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Cadastro de restrição de crédito e a visão do Superior Tribunal de Justiça

Cadastro de restrição de crédito e a visão do Superior Tribunal de Justiça

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A implementação do plano de estabilização econômica, ao longo dos anos, constituiu uma tarefa difícil para a grande parte dos pequenos empresários e consumidores brasileiros, cujas conseqüências se fizeram perceber em face do quadro recessivo que se instalou no País e efetivamente ao alto custo financeiro e o avanço das taxas de juros e nos encargos em contratos bancários e comerciais.

E ainda passando a micro e pequena empresa e ao pequeno consumidor aos encargos altíssimos em cheque especial e nos crediários, as taxas de juros abusivas e toda espécie de arbitrariedade que grassa nos contratos, elevaram a nossa classe baixa e média, ao nosso pequeno e médio consumidor e ao nosso pequeno e médio empresário a perderem os seus negócios, empregos e poder aquisitivo de compra, tornando-se portanto com os descumprimentos de suas obrigações financeiras e comerciais como um cadastrado aos sistemas restritivos de crédito.

Somente para termos uma idéia a respeito da questão, o banco de dados da Serasa já possui 115 milhões de CPFs inscritos ou seja 80 % da população brasileira em cadastro de restritivo da Serasa. Entretanto, em levantamento efetuado recentemente, tivemos um aumento siginificativo da propositura de ações submetidas à apreciação do Poder Judiciário, visando à reparação de danos morais e abalo de crédito, por indevida inscrição em cadastro restritivo de crédito.

Devemos expor que os bancos de dados de restrição de crédito desempenham uma função positiva na sociedade de consumo, mas, como toda a atividade humana, estão sujeitas a abusos, e, por isso, devem ser controlados. Como precisamente alerta a exposição de motivos da Fair Credit Reporting Act, conhecido como FCRA, e promulgado em 1970 pelo Congresso Americano, como Título VI do Consumer Credit Protection Acto, "os serviços de proteção ao crédito vêm assumindo um papel vital no reunir e avaliar o crédito de consumidores e outras informações sobre estes".

E conclui: "há uma necessidade de assegurar que esses serviços de proteção ao crédito exercitem suas graves responsabilidades com equidade, imparcialidade e respeito pelo direito à privacidade do consumidor." E ele, aqui, tem uma função tripla: garantir a privacidade do consumidor, assim como a transparência e veracidade das informações arquivadas."

Recentemente o Ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello em Agravo de Instrumento 243.949RS fez uma exposição jurídica importante a respeito do cadastros restritivos de créditos:

"Na espécie, não se pode vislumbrar ofensa ao inciso XXXVI do rol das garantias constitucionais. Se de um lado é certo que, por cláusula contratual, ficou o Agravante na situação de poder lançar o nome da Agravada, no caso de inadimplemento, em denominado "arquivo de consumo", não menos correto é que a Corte de origem assentou que o débito está submetido ao crivo do Judiciário. Ora, indeferir-se, na espécie, em ação de revisão do que pactuado, medida obstaculizadora do lançamento pretendido implicaria inegáveis prejuízos para a Agravada, no que passaria a estar no rol dos inadimplentes, não logrando, junto a estabelecimentos diversos, crédito. A cláusula contratual há de merecer interpretação lastreada nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Não pode servir como meio de coerção visando à liquidação do débito, nem prestar-se a obstaculizar o ingresso no Judiciário visando a discutir aspectos ligados à dívida." Importante ressaltar em nossa introdução: estando em discussão judicial uma dívida bancária, torna-se ilegal e imoral a manutenção do nome do consumidor no cadastro restritivo de crédito. Neste sentido se faz necessário apresentar a decisão do Juiz Federal Luciano de Souza Godoy em Ação Civil Pública 19996100056142-0 da 22 Vara Federal de São Paulo beneficiando todos os consumidores brasileiros. Vejamos alguns tópicos da decisão:

"A inscrição de nome de pessoas, inadimplentes em suas obrigações, em cadastros de inadimplentes é algo a ser cuidadosamente analisado. Quanto à existência dos cadastros de inadimplentes, que se multiplicam no país atualmente, entendo que constituem um direito da Administração Pública e da iniciativa privada mantê-los. Entretanto existe abuso desse direito a partir do momento que a referência de débito existe no cadastro, não obstante existir garantia (processual, civil ou comercial) quanto ao pagamento. Quanto a isto não restam dúvidas. E se a dívida, quanto a sua existência ou ao seu montante, estiver sendo discutida judicialmente há abusividade, na medida que qualquer pessoa tem o direito de recorrer ao Judiciário na defesa de seus direitos - artigo 5º, inciso XXXV.

