Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/3050
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Nacionalidade brasileira

diferenças entre brasileiro nato, brasileiro naturalizado e estrangeiro

Nacionalidade brasileira: diferenças entre brasileiro nato, brasileiro naturalizado e estrangeiro

Publicado em . Elaborado em .

1. Considerações iniciais

Tenciona-se, nesta pesquisa, cuidar das diferenças entre os brasileiros e entre os brasileiros e os estrangeiros quanto aos direitos e obrigações [1], oriundas do vínculo político-jurídico que se estabelece, ou não, entre o indivíduo e o Estado brasileiro.

Para tanto, adotou-se a metodologia do modelo Dreier-Alexy [2].

O método escolhido encontra justificação na sua multidimensionalidade, adequando-se às exigências de uma teoria pós-positivista do direito, por meio da qual se dá a superação de visões parciais, caracterizadas, de modo geral, por uma abordagem epistemológica que privilegia uma das seguintes dimensões: analítica, empírica e normativa.

As dimensões mencionadas, no modelo adotado, encontram-se intimamente relacionadas, exigindo-se mutuamente para uma compreensão global da dogmática jurídica.

Na dimensão analítica, são feitas distinções conceituais, a exemplo daquelas feitas entre nacionalidade originária e adquirida.

A dimensão empírica serve para atestar que, ao longo da investigação que ora se inicia, não se perde de vista o direito positivo, sobretudo a Constituição de 1988.

Na dimensão normativa, procuram-se encontrar respostas para o problema enfrentado, qual seja, o estabelecimento das diferenças entre os brasileiros e entre estes e os estrangeiros.


2. Nacionalidade

2.1 Nacionalidade, Direito Constitucional, Direito Internacional Privado e Direito Internacional Público.

O instituto da nacionalidade desperta o interesse especial de três disciplinas jurídicas: Direito Internacional Privado, Direito Internacional Público e o Direito Constitucional. [3]

Trata-se de matéria regulada pelo direito interno, em especial pela Constituição, daí porque se aproxima do Direito Constitucional. No caso brasileiro, a matéria encontra-se regulada, substancialmente, no art. 12 do Texto Constitucional. Compreende-se muito bem essa circunstância, afinal, à guisa de exemplo, os direitos políticos são reservados aos nacionais.

Por guardar inúmeras afinidades com o Direito Internacional, justifica-se, por razões didáticas, seu estudo no âmbito do Direito Internacional, Privado ou Público.

Com efeito, em relação ao Direito Internacional Privado, que consiste em um conjunto de normas sobre normas, a fim de se verificar qual direito, indígena ou alienígena por imitação, deve regular um fato anormal, o questionamento acerca da nacionalidade, muitas vezes, é indispensável, uma vez que se trata de importante elemento de conexão.

Ao Direito Internacional Público, entendido como aquele ramo do Direito incumbido de regular as relações entre as pessoas internacionais, quais sejam, Estados, organizações internacionais e indivíduos [4], também interessa a nacionalidade, pois ela estabelece a distinção entre nacionais e estrangeiros, que possuem direitos e deveres diferentes. Além disso, a proteção diplomática da pessoa no exterior depende da indicação de sua nacionalidade.

2.2 Direito fundamental e direito humano

O direito à nacionalidade, em vista do exposto, apresenta, portanto, duas facetas. Trata-se de direito fundamental e de direito humano. [5] É direito fundamental, reconhecido em âmbito interno, pois consta do catálogo do Título II de nossa Constituição. É direito humano, pois se liga ao gênero humano. Toda pessoa, então, pelo simples fato de existir, deve ter direito a uma nacionalidade, como se encontra estabelecido no art. XV da Declaração Universal dos Direitos do Homem [6]. Daí o esforço que se tem verificado nos últimos anos para reduzir os casos de pessoas sem nacionalidade, os denominados apátridas, em virtude de conflito negativo de nacionalidades. Como direito fundamental, é tratado pelo Direito Constitucional, enquanto que, como direito humano, é da alçada do Direito Internacional Público.

2.3 Dimensões

Nesse momento, cumpre delimitar a noção de nacionalidade, investigando-lhe a natureza. Sabe-se que à expressão nacionalidade atribuem-se sentidos diferentes: sociológico, jurídico e/ou político.

