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A Certificação de Entidades de Assistência Social - CEBAS e sua evolução legislativa

A Certificação de Entidades de Assistência Social - CEBAS e sua evolução legislativa

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O presente artigo tem como escopo expor a evolução histórica da certificação das entidades beneficentes de assistência social, realizando os problemas enfrentados na efetivação e na aplicação de seu arcabouço jurídico.

Introdução

A entidade do terceiro setor, que promova ações nas áreas de saúde, educação e assistência social, tem o direito de pleitear o certificado de entidades beneficentes de assistência social-CEBAS, que é o ponto de partida para concessão de isenção da contribuição para seguridade social, prevista no art. 195, §7º, da Constituição Federal, além de também ser requisito para transferência de recursos públicos, a título de subvenções sociais, conforme o estabelecido na Lei de Diretrizes Orçamentárias  e pleitear as isenções na Contribuição Social sobre o Lucro Líquido-CSLL; Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social- COFINS; PIS/PASEP, conforme o art. 3°, ??§ 5º, da Lei 11.457/2007.

A importância da certificação é de fundamental importância para vida das entidades de assistência social, já que a economia gira em torno de 25% (vinte e cinco por cento) sobre a folha de pagamento das entidades, que é a parte patronal da contribuição previdenciária sobre a folha de pagamento-INSS. Estima-se que essas isenções geram uma renúncia de R$ 6 bilhões ao Estado.

As benesses advindas da certificação são refletidas na procura das entidades nos órgãos competentes para expedição do diploma.  São aproximadamente 15.500 processos em trâmite nos Ministérios da Saúde, da Educação e do Desenvolvimento Social e Combate, que visam à concessão ou a renovação do CEBAS.

Entretanto, em decorrência de omissão legislativa, controvérsias jurídicas e interesses políticos e econômicos, a certificação de entidades de assistência social é um caminho tortuoso e penoso para ambas às partes envolvidas no processo.

Como se percebe, a relevância do CEBAS é indiscutível tanto para as entidades como o governo, já que para a primeira representará incentivos e fomentos para a boa execução da prestação de seu serviço e a para segunda importante auxilio na efetivação do direito à saúde, à educação e ao bem estar social da sociedade mais carente.

Diante disso, o presente artigo tem como escopo introduzir o leitor ao mundo cebasiano, oportunizar uma visão geral sobre a evolução e os problemas enfrentados para a consecução do CEBAS.  

Inicialmente, realizar-se-á uma breve exposição de conceitos necessários para compreensão e apresentação do tema. Ato contínuo fará uma apreciação da evolução legal do CEBAS, desde sua gênese com o Certificado de Entidades de Fins Filantrópicos-CEFF até a regulamentação art. 195, §7º, da Constituição Federal pelas legislações infraconstitucionais.   

Espera-se que, pelo menos em parte, o trabalho sirva aos interessados como uma orientação e informação sobre a aplicação da lei do CEBAS.

1 - Entidades Beneficentes de Assistência Social e a Isenção Constitucional da Contribuição para Seguridade Social

O artigo 195, § 7º, da Constituição Federal estabelece que as entidades beneficentes de assistência social sejam isentas[1] de contribuições para a seguridade social desde que atendam as exigências da lei.

Mas afinal, o que se entende por entidades beneficentes de assistência social?

Primeiramente, o leitor precisa compreender o que Entidade de Assistência Social e a chamada de Entidade Filantrópica não se confundem.

Nos ensinamentos de Andrei Velloso[2], entidade de assistência social é gênero, enquanto entidade filantrópica é espécie, onde aquela atua nas áreas sociais, as quais o Estado é deficiente, sem fins lucrativos, sendo que o conceito de entidade filantrópica é mais restrito e envolve entidades que realizam a filantropia, ou seja, a prestação de serviços gratuitos, mesmo que apenas em determinados percentuais.

