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A efetividade das decisões judiciais nacionais em território estrangeiro

A efetividade das decisões judiciais nacionais em território estrangeiro

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I - INTRODUÇÃO.

A idéia de redação de um texto, sobre a efetividade das decisões judiciais nacionais e internacionais em território estrangeiro, surgiu a partir da necessidade de apresentação de uma monografia semestral para a cadeira de Teoria Geral do Direito Internacional, do Curso de Pós-graduação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, lecionada pelos Professores José Carlos de Magalhães e Georgete Nacaratto Nazo.

Esta monografia deveria estar relacionada ao tema escolhido pelo pós-graduando para apresentação de seminário. Nossa opção foi pelo estudo da "Jurisdição Internacional dos Estados", tema que, ao nosso ver, além de estar inserido na proposta de análise deste trabalho (pois quando se discute a efetividade das decisões nacionais e internacionais em território estrangeiro tem de se ter ultrapassadas as questões de divergência doutrinária e política sobre soberania e jurisdição do Estado), permite compreender, a latere das considerações sobre a efetividade das decisões nacionais em território estrangeiro, por quê os Estados vêm procurando novos modelos de solução de controvérsias fora das cortes internacionais, notadamente da Corte Internacional de Justiça (CIJ), principalmente diante dos inevitáveis progressos dos diversos processos de integração econômica internacional.

Assim, a proposta deste trabalho não trata apenas do estudo da efetividade das decisões de cortes internacionais, mas também das decisões proferidas nas cortes nacionais, as quais tendem, nesta nova ordem internacional integracionista, à efetividade extraterritorial.

Quer seja nacional, quer seja estrangeira ou mesmo internacional a decisão que pretenda produza efeitos em território estrangeiro, neste trabalho ter-se-á somente a análise da jurisdição internacional dos Estados sob a perspectiva das relações interestatais, entre entes estatais politicamente independentes, deixando-se de lado a análise sob a perspectiva do indivíduo, das entidades políticas não independentes (i.e. estados federados) e das entidades internacionais de direito privado.

Para realização deste intento, dividir-se-á o texto em quatro capítulos. No primeiro capítulo far-se-á a análise e descrição das técnicas de delimitação da jurisdição dos Estados (1), permeada por breves notas sobre os fundamentos políticos (2) que as inspiraram, bem como sobre a evolução dos conceitos de jurisdição e soberania. O segundo capítulo tratará de uma visão prática da aplicação extraterritorial de leis nacionais (3), a partir da análise de decisões das cortes norte-americanas e da Corte Internacional de Justiça. No terceiro capítulo apresentar-se-á a evolução do Princípio da Territorialidade Objetiva para a Teoria do Impacto Territorial, através de uma breve síntese da história política e econômica norte-americana, analisada a partir dos julgados julgados da Suprema Corte dos Estados Unidos, encerrando-se este trabalho, num quarto e último capítulo, com conclusões sobre a questão da efetividade das decisões nacionais em território estrangeiro.


II - OS LIMITES DA JURISDIÇÃO INTERNACIONAL DOS ESTADOS.

Seria de bom alvitre iniciar a exposição com a determinação de um conceito de "jurisdição internacional". A maioria dos leitores fixaria o conceito e procuraria adequar neste cada idéia inserta no texto. Não é isto que se deseja, pois, diferentemente das ciências exatas, onde os conceitos ou teoremas são verdades absolutas e universais que se explicam em si mesmas, os conceitos nas ciências humanas são asserções tão relativas que já nascem fadados à própria extemporaneidade.

Mesmo assim, a técnica exige que determinemos um conceito para justificar a tese defendida. Assim, a primeira advertência que se faz para elaboração de um conceito em direito internacional, tal como o conceito de "jurisdição internacional" é deixar de lado o plano e os paradigmas do direito interno, onde a jurisdição está vinculada a um elemento essencialmente territorial e competência representa apenas a delimitação do exercício desta jurisdição, seja em razão do valor e da matéria, da função ou do território (4). No plano do direito internacional, jurisdição e competência fundem-se num único conceito.

No plano internacional, os Estados não estão subordinados uns aos outros, relacionam-se no que se pode identificar como um "de arranjo horizontal" (5), no qual não há hierarquia, portanto não há "poder de um sobre o outro". Neste arranjo há uma harmonização natural dos poderes soberanos, no que se pode denominar de "pacto de soberanias". Nesta perspectiva, nenhum Estado deixa de ser mais ou menos soberano ao permitir que decisões estrangeiras produzam efeitos em seus territórios, já que o próprio ato permissivo é um exercício de soberania. Tem-se, portanto, um arranjo horizontal de soberanias que possibilita a um Estado exercer seu poder jurisdicional além de suas fronteiras, sem ferir a soberania de outros Estados.

A realização deste "pacto de soberanias" dá-se através de técnicas que visam delimitar os contornos da jurisdição internacional dos Estados, visto que sua soberania as torna naturalmente concorrentes. Estas técnicas, na visão de Falk, permitem identificar a qual Estado cabe o exercício de jurisdição sobre determinado ato, fato, pessoa ou recurso (6).

Assim, a jurisdição internacional de um Estado pode ser entendida como uma não proibição por parte do direito internacional do exercício de uma prerrogativa estatal, que permite aos Estados estender seu controle sobre pessoas, recursos e eventos ocorridos fora de seu território. Depreende-se do "conceito" que as regras de exercício de jurisdição internacional do Estado, embora ditadas pelo seu ordenamento interno, são limitadas pela ordem internacional (7).