Ademais o Código de Defesa do Consumidor, artigo 42, considera a abusividade destes registros de débitos após serem objeto de discussão judicial. Dispõe que na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será... submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.

A existência do registro de débito em um cadastro é uma ameaça, uma coação, para que se pague sem questionar, sem até refletir, porque haverá inúmeras restrições na sua vida diária, quotidiana, econômica ou não. Todos sabem, constitui fato público e notório, que há constrangimento no fato de existir a dita negativação do nome de uma pessoa. Com isto, entendo que se deva privilegiar o lado hipossuficiente do consumidor em detrimento das instituições financeiras, as quais, sem dúvida, têm o direito de acesso as informações (Constituição, artigo 5º, inciso XXXIII), no entanto limitado pelo direito daqueles em questionarem sem constrangimentos seus débitos.

Esta visão fica reforçada a partir do momento que a legislação considera banco de dados como o SERASA como públicos, de interesse público. O Código de Defesa do Consumidor, artigo 43, § 4º, dispõe que os bancos e cadastros relativos a consumidores, os serviços de proteção ao crédito e congêneres são considerados entidades de caráter público. E também a Lei 9507/97, que regulou o hábeas data, considerou de caráter público todo registro ou banco de dados contendo informações que sejam ou que possam ser transmitidas a terceiros ou que não sejam de uso privativo do órgão ou entidade produtora ou depositária das informações (artigo 1º). Existem inúmeros precedentes jurisprudenciais do Superior Tribunal de Justiça, mais alta corte nacional para decidir sobre a aplicação da legislação. Tanto da terceira turma, como da quarta turma, ambas competentes para tema, as decisões acenam no sentido desta decisão."

E continua o eminente Magistrado Federal em sua importante decisão: "Por outro lado, alega o réu SERASA que esta entidade até entender que pessoas consideradas inadimplentes episódicos, se questionarem o débito na Justiça, não devem ter seus nomes negativados. Somente seriam feito registros de devedores contumazes. Não aceito esta posição porque tal avaliação (se inadimplente episódico ou contumaz) não poderia ser feita unilateralmente, de forma potestativa, pelo SERASA. A regra há que prevalecer - não se registrarem débitos que estejam sendo judicialmente questionados quanto à existência ou à extensão. Por exceção, poderia a SERASA obter autorização da justiça para registrar débitos questionados judicialmente, isto para cada caso individual, a ser decidido pelo juiz da causa que teria por objeto os referidos débitos.

O perigo de dano irreparável também existe. Diz o artigo 84 da Lei 8078/90, aliás nos mesmos termos do artigo 461 do Código de Processo Civil, que havendo justificado receio de ineficácia do provimento final pode o juiz conceder a tutela antecipada. Ora, tem-se uma situação na qual inúmeras pessoas estão com seus nomes registrados no SERASA, não obstante discutirem na justiça sua dívida. E tantas outras nem mesmo vão à Justiça impugnar sua dívida, isto é pagam desde logo, porque sabem que a negativação lhe traz mais prejuízos que o benefício com o eventual ganho total ou parcial da demanda.