Sobre o prisma sociológico, Celso de Albuquerque Mello [7] apresenta-nos três correntes: alemã, francesa e italiana. A corrente alemã (Gunther, Claus) defende que a nota distintiva da nacionalidade reside em elementos materiais, como raça, língua e religião, enquanto que a francesa (Hauriou, Renan) considera mais importante o elemento psicológico, como o desejo de viver em comum. A italiana (Mancini) estabelece uma fórmula conciliadora entre as demais.

Para alguns autores (Kalthof), a nacionalidade é um vínculo jurídico [8]. Para outros (Rodrigo Otávio) [9], trata-se de vínculo político. Contudo, parece haver consenso no sentido de a nacionalidade é, a um só tempo, uma ligação jurídica e política que estabelece entre o indivíduo e o Estado.

A nacionalidade, então, comporta duas dimensões [10] (Paul Lagarde): vertical e horizontal.

Na dimensão vertical, verifica-se relação de subordinação do indivíduo ao Estado, em virtude da qual aquele assume obrigações (serviço militar, v.g.), gozando, em contrapartida, v.g., de proteção diplomática de seu Estado no exterior. A dimensão vertical corresponde à jurídico-política. Nessa dimensão se estabelecem as diferenças entre nacionais e estrangeiros quanto aos deveres e direitos.

Na dimensão horizontal, a pessoa é vista como membro de uma comunidade, à qual se liga por elementos materiais e psicológicos (dimensão sociológica).

2.4 Nacionalidade versus cidadania

Cabe ainda salientar que nacionalidade não se confunde com cidadania, pois o direitos políticos (cidadania) têm, como pressuposto, a nacionalidade, pois deflui da dimensão vertical desta a formação da vontade política estatal.

A nacionalidade, entretanto, não é sempre fator determinante do exercício cidadania, conforme a lição de Edgar Carlos de Amorim [11], como pode ocorrer com aquele que possui mais de uma nacionalidade, o polipátrida.

2.5 Princípios gerais [12]

Em relação à nacionalidade, cabe destacar alguns princípios gerais que a norteiam, embora não se deixem de verificar exceções quanto à sua aplicação.

Primeiramente, por ser o direito à nacionalidade um direito humano, todo indivíduo deve ter uma nacionalidade. Não deve possuir mais de uma, a fim de que se evitem os chamados conflitos positivos de nacionalidade. Contudo, como a atribuição de nacionalidade é expressão da soberania de cada Estado, apenas em uma idealizada sociedade internacional, poder-se-iam evitar os casos de polipatrídia.

O direito à nacionalidade é subjetivo, ligando-se apenas a pessoa determinada, não se estendendo a seus parentes e dependentes.

A nacionalidade não é eterna, podendo o indivíduo adquirir outra, por meio da naturalização.

Finalmente, trata-se de matéria de competência de cada Estado, o que não descarta certa eficácia das normas internacionais a respeito. Dessa forma, nenhum Estado pode atribuir a nacionalidade de outro. [13]

2.6 Aquisição da nacionalidade

A nacionalidade pode ser adquirida por diferentes formas. Levando-se em consideração o critério do tempo, pode-se classificar a nacionalidade em duas categorias: nacionalidade originária e nacionalidade derivada, também chamada de secundária ou, impropriamente, adquirida.

Para a atribuição da nacionalidade originária, aquela se alcança pelo nascimento, podem-se apontar dois sistemas legislativos: jus soli e jus sanguinis. Ressalte-se, contudo, que esses sistemas não são adotados de forma inflexível, admitindo-se temperamentos.

No sistema do jus soli, a nacionalidade originária é obtida em virtude do território onde o indivíduo tenha nascido, do lugar do nascimento. Logo, não importa a nacionalidade dos pais. Trata-se de sistema largamente usado durante a Idade Média, época em a terra, o solo, era o centro de gravidade da economia, feudalismo, e da Sociedade, senhores feudais e servos, da época. Na América, o jus soli também tem grande aplicação, pois é região de imigração, sendo conveniente para os Estados dessa região, por meio desse critério, evitar a formação de minorias estrangeiras sob a proteção de outros Estados. É o sistema adotado no Brasil.