No entanto, a ordem internacional é descentralizada, carente de instituições com poder efetivo para impor autoridade e sanções quanto aos limites da competência estatal. Fora do restrito universo das integrações regionais mais complexas, tais como uma União Econômica, o Estado ainda é tradicionalmente visto como centro de autoridade, o que faz da reciprocidade e dos tratados bilaterais importantes elemento de estabilidade das relações judiciais entre os Estados, especialmente em se tratando de execuções de julgados estrangeiros.

Neste contexto, a solução para delimitação da jurisdição internacional dos Estados está nos arranjos horizontais, ou seja, nos tratados internacionais, já que, na essência, o direito internacional é resultado de um arranjo horizontal. Um arranjo coordenativo garante que, dentro dos limites traçados nos tratados, o Estado conserve sua soberania (o que reforça a idéia de que a soberania não é um conceito de ordem interna, mas internacional) (8). Isto significa que é o direto lei internacional que autoriza o Estado a exercer jurisdição sobre qualquer ato que não esteja sob sua expressa proibição (9). Mesmo assim, embora se discuta sobre regras de direito internacional que limitam a jurisdição internacional do Estado, em razão do princípio da soberania, todo Estado é livre para definir sua jurisdição, cabendo ao direito internacional indicar quando a jurisdição de um Estado exclui, ou não, a jurisdição de outro.

A primeira regra limitadora desta competência é ditada pelo art. 2º da Carta das Nações Unidas, que reconhece que a jurisdição territorial interna é absoluta. Uma segunda regra expressa a idéia de equipotência dos Estados: a jurisdição internacional externa é concorrente. Finalmente, uma terceira regra diz que um Estado não pode exercer sua jurisdição dentro do território de outro, como consequência da exclusividade da jurisdição territorial.

A partir destas regras verificam-se duas situações distintas: na primeira situação, o Estado evoca sua jurisdição para julgar em seus tribunais determinado fato ocorrido fora de seu território; na segunda, o Estado pretende fazer cumprir sua decisão em território estrangeiro.

Na primeira situação ocorre o típico conflito de jurisdição internacional, no qual se discutirá qual Estado exercerá jurisdição sobre o fato. Na solução do conflito de jurisdição está intrínseca a resposta sobre o local da execução da decisão judicial, que poderá se dar no território de A, ou no de B, conforme a jurisdição reconhecida. Esta decisão judicial se faz com base em princípios de direito internacional.

Já na segunda situação, não é o conflito de jurisdição internacional o cerne da lide, mas a pretensão de um Estado de fazer executar sua decisão em território estrangeiro. A solução para esta questão, de acordo com o direito internacional, parte do princípio de que a permissão para que outro Estado exerça, sobre o território de outro, sua jurisdição em matéria de execução de sentenças somente se dá pela via legal (previsão na lei interna) ou por tratado internacional (10), pois o caráter absoluto da jurisdição territorial do Estado para execução de atos judiciais em seu próprio território é indiscutível. Tome-se como exemplo disto a homologação de sentenças estrangeiras no Brasil, que por dispositivo de lei se submete ao juízo de delibação do Supremo Tribunal Federal.


III - A JURISDIÇÃO EXTRATERRITORIAL DOS ESTADOS.

No primeiro capítulo, verificou-se, em duas situações bem distintas, os limites internos e externos da jurisdição internacional dos Estados. Ao lado da jurisdição internacional (11), constatou-se que a regra limitadora desta jurisdição internacional é, na verdade, o elemento que conduz a matéria para a injunção jurisdicional interna do Estado. Neste capítulo, sob a perspectiva traçada no capítulo anterior, cuidaremos da aplicação extraterritorial de normas nacionais.

A pesquisa a mais de uma dezena de julgados (cases) da Suprema Corte dos Estados Unidos permitiu concluir que, somente a partir da segunda década do Século XX, o termo Law of Nations, utilizado como representativo de um ordenamento internacional costumeiro, foi substituído pelo termo International Law que consagra um ordenamento internacional, positivado nas diversas convenções internacionais que passavam a surgir em maior número e abrangendo um universo mais amplo de matérias.

Historicamente, em 1917 sobreveio a Primeira Guerra Mundial, cujos efeitos diretos sobre a América e Europa mudariam definitivamente o pensamento político do mundo moderno. Até então os efeitos dos conflitos, mesmo os ideais revolucionários, ficavam restritos aos territórios dos Estados envolvidos ou pouco se percebiam sobre os Estados adjacentes.

Este pensamento político moderno do mundo pós-Primeira Guerra fez decantar do direito costumeiro para o direito positivado, escrito, regras mais concretas de direito internacional (International Law), inclusive no que se referia à aplicação extraterritorial de leis nacionais.

Nos Estados Unidos, como se verá mais adiante, a aplicação de leis nacionais com efeitos extraterritoriais, bem como o reconhecimento da jurisdição internacional de outros Estados, sempre foi uma questão tratada de forma mais política que jurídica, de firmação de sua independência política.

A resposta para a instabilidade das decisões americanas veio em 1927, através da Corte Permanente de Justiça Internacional, no julgamento do caso Lotus (12), no qual se reconheceu como legítima a ampliação da jurisdição territorial, desde que circunscrita às regras de direito internacional. Fixava-se então com maior força limites legais do direito internacional para o exercício da jurisdição internacional.

Para apresentar o que a doutrina internacionalista entende como regras limitadoras da competência internacional, deve se ter sempre em mente o conceito de jurisdição internacional proposto no primeiro capítulo deste trabalho: a jurisdição internacional de um Estado pode ser entendida como uma não proibição por parte do direito internacional do exercício de uma prerrogativa estatal, que permite aos Estados estender seu controle sobre pessoas, recursos e eventos ocorridos fora de seu território. O direito internacional impõe limites legais à soberania e, conseqüentemente, à jurisdição internacional dos Estados.

