção às vítimas, às testemunhas; a regra de presunção de inocência até prova em contrário; e o ônus do promotor de provar a culpa do acusado (presunção de inocência) [102]; além de garantias expressas sobre direitos do acusado, tias como: dever de ser prontamente informado em detalhes sobre a natureza, causa e conteúdo das acusões que contra ele pesam, em sua língua de compreensão e fala; tempo adequado para preparação de sua defesa; direito de ser julgado sem atrasos indevidos; direito a ter um assistente legal entre outros elencados no artigo 67.

Admitido o caso pela Câmara de Pré-Julgamento, proceder-se-á às formalidades para detenção do acusado e sua apresentação perante a Câmara de Julgamento. Neste passo, necessário se faz a renovação de alguns cometários sobre os sujeitos passíveis de serem julgados pela Corte. Inicialmente disse-se que, em princípio, o Estatuto de Roma se aplica a toda e qualquer pessoa que incorra nos crimes ali tipificados, independentemente de sua nacionalidade, protegendo somente direitos de vítimas de Estados Parte. Mas como se dará a detenção do acusado para sua necessária apresentação perante a Corte? Dentre as obrigações assumidas pelos Estados Parte está o dever de cooperação, seja quanto a informações, seja quanto a atitudes diretas para tornar as decisões da Corte efetivas. A detenção de acusados insere-se exatamente neste dever de cooperar, obrigação que se limita aos Estados Parte [103]. Para os demais Estados, há a possibilidade de estabelecimento de acordos de cooperação judicial para com a Corte, os chamados "acordo ad hoc" (art. 87, 5).

3.8. Penas e execução.

Ao acusado perante a Câmara de Julgamento poderão se aplicadas qualquer uma das duas penas previstas no Estatuto [104]2. In addition to imprisonment, the Court may order: (a) A fine under the criteria provided for in the Rules of Procedure and Evidence; (b) A forfeiture of proceeds, property and assets derived directly or indirectly from that crime, without prejudice to the rights of bona fide third parties.": prisão por certo período de tempo não superior a 30 anos e prisão perpétua, quando justificada pela extrema gravidade do crime e pelas circunstâncias individuais do condenado; excluída, portanto, a pena de morte prevista nos tribunais militares de Nuremberg e Tóquio.

A sentença da Corte, seja na dosimetria da pena de prisão ou na determinação da prisão perpétua, deverá consignar os fundamentos de uma e outra pena, considerando expressamente sobre a gravidade do crime e a pessoa do acusado, conforme prevê o artigo 78. Se a pessoa for condenada por mais de um crime, a Corte julgará cada um dos crimes especificando o tempo total de prisão, o qual não poderá exceder a 30 anos ou à prisão perpétua.

No entanto, conforme já destacado, a punição a condenados prevista no Estatuto não prejudicará a aplicação da lei nacional pelos Estados nem o direito destes em não aplicar as penalidades impostas pela Corte em razão da contrariedade à disposições de direito interno (art. 80), tal como ocorre no Brasil com a pena de prisão perpétua, vedada expressamente no texto Constitucional [105]. A pena será cumprida num Estado a ser designado pela Corte, escolhido a partir de uma lista de Estados que tenham indicado à Corte sua disposição em aceitar condenados. O Estado de execução, de sua vez, deverá informar à Corte qualquer circunstância ou condição de seu direito interno que possa afetar materialmente a execução da pena.

3.9. Solução de controvérsias no âmbito da Corte.

Se reconhecermos que um dos objetivos da Corte é a solução de controvérsias internacionais acerca da aplicação do direito penal, também não podemos negar que sua atividade jurisdicional provoque novos conflitos. Para solucioná-los, o Estatuto prevê um sistema de solução de disputas sobre função jurisdicional da Corte, interpretação e aplicação do Estatuto. Assim, qualquer disputa sobre função jurisdicional da Corte será objeto de apreciação e decisão pela própria Corte; ainda, qualquer outra disputa entre Estados relativa à interpretação ou aplicação do Estatuto que não se resolver mediante negociações a serem concluídas num prazo máximo de três meses, deverá ser apresentada à Assembléia de Estados Parte. A Assembléia deverá solucionar a disputa ou indicar os meios alternativos para sua solução, entre os quais expressamente se inclui a alternativa de submissão do conflito à jurisdição da Corte Internacional de Justiça [106].

Nas disposições sobre o suporte financeiro da Corte [107], diz-se que as despesas serão pagas pelo Fundo da Corte, a ser criado a partir da contribuição de Estados Parte, das Nações Unidas (mediante decisão da Assembléia Geral) e de voluntários, cuja escala de valores será baseada na escala de contribuições aplicada no âmbito das Nações Unidas (art. 107).

3.10. Disposições gerais atinentes ao processo de conclusão dos tratados internacionais.

No que se refere às formalidades intrínsecas às convenções internacionais, próprias do processo de conclusão de tratados, não são permitidas reservas ao Estatuto (art. 120); emendas (art. 121), somente poderão ser oferecidas após sete anos da entrada em vigor do Estatuto, devendo as mesmas serem submetidas ao Secretário Geral da ONU, que prontamente fará a circulação do texto proposto a todos os Estados Parte [108].

Como regra geral, a emenda ou revisão entrará em vigor para os Estados Parte um ano após o depósito dos instrumentos de ratificação ou aceitação junto à Secretaria Geral da ONU por parte de sete oitavos dos Estados parte. Exceção feita às emendas ao artigo 5º (que prevê os crimes objeto do Estatuto), as quais entrarão em vigor para os Estados Parte imediatamente com o depósito do instrumento de ratificação ou aceitação, proibida a Corte de exercer sua jurisdição, nos termos da emenda, com relação ao Estado Parte que não a ratificou ou aprovou.

Após a ratificação ou aceitação da emenda por sete oitavos dos Estados Parte, aqueles Estados que não o fizeram podem denunciar o tratado, com efeitos imediatos, notificando os primeiros em prazo que não exceda a um ano da entrada em vigor da emenda. Para as emendas de natureza institucional (art. 108) que não puderem ser aprovadas por consenso, estas deverão ser submetidas e aprovadas por um quorum de dois terços dos Estados Parte e entrarão em vigor após seis meses de sua adoção pela Assembléia ou, se for o caso, pela Conferência.

Note-se que o processo de revisão do tratado não se confunde com o processo de emendas. A revisão do Estatuto é imperativo previsto no art. 123. Para tanto, a Secretaria Geral das Nações Unidas, após sete anos de vigência do Estatuto, proporá uma Conferência para revisão do Estatuto, de poderá incluir, além de outras matérias, a revisão do art. 5º. A decisão sobre os textos revistos a ser tomada nesta Conferência caberá à maioria absoluta dos Estados Parte.

O Estatuto foi aberto para assinaturas em Roma, na sede da FAO (Food and Agriculture Organization of the United Nations), em 17 de julho de 1998; permaneceu aberta a assinaturas no Ministério das Relações Exteriores da Itália até 17 de outubro de 1998. Atualmente, está aberta a assinaturas na sede das Nações Unidas, em Nova York, até 31 de dezembro de 2000, e entrará em vigor no primeiro dia do mês subsequente ao depósito do 60º instrumento de ratificação, aceitação, adoção ou acessão junto à Secretaria Geral das Nações Unidas (artigos 125 e 126).

Em relação aos Estados, o Estatuto entrará em vigor no primeiro dia do mês subsequente ao depósito de seu instrumento ratificação, aceitação, adoção ou acessão junto à Secretaria Geral das Nações Unidas.