A Justiça e o Direito devem sempre buscar evitar o dano; a reparação do dano a que ser a exceção. A concessão da tutela antecipada acena no sentido de se evitarem muitos danos. Por outro lado, razoável que, após a questão se mostrar pacificada no Superior Tribunal de Justiça, haja a inversão de posições para determinar ao SERASA aja de acordo com os precedentes jurisprudenciais de forma genérica e erga omnes"

Destarte que em sentido similar o recente arresto do Tribunal de Alçada do Paraná onde em voto exemplar do Magistrado Albino Jacomel Guérios em Recurso de Agravo de Instrumento 126.181-2 analisou a questão dos bancos de dados sob a égide das normas de proteção do consumidor. Para o Magistrado o cadastramento no Serasa e no SPC, quando indevido, viola um direito de personalidade do devedor e tais direitos, uma vez violados, são economicamente irreparáveis, provocando o ato ilícito um dano irreparável. Destacamos ainda:

"A relação de consumo requer a presença de um fornecedor ou de um prestador de serviços e de alguém que receba os produtos ou os serviços como destinatário final, não para recolocá-los no mercado (artigos 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor).

Mas ao lado do consumidor destinatário final, o artigo 29 do Código de Defesa do Consumidor equipara ao consumidor outras pessoas, físicas ou jurídicas, igualmente hipossuficientes, para o fim de protegê-las contra práticas comerciais previstas pelo mesmo estatuto, como, por exemplo, a atividade bancária (artigo 3º, parágrafo 2º, do CDC).

Ponderando esses dois critérios relevantes para o conceito de consumidor e a expressa referência à atividade bancária, a doutrina e alguns julgados, inclusive do Superior Tribunal de Justiça, não vacilam em submeter os contratos bancários ao Código de Defesa do Consumidor. Nesse sentido: Apesar das posições contrárias iniciais, e com apoio na doutrina, as operações bancárias no mercado, como um todo, foram consideradas pela jurisprudência brasileira como submetidas às normas e ao novo espírito do CDC de boa fé obrigatória e equilíbrio contratual.

Ainda que ad argumentandum se diga que as operações bancárias não seriam ontologicamente destinadas ao consumo, são elas consideradas ex lege como serviços para os efeitos de sua caracterização como relação de consumo. Haveria, por assim dizer, uma ficção jurídica conceituando as atividades bancárias como sendo objeto das relações de consumo.

Enquanto no artigo 2º o critério é a destinação final, no artigo 29 outro é o fundamento: exposição das pessoas (determináveis ou não) às práticas de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços, práticas perpetradas por pessoa física ou jurídica, pública ou privada, bem como os entes despersonalizados (artigo 3º).

A exposição da pessoa às práticas referidas não significa que elas sejam destinatárias finais. Pode-se admitir a situação de destinatário final, mas também de destinatário virtual, ou possível destinatário final. O critério do artigo 29 é mais amplo, razão por que a equiparação dos "expostos", sejam destinatários finais efetivos ou virtuais, estabelece outra espécie de consumidores (Aclibes Burgarelli, O Consumidor e a Relação de Consumo, Revista Literária de Direito, maio/junho de 1996, pp. 40 e seguintes, Editora Jurídica Brasileira Ltda) e, na jurisprudência: O conceito de consumidor, por vezes, se amplia, no CDC para proteger quem "equiparado". É o caso do art. 29. Para o efeito das práticas comerciais e da proteção contratual, "equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas".

O CDC rege as operações bancárias, inclusive as de mútuo ou de abertura de crédito, pois relações de consumo (RT 697/173) e Os bancos, como prestadores de serviços especialmente contemplados no art. 3º, parágrafo 2º, estão submetidos às disposições do Código de Defesa do Consumidor. A circunstância de o usuário dispor do bem recebido através da operação bancária, transferindo-o a terceiros, em pagamento de outros bens ou serviços, não o descaracteriza como consumidor dos serviços prestados pelo banco (STJ, Direito do Consumidor 16/179, Editora Revista dos Tribunais).

Apenas para arrematar: De fato o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) foi editado para revolucionar as relações vividas na sociedade brasileira, impondo a partir da sua vigência, o fornecimento de produtos e serviços segundo os melhores padrões de qualidade, confiabilidade e segurança.

Desta forma, não se pode admitir que somente alguns segmentos da economia nacional fiquem à margem dessa evolução legislativa, como no caso das instituições bancárias e financeiras. A defesa do consumidor possui respaldo na Constituição Federal que à elevou a categoria de princípio geral da atividade econômica (art. 170, inc. V) e garantia individual (art. 5º, inc. XXXII), bem como o ordenamento jurídico repugna qualquer abusividade, seja no plano constitucional, comercial, trabalhista etc...