Portanto, para solução de conflitos de soberanias eqüipotentes tornou-se imprescindível lançar-se mão de outros elementos que justificassem, com razoabilidade (13), a prevalência da jurisdição de um Estado sobre a do outro. O elemento territorial, aplicado de modo isolado, tal como faziam a Suprema Corte Americana, não responde mais pela solução de todas as questões que exigem solução legal extraterritorial.

Na busca destes outros elementos limitadores da jurisdição internacional, pesquisadores de Harvard Law School (14), em 1935, demonstraram que alguns princípios de direito internacional eram universalmente aceitos e até mesmo consagrados no ordenamento interno de muitos Estados, revelando o state practice e a opinio iuris que tornam tais princípios, em alguns casos, obrigações erga omnes.

Estes elementos, denominados princípios norteadores dos limites da jurisdição internacional, foram identificados como princípio da nacionalidade, princípio da segurança, princípio da universalidade, princípio da territorialidade objetiva e subjetiva e princípio da personalidade passiva. A exceção do último destes princípios, que suscita alguma controvérsia, todos os demais, como asseverado, experimentavam reconhecimento universal em 1935.

Vale anotar que estes princípios não devem ser considerados isoladamente, mas em conjunto. A questão é: dirimido o conflito de competências, o Estado que a mantiver julgará o caso tal como o teria julgado o Estado que a renunciou? O objetivo de toda decisão judicial que pretenda produzir efeitos extraterritoriais é a razoabilidade no convencimento sobre as razões de prevalecimento de uma jurisdição sobre outra. Veja-se, pois, como se enunciam estes princípios.

i) O princípio da nacionalidade.

De acordo com o princípio da nacionalidade, um Estado pode exercer jurisdição sobre seus nacionais, desde que não conflitante com a competência de outros Estados. O fundamento deste princípio é a preservação de regras de direito interno, seja daquelas que garantem direitos fundamentais aos seus cidadãos, seja daquelas que tipificam condutas antijurídicas indesejáveis (crimes). O art. 5º, II, b, do Código Penal Brasileiro, por exemplo, sujeita à lei brasileira o crime cometido em território estrangeiro por brasileiro, a partir do momento em que o criminoso adentre em território nacional e desde que o fato seja também tipificado como crime no ordenamento do local do delito.

O princípio da nacionalidade sofre algumas restrições quando se trata de pessoas jurídicas, dada a diversidade de critérios de fixação de nacionalidade. A solução proposta por alguns ordenamentos, por exemplo, é buscar na nacionalidade dos controladores da pessoa jurídica o elemento que permitirá fazer incidir suas leis. Isto é o que ocorria, como se verificará adiante, com a aplicação extraterritorial das leis anti-monopólio dos Estados Unidos. Como bem enfatizado pelo Prof. Magalhães (15) "... Esta prática faz aflorar um conflito de competências e de qualificações entre os estados, pois interfere com pessoas jurídicas de outras nacionalidades que estão adstritas a seguir os parâmetros de leis nacionais a que estão sujeitas." Atualmente, após a decisão no caso Supplied Chemical Industries, tem se considerado não passíveis de punição administradores americanos sujeitos à leis estrangeiras.

ii) O princípio da segurança nacional.

Segundo o princípio da segurança nacional, é lícito ao Estado agir em defesa de sua independência política, integridade territorial, segurança externa e interna, ainda que os fatos sejam praticados ou concebidos no exterior, sob a condição de que não tenham sido praticados no exercício regular de um direito reconhecido no Estado onde foi praticado. Aplica-se também esta jurisdição em relação à contrafação ou falsificação de símbolos nacionais, moeda, documentos que envolvem a credibilidade do Estado (16).

Para os mais atentos que acompanham a política externa norte-americana na América Central (exceto em relação à Cuba, que esteve protegida sob o escudo da Guerra Fria pela ex-URSS) e mais recentemente na América Andina, diversos exemplos de tentativas dos Estados Unidos de impor suas leis anti-drogas podem ser lembrados, todos como se legitimados por fatores de proteção da segurança nacional dos Estados Unidos, especialmente quanto ao tráfico internacional de drogas.

Em verdade, os atos atentatórios a segurança dos Estados inserem-se em outro tema interessantíssimo - A responsabilidade internacional dos Estados - cuja discussão foge a matéria objeto deste trabalho. Todo Estado, independentemente dos demais, deve procurar impedir e punir os autores de atos atentatórios à segurança de outros Estados, como um exercício de auto-preservação e de preservação do própria ordem internacional.

Ao nosso ver, a possibilidade de um Estado substituir-se a outro no controle e preservação de sua própria segurança nacional, atuando diretamente no território deste segundo Estado, é uma solução política engendrada que pode causar sérios problemas se levados a uma interpretação e uso extensivo, principalmente sob o argumento de preservação do equilíbrio e manutenção da própria ordem internacional, a exemplo do que tem ocorrido com os Estados Unidos e suas campanhas contra o terrorismo no Afeganistão e, mais recente e polêmico ainda, na 2ª Guerra do Golfo em curso.

iii) O princípio da universalidade.

O princípio da universalidade é um remanescente do direito internacional clássico, aquele direito a que se referia a Law of Nations, um direito não positivado, mas que visava a colaboração recíproca dos Estados em reprimir crimes a atos atentatórios aos princípios de preservação da humanidade, tais como o tráfico de escravos, de mulheres e de crianças, a pirataria e o genocídio (17).

iv) princípio da territorialidade objetiva e subjetiva.

A solução para a questão anteriormente proposta (do indivíduo que do Estado A atira e mata um outro no Estado B) encontra resposta no desenvolvimento deste princípio, no qual o Estado passa a considerar o evento em dois momentos: parte ocorre dentro do território e parte fora.