A denúncia deverá por qualquer Estado Parte deverá se dar pela forma escrita e dirigida ao Secretário Geral da ONU, produzindo efeitos quanto ao denunciante após um ano do recebimento da notificação, exceto ne desta se assinar maior prazo. Vale destacar, porém, que o Estado, mesmo com a denúncia do Estatuto, não se exime das obrigações assumidas enquanto Parte (durante o prazo após a notificação), obrigação que se estende, expressamente, às contribuições para financiamento da Corte.


Capítulo V: Conclusões.

Muitas de nossas conclusões sobre o tratamento legal e doutrinário acerca do direito penal internacional e das controvérsias internacionais que suscita foram lançadas ao longo de nossa exposição sobre cada um temas estudados, de sorte que nestas breves palavras finais cabe-nos tão somente a tentativa de enlace entre aquelas conclusões e tantos outros pensamentos que, diante de tão controvertido e pouco explorados temas de direito internacional- direito penal internacional e cortes penais internacionais - nos assaltam e fogem, instigando a pesquisa, o conhecimento, aprofundamento e renovação de clássicos conceitos de direito internacional em situações modernas, de uma nova ordem legal internacional fundada em princípios de competência e jurisdição internacionais tendentes a ser reconhecidos por todos os Estados.

É de se pensar, também, o novo papel que esta ordem legal internacional reserva para a Organização das Nações Unidas, especialmente para a Assembléia Geral e Conselho de Segurança, cujas responsabilidades, atribuições e decisões muito vêm contribuindo para o reconhecimento de um direito penal internacional, de princípios elementares e universais de proteção aos direitos humanos, enfim, para a universalização de princípios de direito internacional de preservação da própria dignidade e natureza humana. O estabelecimento de uma Corte Penal Internacional permanente é, sem dúvida, um destes avanços que se pode creditar ao trabalho das Nações Unidas, de sua Comissão de Direito Internacional, de organizações intergovernamentais e não- governamentais que colaboraram, discutiram durante nove (09) anos o que viria a ser consolidado em Roma, em julho de 1998.

Apesar dos esforços para o estabelecimento de uma corte penal internacional, intenções mais uma vez traduzidas em texto escrito - Tratado de Roma de 1998, ainda esbarra o direito penal internacional em antigas questões de direito interno dos Estados que impedem o avanço e a consolidação de estatutos internacionais atinentes a crimes internacionais, entre estas questões destacaram-se: jurisdição absoluta sobre pessoas, bens e fatos presentes dentro do território do Estado em contraposição à teoria do impacto teritorial, principal causa de conflitos de competência internacional.

Estes conflitos, no âmbito do direito internacional podem ser resolvidos de duas maneiras distintas: ou se socorre de acordos internacionais prévios e aplicáveis à matéria,com possibilidade, inclusive, de se negociar novos acordos específicos por via diplomática, ou se pactua a submissão do caso à jurisdição de uma corte internacional ou tribunal arbitral. Se nenhuma destas hipóteses por termo à querela, cada uma das partes aplicará ao caso seu próprio direito interno, dependendo a efetividade de uma e outra decisão de fatores que muitas vezes fogem ao controle dos Estados.

A problemática da efetividade das decisões nacionais de efeitos extraterritoriais e das decisões de órgãos internacionais não pode negligenciada em termos de prevenção e solução de litígios internacionais.

Assim, pode-se afirmar que o direito penal internacional e as regras limitadoras da competência legal internacional ainda funcionam como normas costumeiras informativas de uma ordem legal internacional, normas reconhecidas como obrigatórias e que integram o ordenamento jurídico da grande maioria dos Estados. Por esta razão, a efetividade do direito penal quanto aos crimes internacionais mais comuns é deslocada do direito internacional para o direito interno, de instrumentos internacionais para órgãos nacionais com estruturas já estabelecidas, incentivando-se uma série de pequenos acordos de cooperação judicial , negociados em pequenos blocos, o que favorece o processo negocial, reduz os conflitos entre a lei internacional e o direito interno e atende de forma mais eficaz os problemas que afligem os Estados envolvidos. No entanto, quanto aos crimes mais complexos, aqueles que atingem uma coletividade de pessoas (genocídio, crimes de guerra, contra a humanidade, contra a paz e agressão) e que contam com a omissão ou ação direta dos governos dos territórios onde ocorrem, enquanto não se renovar o governo ou a política governamental, a solução de justiça não pode ser dada de forma isolada pelo Estado, razão pela qual se legitima a intervenção da comunidade internacional, conforme o estabelecido no Capítulo VII da Carta das Nações Unidas.

Vale também um destaque final para as recentes experiências de aplicação de um direito penal internacional nos Tribunais Penais Internacionais para a ex-Iugoslávia e Ruanda, onde se processam e julgam criminosos internacionais pela prática de genocídio, crimes contra a humanidade e outros crimes odiosos contra a perservação e respeito aos mais elementares direitos do Homem. Sem dúvida, duas experiências que comprovam a existência de um direito penal internacional, de respeito às regras de direito internacional clássico, de solução pacífica de conflitos internacionais e, principalmente, de efetividade, haja vista os casos já julgados em Arusha, Tanzânia, sede do Tribunal Penal para Ruanda, e dos vários casos ainda em julgamento na Haia, sede do Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia.

No tocante ao Estatuto de Roma, espera-se, mas não se acredita, que num futuro distante outros cinquenta e oito (58) Estados, à exemplo de Senegal e Trinidad Tobago, depositem seus intrumentos de ratificação junto à Secretaria Geral das Nações Unidas, provocando a vigência do Estatuto e fazendo operar, num largo território, um direito penal internacional que se cuidou de erigir em atenção aos mais basilares princípios de direito humanitário e de direito internacional. Até que este futuro incerto se descortine, o Estatuto vigorará como um repositório de princípios, senão de costumes internacionais reconhecidos por várias nações, os quais devem ser observados e incorporados aos sistemas jurídicos dos Estados, tal como os princípios de law of nations, mesmo por aqueles Estados que ainda não cuidaram de assinar o Estatuto ou de depositar seu instrumento de ratificação. Existem princípios de direito internacional, princípios da antiga law of nations, que devem ser reconhecidos por todas as nações como preceitos de direito universalmente aceitos.

Os crimes objeto do Estatuto de Roma, independentemente da entrada em vigor do diploma, devem ser objeto de política dos Estados, seja me sua forma preventiva, seja na repressiva, esta última representada na atuação imparcial do poder judiciário no conhecimento, processamento e julgamento de crimes odiosos como os crimes de guerra, contra a paz, contra a humanidade, de agressão e genocídio, os quais são favorecidos por instabilidades políticas originadas de uma política social pobre, de sistemas educacionais e culturais em falência, de perca de identidade, de religiosidade de coesão social, enfim, por governos e governados em disputa pela preservação dos mais elementares direitos humanos. Os recentes exemplos de Ruanda, da ex-Iugoslávia, infelizmente, são o retrato de uma convulsão política que não acabou em Versailhes em 1919, nem em Londres e Moscow em 1945, nem em Helsinque e Washington em 1987/1988 no fim da Guerra Fria.


Notas

1..."Car la GUERRE ne consiste pas seulement dans la bataille et dans des combats effectifs; mas dansun espace de temps au la volunté de s’affrouter eu des batailles est suffisament avérée" (HOBBES, Thomas. Leviathan, Philosophie Politique, tradução de François TRICAUD, Paris, Édition Sirey, 1971, p. 124)

2...CARNELUTTI, Francesco. Sistema del diritto processuale, Padova, 1936, v. 7,p. 3, citado por GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro, v. 01., 6ª ed., São Paulo, Saraiva, 1989, p. 12, nota 2.

