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Inimputabilidade e sua relação com a indignidade

Inimputabilidade e sua relação com a indignidade

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Ao tratarmos sobre direito sucessório, mais especificamente sobre o instituto da indignidade previsto no Código Civil Brasileiro de 2002, surge uma questão tormentosa quanto possibilidade do inimputável ser considerado indigno.

SUMÁRIO: 1.  INTRODUÇÃO. 2. APLICABILIDADE DO INSTITUTO DA INDIGNIDADE AO INIMPUTÁVEL. 3. CONCLUSÃO. 4. BIBLIOGRAFIA.


1. INTRODUÇÃO

Quando abordamos o instituto da Indignidade, previsto no art. 1814 do Código Civil, encontramos uma das questões mais tormentosas, que envolvem a interdisciplinariedade entre o direito civil e o direito penal: a inimputabilidade do herdeiro e seus reflexos sobre a indignidade.

Nosso Código Civil traz em seu bojo que: 

Art. 1814. Sáo excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:

I- que hovuerem sido autores, coautores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascedente ou descedente;

II- que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;

III- que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herença de dispor livremente de seus bens por atos de última vontade.

Do preceito supramencionado extrai-se que a exclusão do herdeiro ou do legatário da sucessão tem natureza jurídica de penalidade civil, conforme abordado na introdução do presente trabalho. Essa penalidade é decorrente de falta grave cometida por aqueles contra o autor da herança ou pessoa de sua família.

Quanto às faltas graves a ensejar a exclusão, temos: I) homicídio (doloso) ou sua forma tentada contra o autor da herança, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente; II) crimes contra a honra: denunciação caluniosa, calúnia, difamação ou injúria contra o autor da herança, seu cônjuge ou companheiro; III) criação de óbices à efetivação de legado ou testamento pelo autor da herança.

Portanto, se tomarmos como exemplo o inciso I do art 1.814 do Código Civil, indiscutível que se um dos herdeiros for autor de homicídio doloso, ou de tentativa, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, ser-lhe-à imputada, como penalidade, a exclusão da sucessão, após o devido processo legal, já que para a concretização da exclusão, necessária se faz a instauração de processo próprio, na vara de sucessões, ou, na falta dessa, na vara cível (por se tratar de matéria de alta indagação, não se faz possível sua discussão nos autos do processo de inventário), com a propositura da ação no prazo decadencial de 04 anos ( Art. 1815, Parágrafo único, CC), contados da abertura da sucessão.

Como consequência da exclusão da sucessão, temos: a) os descendentes do excluído sucedem, por representação, como se o indigno já fosse falecido à data da sucessão (art. 1816, CC); b) efeitos ex tunc da sentença. Assim, o indigno deverá restituir os frutos e os rendimentos percebidos (art. 1817, parágrafo único, CC), equiparando-se ao possuidor de má-fé, salvo eventuais direitos de terceiros de boa-fé que com ele contrataram.


2. APLICABILIDADE DO INSTITUTO DA INDIGNIDADE AO INIMPUTÁVEL

No âmbito do direito sucessório, surge uma questão tormentosa, quanto à aplicabilidade de tal instituto ao incapaz que praticou o ato de indignidade.

Necessário ressaltar que a doutrina pátria normalmente passa ao largo de tal questão, tratando exclusivamente das causas e consequências da exclusão.

Porém, o tema ora em estudo merece maiores reflexões, notadamente quando nos é apresentada a seguinte situação hipotética: alguém pratica crime de homicídio contra o seu genitor, disparando-lhe tiro certeiro. Caso fosse capaz não haveria o que tergiversar quanto à possibilidade de exclusão da sucessão do herdeiro que perpetrou o homicídio. No entanto esse herdeiro, é absolutamente incapaz, possuindo a época do fato, 12 (doze) anos de idade.

A indagação que surge é a seguinte: aplica-se a penalidade da exclusão da sucessão ao incapaz que perpetua uma das hipóteses do art. 1814, I e II, do Código Civil?

De fato, um dos argumentos hábeis a justificar a exclusão do incapaz seria o de se tratar tal medida extrema de penalidade de natureza claramente civil, sendo que o Código Civil, em outras passagens não exime o incapaz de eventual responsabilização patrimonial por danos por ele causados a outrem, servindo como exemplo a possibilidade de aplicação da cláusula penal em prejuízo de contratante incapaz que descumpre culposamente o contrato.

Corroborando o entendimento acima, pode-se ainda, defender a tese de que a legislação civil não faz qualquer ressalva de inaplicabilidade da penalidade de exclusão da sucessão ao incapaz, demonstrando, pois, calra mens legis de não se excetuar tal situação.