Pelo sistema do jus sanguinis, a nacionalidade originária obtém-se de acordo com a dos pais, à época do nascimento. Trata-se de nacionalidade obtida de acordo com a filiação. Se os pais tiverem nacionalidades diferentes, prevalecerá a do pai [14]. Se o filho for natural, ou de pai desconhecido, seguirá a nacionalidade da mãe. [15] Se ambos os pais forem desconhecidos, não será possível a adoção do jus sanguinis, fixando-se a nacionalidade pelo critério do jus soli. [16] O critério do jus sanguinis foi adotado na Antigüidade Clássica e Oriental. Posteriormente, com a Revolução Francesa, movimento que pôs fim ao Antigo Regime e, com ele, lembranças do feudalismo, passou a ser mais utilizado. Simetricamente ao que acontece com o sistema do jus soli, o jus sanguinis é adotado pelos países de emigração, sobretudo os europeus, que desejam manter vínculos com seus nacionais.

A nacionalidade derivada ou secundária é alcançada por meio da naturalização, hoje predominantemente voluntária, embora no passado tenham ocorrido casos de naturalização imposta, e por meio do casamento. Quando a naturalização ocorre de forma voluntária, o naturalizado perda a nacionalidade anterior, constituindo-se manifestação do direito de renúncia, que, em algumas legislações, pode ser tácita. [17] Para a concessão pelo Estado da naturalização, além da vontade daquele que busca outra nacionalidade, influem o jus domicilii e o jus laboris. [18]

Para Accioly, a naturalização pode ser por benefício da lei ou por permissão da lei [19]. No primeiro caso, a pessoa, caso não deseje mudar de nacionalidade, deve manifestar-se. No segundo, a manifestação volitiva é indispensável à conservação da nacionalidade.

Registre-se a proposta do jus domicilii como definidor de nacionalidade para os apátridas, como formar de efetivação do direito humano à nacionalidade. [20]

2.7 Conservação da nacionalidade

Consideradas as formas de aquisição da nacionalidade, originária e derivada, e, por meio desta, sua forma de perda, cabe examinar o direito de conservar a nacionalidade, compreendendo-se, portanto, o direito de não adquirir e o de não perder.

Manifesta-se o direito de não adquirir, principalmente, em casos de mutações territoriais: cessão ou anexação de território. Nesse caso, em respeito à autonomia da vontade do indivíduo do território anexado ou cedido, faculta-se-lhe a possibilidade de manter a nacionalidade de origem (direito de não perder) ou, não sendo possível, tornar-se apátrida, caso não queira adquirir a nacionalidade do Estado acrescido.

O direito humano de não perder a nacionalidade decorre do direito à nacionalidade, pois de nada adiantaria estabelecer-se que todo homem tem direito a uma nacionalidade, se não tivesse a garantia de não poder ser privado arbitrariamente de sua nacionalidade (primeira parte da alínea 2 do art. XV da Declaração Universal dos Direitos do Homem).


3. Nacionalidade brasileira na constituição de 1988.

3.1 Nacionalidade originária

A Constituição de 1988 adota, em regra, o critério territorial para a atribuição da nacionalidade originária. Contudo, como se sabe, as teorias sobre a nacionalidade, territorial ou de filiação, não são aplicadas de forma absoluta pelos diversos países, sujeitando-se às conveniências de cada ordem jurídica. [21]

Os titulares da nacionalidade originária, também chamada primária ou de origem, são os brasileiros natos. As formas de aquisição originária de nacionalidade são de competência do legislador constitucional, não se admitindo que lei infra-constitucional constitua novas hipóteses de sua ocorrência. [22]

Nossa Constituição, em seu art. 12, I, veicula três hipóteses de nacionalidade primária, nas alíneas a, b e c.

De acordo com a alínea a, são brasileiros natos "os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país". Trata-se de aplicação simples do jus soli, com a ressalva do jus sanguinis, quando aliado a critério funcional, para os estrangeiros que aqui estejam a serviço de seu país.

São brasileiros natos, logo, os que nascem em território brasileiro, que compreende: a) o espaço terrestre delimitado pelas fronteiras geográficas; b) mar territorial, ilhas, golfos, baías, rios, lagos; c) espaço aéreo, entendido como a projeção vertical de todo o espaço terrestre e marítimo; d) os navios e aeronaves de guerra brasileiros, onde quer que se encontrem; e) as embarcações comerciais brasileiras em alto mar, ou de passagem em mar territorial estrangeiro, e f) aeronaves civis brasileiras em vôo no espaço aéreo internacional, ou de passagem sobre águas territoriais ou espaços aéreos estrangeiros.

A alínea a, em atenção mesmo à reciprocidade das relações internacionais e à alínea b [23], excetua da regra do jus soli os filhos de estrangeiros, nascidos em território brasileiro, cujos pais estejam a serviço de seu país (critério funcional). Basta que um dos pais esteja a serviço de outro país, mas ambos devem ser estrangeiros.