3...Segundo ensinam CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO (Teoria Geral do Processo, 12ª ed., São Paulo, Malheiros, 1996, p. 20) os ... " conflitos caracterizam-se por situações que uma pessoa, pretendendo para si determinado bem, não pode obtê-lo - seja porque a) aquele que poderia satisfazer sua pretensão não a satisfaz, seja porque b) o próprio direito proíbe a satisfação voluntária da pretensão..."

4.... "Em matéria de crimes internacionais o indivíduo não é sujeito de direito internacional..." A afirmação, sobre a qual concordamos, é de autoria do Professor Fausto de QUADROS, da Faculdade de Direito de Lisboa (QUADROS, Fausto de. PEREIRA, André Gonçalves. Manual de Direito Internacional Público, 3ª ed., Coimbra, almedina, 1995, p.386). Segundo QUADROS, as regras de direito penal internacional são "...regras dirigidas aos Estados, sem projeção em qualquer esfera jurídica individual..." (Idem, p. 383). De fato, até mesmo na expressão máxima do direito penal internacional, a Corte Penal Internacional de Roma, a jurisdição de Corte sobre crimes depende da adesão dos Estados, ou seja, depende da incorporação do texto do Estatuto ao direito interno.

5...Estatuto da Corte Penal Internacional (International Criminal Court): devido à considerável extensão do Estatuto de Roma, como é conhecido o Estatuto da Corte Penal Internacional, não pudemos anexá-lo ao presente artigo, razão pela qual sugerimos uma pesquisa ao seu conteúdo diretamente no site da Corte - http://www.un.org/rights.

6...Entre os ilícitos tratados pelo direito internacional penal estão as violações aos direitos humanos reconhecidos na Carta da Organização dos Estados Americanos, na Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem e na Declaração Universal dos Direitos do Homem, como diretos inerentes à própria pessoa humana e, portanto, merecedores de uma tutela internacional convencional, independentemente de sua nacionalidade, cuja jurisdição está a cargo de tribunais internacionais de direitos humanos, a exemplo da Corte Interamericana de Direitos Humanos Criada pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos, a qual foi aprovada na Conferência de São José da Costa Rica em 22.11.69 e promulgada no Brasil através do Decreto nº 678, de 06 de novembro de 1992.

7...As técnicas de delimitação da competência internacional dos Estados foram estudadas por Richard Anderson FALK (in International jurisdiction: horizontal and vertical conceptions of legal order, Temple Law Quaterly, 1959, v. 32, p. 295).

8...KAPLAN, Morton A. & KATZENBACH, Nicholas de B. Fundamentos Políticos do Direito Internacional, Zahar Editores, Rio de Janeiro, p. 188.

9....Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973: Código de Processo Civil Brasileiro em vigor, arts. 91 e ss.

10...O Professor FALK (op. cit, p. 298) apresenta em seu artigo um debate sobre o conceito horizontal e vertical da ordem legal internacional. No entender de Falk, a ordem internacional é essencialmente horizontal, de coordenação entre Estados, diferentemente da ordem interna, onde prevalece a hierarquia entre instituições, com o poder verticalizado e centralizado na figura do Estado.

11...FALK, op. cit., p. 295.

12...E assim foi reconhecido, em 1927, pela Corte Permanente de Justiça Internacional, no julgamento do caso Lotus, no qual foi assinalado que ..."tudo o que pode ser exigido de um Estado é que não ultrapasse os limites que o direito internacional impõe à sua jurisdição; dentro destes limites, seu título para exercer sua jurisdição repousa em sua soberania" (caso Lotus, in BRIGGS, Richard W., "The Law of Nations, Cases Documents and Notes", F. S. Crofts & Co., NY, 1944, p. 287).

13....cf. Bela BALASSA, "Teoria da Integração Econômica", Livraria Clássica Editora, Lisboa, 1962) sugere um gradualismo e diversidade para os diversos processos de integração econômica: zona de livre comércio, união aduaneira, mercado comum, união econômica e integração econômica total. Embora muito criticado este gradualismo mecanicista e pouco flexível, os críticos concordam quanto à instituição de órgãos supranacionais somente a partir da união econômica, até se atingir a integração econômica total, tal como preconizado para a União Européia.

14....Ao nosso ver, o moderno conceito de soberania compreende dois elementos: jurisdição e competência legal internacional. Em outras palavras, soberania é jurisdição e competência.

15....FALK (op. cit., p. 299) entende que estas regras proibitivas são os limites da discrição dos juízes para estender a jurisdição dos Estados para fora de seu território.

16....Art. 2º da Carta das Nações Unidas: "A Organização e seus membros, para realização de seus proósitos mencionados no art. 1º, agirão de acordo com os seguintes princípios: 1. A Organização é baseada no princípio da igualdade soberana de todos os seus membros....3. todos os membros deverão resolver suas controvérsias internacionais por meios pacíficos, de modo que nõ sejam ameaçadas a paz, a segurança e a justiça internacionais....7. Nenhum dispositivo da presente Carta autorizará às Nações Unidas a intervirem em assuntos que dependam essencialmente da jurisdição de qualquer Estado ou obrigará os Membros a submeterem tais assuntos a uma solução, nos termos da presente carta; este princípio, porém, não prejudicará a aplicação de medidas coercitivas constantes do capítulo VII." (In RANGEL, Vicente Marotta, Direito e Relações Internacionais, 5ª ed. Revista e atual., RT, 1997, p. 32).

17.....Na análise dos fundamentos políticos que levam a concretização de tratados internacionais, KATZENBACH (op. cit.) vislumbrava o efeito de melhor acomodação de interesses nas comunidades de Estados que emergiam, pois a competência de um único Estado é um bloqueio para a realização de interesses e valores comuns.

18....Jurisdição é um exercício de soberania. Jurisdição internacional é o resultado da composição legal internacional de soberanias.

19....A teoria do impacto territorial, sustentada pelos efeitos negativos causados em território americano dos fatos ocorridos no exterior, a ser estudada mais adiante como um dos princípios limitadores da competência legal internacional, nada mais é que a aplicação da própria jurisdição interna do Estado, como se considerasse o fato como ocorrido em seu próprio território. A solução para a recepção negativa da aplicação judicial desta teoria, mas lhe preservando a essência, foi regular diretamente as relações comerciais externas das empresas americanas com o restante do mundo.Assim, o bloqueio econômico imposto à Cuba pelos Estados Unidos (Lei Helms-Burton), comum e equivocadamente denominado de embargo, proíbe, em linhas gerais, pessoas físicas e jurídicas americanas de operarem com qualquer um que tenha qualquer tipo de relação com o Governo de Fidel Castro, exceção feita, recentemente, à Comunidade Européia. Em outras palavras, se uma empresa da Brasileira exporta seus produtos para Cuba, fatalmente não comercializará seus produtos para uma empresa americana, ou seja, estará excluído do maior mercado consumidor do Mundo.

20....O caso Lotus, típico caso de direito penal internacional, cuidou do julgamento de colisão de embacações em alto-mar, tornou-se um dos mais valiosos casos da jurisprudência internacional. Em breve resumo dos fatos, um navio postal francês, o Lotus, albaroou um navio de carga turco em alto-mar, provocando a morte de cinco dos tripulantes turcos e o afundamento do navio cargueiro. Socorridos os náufragos, dirigiu-se o navio francês ao porto turco de Constantinopla, onde o oficial da hora francês, Tenente Demons, foi preso e denunciado pelas mortes dos tripulantes turcos. Processado pela Justiça Turca, Demons foi condenado a cumprir pena naquele país. A França, descordando da condenação de seu nacional e fundamentando, ainda, seu incorformismo no fato do acidente ter se dado em alto-mar (sob a jurisdição de nenhum Estado), propôs à Turquia a submissão do caso à Corte Internacional de Justiça, no que obteve a concordância. Por maioria de votos, a CIJ julgou o caso favoravelmente à Turquia ao entender que não havia no direito internacional regra alguma que proibisse este Estado de aplicar sua lei penal sobre o caso. (HUDSON, Manley O. World Court Report, vol. II - 1927-1932, Washington, 1935, p. 20; BRIGGS, op. cit., p. 287).