A vertente subjetiva confere jurisdição ao Estado para estender a aplicaçãode suas leis sobre participantes de eventos iniciados em seu território, mas consumados no exterior. No Brasil o caso mais famoso foi julgado pelo STF envolvendo o navio inglês "The Tennyson", que explodiu em alto mar, portanto fora do território nacional, após te recebido explosivos em porto brasileiro.

Já a vertente objetivista permite que ao Estado conhecer, processar e julgar eventos iniciados fora de seu território, mas consumados dentro de seu território.

No âmbito internacional, este princípio teve abrigo no caso Cutting (18), comentado pelo Juiz John Basset Moore, que declarou o princípio da seguinte forma: "um homem que, intencionalmente, pratica atos que provocam efeitos em outro território, é reconhecido como responsável na jurisdição criminal de todas as nações."

Julgado no México em 1827, Cutting, um cidadão norte-americano, publicou em um jornal local do México um artigo injurioso contra o médico mexicano Medina. Processado por Medina, Cutting comprometeu-se em juízo a se retratar publicamente na mesma forma pela qual insultou seu desafeto. No entanto, Cutting o fez de forma diversa, em letras minúsculas e num texto quase ininteligível. Como se não bastasse, na mesma data fez publicar num jornal americano, em El Paso no Texas, novo artigo injurioso contra Medina. Diante deste novo fato, Medina voltou a processar Cutting no México. O juiz mexicano, ao fixar sua jurisdição e competência para julgar o caso, asseverou..."que mesmo supondo, sem que aceite o fato, que a ofensa penal da difamação foi cometida no território do Texas, a circunstância de ter o jornal de El Paso, Sunday Herald, circulado nesta cidade...constituiu a consumação do crime, em conformidade com o art. 664 do C. Pen.".

Este caso representou uma grande evolução do princípio da territorialidade, pois o fundamento para firmar a jurisdição mexicana sobre evento ocorrido no exterior, praticado por estrangeiro, sob as leis de outro país, não foi a extensão da competência territorial, mas a própria competência territorial (19).

Esta territorialidade objetiva, não aceita de início pelos Estados Unidos Unidos, que travaram uma batalha diplomática contra a decisão do caso Cutting, ganhou espaço firme nas cortes americanas, desenvolvendo-se para a teoria que ficou conhecida por teoria do impacto territorial.

De acordo com esta teoria, o Estado possui jurisdição para legislar e conhecer de eventos ocorridos ainda que integralmente no exterior, envolvendo participantes nacionais ou estrangeiros, desde que tais eventos venham a produzir efeitos no território do próprio Estado. Não é mais necessário que parte do evento se realize dentro do território, tal como no princípio da territorialidade objetiva e subjetiva. Preponderam os efeitos e os resultados lesivos dentro do território. O agente passa a ser considerado, ainda que por ficção legal, como se tivesse presente no território onde se propagaram os efeitos de seus atos. Mais uma vez, não se tem a extensão do território para justificar a competência legal internacional, mas o exercício de própria jurisdição interna.

Foi com base nesta teoria que os tribunais americanos, e seus juízes, passaram a carrear para sua jurisdição interna as questões envolvendo as leis anti-monopólio americanas, mesmo aquelas envolvendo empresas americanas e seus dirigentes no exterior ou empresas estrangeiras em territórios independentes. Sob o argumento de preservação da livre economia e dos mercados americanos, as cortes americanas passaram a "legitimar os interesses" do país, fortalecendo sua política e economias internas (20).

v) O princípio da personalidade passiva.

O princípio da personalidade passiva, como se disse, não goza de aplicação universal tal como os demais princípios elencados. De acordo com este princípio, um Estado pode ampliar sua jurisdição para processar e julgar casos em que estejam envolvidos, no pólo passivo da demanda, seus nacionais. Para os países que adotam o sistema do Common Law, o elemento passivo não é justificativa legítima para ampliação da jurisdição.

A expressão mais marcante deste princípio está no caso Lotus, que trata da colisão entre um navio francês e um navio turco em águas internacionais, portanto fora do território de qualquer Estado. Como resultado da colisão houve a morte de 5 tripulantes do navio turco e o governo deste país decidiu pelo processo e condenação do comandante do navio francês, o tenente Demons. Levado o caso à Corte Permanente de Justiça Internacional, em 07 de setembro de 1927 decidiu-se que não havia, no direito internacional, nenhum óbice a que a Turquia processasse o oficial francês. Em outras palavras, não se descartou a jurisdição francesa sobre seu nacional, apenas que nada havia no direito internacional que proibisse a Turquia de exercer sua jurisdição sobre o oficial francês que, aliás, já estava a cumprir pena em prisão turca.


IV - A EVOLUÇÃO DO PRINCÍPIO DA TERRITORIALIDADE OBJETIVA PARA A TEORIA DO IMPACTO TERRITORIAL.

Após analisar o tema da jurisdição extraterritorial do Estado e de seus limites nos princípios ditados pelo direito internacional, neste capítulo procurar-se-á tecer algumas considerações sobre a evolução do conceito de soberania no direito norte-americano e internacional, da perspectiva do direito interno (absoluta) para a perspectiva do direito internacional (relativa), tomando como base a jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos na interpretação das leis anti-monopólio editadas no fim do Século XIX e primeira década do Século XX.

Os Estados Unidos conquistaram sua independência em 1776, após um conturbado processo marcado pela intolerância da Inglaterra, que impunha à colônia diversos tributos para recuperar os prejuízos da Guerra dos Sete Anos com a França. Seguiu-se a Primeira Guerra da Independência, que garantiu às 13 colônias autonomia até a formação do estado federal e a promulgação da Constituição (1789) (21). Nestes primeiros anos de independência os Estados Unidos conviveram com a ameaça britânica de reconquista. Talvez por esta razão e por um longo tempo, a Suprema Corte dos Estados Unidos expressou em seus julgados o caráter exclusivamente territorial para delimitação da sua jurisdição, provavelmente para fortalecer nos tribunais sua posição de independência (22).