Sacha Calmon explica, com muitos méritos, a diferenciação entre inexistência de fins lucrativos e filantropias, sendo as entidades sem fins lucrativos aquelas que não se apropriam dos resultados operacionais, ou seja, não distribuem resultados entre sócios ou mantenedores ou associados reinvestindo tudo o que ganham e, cada vez mais, em atividades-meio capazes de sustentar os planos educacionais e assistenciais próprios dessas entidades. Caso contrário, a imunidade em tela ficaria reduzida a caridade e a filantropia, o que não esteve nos cálculos do constituinte que dá à sociedade a possibilidade de cooperar com o governo nas esferas de educação e da assistência e previdência sociais (paraestatalidade) com organismos fortes, autossuficientes e progressistas, certo que sem atividade econômica própria não poderiam tais entes desenvolver as funções educacionais e assistenciais a que se propuseram.[3]

Desse modo, a usufruição da isenção Constitucional encontrado no art. 195, §7º, seja exercida por entidade de assistência social assistencial assim considerado em sentido amplo, não se restringindo apenas às entidades filantrópicas.

É bom enfatizar essa diferenciação já que anteriormente a Constituição Federal de 1988, a Lei nº 3.577, de 4 de julho de 1959[4], bem como o Decreto nº 1.172, de 1972, falavam sobre isenção da taxa de contribuição da previdência para as entidades de fins filantrópicos e sobre o Certificado de Entidades de Fins Filantrópicos -CEFF.

Atualmente, a Lei nº 12.101/2009, considera como entidade beneficente de assistência social a pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, reconhecidas como entidades beneficentes de assistência social com a finalidade de prestação de serviços nas áreas de assistência social, saúde ou educação, e que atendam ao disposto nesta Lei.

Retornando artigo 195, § 7º, da Constituição Federal de 1988, importante destacar a incoerência técnica da expressão “isenção” o que deveria ser, na verdade,  tratar de imunidade tributária.

Sobre o instituto da imunidade tributária, Luciano Amaro (2003, p.148/149) leciona: “A imunidade tributária é, assim, a qualidade da situação que não pode ser atingida pelo tributo, em razão de norma constitucional que, à vista de alguma especificidade pessoal ou material dessa situação, deixou-a fora do campo sobre que é autorizada a instituição do tributo.”

Quanto à isenção tributária é a dispensa de recolhimento de tributo que o Estado concede a certas pessoas e em determinadas circunstâncias, utilizando-se para isto de leis infraconstitucionais.

Como se observa, a diferença entre imunidade tributária e a isenção tributária, é que aquela advém de norma constitucional, e esta advém de norma infraconstitucional. Desta forma, resta inequívoco o erro cometido pelo constituinte ao fazer referência ao instituto de isenção ao invés de imunidade tributária.[5]

1.1- A discussão sobre a regulamentação do art. 195, §7º, da Constituição Federal.

Como o § 7º do art. 195 do dispositivo constitucional tem eficácia limitada, que são aquelas normas que, de imediato, no momento em que a Constituição é promulgada, não têm o condão de produzir todos os seus efeitos, precisando de uma lei integrativa infraconstitucional.[6]

No sentido de regulamentar a isenção prevista no art. 197, §7º, da Constituição Federal, foi publicada a Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, que dispõe sobre a organização da Seguridade Social, institui o plano de custeio e dá outras providências.

A Lei nº 8.212, de 1991, estabelecia, em seu artigo 55, os requisitos para a concessão de isenção das contribuições previdenciárias às entidades beneficentes de assistência social.

Outro ponto a ser destacado, era que o pedido de isenção deveria ser requerido perante o Instituto Nacional do Seguro Social- INSS, que depois da edição da Lei nº 12.101, de 2009, passou a ser requerido perante a Receita Federal.

Desta forma, verificam-se dois procedimentos distintos: a) a Certificação de Entidade Beneficente de Assistência Social; e b) o pedido de isenção das contribuições previdenciárias; Sendo que a concessão do primeiro não significa a isenção automática do segundo, porém para o requerimento do segundo necessário ter o deferimento do primeiro. Portanto, ainda hoje, a entidade de assistência social precisa percorrer esses dois caminhos para poder usufruir da benesse constitucional.