21....Segundo FALK (op. cit. p. 304), esta razoabilidade deve ser buscada numa composição horizontal entre os Estados, pois nesta perspectiva o Estado mantém-se como centro de autoridade primária, exatamente por não furtar da população as noções arraigadas de soberania e nacionalidade.

22...."Research in International Law under the Auspices of the Harvard Law School. Jurisdiction with respect of Crime", 29 American Journal of International Law, Supp. Ver também, BASSIOUNI, M. Cherif. International Criminal Law, obra em três volumes, v. 2 - Procedure, NY, Transnational Publishers, Inc., 1993, p. 04 ss.

23....MAGALHÃES, José Carlos de. A aplicação extraterritorial de leis nacionais, Revista Forense 293/89. p. 92: O professor MAGALHÃES afirma que esta prática de tipificação de condutas de administradores de pessoas jurídicas faz aflorar um conflito de competências e de qualificações entre os Estados, pois interfere com pessoas jurídicas de outras nacionalidades que estão adstritas a seguir os parâmetros de leis nacionais a que estão sujeitas." Segundo o professor, atualmente no direito norte-americano, após a decisão no caso Supplied Chemical Industries, tem se considerado não passíveis de punição os administradores americanos sujeitos às leis estrangeiras.

24....BASSIOUNI, op. cit., v.2 - procedure, p. 22/27.

25...BASSIOUNI, op. cit., v.2 - procedure, p. 25, nota 75: "Rose v. Himley, 8 U.S. 143, 166 (4 Cranch) 240, 279 (1808) (dictum)...; Henfield’s case, 11 F. Cas. 1.099 (C.C.D.Pa 1793 ) (No. 6360). In addition to the traditional (essential territorial) function of keeeping the peace, one of the functions of the municipal criminal justice system simply is to control its citizens’conduct - to prohibit and attempt to the limit conduct deemed to be social harmful...". Também: idem, p. 23, nota 67: Blackmer v. United States, 284 U.S. 421 (1932), cuja íntegra encontra-se em BRIGSS, op. cit., p. 273; prosseguindo, BASSIOUNI anota: "...Oppenheim stated that the law of nations does not prevent a state from exercising jurisdiction over its subjects travelling or residing abroad, because they remain under its personal supremacy. 1. L. Oppenheim, International law § 145, 330 (8th ed. 1955)...Professor W.E. Hall states: The authority possed by a stated community over its members being the result of the personal relation between it and the individuals of which its formed; its laws travel with them wherever they go, both in places within or without the jurisdiction of other powers. A state can not enforce its law within the territory of another state; but its subjects remainunder a obligation not to disregard them, their social relations for all purposes as within its territory are determined by them, and its perservs the power of compelling observance by punishment if a person who was broken them returns within its jurisdiction. W. E. Hall, International Law 56 (8th ed. 1924).

26....BASSIOUNI, op. cit., v. 2 - procedure, p. 27.

27....MAGALHÃES, op. cit., notas 27 e 28: Art. 7º e 8º do Projeto de Convenção de Harvard, nota 20.

28...Os atos atentatórios a segurança dos Estados inserem-se em outro tema interessantíssimo - A responsabilidade internacional dos Estados - cuja discussão foge a matéria objeto deste trabalho. Todo Estado, independentemente de outros, deve procurar impedir e punir os autores de atos atentatórios à segurança de outros Estados, como um exercício de auto-preservação e de preservação do própria ordem internacional. Ao nosso ver, a possibilidade de um Estado substituir-se a outro no controle e preservação de sua própria segurança nacional, atuando diretamente no território deste segundo Estado, é uma solução política engedrada pela doutrina internacionalista, para preservação do equilíbrio da própria ordem internacional. Não se trata, pois, de extensão de efeitos de leis nacionais em território estrangeiro, mas de própria susbtituição da autoridade, de subrogação de um poder que emana da soberania, a qual, por sua vez, é absoluta em território nacional.

29...Cf. BASSIOUNI, op. cit., v.2 - procedure, p. 20: "Every alien who, outside the territory of Republic, commits, either as author or as accomplice, a crime or a delict agaisnt the security of the State or of counterfeiting the seal of the Sate or national currency in circulation, or a crime against French diplomatic or consular agents or posts is to be prosecuted and adjudged according to the disposition of french law, whether he is arrested in France or the Government obtains his extradiction..."

30...Sobre o caso Lotus, vide nota 21 retro.

31...Os tribunais norte-americanos fornecem farta jurisprudência relatando a aplicação de muitos destes princípios da Law of Nations, especialmente quanto ao tráfico negreiro, a exemplo dos casos Schooner La Jeune Eugéne -1822 (BRIGGS, op. cit., p,07) e The Antelope - 1825 (idem, p. 12). Sobre crimes de guerra, contra paz, contra a humanidade ver anexo Estatuto da Corte Penal Internacional estabelecida pelo Tratado de Roma de 17 de julho de 1998 e também: Convenção de Genebra de 1949, Cartas do Tribunais Militares de Nuremberg e Tóquio (BASSIOUNI, op. cit., v. 3 - enforcement, p. 121 e 139), Estatuto da Tribunal Penal Internacional para Ruanda (http:\\www.ictr.org), Estatuto do Tribunal Penal Internacional da ex-Iugoslávia (http//www.un.org).

32...BASSIOUNI (op. cit., v. 2 - procedure, p. 9 e notas) assevera que ..." The United States Supreme Court later states declared that under American Law, jurisdiction in criminal matters rests solely with the legislative and judicial branches of government of the state ou country in which the crime is commited". Ver especialmente nota 21 sobre precedentes jurisprudenciais: Huntington v. Attrill, 146 U.S. 657 (1892)...Brown v. United States, 35, App. D.C. 548 (1910) - BRIGGS, op. cit., p. 790 - (the court of one state shall note execute the criminal law of another); Stewart v. Jessup, 61 Ind. 413 (1875) (a person is not subject to convinction and punishment in this sate for a crime commited outside the state).

33...Esta foi a política defendida na Suprema Corte desde a independência dos Estados Unidos, concretizada pelo Chief Justice Marshall no julgamento do caso Schooner Exchange v. McFaddon (BRIGSS, op. cit, p. 241) e The Antelope (BRIGGS, op. cit., p. 12), no qual se asseverou:"the jurisdiction of the nation, within its own territory, is necessarily exclusive and absolute; it is susceptible of no limitation not imposed by itself. Any restriction upon it, derived validity from a external source, would imply a diminution of its sovereignty, to the extend of the restriction...in that power which could impose such restriction. All exceptions , therefore, to the full and complete power of a nation, within its own territory, must be traced up to the consent of the nation itself." ..." courts of no country execute the penal law of another".

34.....Julgado no México em 1827. Cutting, um cidadão norte-americano, publicou em um jornal local do México um artigo injurioso contra o médico mexicano Medina. Em juízo, Cutting comprometeu-se a retratar-se publicamente também num jornal, o que fez em letras minúsculas, num texto quase ininteligível. Na mesma data fez publicar num jornal americano em El Paso, no Texas, novo artigo injurioso. Medina voltou a processar Cutting no México. O juiz mexicano, ao fixar sua competência para julgar o caso, asseverou..."que mesmo supondo, sem que aceite o fato, que a ofensa penal da difamação foi cometida no território do Texas, a circunstância de ter o jornal de El Paso, Sunday Herald, circulado nesta cidade,..., constituiu a consumação do crime, em conformidade com o art. 664 do C. Pen" (in BRIGGS, op. cit., nota 17, p. 283 e 574).