A alínea b adota o critério da filiação para a atribuição de nacionalidade brasileira, constituindo mais um abrandamento da regra do jus soli, aliada a critério funcional. A nacionalidade dos pais, que estejam a serviço da República Federativa do Brasil - pai, mãe ou ambos - deve ser aferida à época do nascimento, não sendo relevante se eram brasileiros natos ou naturalizados. Em se tratando de filho póstumo, a nacionalidade dos pais é apurada ao tempo da concepção. [24]

O critério funcional, a serviço do Brasil, abrange os serviços diplomático e consular, e serviços públicos de outra natureza prestados aos órgãos da administração centralizada ou descentralizada dos entes federados ou dos Territórios. [25]

A terceira hipótese de nacionalidade brasileira de origem é veiculada pela alínea c, de acordo com a qual são brasileiros natos "os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira", conforme alteração introduzida pela Emenda Constitucional de Revisão n. 3, de 07.06.1994.

Criou-se, portanto, ao arrepio do art. XV, 1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, uma possibilidade se filhos de brasileiros no exterior serem considerados heimatlos, apátridas. Tal ocorreria, por exemplo, quando um casal de brasileiros tivesse um filho na Itália, pais que adota o jus sanguinis. Tendo em vista essa situação, tramita, no Congresso Nacional, proposta de emenda constitucional que visa a impedi-la. [26]

Para que o filho de brasileiro ou brasileira, nascido no exterior, possa adquirir a nacionalidade brasileira, deverá vir residir no Brasil e optar, a qualquer tempo, por ela. No caso, adota-se o critério da filiação, acrescido de mais dois requisitos: residência no Brasil e opção pela nacionalidade, a qualquer tempo.

Manifestada a opção, não se pode recusar o reconhecimento da nacionalidade, por isso que se trata de nacionalidade potestativa. A aquisição da nacionalidade depende apenas da vontade do interessado, amparada por direito subjetivo público.

Interessante discussão gira em torno de se saber como deve ser tratado o nascido no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, que venha a residir o Brasil, enquanto não opte, o que pode fazer a qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira.

Com efeito, havendo prazo, a opção não é constitutiva da nacionalidade, porém atesta sua definitividade (Pontes de Miranda) [27]. A opção teria efeitos retroativos. Nesse caso, a nacionalidade ficaria suspensa, enquanto o optante não se definisse. Expirando o prazo, não incidiria mais a nacionalidade potestativa.

A redação atual da alínea c não traz prazo para a opção, o que parece não ter provocado, como atesta J. Dolinger [28], intranqüilidade entre os comentaristas da Constituição, como se pode ver em Alexandre de Moraes [29], que reproduz o entendimento segundo o qual os efeitos da nacionalidade ficariam suspensos até a opção, condição confirmativa, produtora de efeitos retroativos.

De acordo com o deputado Nelson Jobin, relator da Revisão Constitucional, enquanto não sobrevier a opção, o filho de brasileiros nas condições em tela seria reconhecido pelo Brasil como brasileiro. Contudo, conforme critica J. Dolinger [30], haveria tensão entre a afirmação acima e outra, também de autoria do deputado, segundo a qual a nacionalidade ficaria submetida a condição suspensiva, de modo que o referido filho de brasileiros não poderia invocar tal condição. Ora, e nisso concordamos com J. Dolinger, como é possível tratar alguém como brasileiro, impedindo-o de invocar tal condição ?

Diante desse estado de coisas, reproduzimos sugestão para o revisor constitucional, que venha a tratar novamente da matéria: são brasileiros natos "c) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que se domiciliem na República Federativa do Brasil antes de atingir a maioridade, e, a partir desta, optem, no prazo de quatro anos, pela manutenção (grifo nosso) da nacionalidade brasileira." Acrescente-se que os filhos de brasileiros nessas condições devem ser registrados em repartição brasileira competente, Embaixada ou Consulado. [31]

Dessa forma, estariam superados os inconvenientes mencionados acima, além de se evitar que filhos de brasileiros nessas condições sejam considerados apátridas, vez que a opção pela nacionalidade é mantenedora.