Se nosso sistema de proteção do consumidor não faz distinção entre o consumidor pessoa física e jurídica, bem como equipara (tornando-o igual para efeito de aplicação da lei) a consumidores diversas pessoas expostas às práticas tratadas pelos Capítulos V e VI, não pode a doutrina e muito menos a jurisprudência (sob pena de julgar contra legis), deixar de dar a interpretação ou aplicação correta dos seus dispositivos. Neste sentido, entendemos impertinente o questionamento da destinação do serviço ou do crédito dado pela empresa consumidora para efeito de incidência ou não das normas da Lei 8.078/90.

Ao lado desse há outro argumento. O Código de Defesa do Consumidor introduziu (ou confirmou) dois princípios elementares do novo direito dos contratos, os (princípios) da boa fé e da justiça contratual. Modernamente, o contrato não é mais visto como algo estático e individual, mas como algo dinâmico e social, necessário para o comércio jurídico e satisfação de interesses legítimos. Com essa nova perspectiva realativiza-se o princípio pacta sunt servanda e abre-se espaço para a justiça contratual, a tutela da confiança e a boa fé. O contrato, então, deve ser o instrumento de necessidades individuais e coletivas, não para a supremacia de um contratante sobre o outro ou para que esse enriqueça às custas daquele. Nesse sentido: Assim, através da aplicação dos princípios que regem a nova realidade contratual, busca-se a segurança jurídica, mas não através da liberdade contratual, onde imperava a supremacia da "palavra dada" (pacta sunt servanda), mas através da tutela da confiança e da boa fé, banhados pelo princípio da justiça contratual.

Se essa é a tendência no momento e se o Código de Defesa do Consumidor contém normas que relativizam a força obrigatória do contrato, além de não representar o direito do consumidor um sistema excepcional e sim especial, resta aplicá-lo sempre que frente a frente estiverem contratantes economicamente desnivelados, não porque haja propriamente relação de consumo, mas porque todo e qualquer contrato deve ser celebrado, executado e interpretado segundo aqueles dois princípios (princípios que tem as suas regras positivadas naquele estatuto).

Mais ainda, e também nessa linha de raciocínio, o contrato bancário é de adesão - ou o cliente adere, aceitando as condições impostas pelo banco, ou não adere e permanece sem recursos para levar adiante a sua empresa (a respeito, percebendo essa situação, o seguinte trecho do voto do Ministro Athos Gusmão Carneiro, verbis:

"Ora, em casos como o dos autos, é o credor que está, em realidade, criando o título executivo extrajudicial em seu favor, fixando-lhe o valor e o momento da exigibilidade, mercê de outorga de poderes imposta compulsoriamente em contrato de adesão, compulsoriedade a que as pessoas obrigadas ao uso do crédito bancário não têm como fugir. Ou aderem, ou estão expulsas do mundo dos negócios, pelos menos a imensa maioria dos médios e pequenos empresários, que não têm condição alguma de discutir com os fornecedores de crédito, com as instituições financeiras...", grifos nossos, in Wilson Bussada, Súmulas do Superior Tribunal de Justiça, Acórdãos de Origem e Sentenças Decorrentes, volume II, p. 972, Jurídica Brasileira, 1995, 1ª edição). 

A falta da justiça formal (que ocorre quando o equilíbrio de forças é rompido no instante da contratação) abre oportunidade ao reequilibro, na busca da justiça contratual material, da economia contratual.

Nesse sentido: Ora, posta assim a questão, a melhor solução parece ser aquela que, partindo da distinção entre justiça formal e substancial, considera que esta se deve presumir a partir daquela: em princípio, deve admitir-se ser substancialmente justa a relação entre entre prestação e contraprestação, entre benefícios e encargos, que as próprias partes estabeleceram. Garantidas as condições para a realização da justiça formal, é de se presumir que o contrato seja justo, já que em geral são as partes que estão em melhores condições para avaliar se a prestação e contraprestação se equilibram e se ônus e riscos estão divididos de forma eqüitativa... Mesmo em contratos que não sejam de consumo, a cláusula abusiva poderá ver questionada a sua validade se figurar em contratos padronizados e de adesão, porque, não existindo prévia negociação sobre o conteúdo contratual ou sendo ela ineficaz, não se pode presumir a relação de equilíbrio entre prestação e contrapestação, que é pressuposta pela justiça formal.