35....BASSIOUNI, op. cit.,v. 2- procedure, p. 17, nota 39: "The principal that a man who, outside of a country willfully puts in motion a force to take effect in it is answerable to the place were the evil is done, is recognized in the criminal jurisprudence of all countries".

36...MAGALHÃES, op. cit., p. 95; e BASSIOUNI, op. cit., v. 2 - procedure, p. 18: O enunciado do princípio da territorialidade objetiva foi declarado no julgamento do caso Strassheim v. Dailey (Suprema Corte, 1911), no qual o Chief Justice Holmes sentenciou: "Acts done outside a jurisdiction, but intended to produce and producing detrimental effects within it, justify a state in punishing a cause of the harm as if he had been present at the effect, if the state should succeed in getting him within its power".

37....Nos Estados Unidos o princípio da personalidade passiva sempre foi repudiado, o que se deu em duas oportunidades distintas: no caso Cutting (1887) e num caso similar em 1940 . Vejam-se alguns cometários do Departamento de Estado dos Estados Unidos sobre estes julgados: (Cutting)..."[T]he assumption of the Mexican Tribunal, under the law of Mexico, to punish a citizen of the United State for a offense wholly commited and consumated in his own country against its laws was an invasion of the independence oh this Government...". (1940)..."This Government continues to deny that, according to the principles of international law, an American citizen can be justly held in Mexico to answer for an offense commited in the United States, simply because the object of that offense happens to be a Mexican citizen, and its remains that according to the principles of international law." (BASSIOUNI, op. cit., v.2 - procedure, p. 30 e nota 104). Veja-se também trecho da moção de repúdio do governo dos Estados Unidos à adoção da teoria da personalidade passiva pelo Supremo Tribunal do México por ocasião do julgamento do caso Cutting - 1827 (in BRIGGS, op. cit., p. 574, nota 17; BASSIOUNI, .idem, p. 29): "A State does not have jurisdiction to prescribe a rule of law attaching a legal consequence to conduct of a alien outside its territory merely on the ground that the conduct affects one of its nationals".

38....BASSIOUNI, op., cit., v. 2 - procedure, p. 28: tradução livre do autor.

39.....Esta seria uma alternativa à maioria dos sistemas jurídicos, tal como o brasileiro, onde o juízo de delibação sobre decisões estrangeiras repousa na competência constitucional do Supremo Tribunal Federal (Constituição Federal de 1988, art. 102, I, "h").

40......Este título foi inteiramente baseado em texto de Georg Schwarzenberger (SCHWARZENBERGER, Georg. The Problem of an International Criminal Law, in MUELLER, Gerhard O. W. & WISE Edward M. International Criminal Law, New York University, NY, Fred B. Rothman & Co, 1965, p. 03/37). Ver também: DERBY, Daniel H. A Framework for International Criminal Law, in BASSIOUNI, op. cit., v. 1- crimes, p. 33.

41.....Este direito cristalizou-se na Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar, assinada em Montego Bay em 10.12.69, e que entrou em vigor internacionalmente em 16.11.94. Contudo, foi ratificada e incorporada ao direito brasileiro somente em 1995, através do Decreto 1.530, de 22.06.95. (RANGEL, op. cit., p. 337).

42......BASSIOUNI, op. cit, v.1 - crimes, p. 3.

43.......Ver Convenção de São José da Costa Rica (in RANGEL, op. cit., p. 704 e ss.).

44.......BASSIOUNI, op. cit., v.1- crimes, p. 2.

45......Idem.

46.......BASSIOUNI, op. cit., v. 1 - crimes, p. 6.

47........Idem.

48.........BASSIOUNI, op. cit., v. 1 - crimes, p. 4.

49........."O tribunal foi estabelecido [em virtude de e] para implementar a Declaração do Cairo de 01 de dezembro de 1943, da Declaração de Potsdam de 26 de julho de 1945, do Instrumento de Rendição de 02 de setembro de 1945 e da Conferência de Moscow de 26 de dezembro de 1945" (tradução livre do autor para o primeiro parágrafo do Capítulo I do julgamento -(Tóquio, 1946 - dos crimes de guerra cometidos por oficiais japoneses - BASSIOUNI, op., cit., v. 3 - enforcement, p. 139).

50.....BASSIOUNI, op., cit., v. 3 - enforcement, p. 129.

51.....No âmbito das Nações Unidas: Relatório do Comitê sobre Jurisdição Penal Internacional - 27 de julho a 20 de agosto de 1953 [Assembléia Geral, Arquivos oficiais: nona sessão, suplemento nº 12 (A/2645), Nova York, 1954]. Juntamente com o relatório do Comitê foi elaborada uma proposta de estatuto para a Corte a ser criada. O propósito desta corte penal internacional, segundo os estudos do Comitê, era o processo e julgamento de pessoas acusadas de crimes reconhecidos pelo direito internacional (art.1º), podendo ser aplicado ao caso o direito internacional, inclusive direito penal internacional ou, quando apropriado, direito interno (art. 2º). A Corte seria permanente, sendo que suas sessões ocorreriam somente quando requeridas para julgamento (art. 3º). A jurisdição da Corte não seria presumida, já que os Estados deveriam conferir-lhe jurisdição através de convenção, acordo prévio e especial ou declaração unilateral de vontade (art. 26). As punições aos condenados seriam aquelas previamente estabelecidas no instrumento que confere jurisdição à corte (art. 32). (in BASSIOUNI, op. cit., vol. 3 - enforcement, p. 205/256).

52...."Draf Convention on the Establishment of an International Penal Tribunal for the Suppression and Punishment of the Crime of Apartheid and other International Crimes", in BASSIOUNI, op. cit., v. 3 - enforcement, p. 276.

53.....Os apontamentos que se faz sobre o Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia foram inteiramente baseados no texto de Geraldo Miniucci FERREIRA JR., O Tribunal Criminal para a Iugoslávia, in "Solução e Prevenção de Litígios Internacionais", obra organizada por Araminta de Azevedo MERCADANTE e José Carlos de MAGALHÃES, coordenadores do Núcleo de Estudos sobre Controvérsias Internacionais - NECIN, projeto CAPES, 1998, p. 93. O tribunal para a ex-Iugoslávia foi estabelecido por resolução do Conselho de Segurança da ONU (Resolução 808, de 22 de fevereiro de 1993). A completa relação das resoluções baixadas pelo Conselho de Segurança com relação à ex-Iugoslávia e ao Tribunal podem ser conferidas na obra do Prof. FERREIRA JR, p. 97/98. Estão sendo processados pelo Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia os seguintes indivíduos (casos/número referência): Tadic (IT-94-1); Nikolic (IT-94-2); Borovnica (IT-95-3); Meakic e outros (IT-95-4); Karadzic e Mladic (IT-95-5 e IT-95-18); Lasva Valley (IT-95-6); Blaskic (IT-95-14); Aleksovski (IT-95-14/1); Kordic e outros (IT-95-14/2); Marinic (IT-95-15); Kupreskic e outros (IT-95-16); Furundzija (IT-95-17/1-PT); Sikirica e outros (IT-95-8); Miljkovic e outros (IT-95-9); Jelisic e Cesic (IT-95-10); Martic (IT-95-11); Rajic (IT-95-12); Mrksic, Radic, Sljivancanin e Dokmanovic (IT-95-13a); Djukic e Krsmanovic (IT-96-19); Djukic (IT-96-20); Delalic e outros (IT-96-21); Erdemovic (IT-96-22); Gagovic e outros (IT-96-23); Kovacevic (IT-97-24); Krnojelac (IT-97-25); Kvocka e outros(IT-98-30), Krstic(IT-98-33) - fonte: http:\\www.un.org\rights. Ver também: International Criminal Court for the Former Yugoslavia: international arrest warrants and orders for surrender for RADOVAN KARADIZIC and RATKO MLADIC (36 International Legal Material 92 (1997); International Criminal Court for the Former Yugoslavia: excerpts from judgment in prosecutor v. DUSKO TADIC and Dissenting Opinion (36 International Legal Material 908 (1997).