3.2 Naturalização

A naturalização é forma derivada de aquisição da nacionalidade. Sua concessão, em regra, é feita discricionariamente pelo Estado, segundo suas conveniências. Desse modo, ainda que preenchidos determinados requisitos, por não haver, em princípio, direito público subjetivo à naturalização, pode ao estrangeiro ser negada a aquisição da nacionalidade brasileira. No Brasil, a concessão da naturalização é de competência exclusiva do Poder Executivo, da esfera administrativa.

Assim a naturalização é um ato unilateral e discricionário do Estado no exercício de sua soberania. [32]

Em sede teórica, reconhecem-se duas espécies de naturalização: tácita ou expressa.

Como exemplo de naturalização tácita, podemos apontar aquela que ficou conhecida como "grande naturalização". Trata-se de cláusula constitucional de 1891 (art. 69, §4º) reproduzida em várias constituições subseqüentes, segundo a qual são "cidadãos brazileiros os estrangeiros que, achando-se no Brazil aos 15 de novembro de 1889, não declarem, dentre em seis mezes depois de entrar em vigor a Constituição, o animo de conservar a nacionalidade de origem. "

Como se vê, a nacionalidade tácita se diferencia da expressa, pois aquela não depende de requerimento do naturalizando.

A Constituição de 1988, no art. 12, II, não prevê hipóteses de nacionalização tácita. Ao contrário do que ocorre com a nacionalidade originária, casos de aquisição de nacionalidade secundária podem ser definidos por legislação infra-constitucional [33], tendo em vista a expressão "na forma da lei", constante do art. 12, II, a.

Nossa Constituição prevê duas formas de naturalização expressa, que depende de manifestação de vontade do naturalizando: ordinária (art. 12, II, a) e extraordinária (art. 12, II, b).

Em relação à naturalização ordinária, cabe distinguir entre estrangeiros a) não-originários de países de língua portuguesa; b) originários de países de língua portuguesa

Os estrangeiros que não sejam oriundos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, de acordo com o art. 112 do Estatuto do Estrangeiro, interessados em naturalizar-se devem preencher, genericamente, as seguintes exigências: 1. Capacidade civil segundo a lei brasileira; 2. Possuir visto permanente; 3. Residência contínua por quatro anos; 4. Ler e escrever em português; 5. Boa conduta e boa saúde; 6. Exercício de profissão ou posse de bens suficientes à manutenção própria e da família; 7. Bom procedimento; e 8. Inexistência de denúncia, pronúncia ou condenação no Brasil ou no exterior por crime doloso a que seja cominada pena mínima de prisão, abstratamente considerada superior a um ano.

Os estrangeiros originários de países de língua portuguesa devem ter apenas: 1. Capacidade civil; 2. Residência por um ano ininterrupto no Brasil; e 3. Idoneidade moral, para requererem a nacionalidade brasileira. A primeira exigência justifica-se, pois o requerimento de naturalização é uma ato de vontade. Os demais estão previstos no art. 12, II, a, em atenção aos laços culturais comuns entre os povos de língua portuguesa.

A naturalização extraordinária, de acordo com o art. 12, II, b, é concedida em razão, substancialmente, da permanência do estrangeiro por longo período de tempo no Brasil. Inicialmente, esse prazo era de trinta anos. Hoje, é de quinze, conforme alteração introduzida pela emenda revisional n. 3 de 1994. Os requisitos para a naturalização extraordinária, a ser requerida, são: 1. Residência fixa no Brasil há mais de 15 anos; 2. Ausência de condenação penal.

Devido à expressão "desde que requeiram" (art. 12, II, b), a naturalização extraordinária, fugindo à regra, não é ato unilateral e discricionário do Poder Executivo, mas direito subjetivo público do interessado.

A Constituição de 1967 trazia mais duas hipóteses, a radicação precoce e curso superior, que, podem continuar a existir, desde que haja previsão legal. [34]

3.3 Perda da nacionalidade brasileira

As formas de perda da nacionalidade brasileira encontram-se previstas no art.12, § 4º, da Constituição.

Perde-se a condição de brasileiro de duas formas: cancelamento da naturalização (perda-punição) e naturalização voluntária (perda-mudança).

Ocorre cancelamento da naturalização, quando recair sobre o naturalizado sentença penal condenatória transitada em julgado, por ato nocivo ao interesse nacional (art. 12, § 4º, I). Os efeitos da cancelamento da naturalização não retroagem, são ex nunc.

A segunda hipótese de perda da nacionalidade brasileira consiste na naturalização voluntária, que compreende o pedido e a aceitação [35] da nacionalidade de outro Estado.