Dentre os requisitos a serem cumpridos pelas entidades de assistência social, destacava-se a necessidade da entidade ser portadora do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social, o famigerado, CEBAS, fornecido pelo Conselho Nacional de Assistência Social- CNAS, órgão vinculado ao Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

O Decreto nº 752, de 16 de fevereiro de 1993, foi o primeiro ato normativo que dispôs sobre a concessão do Certificado de Entidades de Fins Filantrópicos, a que se refere o art. 55, inciso II, da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991. Contudo, com a instituição da Lei Orgânica de Assistência Social, como veremos a seguir, mudou-se o paradigma e necessitou fazer algumas adequações.

O referido dispositivo legal foi modificado pela Lei nº 9.732, de 11 de dezembro de 1998. Entretanto, o Supremo Tribunal Federal, por meio de liminar proferida na ADIN nº 2028-5 DF, suspendeu a eficácia do art. 1º da Lei nº 9.732/1998[7], na parte em que alterou o art. 55, III, da Lei nº 8.212/1991 e acrescentou-lhe os §§ 3º, 4º e 5º.

Com a ADIN nº 2028-5 DF, houve a discussão de como proceder à regulamentação do referido dispositivo constitucional, se deveria feita por meio de lei complementar ou por lei ordinária[8].

Os defensores da tese, que as limitações ao poder de tributar, só poderiam ser regulamentadas por meio de lei complementar, nos termos do art. 146, II, da Constituição Federal, onde se restringiria as condições para usufruição da imunidade, sendo defeso modificar o conceito de entidades beneficentes de assistência social, já estabelecido pela Constituição.

Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal enfatizou por meio da apreciação da medida cautelar AD 1802 MC/DF, da relatoria do Eminente Ministro Sepúlveda Pertence (DJ de 13/02/04), a diferença entre a limitação ao poder de tributar com o estabelecimento de critérios para definir o que seria entidade beneficentes de assistência social.[9]

Desta maneira, o STF entendeu que os requisitos materiais para o gozo das imunidades são matérias reservadas a lei complementar, utilizando-se para tanto, atualmente, o art. 14 do Código Tributário Nacional, enquanto que os requisitos para o funcionamento e para a constituição das entidades beneficentes de assistência social podem ser regulados por lei ordinária.

Assim, O Decreto nº 2.536, de 6 de abril de 1998, ficou em vigor até a edição do Decreto nº 7.237, de 20 de julho de 2010, que regulamenta a Lei nº 12.101/2009. Porém, suas disposições ainda são aplicadas aos processos protocolados anteriores a lei de 2009.

1.2 - Operação Fariseu e a Medida Provisória nº 446, de 7 de novembro de 2009- A MP da “Pilantropia”.

Um pouco antes da edição da Medida Provisória nº 446, de 2009, a Polícia Federal prendeu uma quadrilha formada pro sete integrantes do Conselho Nacional de Assistência Social acusados de fraudar a concessão e a renovação dos certificados de Entidade de Assistência Social.

Tal operação ficou conhecida como Operação Fariseu, por considerar que os envolvidos agiam como os antigos “indivíduos que aparentam santidade, mas não a tem”, estimando um desvio de R$ 4 bilhões da área social, cerca de 60 entidades foram investigadas pela Polícia Federal.

As investigações duraram 4 anos, quando em 2004, um dirigente de uma pequena entidade de assistência social do Sergipe, buscou a renovação do CEBAS no CNAS, e então, o presidente do CNAS, Carlos Ajur Cardoso Costa, pediu propina para dar a renovação. Em seguida, dirigentes da entidade de Sergipe procuraram a Polícia Federal e o denunciaram.

A Medida Provisória nº 446, de 7 de novembro de 2009, ficou em vigor até de 11 de fevereiro de 2009, pois foi rejeitada pelo Congresso Nacional, previa a revogação do art. 55 da Lei nº 8.212, de 1991 e, por consequência do Decreto nº 2.536, de 1998.

A Medida Provisória em questão por mais que tenha dito pouco mais de três meses de vigência foi responsável por um grande reboliço no arcabouço jurídico do CEBAS, sendo matéria até hoje questionável perante aos órgãos administrativos e judiciários.