54.....O Tribunal Penal Internacional para Ruanda foi criada pelo Conselho de Segurança da ONU através da Resolução 955 de 08.11.1994, com o propósito de processar a reconciliação interna em Ruanda e a manutenção da paz na região, bem como para processar e julgar pessoas responsáveis por crimes de genocídio e outras sérias violações cometidos no território de Ruanda, bem como para processar e julgar cidadão ruandeses que tenha cometido estes mesmos crimes em territórios adjacentes ( Ratione temporis, considerou-se a competência e jurisdição da corte internacional somente para os atos e fatos consumados entre 01 de janeiro e 31 de dezembro de 1994. Atualmente 28 processos pesam sobre 45 pessoas. Duas delas foram condenadas à pena de prisão perpétua e uma a 15 anos de prisão: o PrimeroMinistro de Ruanda, Jean Kambanda, foi condenado a prisão perpétua em 04 de setembro de 1998, após ter sido considerado culpado por genocídio e crimes contra a humanidade; ele apelou da sentença. Jean-Paul Akayesu foi também condenado por crimes de genocídio e contra a humanidade e sentenciado à prisão perpétua em 02 de outubro de 1998 (Akayesu e o Promotor apelaram da sentença); Omar Serushago foi condenado a 15 anos de prisão em 05.02.98. Além destas condenações, outros julgamentos ainda estão em trâmite perante o Tribunal: Georges Anderson Nderubumwe Rutaganda (iniciado em 18.03.97), Alfred Musema (iniciado em 25.01.99) e o julgamento de Clement Kayishema e Obed Ruzindana, iniciado em 11.04.97 e terminado em 17.11.98, cuja sentença se aguarda para este ano. No que se refere aos demais acusados, no Complexo Penitenciário de Arusha estão em custódia 36 indivíduos, 35 dos quais em Arusha e 01 no Estado do Texas, Estados Unidos.

55.....MORIS, Virginia & BOURLOYANNIS-VRAILAS, M. Christine. The work of the Sisth Committee at the Fiftieth Session of the UN General Assembly, American Journal of International Law, 1996, vol. 90, nº 03, p. 496.

56.....HALL, Christopher Keith. The First Two Sessions of the UN Preparatory Committee on the Establishment of an International Criminal Court, American Journal of International Law, 1997, vol. 91, nº 01, p. 177.

57......Idem, p. 178.

58......Tradução livre do autor: "...in order to complete the drafting of a widely acceptable consolidated text of a convention, to be submitted to a diplomatic conference" (HALL, op. cit., p. 124).

59.....Tradução livre do autor: .. "A diplomatic conference of plenipotentiares will be held in 1998, with a view to finalizing and adopting a convention on the establishment of an international criminal court." (Idem).

60......HALL, Christopher Keith. The Third and Fourth Sessions of the UN Preparatory Committee on the Establishment of an International Criminal Court, American Journal of International Law, 1998, vol. 92, nº 01, p. 124.

61....HALL, Christopher Keith. The Fifth Session of the UN Preparatory Committee on the Establishment of an International Criminal Court, American Journal of International Law, 1998, vol. 92, nº 02, p. 331.

62....Fonte: statute of international criminal court.

63....Do texto original - art. 1º: "Article 1. The Court. An International Criminal Court ("the Court") is hereby established. It shall be a permanent institution and shall have the power to exercise its jurisdiction over persons for the most serious crimes of international concern, as referred to in this Statute, and shall be complementary to national criminal jurisdictions. The jurisdiction and functioning of the Court shall be governed by the provisions of this Statute.

64....Do texto original: "Article 80. Non-prejudice to national application of penalties and national laws. Nothing in this Part of the Statute affects the application by States of penalties prescribed by their national law, nor the law of States which do not provide for penalties prescribed in this Part."

65....Do Preâmbulo original do Estatuto: "Conscious that all peoples are united by common bonds, their cultures pieced together in a shared heritage, and concerned that this delicate mosaic may be shattered at any time, Mindful that during this century millions of children, women and men have been victims of unimaginable atrocities that deeply shock the conscience of humanity, Recognizing that such grave crimes threaten the peace, security and well-being of the world, Affirming that the most serious crimes of concern to the international community as a whole must not go unpunished and that their effective prosecution must be ensured by taking measures at the national level and by enhancing international cooperation, Determined to put an end to impunity for the perpetrators of these crimes and thus to contribute to the prevention of such crimes, Recalling that it is the duty of every State to exercise its criminal jurisdiction over those responsible for international crimes, Reaffirming the Purposes and Principles of the Charter of the United Nations, and in particular that all States shall refrain from the threat or use of force against the territorial integrity or political independence of any State, or in any other manner inconsistent with the Purposes of the United Nations, Emphasizing in this connection that nothing in this Statute shall be taken as authorizing any State Party to intervene in an armed conflict in the internal affairs of any State, Determined to these ends and for the sake of present and future generations, to establish an independent permanent International Criminal Court in relationship with the United Nations system, with jurisdiction over the most serious crimes of concern to the international community as a whole, Emphasizing that the International Criminal Court established under this Statute shall be complementary to national criminal jurisdictions, Resolved to guarantee lasting respect for the enforcement of international justice, Have agreed as follows:..."

66....Do texto original - art. 5º: Article 5. Crimes within the jurisdiction of the Court. 1. The jurisdiction of the Court shall be limited to the most serious crimes of concern to the international community as a whole.  The Court has jurisdiction in accordance with this Statute with respect to the following crimes: (a) The crime of genocide; (b) Crimes against humanity; (c) War crimes; (d) The crime of aggression. 2. The Court shall exercise jurisdiction over the crime of aggression once a provision is adopted in accordance with articles 121 and 123 defining the crime and setting out the conditions under which the Court shall exercise jurisdiction with respect to this crime.  Such a provision shall be consistent with the relevant provisions of the Charter of the United Nations.

67...Do texto original - art. 121, 4:"Article 121.Amendments. ...4. Except as provided in paragraph 5, an amendment shall enter into force for all States Parties one year after instruments of ratification or acceptance have been deposited with the Secretary-General of the United Nations by seven-eighths of them."

68.....Do texto original - art. 119: "Article 119. Settlement of disputes. 1. Any dispute concerning the judicial functions of the Court shall be settled by the decision of the Court. 2. Any other dispute between two or more States Parties relating to the interpretation or application of this Statute which is not settled through negotiations within three months of their commencement shall be referred to the Assembly of States Parties. The Assembly may itself seek to settle the dispute or make recommendations on further means of settlement of the dispute, including referral to the International Court of Justice in conformity with the Statute of that Court."

69....De acordo com o art. 120 do Estatuto, não são admitidas reservas ao seu texto.

70.....A previsão sobre emendas de caráter geral e emendas decaráter institucional estão disciplinadas nos artigos 121 e 122 do Estatuto.

71....Cf. art. 123 do Estatuto.

72....Cf. art. 127 do Estatuto.