Dessa forma, a aceitação de nacionalidade originária concedida por lei estrangeira não importa a perda da nacionalidade brasileira, pois a nacionalidade do outro país não decorre da vontade, de pedido, do indivíduo.

Da mesma forma, a imposição de naturalização, por lei estrangeira, a brasileiro residente no exterior, como condição de permanência e de exercício de direitos civis, não lhe retira a nacionalidade brasileira, por faltar voluntariedade.

3.4 Reaquisição da nacionalidade brasileira

A forma de reaquisição da nacionalidade está relacionada à maneira pela qual foi perdida. Assim, em caso de cancelamento da naturalização (perda-punição), não será mais recuperada, a menos que seja desfeito o cancelamento por ação rescisória. Se a perda da nacionalidade decorrer de naturalização voluntária (perda-mudança), poderá readquiri-la, domiciliado no Brasil, por decreto do Presidente da República, conforme o art. 36, da Lei n. 818 de 1949.

Aqueles que tiverem perdido a nacionalidade por motivos inexistentes na Constituição de 1988 poderão, desde logo, recuperá-la, vez que hoje não são considerados, pela ordenamento jurídico-constitucional, como causadores da perda da nacionalidade brasileira.

A reaquisição da nacionalidade tem efeitos ex nunc, compreendendo o status anterior. Assim, se brasileiro nato era, volta ser; se era naturalizado, readquire a nacionalidade brasileira como naturalizado.

3.5 Diferença de tratamento entre brasileiro nato e naturalizado

De acordo com o caput do art. 5º da CF/88, todos são iguais perante a lei (isonomia), de forma que os iguais devem ser tratados de forma igual e os desiguais, de forma desigual.

O art. 3º, IV, afirma que constitui objetiva fundamental da República Federativa do Brasil promover o bem de todos, vedadas quaisquer formas de discriminação.

O art. 19 veda aos entes federados promover distinções entre brasileiros ou preferências entre si.

Vê-se, portanto, que permeia por todo o ordenamento a isonomia, consubstanciada no princípio fundamental geral da igualdade. Contudo, como qualquer princípio, mandado de otimização [36], não se reveste de caráter absoluto, admitindo restrições, que não devem ser desproporcionais. [37]

Pode-se dizer que, em princípio, não há distinção entre brasileiros natos e naturalizados. As únicas distinções que devem existir estão previstas na Constituição, não podendo a lei estabelecer outras (art. 12, § 2º).

Os casos previstos na Constituição são quatro: extradição (art. 5º, LI), cargos (art. 12, § 3º), função (art. 89, VII) e direito de propriedade (art. 222).

O brasileiro nato em nenhuma hipótese pode ser extraditado, o que não ocorre com o naturalizado, que poderá ser entregue à Justiça de outra país, competente para julgá-lo e puni-lo, em caso de crime comum, cometido antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes ou drogas afins, na forma da lei.

A Constituição, no art.12, § 3º, reserva alguns cargos aos brasileiros natos, em atenção à linha sucessória (arts. 79 e 80) e à segurança nacional. Dessa forma, são privativos de brasileiro nato os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, de Presidente da Câmara dos Deputados, de Presidente do Senado Federal, de Ministro do Supremo Tribunal Federal, da carreira diplomática e de Ministro de Estado da Defesa.

O art. 89, ao tratar do Conselho da República, órgão superior de consulta do Presidente da República, reserva seis vagas (art. 89, VII) para brasileiros natos. Como o Conselho da República é integrado, também, pelo Ministro da Justiça e pelos líderes da maioria e da minoria na Câmara ou no Senado, que podem ser brasileiros naturalizados, não lhes está vedada a o participação no órgão referido.

O art. 222 prescreve que a propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, aos quais caberá a responsabilidade por sua administração e orientação intelectual. Não se trata de impedir, de forma absoluta, aos naturalizado tais propriedades, mas de condicioná-la a prazo de dez anos de naturalização. Tendo em vista a notável influência do sistema midiático na formação da opinião pública, andou bem o Constituinte nesse passo, pois não seria compatível com o interesse nacional, deixar na mão de estrangeiros grande parte do fluxo de informações, já filtradas segundo critérios pouco nobres.


4. Condição jurídica do estrangeiro: Alguns aspectos

4.1 Noção

A condição jurídica do estrangeiro desperta o interesse do Direito Internacional Público, haja a vista as convenções internacionais realizadas sobre ele.