Dos 49 artigos, organizados em seis capítulos, a MP nº 446, de 2009, inovou muito no procedimento de pleito da certificação.

A primeira inovação é a retirada do CNAS a atribuição e competência do CNAS para certificar as entidades beneficentes de assistência social e as transferem para os Ministérios do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, da Saúde e da Educação, de acordo com a respectiva área de atuação da entidade.

Como se percebe, houve uma desconcentração de atividades da certificação das entidades beneficentes de assistência social, que segundo o Poder Executivo,  justificada pelo fato de cada órgão setorial da União dispor de conhecimento técnico diretamente voltado para a sua área de atuação, o que facilita o estudo das atividades desempenhadas pelas respectivas entidades e o julgamento do pedido de concessão de certificação.

Outro ponto relevante é a transferência do requerimento de isenção, após a certificação, à Secretaria da Receita Federal, substituindo, portando, o INSS, na análise do pedido.

A MP nº 446, de 2009, também trata sobre os processos pendentes de apreciação do CNAS e do Ministério da Previdência Social, sendo que os processos de concessão originária de CEBAS que não tivesse sido julgado pelo CNAS até a data de publicação da MP seria remetidos ao Ministério responsável pela área de atuação, que os dentro dos termos da legislação em vigor à época do requerimento.

Quanto aos processos de renovação de CEBAS que não tivessem sido julgados, ou caso tenha sido julgados pendentes de recursos, seriam automaticamente deferidos e as representações em curso propostas em face da renovação ficariam prejudicadas.

Estima-se que pelo menos 7.400 entidades beneficentes tiveram seus certificados renovados automaticamente, significando uma perda de R$ 2,145 bilhões às entidades[10], motivo pelo qual a MP  da Filantropia, foi parafraseada por “Pilantropia”.  

E ainda com atitude benevolente, o legislador previu que as entidades certificadas cujas titulações fossem expirar no prazo de doze meses a contar da publicação do ato (10 de novembro de 2008), não precisariam pleitear a renovação do CEBAS, já que conforme seu artigo 41, os certificados seriam automaticamente renovados pelo prazo de doze meses.

Para tentar reverter à isenção automática, o Ministério Público Federal propôs Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamento nº 265 perante o Supremo Tribunal Federal com o propósito de que fosse declarada a inconstitucionalidade dos artigos 37, 38 e 39 da MP nº 446/2008, já que sem lei que estabeleça os requisitos para imunidade violaria, em tese, o princípio da solidariedade, da universalidade do custeio da seguridade social, da legalidade, da moralidade e da impessoalidade. O ministro relator, Ricardo Lewandowski, pediu esclarecimentos à autoridade responsável, diga-se presidenta Dilma Rouseff, o qual a Advocacia-Geral da União sustentou que são válidos os certificados de isenção de impostos concedidos enquanto a MP esteve em vigor. Atualmente, os autos estão conclusos ao Relator desde  2 de abril de 2013.[11]

Acontece que com a edição da Súmula Vinculante nº 8, o Supremo Tribunal Federal decidiu que são inconstitucionais o parágrafo único do art. 5º do Decreto-lei nº 1.569, de 1977, e os artigos 45 e 46 da Lei nº 8.212, de 1991, que tratam de prescrição e decadência de crédito tributário.

De acordo com o art. 45 da citada lei, as contribuições sociais tinha o prazo decadencial de 10 anos para serem exigidas, e o art. 46 fixava também em 10 anos a prescrição do direito de cobrar os créditos da Seguridade Social.

Em suma, as normas consideradas inconstitucionais foram pelo fato que apenas a lei complementar poderia dispor sobre normas gerais em matéria tributária, consoante o art. 146, III, alínea b, da Constituição Federal, o que foi um dos motivos para aprovação da citada MP.

Decorridos os 60 dias após a edição da MP nº 446/2008 previstos no art. 62, § 3º, da Constituição Federal, o Congresso Nacional não a ratificou, rejeitando em 10 de fevereiro de 2009.