73....Do texto original - art. 3º: Article 3. Seat of the Court. 1. The seat of the Court shall be established at The Hague in the Netherlands ("the host State"). 2. The Court shall enter into a headquarters agreement with the host State, to be approved by the Assembly of States Parties and thereafter concluded by the President of the Court on its behalf. 3. The Court may sit elsewhere, whenever it considers it desirable, as provided in this Statute."

74.....Do texto original: " Article 4. Legal status and powers of the Court. 1. The Court shall have international legal personality. It shall also have such legal capacity as may be necessary for the exercise of its functions and the fulfillment of its purposes. 2. The Court may exercise its functions and powers, as provided in this Statute, on the territory of any State Party and, by special agreement, on the territory of any other State."

75....Do texto original - art. 1º: "Article 1. The Court. An International Criminal Court ("the Court") is hereby established. It shall be a permanent institution and shall have the power to exercise its jurisdiction over persons for the most serious crimes of international concern, as referred to in this Statute, and shall be complementary to national criminal jurisdictions. The jurisdiction and functioning of the Court shall be governed by the provisions of this Statute."

76....Do texto original - art. 13: " Article 13. Exercise of jurisdiction. The Court may exercise its jurisdiction with respect to a crime referred to in article 5 in accordance with the provisions of this Statute if: (a) A situation in which one or more of such crimes appears to have been committed is referred to the Prosecutor by a State Party in accordance with article 14; (b) A situation in which one or more of such crimes appears to have been committed is referred to the Prosecutor by the Security Council acting under Chapter VII of the Charter of the United Nations; or (c) The Prosecutor has initiated an investigation in respect of such a crime in accordance with article 15."

77.....Este exemplo deve ser considerado na amplitude das possibilidades que um caso desta natureza oferece. Se o Estatuto entrar em vigor por certo haverá muitos conflitos entre a Corte e os Estados não-Partes cujos nacionais lá são acusados. Os Estados Unidos, por exemplo, que nas reuniões do comitê Preparatório e na própria Conferência se posicionou contrário à jurisdição internacional da Corte tal como concebida no Estatuto, é um Estado que secularmente tem declarado através de sua jurisprudência - especialmente da Suprema Corte - a competência legal internacional sobre seus nacionais, mesmo fora de seu território. Um conflito desta natureza - Corte v. Estado não-Parte, om qual envolve a interpretação e aplicação de regras do Estatuto, provavelmente acabará por ser resolvido pela Corte Internacional de Justiça, tal como prevê expresamente o artigo 119 do Estatuto.

78...Do texto original: "Article 30. Mental element. 1. Unless otherwise provided, a person shall be criminally responsible and liable for punishment for a crime within the jurisdiction of the Court only if the material elements are committed with intent and knowledge. 2. For the purposes of this article, a person has intent where: (a) In relation to conduct, that person means to engage in the conduct; (b) In relation to a consequence, that person means to cause that consequence or is aware that it will occur in the ordinary course of events. 3. For the purposes of this article, "knowledge" means awareness that a circumstance exists or a consequence will occur in the ordinary course of events. "Know" and "knowingly" shall be construed accordingly."

79....De acordo com a letra (d) do artigo 8º do Estatuto de Roma, os crimes de guerra tipificados no parágrafo 2, (c) deste mesmo artigo (o qual se refere expressamente ao artigo 3º comum às quatro Convenções de Genebra de 1949), também se aplicam a conflitos armados de caráter não internacional, excluídas, contudo, as situações internas de distúrbios e tensões, tais como atos isolados ou esporádicos de violência ou outros atos de natureza similar.

80....Do texto original: "Article 9. Elements of Crimes. 1. Elements of Crimes shall assist the Court in the interpretation and application of articles 6, 7 and 8. They shall be adopted by a two-thirds majority of the members of the Assembly of States Parties...."

81...Elementos objetivos - conduta, objeto material... e subjetivos - dolo, sentimento de injusto e culpa em sentido estrito. (MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de Direito Penal, v. 2, 6ª ed., São Paulo, Atlas, 1991, p. 27/28)

82...Do texto original - art. 10º: " Article 10. Nothing in this Part shall be interpreted as limiting or prejudicing in any way existing or developing rules of international law for purposes other than this Statute."

83....Cf. Capítulo VII da Carta das Nações Unidas (RANGEL, op. cit., p. 44).

84.....Promotor (prosecuter), atribuições e poderes:artigos 09, 13 a 15, 18, 19, 53 a 58, 60, 61, 65 a 68, 72, 76, 81, 83, 84, 93 a 95, 99, 100 e 112, todos do Estatuto.

85......Sobre a Câmara de Pré-Julgamento ver artigos 56 a 61.

86....Sobre os requisitos de admissibilidade de caso perante a Corte Penal Internacional ver o artigos 17 e 18 do Estatuto.

87....Do texto original - art. 20:"Article 20. Ne bis in idem. 1. Except as provided in this Statute, no person shall be tried before the Court with respect to conduct which formed the basis of crimes for which the person has been convicted or acquitted by the Court. 2. No person shall be tried before another court for a crime referred to in article 5 for which that person has already been convicted or acquitted by the Court. 3. No person who has been tried by another court for conduct also proscribed under articles 6, 7 or 8 shall be tried by the Court with respect to the same conduct unless the proceedings in the other court: (a) Were for the purpose of shielding the person concerned from criminal responsibility for crimes within the jurisdiction of the Court; or (b) Otherwise were not conducted independently or impartially in accordance with the norms of due process recognized by international law and were conducted in a manner which, in the circumstances, was inconsistent with an intent to bring the person concerned to justice."

88....Do texto original - art. 21:"Article 21. Applicable law. The Court shall apply:  (a) In the first place, this Statute, Elements of Crimes and its Rules of Procedure and Evidence; (b) In the second place, where appropriate, applicable treaties and the principles and rules of international law, including the established principles of the international law of armed conflict; (c) Failing that, general principles of law derived by the Court from national laws of legal systems of the world including, as appropriate, the national laws of States that would normally exercise jurisdiction over the crime, provided that those principles are not inconsistent with this Statute and with international law and internationally recognized norms and standards. 2. The Court may apply principles and rules of law as interpreted in its previous decisions. 3. The application and interpretation of law pursuant to this article must be consistent with internationally recognized human rights, and be without any adverse distinction founded on grounds such as gender, as defined in article 7, paragraph 3, age, race, color, language, religion or belief, political or other opinion, national, ethnic or social origin, wealth, birth or other status."

89.....Do texto original- art. 22: "Article 22. Nullum crimen sine lege. 1. A person shall not be criminally responsible under this Statute unless the conduct in question constitutes, at the time it takes place, a crime within the jurisdiction of the Court. 2. The definition of a crime shall be strictly construed and shall not be extended by analogy. In case of ambiguity, the definition shall be interpreted in favor of the person being investigated, prosecuted or convicted. 3. This article shall not affect the characterization of any conduct as criminal under international law independently of this Statute."

90....Do texto original - art. 23: "Article 23.  Nulla poena sine lege. A person convicted by the Court may be punished only in accordance with this Statute."

91....Do texto original - art. 24: "Article 24. Non-retroactivity ratione personae. 1. No person shall be criminally responsible under this Statute for conduct prior to the entry into force of the Statute. 2. In the event of a change in the law applicable to a given case prior to a final judgement, the law more favorable to the person being investigated, prosecuted or convicted shall apply."