Os Estados não são obrigados a permitir a entrada de estrangeiros em seu território, mas, admitindo, em geral, em relação aos estrangeiros, é reconhecido, pelo menos, um padrão mínimo de direitos, pela simples razão de serem dotados de personalidade humana. Devem, portanto, ao menos, serem-lhe respeitados os direitos humanos, sob pena de responsabilização internacional do Estado infrator. [38]

4.2 Breve histórico

Nas primeiras civilizações a religião era importante fator de coesão social. Como o estrangeiro, em geral, possuía religião diferente, não lhes eram reconhecidos direitos, tal como ocorreu na Antigüidade Oriental e Clássica.

No feudalismo, o estrangeiro deveria jurar lealdade ao senhor feudal, sob pena de ser reduzido a servo. Nessa época, os judeus, símbolos de estrangeiros, eram bastante discriminados. [39]

Gradativamente, os estrangeiros passaram a adquirir alguns direitos, sobretudo em razão do estreitamento das relações comerciais entre os povos.

Com o Iluminismo e a Revolução Francesa, as idéias de liberdade, igualdade e fraternidade, ligadas ao Racionalismo da época, contribuiriam para melhorar a situação jurídica do estrangeiro.

No século XIX, os direitos privados são reconhecidos aos estrangeiros. [40]

No século XX, a Declaração Universal dos Direitos do Homem serviu para assentar a idéia de respeito de um padrão mínimo de direitos aos estrangeiros, em razão de serem pessoas humanas.

4.3 Diplomas internacionais [41]

Neste ponto, passemos em vista alguns dos atos internacionais celebrados pelos Estados, que dizem respeito à situação jurídica do estrangeiro, a fim de evidenciar aqueles princípios do direito das gentes que servem de base para atuação do Brasil em relação à matéria estudada.

Destaca-se, de início, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, que dispõe, em seu art. 2º, serem os direitos por ela enunciados comuns a todas as pessoas, sem distinção quanto à origem nacional. Por essa razão, declara direitos do homem, direitos humanos.

O Código Bustamante, no art. 1º, prescreve que "os estrangeiros que pertençam a qualquer dos Estados contratantes gozam, no território dos demais, dos mesmos direitos civis que se concedem aos nacionais. Cada Estado contratante pode, por motivos de ordem pública, recusar ou sujeitar a condições especiais o exercício de determinados direitos civis aos nacionais dos outros, e qualquer desses Estados pode, em caos idênticos, recusar ou sujeitar a condições especiais o mesmo exercício dos nacionais do primeiro".

Nesse artigo, estão presentes o princípio da igualdade entre nacionais e estrangeiros quanto aos direitos civis, e o princípio da reciprocidade, que pode assumir feições negativas, de represália. A reciprocidade, quando negativa, não é adotada pelo direito brasileiro. [42]

O art. 2º do Código Bustamante reforça o anterior, estabelecendo igualdade entre nacionais e estrangeiros quanto às garantias individuais, "salvo as restrições que em cada um estabeleçam a Constituição e as leis". Em relação ao acesso às funções públicas e ao exercício de direitos políticos, o diploma admite o tratamento desigual entre indígenas e alienígenas.

A Convenção de Havana, 1928, estabelece, em seu art. 5º, o dever de todos os Estados "concederem aos estrangeiros domiciliados ou de passagem em seu território todas as garantias individuais que concedem a seus próprios nacionais e o gozo dos direitos civis essenciais".

Além dos diplomas referidos, que procuram estabelecer tratamento semelhante a nacionais e estrangeiros, podem-se citar o Pacto Internacional de Direitos Econômicos Sociais e Culturais, Nova Iorque, 19.12.1996, art. 2º, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, Nova Iorque, 19.12.1966, arts. 2º e 26, ambos realizados sob a égide da ONU, e a Convenção Americana Sobre Direitos Humanos, de São José da Costa Rica, 22.11.1969, art. 1º.

Inobstante o esforço que se verifica na formação de acordos internacionais que procuram estabelecer, na medida do possível, igualdade de tratamento entre nacionais e estrangeiros, a situação jurídica do estrangeiro, sobretudo daquele originário da países pobres, continua deixando a desejar.

Afinal, conforme pronunciamento, em julho de 1995, do presidente do Comitê de Direitos Humanos da ONU, "o que ocorre com os países do norte com relação à gente do sul, que vem buscar a paz, trabalhou ou ambos, e é rechaçada, não poderia ser chamado de outra coisa, senão racismo." [43].

