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Crítica à publicidade administrativa atualmente definida doutrinariamente

Crítica à publicidade administrativa atualmente definida doutrinariamente

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Crítica à definição doutrinária atual de publicidade administrativa como mera publicação dos atos do governo

Os princípios constitucionais são normas de dever ser com valor jurídico e que determinam um comportamento e necessariamente devem ser obedecidas. Sem sua concretização ou caso sejam tidas como valores sociais puramente com conteúdo axiológico, a Constituição perde grande parte de seu valor normativo, tornando-se uma carta de valores ou política, não inserida no mundo jurídico.

Deste modo, a publicidade não pode ser considerada meramente uma norma programática sem conteúdo normativo e destinada unicamente para a administração. Ela vai além, sendo um dos meios de concretização de outros princípios constitucionalmente afirmados, tal como a cidadania participativa, a democracia a soberania popular, entre outros. Como tal, deve necessariamente ser respeitada e delimitada suas balizas normativas.

A transparência da administração possibilita que conteúdos decisórios antes não acessíveis sejam disponibilizados à comunidade. Este é um dos pressupostos comunicativos para que a esfera pública independe do Estado seja constituída, de modo que a todos sejam dadas condições igualitárias de participar.

A cidadania participativa, em que todos os membros da comunidade ativamente influenciem no poder público estatal, é inerente ao próprio conceito de democracia, tal como delineado modernamente. Não há mais a possibilidade de uma administração hermética, que impõe decisões a todos, tal como se houvesse uma hierarquia entre Estado e sociedade civil.

Uma comunidade forte e interativa, onde todos tenham iguais chances de expor suas opiniões, somente pode ser alcançada com o acesso também igualitário às informações oficiais. Caso haja uma discrepância entre os membros da sociedade, em que alguns sejam totalmente alheios aos assuntos estatais, então a democracia participativa encontra-se fragilizada e negligenciada. Neste sentido, pode-se afirmar também que mais do que um dever estatal, a publicidade é também um direito subjetivo público de acesso aos conteúdos dos atos praticados pela administração em nome da coletividade.

Neste sentido, não basta que as comunicações oficiais sejam apenas presumidamente eficazes. Deve haver um controle rígido de como ocorre a comunicação de massa. Não apenas no que se refere às mensagens, que via de vezes sofrem distorções comunicativas, como também análise acerca do canal que será utilizado para tanto.

Meios de comunicação ineficazes, que efetivamente não transparecem os atos administrativos, não atendem corretamente ao princípio da publicidade. Em uma cidadania em que se defende a participação ativa de todos os membros da comunidade, não pode haver uma simples presunção de que a transparência foi realizada. Pressupõe-se que a todos seja dada igual possibilidade de acesso ao conteúdo dos atos administrativos. Nesta medida, é necessário um estudo conclusivo acerca da efetividade e alcance dos meios de comunicação oficiais atualmente utilizados.

Assim, o princípio da publicidade determina também que não haja distorção da informação por meio de manipulações da autoridade, o que apenas simula uma legitimação formal dos atos da administração. Os novos conceitos de Estado, democrática, cidadania e do próprio princípio da publicidade exigem o conhecimento de todos acerca do que se passa no Poder Público, não apenas a aparência de divulgação.

Essa transparência, contudo, não pode ser confundida com promoção pessoal dos agentes da administração. Os princípios da impessoalidade e moralidade exigem que aquilo que se divulga utilizando-se de verbas públicas possua caráter unicamente informativo ou educacional, concretizando os ideais de um governo transparente e acessível, que administra sempre visando interesses que não lhe são próprios.

Apesar de sua tímida aparição no direito pátrio, alguns mecanismos de participação popular na administração começam a ser utilizados. Eles permitem mais do que um conhecimento do ato pronto e acabado, possibilitando à população influenciar na tomada de decisão dos atos. Contudo, em regra não vinculam o administrador ao resultado do conselho popular, o que de certa forma enfraquece-os como instrumentos verdadeiramente democráticos. Por outro lado, como é exigida a motivação de todos os atos, nas decisões devem constar as razões que eventualmente levaram a administração a não seguir as sugestões populares.

De qualquer modo, abrem a possibilidade de um maior controle da finalidade e motivação administrativa, bem como permitem uma maior legitimação dos atos. Esta não pode ser forjada por instrumentos supostamente democráticos, porém que não permitem o real acesso a todos em sua participação. A legitimidade no Estado Democrático de Direito se dá com o consentimento e conhecimento amplo acerca do que se passa na administração. O espaço público onde corre a discussão e, consequentemente, a legitimação dos atos faz parte do núcleo do conceito de cidadania participativa.

Neste sentido, a publicidade permite que ocorra a legitimação não apenas de decisões, mas também do próprio Estado como instituição política. Ela é pressuposto para uma cidadania participativa bem como para a formação de um espaço público tal no sentido habermasiano. Deste modo, a concretização da soberania popular depende também de uma publicidade efetiva e não apenas forjada, em que não haja mais presunções de transparência, mas sim o efetivo conhecimento de todos, a fim de que a administração deixe definitivamente o modelo baseado no segredo e na dominação, para que possa se tornar democrática.



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