92....Do texto original - art. 25: "Article 25. Individual criminal responsibility. 1. The Court shall have jurisdiction over natural persons pursuant to this Statute. 2. A person who commits a crime within the jurisdiction of the Court shall be individually responsible and liable for punishment in accordance with this Statute. 3. In accordance with this Statute, a person shall be criminally responsible and liable for punishment for a crime within the jurisdiction of the Court if that person: (a) Commits such a crime, whether as an individual, jointly with another or through another person, regardless of whether that other person is criminally responsible; (b) Orders, solicits or induces the commission of such a crime which in fact occurs or is attempted; (c) For the purpose of facilitating the commission of such a crime, aids, abets or otherwise assists in its commission or its attempted commission, including providing the means for its commission; (d) In any other way contributes to the commission or attempted commission of such a crime by a group of persons acting with a common purpose. Such contribution shall be intentional and shall either: (i) Be made with the aim of furthering the criminal activity or criminal purpose of the group, where such activity or purpose involves the commission of a crime within the jurisdiction of the Court;

93....Do texto original - art. 26: "Article 26. Exclusion of jurisdiction over persons under eighteen. The Court shall have no jurisdiction over any person who was under the age of 18 at the time of the alleged commission of a crime."

94....Do texto original - art. 27: "Article 27. Irrelevance of official capacity.1. This Statute shall apply equally to all persons without any distinction based on official capacity. In particular, official capacity as a Head of State or Government, a member of a Government or parliament, an elected representative or a government official shall in no case exempt a person from criminal responsibility under this Statute, nor shall it, in and of itself, constitute a ground for reduction of sentence. 2. Immunities or special procedural rules which may attach to the official capacity of a person, whether under national or international law, shall not bar the Court from exercising its jurisdiction over such a person."

95....Do texto original - art. 28: " Article 28. Responsibility of commanders and other superiors. In addition to other grounds of criminal responsibility under this Statute for crimes within the jurisdiction of the Court: 1. A military commander or person effectively acting as a military commander shall be criminally responsible for crimes within the jurisdiction of the Court committed by forces under his or her effective command and control, or effective authority and control as the case may be, as a result of his or her failure to exercise control properly over such forces, where: (a) That military commander or person either knew or, owing to the circumstances at the time, should have known that the forces were committing or about to commit such crimes; and (b) That military commander or person failed to take all necessary and reasonable measures within his or her power to prevent or repress their commission or to submit the matter to the competent authorities for investigation and prosecution.

96....Do texto original - art. 29: "Article 29. Non-applicability of statute of limitations. The crimes within the jurisdiction of the Court shall not be subject to any statute of limitations."

97...Sobre o elemento mental: ver nota 79 retro.

98....Do texto original - art. 31:" Article 31. Grounds for excluding criminal responsibility. 1. In addition to other grounds for excluding criminal responsibility provided for in this Statute, a person shall not be criminally responsible if, at the time of that person´s conduct: (a) The person suffers from a mental disease or defect that destroys that person´s capacity to appreciate the unlawfulness or nature of his or her conduct, or capacity to control his or her conduct to conform to the requirements of law; (b) The person is in a state of intoxication that destroys that person´s capacity to appreciate the unlawfulness or nature of his or her conduct, or capacity to control his or her conduct to conform to the requirements of law, unless the person has become voluntarily intoxicated under such circumstances that the person knew, or disregarded the risk, that, as a result of the intoxication, he or she was likely to engage in conduct constituting a crime within the jurisdiction of the Court; (c) The person acts reasonably to defend himself or herself or another person or, in the case of war crimes, property which is essential for the survival of the person or another person or property which is essential for accomplishing a military mission, against an imminent and unlawful use of force in a manner proportionate to the degree of danger to the person or the other person or property protected. The fact that the person was involved in a defensive operation conducted by forces shall not in itself constitute a ground for excluding criminal responsibility under this subparagraph; (d) The conduct which is alleged to constitute a crime within the jurisdiction of the Court has been caused by duress resulting from a threat of imminent death or of continuing or imminent serious bodily harm against that person or another person, and the person acts necessarily and reasonably to avoid this threat, provided that the person does not intend to cause a greater harm than the one sought to be avoided. Such a threat may either be: (i) Made by other persons; or (ii) Constituted by other circumstances beyond that person´s control. 2. The Court shall determine the applicability of the grounds for excluding criminal responsibility provided for in this Statute to the case before it. 3. At trial, the Court may consider a ground for excluding criminal responsibility other than those referred to in paragraph 1 where such a ground is derived from applicable law as set forth in article 21.  The procedures relating to the consideration of such a ground shall be provided for in the Rules of Procedure and Evidence.

99....Do texto original - art. 32: "Article 32. Mistake of fact or mistake of law. 1. A mistake of fact shall be a ground for excluding criminal responsibility only if it negates the mental element required by the crime. 2. A mistake of law as to whether a particular type of conduct is a crime within the jurisdiction of the Court shall not be a ground for excluding criminal responsibility. A mistake of law may, however, be a ground for excluding criminal responsibility if it negates the mental element required by such a crime, or as provided for in article 33."

100....Cf. art. 33 do Estatuto.

101.....Do texto original - art. 63, 1: " Article 63. Trial in the presence of the accused. 1. The accused shall be present during the trial...."

102......Do texto original - art. 66, 1 e 2: "Article 66. Presumption of innocence. 1. Everyone shall be presumed innocent until proved guilty before the Court in accordance with the applicable law. 2. The onus is on the Prosecutor to prove the guilt of the accused. 3. In order to convict the accused, the Court must be convinced of the guilt of the accused beyond reasonable doubt." Verifica-se, ainda, que o tribunal deverá absolver o acusado se não totalmente convencido de sua culpa (dúvida razoável).

103...Entendimento expresso nos artigos 59, 87 a 92 do Estatuto.

104....Do texto original - art. 77: "Article 77. Applicable penalties. 1. Subject to article 110, the Court may impose one of the following penalties on a person convicted of a crime under article 5 of this Statute: (a) Imprisonment for a specified number of years, which may not exceed a maximum of 30 years; or (b) A term of life imprisonment when justified by the extreme gravity of the crime and the individual circumstances of the convicted person.

105....Vide Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, art. 5º, XLVII: não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis. (Constituição da República Federativa do Brasil, Coleção Saraiva de Legislação, 21ª ed., Saraiva, São Paulo, 1999, p. 9).

106....Do texto original - art. 119: "Article 119. Settlement of disputes. 1. Any dispute concerning the judicial functions of the Court shall be settled by the decision of the Court. 2. Any other dispute between two or more States Parties relating to the interpretation or application of this Statute which is not settled through negotiations within three months of their commencement shall be referred to the Assembly of States Parties. The Assembly may itself seek to settle the dispute or make recommendations on further means of settlement of the dispute, including referral to the International Court of Justice in conformity with the Statute of that Court."

107....Vide artigos 113 a 118 do Estatuto.

108....Não antes de três meses após o recebimento da proposta, a Assembléia Geral de Estados Parte decidirá pela maioria de votos presentes sobre a pertinência da proposta de emenda. A decisão sobre a aprovação de emenda ou de revisão do Estatuto será tomada por maioria de dois terços dos Estados Parte (art. 121, 2).


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Periódico:

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Fontes Internet (íntegra de textos de estatutos):

Organização das Nações Unidas :

International Criminal Tribunal for the Former Yugoslavia:

International Criminal Tribunal for Rwanda:

International Criminal Court - Rome Estatute:


Autor


Informações sobre o texto

Texto originalmente publicado em "Solução e Prevenção de Litígios Internacionais", v. 2, organizado por Araminta de Azevedo Mercadante e José Carlos de Magalhães, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 317.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORE, Rodrigo Fernandes. A prevenção e solução de litígios internacionais no direito penal internacional: fundamentos, histórico e estabelecimento de uma corte penal internacional (Tratado de Roma, 1998). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 55, 1 mar. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2819. Acesso em: 18 abr. 2024.