Parte da doutrina, amparando-se na lição de Silvio de Salvo Venosa, postula que:

Quanto à inimputabilidade por menoridade penal, não seria moral que um parricida adolescente pudesse se beneficiar de sua menoridade para concorrrer na herança do pai que matou. Nesse entender, a presunção que o ampara no âmbito criminal e determina que o menor de 18 anos não entende o caráter delituoso do ato que pratica não teria palicação no âmbito civil, concluindo-se por sua exclusão da herança. (HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes e PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coord), Direito das Sucessões, Belo Horizonte: Del Rey, 2007, pág 37)


3. CONCLUSÃO

Em que pesem os argumentos acima elencados, o que se defende no presente estudo é a tese da impossibilidade de aplicação da sanção de exclusão da sucessão ao incapaz, nas hipóteses previstas nos incisos I e II do art 1814 do Código Civil, por razão singela e objetiva, qual seja a da inexistência de crime (em seu conceito analítico) praticado por inimputável.

Nessa esteira, desume-se do art. 1814 em análise que seu texto contém as expressões homicídio doloso ou tentativa; acusação caluniosa e crimes contra a honra, em clara demonostração de se tratar da prática de crimes em espécie (portanto, devidamente tipificados no Código Penal).

Como é sabido, a palavra homicídio é utilizada como indicação marginal ou rubrica do crime previsto no art. 121 do Código Penal. Portanto, frise-, quando o legislador civil se utiliza do termo homicídio, refere-se, de fato à prática do crime previsto no art. 121 em referência.

Quanto ao inciso II, do art. 1814, do Código Civil, a menção ao termo crime contra a honra é feita de forma direta e textual, afastando qualquer resquício de dúvida no que diz respeito de se tratar da prática de ilícito penal.

Tais considerações são de extrema importância, posto que o que se defente é que no momento em que o legislador civil adota as expressões "homícidio doloso ou tentativa" e "crimes contra a honra" está a indicar, de forma irrefutável, que o herdeiro ou legatário somente poderá ser excluído da sucessão caso pratique um dos crimes em comento.

Logo, reprise-se: adotando- se a teoria analítica do crime (fato típico, ilícito e culpável), tem-se que a inimputabilidade do agente afasta a caracterização da infração penal, pela falta de um dos elementos integrantes da culpabilidade, que é a imputabilidade.

Nesse sentido:

Ora, se não se pode reprovar a conduta desses agentes, porque ausente a culpabilidade (seja por inimputabilidade, seja por falta de consciência potencial da ilicitude, seja ainda por ausência de exigilidade de conduta conforme o Direito), é incabível dizer que são "criminosos", mas deixam apenas de receber pena. Se não há reprovação-censura- ao que fizeram, não há crime, mas somente inuusto, que pode ou não dar margem a uma sanção. (NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado, 5ª ed., São Paulo: RT, 2005, pág 41).

Portanto, indubitável que somente restarão caracterizados os ilícitos a justificar a exclusão de herdeiro ou de legatário nas hipóteses da prática de crime (seja contra a honra, seja contra a vida dos indicados no preceito em tela), não bastando a existência do mero injusto penal (fato típico e ilícito).

Na lição de Caio Mário da Silva Pereira:

O dolo é elementar na determinação do fato causal da exclusão. Obviamente é requisito da voluntariedade do homícidio a capacidade do agente. (Instituições de Direito Civil, vol. VI- Direito das Sucessões, 17ª ed., Rio de Janeiro: Forense, pág. 32).

Desta feita, argumenta-se pela impossibilidade de aplicação da sanção civil de exclusão da sucessão ao herdeiro ou legatário inimputável, quando fulcrada na prática de uma das hipóteses previstas no art. 1814, I e II, do Código Civil, haja vista se afigurar como pressuposto lógico e irrefutável da aplicação de tal medida que o excluído tenha praticado crime contra a vida ou contra a honra daqueles elencados no diploma em comento, o que se afigura impossível na hipótese do incapaz, pelo motivo deste, com fulcro na teoria analítica, não cometer crime, mas sim ato infracional.


4. BIBLIOGRAFIA

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Vol. .- Direito das Sucessões. 21ª ed., Rio de Janeiro: Saraiva, 2007.

HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes e PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coord), Direito das Sucessões, Belo Horizonte: Del Rey, 2007.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado, 5ª ed., São Paulo, RT, 2005.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, vol. VI- Direito das Sucessões, 17ª., Rio de Janeiro: Forense.


Autores


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Layany Ramalho Lopes; LOURENÇO, Cláudia Luiz. Inimputabilidade e sua relação com a indignidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4028, 12 jul. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29725. Acesso em: 25 abr. 2024.