Concluindo, pois, por um ou por outro caminho chega-se ao mesmo resultado - necessidade do exame ponderado da posição do autor dentro do contexto do contrato, avaliando-se eventual desiquilíbrio e saná-lo. A respeito da relativização do princípio da força vinculante dos contratos e da exata percepção do pressuposto da pacta sunt servanda - a igualdade dos contratantes no momento do ajuste -, mesmo no campo do direito comum: Com efeito, o princípio da autonomia da vontade parte do pressuposto de que os contratantes se encontram em pé de igualdade, e que, portanto, são livres de aceitar ou rejeitar os termos do contrato.

Fixado o sistema, daí decorrem relevantes conseqüências, principalmente a da necessidade da proteção do contratante vulnerável. O cadastro de consumidores vem previsto no próprio Código de Defesa do Consumidor (artigo 43), desempenhando importante papel nas relações de consumo e nas comerciais em geral. A existência e o lançamento do nome do devedor em cadastros como esses, portanto, são, ao menos a priori, legítimos. Mas o que se deve indagar é se o direito do credor de lançar o nome do consumidor é irrestrito.

Superado o individualismo, caracterizado pelo dogma da vontade e da supremacia do indivíduo, passou-se para a etapa da socialização do Direito, com o reconhecimento da ausência de direitos absolutos, salvo os de personalidade, e, conseqüentemente, do abuso de direito, que ocorre sempre que o exercício do poder de exigir algo extrapolar a utilidade que deve normalmente resultarão titular do direito subjetivo. O direito subjetivo, então, passa a ser limitado por padrões éticos e sociais, integrando um contexto mais abrangente, o social, não como manifestação da vontade do indivíduo mas como um elemento a mais necessário para o regular desenvolvimento da sociedade.

Nesse sentido:... instituições, sem desviar seu fim econômico, social e ético. Insistimos no que temos sustentando ao afirmar, entre nós, a procedência do princípio fundamental do direito que repudia o ato antifuncional ou abusivo, o qual, por sua vez, parte de outro princípio essencial: a relatividade dos direitos subjetivos. Dissemos...: as atribuições ou prerrogativas jurídicas são protegidas pelo ordenamento legal para satisfazer interesses humanos, para alcançar fins confessáveis: a vontade, por si só, é impotente para merecer o amparo do ordenamento jurídico quando se revela que, por trás dessa vontade, não existe interesse sério ou não há uma causa legítima. Em tal caso, exercera prerrogativa sem um fim confessável importa cometer um abuso do direito.

No caso sob exame, a recorrida discute a capitalização de juros e, pelos próprios documentos juntados pelo agravante (fls. 59 e 60), constata-se a cobrança de comissão de permanência, a elevar sobremodo o débito e provocar a excessiva onerosidade reclamada pela arrendatária, existindo, pois, a plausibilidade do direito desta (direito consistente em pagar somente aquilo que efetivamente deve, sem excessos). Ou seja: a ) a bem da verdade o crédito está sub judice, argumentando a recorrida que o recorrente dela exige além do devido, o que, se comprovado, afastará definitivamente a mora debitoris, sem que se possa então falar em mau pagador, e b) considerando o caráter protecionista do Código de Defesa do Consumidor, que procura evitar danos ao hipossuficiente, e considerando que, ao menos no momento, em razão do ajuizamento da mencionada demanda, não se pode falar em mora, que pressupõe culpa, ausente quando o credor exige do seu devedor mais do que lhe é devido, a conduta do agravante, segundo um juízo de probabilidade mínima, afirgura-se abusiva.