Entretanto, o Congresso não editou Decreto Legislativo, previsto no art. 62, § 11, da Constituição Federal, que é o instrumento apto para reger as relações jurídicas decorrentes da rejeição da MP. Desta forma, as relações jurídicas constituídas e de atos praticados durante a vigência da MP seriam por ela conservados, em decorrência da segurança jurídica e respeito do direito adquirido à renovação do CEBAS[12].

Assim, com a rejeição da Medida Provisória nº 446, de 2008, pelo Congresso Nacional, foi restabelecida a vigência da Lei nº 8.742, de 1993, com o retorno da competência para a emissão de CEBAS ao CNAS/MDS.

Insta esclarecer que diversas Ações Populares e Civis Públicas foram movidas contra a renovação automática dos certificados decorrentes da referida MP, tendo em sua maioria, sido julgadas procedentes, em primeiro grau, condenando pelo menos 9 entidades[13] a devolver quase R$ 1 bilhão.

Com se observa na explicitação acima exposta, a evolução legislativa do CEBAS até a edição da MP nº 446, de 2009, verifica-se que o tema sobre a certificação e imunidade das contribuições sociais foi marcado por diversos embates jurídicos, especialmente com a propositura das Ações de Declaração de Inconstitucionalidade e de Descumprimento de Preceito Fundamental, escândalos de compra dos certificados, desarticulado pela Operação Fariseus da Polícia Federal, e o tumulto causado pela MP nº 446, de 2009, que renovou automaticamente o CEBAS para mais de 7.400 entidades sem a verificação do cumprimento dos requisitos estabelecidos em lei, são alguns exemplos sobre a polêmica causada pela certificação das entidades beneficentes de assistência social ao decorrer dos 40 anos no Brasil.

2- Novo Paradigma- Lei nº 12.101/2009.

Ultrapassada as turbulentas discussões sobre a regulamentação do §7º do art.197 da Constituição Federal e a MP da Pilantropia de 2009, foi promulgada a Lei nº 12.101/2009, que posteriormente foi regulamentada pelo Decreto nº 7.210, de 2010, que conjuntamente fazem parte do arcabouço jurídico cebasiano em vigor atualmente.

Basicamente, a Lei nº 12.101, de 2009, não modificou as disposições contidas na MP nº446, de 2009, com exceção da exclusão dos dispositivos de renovação automática e de deferimento dos recursos pendentes de julgamento no CNAS, além da remessa dos pedidos de concessão originária  de Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social que não tenham sido objeto de julgamento até a data de publicação desta Lei serão remetidos, de acordo com a área de atuação da entidade, ao Ministério responsável, que os julgará nos termos da legislação em vigor à época da protocolização do requerimento.

3- Mais do mesmo: A Lei nº 12.868, de 15 de outubro de 2013.

A Lei nº 12.868, de 15 de outubro de 2013, alterou algumas disposições previstas na Lei nº 12.101/2009, tornando mais brando, regra geral, a possibilidade de deferimento do CEBAS às entidades de assistência social.

Dentre as modificações relevantes na concessão, renovação ou cancelamento do CEBAS destaca-se:

a)Expansão do prazo para requerimento da renovação;

b)Possibilidade de remuneração dos dirigentes estatutários;

c)Cobrança do débito tributário apenas do período de 180 dias anteriores à decisão administrativa;

Com relação a todas as áreas, o prazo para requerer renovação passa a ser nos 360 dias finais de validade do certificado e não mais de 6 de meses como previsto anteriormente no art.24, §1º, da Lei nº 12.101, de 2009. E ainda os requerimentos de renovação intempestivos sejam convertidos em tempestivos, caso sejam protocolados até a data final do certificado ou até 360 dias após a validade do certificado no período entre 30 de novembro de 2009 e 31 de dezembro de 2010.

Acerca da remuneração dos dirigentes estatutários, torna-se possível desde que não ultrapasse a 70% (setenta por cento) do teto do funcionalismo público federal e se limite no total da entidade a 5 vezes esse valor, mudando da água para o vinho, já que o art. 29, I, da Lei nº 12.101, de 2009, proibia enfaticamente qualquer tipo remuneração, vantagens ou benefícios direta ou indiretamente aos diretores, conselheiros, sócios, instituidores ou benfeitores das entidades.