O ilustre Juiz Marshall, que teve cadeira na Suprema Corte dos Estados Unidos no início do Século XIX, atento aos movimentos políticos na Europa e partidário da política norte-americana de fortalecimento da política interna e externa, não concordava com a perspectiva de soberania mitigada que propiciou na Europa a partição de Estados (23) surgidos após a Revolução Francesa de 1789, cujos princípios coincidiam com aqueles que ensejaram a própria independência dos Estados Unidos, em 1776.

Na visão conservadora e nacionalista de Marshall... "a jurisdição de uma nação dentro de seu território é necessariamente exclusiva e absoluta. Não é suscetível de limitação senão por si mesma. Qualquer limitação da jurisdição, oriunda de fontes externas, implicaria na diminuição da soberania...tudo o que estiver no território de um Estado está sob seu pleno controle, o que estiver fora, não".

Esta proposição de Marshall causava conflitos potenciais entre estados federados e como passar dos anos passou a ser desinteressante também aos interesses externos dos Estados Unidos. Neste contexto, em 02 de dezembro de 1823 era lida a mensagem de Monroe, conhecida como Doutrina Monroe (24), em muitos pontos coincidente com a posição defendida por Marshall e seu pares na Suprema Corte.

Nesta mesma época, o Juiz Story (contemporâneo de Marshall na Suprema Corte), sem abrir mão do rígido conceito de soberania lastreado na territorialidade, passou a exercer a jurisdição americana em território estrangeiro (internacional) com fundamento no Law of Nations (embrião do international law, ou direito internacional, expressão que passou a ser francamente utilizada na Suprema Corte no início do Século XX), ou seja, em princípios de direito universais que incriminavam determinadas condutas.

No caso US x Schooner La Eugénie, por exemplo, a conduta criminosa, dita internacionalmente reprovável, que legitimou a apreensão do navio francês foi o tráfico de escravos africanos (25): em 1822 uma escuna francesa foi apreendida por um navio americano em águas internacionais, nas costas da África, com escravos africanos a bordo. Os escravos foram colocados sob a tutela das leis americanas e o navio La Eugénie entregue às autoridades francesas. Os Estados Unidos pagaram indenização à França pela apreensão do La Eugénie e de outros navios franceses, mas reafirmaram seu direito de busca e apreensão de navios em alto mar sob o argumento de estarem sendo empregados no tráfico escravo.

Em 25 de setembro de 1826 sobreveio a Convenção de Genebra sobre Tráfico de Escravos, que expressamente passou enquadrar o princípio do Law of Nations de repúdio ao tráfico negreiro, possibilitando aos Estados Unidos e as demais países em industrialização, entre estes a Inglaterra, com base num direito positivo, o combate mais efetivo ao tráfico negreiro, especialmente aquele realizados por países europeus e colonialistas como Portugal e Espanha (26). Com o passar dos anos, os Estados Unidos passaram a abertamente expor seus interesses na expansão de seu território, confirmando cada vez mais sua hegemonia geopolítica na América (27).

Em 1861, a tônica da escravidão, mal resolvida no início do Governo Monroe (28), foi o estopim político da guerra deflagrada entre o norte (industrial) e o sul (escravocrata): a Guerra de Secessão. Reestabelecida a unidade federativa americana com o fim da Guerra, em 09 de abril de 1865, os Estados Unidos, movidos pela vitória do industralismo do norte, procuraram incrementar sua indústria e descobriram novas jazidas de petróleo, ferro e carvão, o que lhes deu grande impulso para fazer de sua política externa comercial um reflexo do sucesso de sua política-econômica interna.

Neste espírito, quinze anos mais tarde, em 1890, foi promulgado o Sherman Act, lei anti-monopólio que estabelecia a ilegalidade de todo o acordo ou contrato em forma de fidúcia (trust), cujo objetivo ou de cuja execução resultasse restrições ao comércio entre estados membros da federação americana, impondo penalidades criminais e civis para indenização dos prejudicados.

Anos mais tarde, em 1914, foram editados o Federal Trade Comission Act, que coibia a concorrência desleal e o Clayton Act, que proibia fusões e incorporações da qual resultassem situações monopolísticas.

Com a expansão comercial americana, estas leis internas passaram a ser aplicadas a empresas americanas (dentro e fora dos Estados Unidos) e à empresas estrangeiras, tanto em território americano, quanto em áreas independentes. A justificativa americana para a extensão de sua jurisdição fez nascer a teoria do impacto territorial, que traz para a jurisdição interna o poder para conhecer, processar e julgar fatos e pessoas, cujos resultados ou as ações viessem a produzir efeitos em território norte-americano.

Deste modo, a Suprema Corte, a partir de interpretações extensivas da lei interna, com grande margem de discrição (definição e enquadramento do fato à lei), passou a conferir a estas leis internas (Acts) efeitos extraterritoriais.

Na esteira desta evolução, teve-se julgados pela Suprema Corte dos Estados Unidos o caso American Banana (29), o caso Alcoa e o caso ICI; na Corte Permanente de Justiça Internacional , o caso Lotus, este último já relatado.

Pouco antes de 1914 anteriormente referido, em 1909, a Suprema Corte julgou o caso American Banana ainda sob o estrito critério de territorialidade. Sob os auspícios do Sherman Act, a companhia americana American Banana promoveu um ação contra outra companhia americana chamada United Fruit, quando o governo da Costa Rica, ao confiscar todos os equipamentos e terras da American Banana que estavam em território costa riquenho, favoreceu a United Fruit com o monopólio da exportação e do comércio interno de bananas nos Estados Unidos. A Suprema Corte decidiu que os atos políticos ou de império dos Estados são de jurisdição absoluta destes, portanto estão fora da área de competência de outros Estados. Esta tese de Act of State foi aprofundada no caso Sabbatino (30), que reconheceu a incompetência dos tribunais americanos para julgar atos políticos e de império de Estado.