Os dados do cadastro de consumidores, é certo, interessam ao comércio jurídico, tendo uma conotação social. Mas também tem um colorido social a defesa do consumidor, tanto assim que o artigo 1º do Código de Defesa do Consumidor proclama que as suas normas são de ordem pública, e também tem a mesma matiz (social) a defesa dos direitos de personalidade, afetados por um ato como esse praticado pelo réu. O modo de conciliar todos esses interesses, sociais, é o de evitar o lançamento prematuro, antes de se ter absoluta certeza do inadimplemento ou da mora, para o que não basta, quando ocorrer oposição ao crédito, o mero vencimento da dívida, exigindo-se algo mais - a certeza do inadimplemento ou da mora, o que somente ocorrerá diante e por força de uma decisão judicial. Vale dizer: o interesse também público que envolve os cadastros de consumidores não afasta, por si só, o abuso de direito.

O que se quer dizer é que há valores ponderáveis em jogo: de um lado um direito da personalidade e de outro um direito patrimonial, de crédito, priorizado pelo agravado, e também um interesse público, que pode ser atendido, esse interesse, pelo comércio em geral, por outros meios menos gravosos para o devedor (por exemplo, exigência de certidões dos Cartórios Distribuidores); desses valores um ou alguns deles devem ser sacrificados, especificamente o direito à honra e ao bom nome do devedor caso ele realmente deva e realmente esteja em mora; mas, pela relevância dos direitos da personalidade, eles somente poderão ser sacrificados se e quando configurada uma situação definitiva de inadimplência, antes não.

Na verdade não existe um ato legislativo regulando o casdastro de devedores. Há possibilidade de o credor anotar o nome do devedor, mas não se sabe exatamente em que momento aquele pode assim proceder - se basta a simples suspeita da mora ou se somente após o equacionamento judicial da questão. O argumento de que o Banco Central do Brasil autoriza medidas como a adotada pelo réu improcede, uma vez que, como todo ato administrativo, a Resolução 1.682 não pode fugir ao princípio da razoabilidade e nem ser interpretado em desacordo com ele e, designadamente, em desacordo com uma lei, lei de ordem pública mais precisamente (o Código de Defesa do Consumidor) (a respeito do princípio da razoabilidade como limite à atuação do Administrador, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Discricionaridade Administrativa na Constituição de 1988, pp. 146 e seguintes, n 7, Atlas, 1991, e Celso Antonio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, p. 54, n 16, Malheiros Editores, 1994, 5ª edição, que menciona, verbis: "ninguém poderia aceitar como critério exegético de uma lei que esta sufrague as providências insensatas que o Administrador queira tomar; é dizer, que avalize previamente condutas desarrazoadas, pois isto corresponderia a irrogar dislates à própria regra de direito"). E a irrazoabilidade do ato administrativo, que tem nítido caráter normativo, decorre dos valores em pauta e da desproporcionalidade do dano em relação à utilidade para o credor e para o todo social"

Portanto vamos concluir a nossa introdução demonstrando a visão uniformizada do Superior Tribunal de Justiça a respeito dos cadastros restritivos de crédito:

Ministro Waldemar Zveiter em Medida Cautelar 2891 SP em 11.06.2001 na Terceira Turma acompanhado na decisão com os Ministros Ari Pargendler, Menezes Direito e Pádua Ribeiro e. Ministra Nancy Andrighi.onde decidiu que: "Medida Cautelar.Inscrição em sistemas de proteção ao crédito. Pedido de liminar que se defere para determinar o processamento de recurso especial retido e agregar-lhe efeito suspensivo, uma vez que determinado a inscrição do nomeado devedor nos sistemas de proteção ao crédito ( SERASA, SCI, CADIN, CADIP), quando pendente de discussão judicial o valor do quantum debeatur."Destacamos ainda um trecho de seu voto rm Resp 170.281 SC em que "Tocante ao art. 160, I, do Código Civil, a jurisprudência desta Casa firmou-se no mesmo sentido da decisão hostilizada, ou seja, enquanto pendente de discussão o montante da dívida em juízo, constitui constrangimento e ameaça vedados pela Lei n.º 8.078, de 11.09.90, o registro do nome do consumidor em cadastros de proteção ao crédito"