E nos casos de indeferimento, a cobrança do débito tributário apenas do período de 180 dias anteriores à decisão administrativa. Ainda sobre esse tema, o Ministério da Fazenda poderá lançar o crédito tributário durante a tramitação do recurso administrativo. Contudo, se a entidade recorrer deste lançamento, ficará sobrestado até o julgamento final do recurso administrativo do CEBAS. 

Houve outras mudanças benéficas às entidades de prestação de saúde, de educação e de assistência social, porém abordará tais mudanças num futuro artigo.

Considerações Finais

Como se observou no presente estudo, a concessão dos certificados de entidades de beneficentes de assistência social, ao longo dos anos, apresentou um longo e tortuoso caminho.

Não há como negar que as referidas entidades prestam um serviço imprescindível a toda sociedade brasileira e que a ineficácia da prestação do serviço público do Estado brasileiro é deficitária, ineficiente e, em muitos casos, até inexistente.

Cabe sim, ao Estado promover e incentivar surgimento de novas entidades que prestem auxílio na área da educação, saúde e assistência social por meio de subsídios e incentivos fiscais, como exposto no §7º do art. 195 da Constituição Federal e de acordo com suas leis reguladoras.

O que é inadmissível é a deliberação automática desses certificados como ocorreu na MP nº 446, de 2008, ou a subjugação do interesse público e da lei em decorrência do bramir de algumas bancadas do Congresso Nacional que tenham apoio das entidades que por mais no papel são consideradas entidades beneficentes, mas na verdade são um palanque eleitoreiro ou uma verdadeira fraude.

É necessário separar o joio do trigo, sob pena de tornar o referido assunto com uma insegurança jurídica, prejudicando aqueles que realmente cumprem a lei e seu papel estatutário beneficente.

Referências Bibliográficas

BRASIL. Decreto nº 752, de 16 de fevereiro de 1993.

BRASIL. Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993.

BRASIL. Lei nº 9.732, de 11 de dezembro de 1998.

BRASIL. Decreto nº 2.536, de 6 de abril de 1998.

BRASIL. Lei nº 12.101, de 27 de novembro de 2010.

BRASIL. Medida Provisória nº 446, de 7 de novembro de 2009.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988.

BRASIL. Decreto nº 7.210, de 2010. 

VELLOSO Andrei Pitten, Constituição Tributária Interpretada, p. 376.

BRASIL. STF, 1ª Turma, RMS 22.192-9/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 19.12.96, unânime

BRASIL. STF, 1ª Turma, unân, AgRRE 428.815 – 0/AM, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, jun/05.

BRASIL. STF Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamento, nº 265, perante o Supremo Tribunal Federal.

BRASIL. STF ADIN nº 2028-5 DF.

BRASIL. NOTA DECOR/CGU/AGU Nº 180/2009-JGAS da Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Previdência Social.


[1] Na verdade, trata-se de imunidade, e não de isenção.

[2] VELLOSO Andrei Pitten. Constituição Tributária Interpretada. São Paulo: Altas, 2007. p. 376.

[3] COÊLHO, Sacha Calmon Navarro, Comentários à Constituição de 1988: Sistema Tributário, p. 283.

[4] O Decreto-Lei nº 1.572, de 4 de julho de 1977, revogou a Lei nº 3.577, de 1959, mas manteve a isenção de algumas entidades filantrópicas que já gozavam de isenção, desde que atendidos alguns requisitos. Contudo, o Decreto-Lei não trava sobre a CEFF, e sim da isenção da cota patronal.