Como bem destacado pelo Prof. Magalhães (31)... "A importância do caso reside no fato de se tratar de questão envolvendo práticas monopolísticas levadas a efeito por empresa norte-americana, fora do território dos Estados Unidos, tendo a Suprema Corte se pautado estritamente pelo princípio da territorialidade da jurisdição, respeitando a jurisdição e competência alheias." Contudo, vale lembrar que a solução da Suprema Corte considerou a falta de prova do concurso da United Fruit para o resultado monopolístico. Por outro lado, se o confisco se deu em território da Costa Rica, a Suprema Corte sabia que não haveria como executar na Costa Rica decisão diversa, uma vez que a American Banana perdera não só os implementos agrícolas, mas também os próprios meios de produção (terra). Tinha-se, então, um problema de efetividade e resultados práticos.

No entanto, em 1911, a posição da Suprema Corte passava a tomar rumos diferentes daqueles da aplicação estrita do princípio da territorialidade, passando à aplicação da teoria do impacto territorial.

Envolvidos pelo ideal protecionista de suas leis anti-truste, os Estados Unidos passaram a combinar uma teoria de conspiração com a idéia do impacto interno de eventos ocorridos no exterior. Isto ocorreu no julgamento do caso American Tobacco (1911), no caso Nord Deuscher Lloyd (1912) e no caso Sisal Sales (1927) (32), coroando-se com o impacto internacional negativo do caso Alcoa, cujos resultados encontram boa justificativa na frase do o ex-presidente americano Thomas Jefferson - "a aplicação de leis é mais importante que sua elaboração".

Novamente em 1936, empresas não americanas reuniram-se na Suíça para formação de um cartel que delimitaria a produção de lingotes de alumínio, constituindo uma empresa suíça denominada Alliance. O acordo durou até 1938, mas a Alliance jamais foi dissolvida. Nos Estados Unidos, a Alcoa, empresa americana, cujos sócios detinham o controle acionário da Alluminum Limited, a qual, por sua vez, participava da Alliance, sofreu uma ação do governo americano com base na legislação anti-truste (Seção I do Sherman Act). Desta ação não escapou também a Alluminium Limited que, mesmo sendo canadense, tinha um grande escritório em território americano. A decisão da Suprema Corte foi pela aplicação das leis anti-truste americanas às condutas executadas em território estrangeiro (formação de cartel na Suíça), pois seus efeitos produziram-se em território norte-americano.

Finalmente tem-se o julgamento do caso ICI, um dos melhores exemplos de como uma decisão nacional, ao ferir princípios da lei internacional, pode carecer de total efetividade.

A ICI, empresa americana, e a Dupont, empresa francesa, firmaram acordo envolvendo a troca de patentes entre as duas empresas, cujo resultado foi a cartelização dos mercados nos Estados Unidos, violando a legislação anti-truste norte-americana. Como o acordo envolveu também uma subsidiária da Dupont na Inglaterra, a Corte americana determinou a esta subsidiária que também procedesse à devolução das patentes, tal como decidido em relação à Dupont e ICI. A subsidiária inglesa recorreu ao judiciário britânico, que pronunciou totalmente sem efeito a sentença americana em relação à subsidiária inglesa da Dupont, uma vez que, segundo a lei inglesa, somente os tribunais ingleses tinham jurisdição para conhecer e julgar a causa.


V - A BUSCA DA EFETIVIDADE DAS DECISÕES NACIONAIS EM TERRITÓRIO ESTRANGEIRO.

A teoria do impacto territorial, sustentada pelos efeitos negativos num território dos fatos ocorridos no exterior, como se disse, nada mais é que a aplicação da própria jurisdição interna do Estado, como se considerasse o fato como ocorrido em seu próprio território. Nos Estados Unidos, a solução para a recepção negativa da aplicação judicial desta teoria, mas preservando-lhe a essência, foi regular diretamente as relações comerciais externas das empresas americanas com o restante do mundo.

Neste sentido, fez-se o bloqueio econômico à Cuba (1962) pelos Estados Unidos que proíbe, em linhas gerais, pessoas físicas e jurídicas americanas de operarem com qualquer um que tenha qualquer tipo de relação com o Governo de Fidel Castro. Em outras palavras, se uma empresa da Alemanha vende commodities para Cuba, fatalmente não comercializará seus produtos para uma empresa americana que estará proibida de comprá-los, ou seja, estará legalmente excluído do maior mercado consumidor do Mundo. Ao que parece, a agressiva política americana anti-truste velou-se numa roupagem de legalidade, fundada na soberania e na absoluta jurisdição interna do Estado.

Na verdade, a evidente superioridade comercial americana, que impõe suas leis intenas escancaradamente com efeitos extraterritoriais, sempre tenderá a ser combatida, com mais ou menos sucesso e intensidade, tal como vem sendo feito mais eficazmente na Organização Mundial do Comércio.

O Prof. José Carlos de Magalhães, por exemplo, defende a reestruturação da ordem internacional para adequação dos novos fenômenos que transcendem os limites do território, pois os princípios do direito internacional clássico não se ajustam a essa nova problemática.

Sem embargos, a nova ordem internacional demanda soluções efetivas, que estejam aptas a produzir efeitos concretos em território estrangeiro, o que seria inviável, senão impossível, com a simples violação da jurisdição legal internacional alheia. Destarte, a solução proposta por Falk em 1959, de arranjos horizontais consubstanciados em tratados internacionais como a melhor alternativa para a efetividade das decisões, além de atual, vem sendo largamente aplicada.