Ministro Antonio de Pádua Ribeiro em Medida Cautelar 2922 SP em 09.04.2001 na Terceira Turma acompanhado na decisão com os Ministros Waldemar Zveiter, Ari Pargendler e Menezes Direito.e a Sra. Ministra Nancy Andrighi.onde decidiu que:

"Estando sob o pálio da Justiça a discussão de débito oriundo de contrato de abertura de crédito em conta-corrente, inadmissível a inscrição do devedor no Serasa, SPC ou órgãos afins"

Ministra Nancy Andrighi em Agravo Regimental em Agravo de Instrumento 226176 RS em 02.04.2001 na Terceira Turma acompanhado na decisão com os Ministros Ari Pargendler e Menezes Direito., Pádua Ribeiro e Waldemar Zveiter, onde decidiu que: "É cabível o pedido da antecipação de tutela em sede de embargos do devedor para pleitear a exclusão do nome do devedor dos cadastros de inadimplentes (SPC, SERASA), porque integra o pedido mediato, de natureza consequencial."

Ministro Carlos Alberto Menezes Direito em Recurso Especial 248.176 RS em 04.06.2001 na Terceira Turma acompanhado na decisão com os Ministros Ari Pargendler e Pádua Ribeiro, onde decidiu que: "Não viola qualquer dispositivo de lei federal o julgado que, em execução, com os pertinentes embargos, proíbe a inscrição dos nomes dos devedores nos cadastros de proteção ao crédito, "enquanto não vencido o prazo judicial para o pagamento". Importante se faz destacar o enunciado no Agravo Regimental na Medida cautelar 1331 SP em que "Concessão de tutela antecipada para excluir os nomes dos devedores do SERASA, SPC. Aplicação pelo juiz a quo de multa diária para o caso de não cumprimento da ordem. Ausentes os requisitos para concessão da liminar pleiteada pela Instituição Financeira."

Ministro Ari Pargendler em Recurso Especial 285.655 MS em 04.06.2001 na Terceira Turma acompanhado na decisão com os Ministros Carlos Alberto Menezes Direito, Nancy Andrighi. e Pádua Ribeiro, onde decidiu que : "A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se, contra meu entendimento, no sentido de que, pendente discussão judicial do débito, o registro do nome do devedor deve ser excluído dos cadastros de órgãos de proteção ao crédito."

Finalmente destacamos os votos dos Ministros Nilson Naves e Eduardo Ribeiro a respeito da questão. O Ministro Nilson Naves da Terceira Turma em Agravo 228380/RS tem a visão de que "Ação de revisão de contrato. Cadastros. Segundo o acórdão estadual, havendo discussão a respeito do crédito, justifica-se a liminar cautelar como medida para evitar a inscrição do mutuário no SERASA, SPC e CADIN".. E o Ministro Eduardo Ribeiro em Recurso Especial na Terceira Turma decidiu: "CDC. Bancos de dados. Artigo 43, §§ 1º e 5º. Consoante o disposto no §1º do art. 43, da L. 8.078/90, nenhum dado negativo persistirá em bancos de dados e cadastros de consumidores, por prazo superior a cinco anos. Prende-se a decisão da causa à interpretação que deva ser dada ao que se contém no § 1°, parte final, do artigo 43 do Código de Proteção ao Consumidor, cotejado com o § 5º do mesmo artigo. O primeiro estabelece que os cadastros e dados de consumidores não poderão "conter informações negativas referentes a período superior a cinco anos". O último, que, consumada a prescrição, não poderão os Sistemas de Proteção ao Crédito fornecer "quaisquer informações que possam impedir ou dificultar novo acesso ao crédito junto aos fornecedores".