[5] Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal já pacificou esse entendimento: “MANDADO DE SEGURANÇA. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. QUOTA PATRONAL. ENTIDADE DE FINS ASSISTENCIAIS, FILANTRÓPICOS E EDUCACIONAIS. IMUNIDADE (CF, ART. 195, § 7º). RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.A cláusula inscrita no art. 195, §7º, da Carta Política - não obstante referir-se impropriamente à isenção de contribuição para a Seguridade Social - contemplou as entidades beneficentes de assistência social com o favor constitucional da imunidade tributária, desde que por elas preenchidos os requisitos fixados em lei.A jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal já identificou, na cláusula inscrita no art. 195, §7º, da Constituição da República, a existência de uma típica garantia de imunidade (e não de simples isenção) estabelecida em favor das entidades beneficentes de assistência social. Precedente: RTJ 137/965. (...)” (STF, 1ª Turma, RMS 22.192-9/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 19.12.96, unânime).

[6] Lenza, Pedro, Direito Constitucional Esquematizado, Ed. Saraiva, 14º Edição, 2010,  São Paulo, p.180. De acordo com José Afonso da Silva, as citadas normas tem eficácia jurídica imediata, direta e vinculante, pois estabelecem um dever para o legislador ordinário; condicionam a legislação futura, com a consequência de serem inconstitucionais as leis ou atos que as ferirem; informam a concepção do Estado e da sociedade e inspiram sua ordenação jurídica, mediante a atribuição de fins sociais, proteção dos valores da justiça social e revelação dos componentes do bem comum; constituem sentido teleológico para interpretação, integração e aplicação das normas jurídicas; condicionam a atividade discricionária da Administração e do Judiciário; criam situações jurídicas subjetivas, de vantagem ou desvantagem.

[7] A referida lei também é questionado por meio da ADIN 1.802.

[8] Tal questionamento foi objeto de ADINs como se verá adiante.

[9] “I. Imunidade tributária: entidade filantrópica: CF, arts. 146, II e 195, § 7º: delimitação do âmbitos da matéria reservada, no ponto, à intermediação da lei complementar e da lei ordinária (ADI – MC 1802, 27.8.1998, Pertence, DJ 13.2.2004; RE 93.770, 17.3.81, Soares Muñoz, RTJ 102/304). A Constituição reduz a reserva de lei complementar da regra constitucional ao que diga respeito ‘aos lindes da imunidade’, à demarcação do objeto material da vedação constitucional de tributar; mas remete à lei ordinária “as normas sobre a constituição e funcionamento da entidade educacional ou assistencial imune”. [...].” (STF, 1ª Turma, unân, AgRRE 428.815 – 0/AM, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, jun/05).

[10] Resoluções CNAS nº 3, 7, 8, 11 e 12, de 2009.

[11] http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp

[12] Nesse sentido, ver a NOTA DECOR/CGU/AGU Nº 180/2009-JGAS da Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Previdência Social, diz o seguinte: “04.Toda a discussão gira em torno do fato de o Congresso Nacional, ao rejeitar a Medida Provisória nº 446, de 2008, não ter editado o decreto legislativo disciplinando as relações jurídicas dela decorrentes, conforme preconiza o art. 62, § 3º, da Constituição Federal. 05.Como consequência, é forçoso reconhecer a incidência do § 11 do citado dispositivo constitucional, que estabelece que ‘Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas.’(...)12.Assim sendo, as relações jurídicas que se formaram sob a égide das regras previstas nos arts. 37; 38; 39; 40 e 41 da Medida Provisória nº 446, de 2008, bem como aquelas decorrentes de atos praticados pela Administração Pública Federal durante o seu período de vigência, continuarão sendo regidas pela citada Medida Provisória. (...).” (fls. 213/214 – Processo AGU/NUP nº 00400.004243/2009-51).

[13] Dentre elas a Instituição Mackenzie, Fundação Dom Aguirre, Instituição Metodista de Ensino Superior, PUC de Campinas, Universidade de Campanha, Universidade de Araras, Hospital Astrogildo de Azevedo, Universidade Católica de Petrópolis e Universidade Sul de Santa Catarina. 


Autor

  • Yegor Moreira Junior

    Mestre em Ciências Jurídicas Internacionais pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa; Especialista em Direito Internacional e Econômico pela Universidade Estadual de Londrina; Graduado na Universidade Estadual de Ponta Grossa; Advogado;Consultor da Organização Pan-Americana de Saúde junto ao Ministério da Saúde, Professor Universitário.

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