Na nova ordem econômica mundial, um sistema de coordenação de fatores para diminuição das disparidades entre os Estados vem naturalmente provocando uma maior integração econômica e política entre eles. Este fenômeno integracionista tem se concretizado em tratados internacionais, tais como o Tratado de Maastritch (1992) e o Tratado do NAFTA (1992), cujos textos procuram abarcar todas as áreas de interesse econômico, político e sociais para consecução dos objetivos colimados no tratado.

A evolução dos meios de produção e de comunicação para as raias da internacionalidade (regionalização e globalização (33)) demanda, além de leis internas que possibilitem a integração, processos mais eficientes e seguros de solução de controvérsias, seja entre os estados, seja entre os particulares. Assim, em se tratando do movimento de formação de blocos regionais, a efetividade tornou-se um importante elemento de integração.

Por estas razões, é que os Estados em processo de integração econômica (i.e. União Européia), através de tratados internacionais vêm atribuindo a jurisdição sobre determinadas matérias a órgãos e tribunais supranacionais regidos por um direito comunitário, fundado na harmonização e uniformização da legislação e na tradição dos Estados, em princípios e técnicas próprios do direito internacional.

Como resultado deste processo legislativo comunitário, as decisões proferidas nos tribunais da Itália tendem a ser efetivas em território da Alemanha, por exemplo.

Por outro lado, fora desta realidade integracionista, a ordem internacional carece de regras positivadas e de conteúdo coercitivo (enforceable) que limitem e façam limitar o exercício da jurisdição dos Estados. Nesta perspectiva, a regra geral é a reciprocidade e os acordos bilaterais de cooperação que têm garantido, em alguns casos, maior efetividade à decisões nacionais em territórios estrangeiros.

Nenhum destes elementos e princípios de direito internacional clássico (da territorialidade objetiva e subjetiva, da nacionalidade, da personalidade passiva, da segurança nacional, da universalidade), nem todas os tratados internacionais que se possam engendrar, podem fazer uma decisão efetiva, senão com o concurso direto dos Estados interessados.

O próprio processo de homologação de sentenças estrangeiras, requisito de exequibilidade para alguns sistemas jurídicos, pode funcionar como um óbice legal, e por vezes político, à efetividade.

Na perspectiva dos indivíduos, cuja análise se procurou afastar deste trabalho, a solução talvez esteja com aqueles que defendem as decisões arbitrais, cuja execuçãode sentenças estrangeiras, pelo menos no Brasil, ainda tem como obrigatória a homologação pelo Supremo Tribunal Federal (34).

Já na perspectiva dos Estados, diante do inevitável processo de integração econômica que deverá dividir (ou unificar, quem sabe?) o Mundo em blocos comerciais, a solução está nas variáveis que se pode criar a partir do modelo de regionalismo europeu, que criou de um tribunal supranacional e harmonizou a ordem constitucional e infraconstitucional interna dos Estados membros em relação ao regramento comunitário.