Ministro Ruy Rosado de Aguiar em Recurso Especial 285401/SP em 11.06.2001 na Quarta Turma acompanhado na decisão com os Ministros Aldir Passarinho Junior, Barros Monteiro e Cesar Asfor Rocha onde decidiu que: "Serasa. Inscrição de nome de devedora. Falta de comunicação.A pessoa natural ou jurídica que tem o seu nome inscrito em cadastro de devedores tem o direito de ser informado do fato. A falta dessa comunicação poderá acarretar a responsabilidade da entidade que administra o banco de dados". É ainda de se destacar o voto do Ministro no Recurso Especial 219.184 RJ acerca da inscrição do nome da contratante na Serasa enquanto pendente discussão judicial acerca do débito, constitui exercício indevido do direito e enseja indenização pelo grave dano moral que decorre da inscrição em cadastro de inadimplentes. "Quanto à inscrição do nome da recorrente no SERASA observo que a jurisprudência desta Corte se encontra hoje pacificada no sentido de considerar indevida a inscrição do nome do devedor no banco de dados enquanto estiver em discussão judicial o débito que estiver sendo cogitado."

Ministro Aldir Passarinho Junior em Recurso Especial 290496/SP em 02.04.2001 na Quarta Turma acompanhado na decisão com os Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira, Barros Monteiro, Cesar Asfor Rocha e Ruy Rosado de Aguiar.onde decidiu que:. "Legítimo é o procedimento adotado pela instituição financeira em inscrever o devedor inadimplente em cadastro de proteção ao crédito, porque autorizado na legislação pertinente. Caso, todavia, em que movida ação de revisão de contrato, havendo discussão jurídica sobre o débito, pertinente a concessão de tutela antecipada para evitar a inscrição, sob pena de se frustrar, ao menos em parte, o direito de fundo discutido, pela imediata perda da credibilidade do mutuário na praça em que atua."

Ministro Cesar Asfor Rocha em Agravo Regimental no Recurso Especial 275115 MG em 19.03.2001 na Quarta Turma acompanhado na decisão com os Ministros Ruy Rosado de Aguiar, Aldir Passarinho Júnior, Sálvio de Figueiredo Teixeira e Barros Monteiro, onde decidiu que:" Agravo parcialmente conhecido e, nesta extensão, provido, para determinar que o agravante se abstenha de incluir os nomes dos ora agravados em seus cadastros de inadimplentes ou, se já procedida esta, sejam excluídos, apenas quanto aos débitos efetivamente discutidos em juízo, o que deverá ser apurado na fase de liqüidação, até o julgamento das respectivas ações principais."

Ministro Barros Monteiro em Recurso Especial 151.380 RS em 04.06.2001 na Quarta Turma acompanhado na decisão com os Ministros Ruy Rosado de Aguiar e Sálvio de Figueiredo Teixeira e Barros Monteiro, onde decidiu que:" Estando o montante da dívida sendo objeto de discussão em juízo, pode o Magistrado conceder a antecipação da tutela parcial para obstar o registro do nome do devedor nos cadastros de proteção ao crédito. Precedentes."

Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira em Recurso Especial 263546 SC em 16.10.2000 na Quarta Turma acompanhado na decisão com os Ministros Aldir Passarinho Júnior, Barros Monteiro, Cesar Asfor Rocha e Ruy Rosado de Aguiar.onde decidiu que: "Nos termos da jurisprudência desta Corte, estando a dívida em juízo, inadequada em princípio a inscrição do devedor nos órgãos controladores de crédito."


Autor

  • Celso Marcelo de Oliveira

    Celso Marcelo de Oliveira

    consultor empresarial, membro do Instituto Brasileiro de Direito Empresarial, do Instituto Brasileiro de Direito Bancário, do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor, do Instituto Brasileiro de Direito Societário, do Instituto Brasileiro de Direito Tributário, da Academia Brasileira de Direito Constitucional, da Academia Brasileira de Direito Tributário, da Academia Brasileira de Direito Processual e da Associação Portuguesa de Direito do Consumo. Autor das obras: "Tratado de Direito Empresarial Brasileiro", "Direito Falimentar", "Comentários à Nova Lei de Falências", "Processo Constituinte e a Constituição", "Cadastro de restrição de crédito e o Código de Defesa do Consumidor", "Sistema Financeiro de Habitação e Código de Defesa do Cliente Bancário".

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Cadastro de restrição de crédito e a visão do Superior Tribunal de Justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 57, 1 jul. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3017. Acesso em: 23 abr. 2024.