NOTAS

  1. FALK, Richard Anderson, "International jurisdiction: horizontal and vertical conceptions of legal order", in Temple Law Quaterly, 1959, vol. 32, p. 295.
  2. KAPLAN, Morton A.. & KATZENBACH, Nicholas de B., "Fundamentos Políticos do Direito Internacional", Zahar Editores, Rio de Janeiro, p. 188.
  3. MAGALHÃES, José Carlos de, "A aplicação extraterritorial de leis nacionais", in Revista Forense 293/89.
  4. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973: Código de Processo Civil Brasileiro em vigor, arts. 91 e ss.
  5. O Professor Richard A. Falk (op. cit) apresenta em seu artigo um debate sobre o conceito horizontal e vertical da ordem legal internacional. No entender de Falk, a ordem internacional é essencialmente horizontal, de coordenação entre Estados, diferentemente da ordem interna, onde prevalece a hierarquia entre instituições, com o poder verticalizado e centralizado na figura do Estado.
  6. FALK, op. cit., p. 295.
  7. E assim foi reconhecido, em 1927, pela Corte Permanente de Justiça Internacional, no julgamento do caso Lotus, no qual foi assinalado que ..."tudo o que pode ser exigido de um Estado é que não ultrapasse os limites que o direito internacional impõe à sua jurisdição; dentro destes limites, seu título para exercer sua jurisdição repousa em sua soberania" (caso Lotus, in BRIGGS, Richard W., "The Law of Nations, Cases Documents and Notes", F. S. Crofts & Co., NY, 1944, p. 287).
  8. Ao nosso ver, o moderno conceito de soberania compreende dois elementos: jurisdição e competência legal internacional. Em outras palavras, soberania é jurisdição e competência.
  9. Estas regras proibitivas são os limites da discrição dos juízes ao interpretar o direito internacional para reconhecer a extensão, ou não, sa jurisdição dos Estados para fora de seu território.
  10. Na análise dos fundamentos políticos que levam a concretização de tratados internacionais, KATZENBACH (op. cit.) vislumbrava o efeito de melhor acomodação de interesses nas comunidades de Estados que emergiam, pois a competência de um único Estado é um bloqueio para a realização de interesses e valores comuns.
  11. Jurisdição é um exercício de soberania. Jurisdição internacional é o resultado da composição legal internacional de soberanias.
  12. O caso Lotus, típico julgamento de colisão de embacações em alto-mar, tornou-se um dos mais valiosos casos da jurisprudência internacional. Em breve resumo dos fatos, um navio postal francês, o Lotus, albaroou um navio de carga turco em alto-mar, provocando a morte de cinco dos tripulantes turcos e o afundamento do navio cargueiro. Socorridos os náufragos, dirigiu-se o navio francês ao porto turco de Constantinopla, onde o oficial da hora francês, Tenente Demons, foi preso e denunciado pelas mortes dos tripulantes turcos. Processado perla Justiça Turca, Demons foi condenado a cumprir pena naquele país. A França, descordando da condenação de seu nacional e fundamentando, ainda, seu incorformismo no fato do acidente ter se dado em alto-mar (sob a jurisdição de nenhum Estado), propôs à Turquia a submissão do caso à Corte Internacional de Justiça, no que obteve a concordância. Por maioria de votos, a CIJ julgou o caso favoravelmente à Turquia ao entender que não havia no direito internacional regra alguma que proibisse este Estado de aplicar sua lei penal sobre o caso. Ver também nota 07 retro.
  13. Segundo FALK (op. cit.), esta razoabilidade deve ser buscada numa composição horizontal entre os Estados, pois nesta perspectiva o Estado mantém-se como centro de autoridade primária, exatamente por não furtar da população as noções arraigadas de soberania e nacionalidade.
  14. "Research in International Law under the Auspices of the Harvard Law School. Jurisdiction with respect of Crime", 29 American Journal of International Law, Supp.
  15. MAGALHÃES, op. cit., p. 92.
  16. MAGALHÃES, op. cit., notas 27 e 28: Art. 7º e 8º do Projeto de Convenção de Harvard, nota 20.
  17. Os tribunais norte-americanos fornecem farta jurisprudência relatando a aplicação de muitos destes princípios da Law of Nations, especialmente quanto ao tráfico negreiro, a exemplo do caso Schooner La Eugéne, relatado mais adiante neste trabalho.
  18. BRIGGS, op. cit., nota 17, p. 574.
  19. MAGALHÃES, op. cit., p. 95.
  20. Sobre a evolução do direito americano ver notas do Capítulo III, a seguir: A Evolução do conceito da competência extraterritorial, através da soberania e da história política e econômica americana. A Suprema Corte dos Estados Unidos.
  21. Vale lembrar que nesta época iniciava na Inglaterra a Primeira Revolução Industrial, que modificou profundamente a sociedade européia dos Séculos XVIII e XIX.
  22. Durante o Governo Madison, no mesmo ano em que Napoleão empreendia sua desastrosa campanha na Rússia, os Estados Unidos iniciaram sua 2ª Guerra de Independência com a Inglaterra, promovendo a invasão do Canadá, enquanto navios ingleses abordavam navios americanos em busca de desertores da marinha britânica. Em 1815 Estados Unidos e Inglaterra firmaram o Tratado de Gand e puseram fim a guerra. Iniciou-se um período de paz e prosperidade, principalmente sob o Governo de Monroe (1817-1825).
  23. Congresso de Viena de 1815 teve como resultado profundas mudanças no mapa político e geográfico da Europa, favorecendo, sobretudo, a Inglaterra, Rússia, Prússia e Áustria.
  24. A doutrina Monroe ficou conhecida pela máxima "América para os Americanos". Foi a expressão do nacionalismo nascente da jovem república americana. O principal alvo da mensagem de Monroe foi a Santa Aliança, que, após o Congresso de Viena de 1815, pretendia a restauração do absolutismo contrariamente às idéias liberais que derrubaram o absolutismo na Revolução Francesa de 1789.
  25. Suprema Corte, 1822, in BRIGGS, op. cit., p. 09.
  26. A despeito da escravidão atentar contra os mais basilares princípios cristãos, como se apregoava no Law of Nations, desde a revolução industrial (Séculos XVIII e XIX), a escravidão passou também a ser incompatível como o novo modelo de produção. Nesta perspectiva, a Inglaterra promulgou o Bill Alberdeen, que condenava o tráfico escravo e exigia, indiretamente, das nações com as quais desenvolvia relações comerciais, ações concretas para a extinção do tráfico negreiro. Vale lembrar que na América Latina o tráfico escravo passou a ser definitivamente abolido somente a partir de meados do Século XIX, tal como ocorreu no Brasil em 1888.
  27. Em fevereiro de 1848 os Estados Unidos assinaram com o México o Tratado de Guadalupe-Hidalgo, que pôs fim à guerra que tivera início em 1834, causada pelo estabelecimento de milhares de colonos em território mexicano (Texas), de tal sorte que a maioria da população daquele território falava inglês. Como resultado do tratado, os Estados Unidos anexaram o Texas, Arizona, Novo México e Califórnia, mediante o pagamento de uma indenização ao México.
  28. Compromisso do Missouri: proibiu a escravidão nos Estados Unidos acima do paralelo de 36º 30´ de latitude, excetuando-se o Missouri, que era um território escravista.
  29. BRIGGS, op. cit., p. 269.
  30. MAGALHÃES, op. cit., nota 36, p. 96.
  31. Idem, op. cit., p. 36.
  32. BRIGGS, op. cit. nota 54, p. 312.
  33. O fenômeno econômico da Regionalização é resultado de um processo macroeconômico e gradativo, que reúne Estados na concecussão de objetivos comuns. O fenômeno econômico da globalização, por sua vez, consubstancia-se num processo microeconômico, onde os diversos agentes econômicos interagem, a despeito de regras comuns ditadas por seus respectivos Estados de origem.
  34. Lei nº 9.307, de 23.09.96. "Art. 34. A sentença arbitral estrangeira será reconhecida ou executada no Brasil de conformidade com os tratados internacionais com eficácia no ordenamento jurídico interno e, na sua ausência, estritamente de acordo com os termos desta lei."

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MORE, Rodrigo Fernandes. A efetividade das decisões judiciais nacionais em território estrangeiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 57, 1 jul. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2956. Acesso em: 26 abr. 2024.