4.4 Condição especial dos portugueses

A Constituição de 1988 estabelece, conforme alteração introduzida pela emenda revisional nº 3 de 1994, no § 1º do art.12, in verbis, que "aos portugueses com residência permanente no País, se houver reciprocidade em favor de brasileiros, serão atribuídos os direitos inerentes ao brasileiro, salvo os casos previstos nesta Constituição".

Em princípio, portanto, os portugueses residentes no Brasil gozam de tratamento equivalente àquele dispensado ao brasileiro naturalizado. [44]A equiparação só não é absoluta, naturalmente, pois os brasileiros naturalizados, para gozarem os direitos que lhes são próprios, não se sujeitam aos pressupostos de: a) residência permanente, e b) reciprocidade. [45]

Por reciprocidade, entende-se que o ordenamento jurídico português deve conceder aos brasileiros residentes em Portugal os mesmos direitos que os portugueses residentes no Brasil recebem do ordenamento jurídico brasileiro.

Estabelece o art. 15º da Constituição da República Portuguesa que "aos cidadãos dos países de língua portuguesa podem ser atribuídos, mediante convenção internacional e em condições de reciprocidade, direitos não conferidos a estrangeiros, salvo o acesso à titularidade dos órgãos de soberania e dos órgãos de governo próprio das regiões autônomas, o serviço das forças armadas e a carreira diplomática".

A convenção internacional, exigida pela Constituição lusitana para atribuição recíproca de direitos, entre Brasil e Portugal é a Convenção sobre Igualdade, que, no art. 5º dispõe que "a igualdade de direitos e deveres será reconhecida mediante decisão do Ministério da Justiça, no Brasil e do Ministério do Interior, em Portugal, aos portugueses e brasileiros que a requeiram, desde que civilmente capazes e com residência permanente".

Não há reciprocidade [46], por parte de Portugal em relação ao Brasil, quanto ao acesso dos cargos e funções de Ministro de Estado, Senador, Deputado federal e estadual, Governador de Estado, Secretário de Estado, Prefeito e Vereador. Logo, portugueses residentes no Brasil também não têm acesso a esses cargos e funções.

4.5 Direitos dos estrangeiros no Brasil

Estrangeiros, no Brasil, são aqueles que não possuem a nacionalidade brasileira.

No direito brasileiro, destacam-se dois momentos legislativos [47], que nos revelam de forma geral a situação jurídica do estrangeiro no Brasil: a art. 5º, caput, da Constituição Federal e o art. 3º do Código Civil. Determina o primeiro que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:". Dispõe o art. 3º do Código Civil que "a lei não distingue entre nacionais e estrangeiros quanto à aquisição e gozo de direitos civis".

Como ressalta J. Dolinger [48], a referência à residência no país, no caput do art. 5º da Constituição, encontra respaldo na circunstância de a norma constitucional, em alguns momentos, enunciar direitos políticos que só se aplicam a estrangeiros residentes em território nacional.

O princípio fundamental que se pode extrair desses artigos é que os estrangeiros residentes no Brasil adquirem, em regra, os mesmos direitos e contraem os mesmos deveres dos brasileiros.

A situação jurídica do estrangeiro no Brasil é regulada, precipuamente, em nível infraconstitucional, pelo Estatuto do Estrangeiro, Lei n. 6815/80, com as alterações da Lei 6984/81. Observe-se que as mesmas vedações dirigidas aos brasileiros naturalizados são dirigidas aos estrangeiros (veja-se, portanto, o item 3.5)

Procuraremos adotar, neste trabalho, ao cuidar da situação jurídica do estrangeiro no Brasil, a classificação proposta por Fronçois Rigaux [49], que divide os direitos em cinco categorias: 1. O direito de entrada, estada e estabelecimento; 2. Os direitos públicos; 3. Os direitos privados; 4. Os direitos econômicos e sociais; e 5. Os direitos políticos. Note-se que a classificação não é absoluta, havendo entrelaçamento entre as categorias, de modo que o tratamento de alguns direitos pode-se dar em categorias diferentes, sem prejuízo da finalidade teórica de evidenciar as diferenças entre nacionais e estrangeiros.

4.5.1 O direito de entrada, estada e estabelecimento

Neste ponto, é pertinente o estudo das normas referentes à imigração e permanência dos estrangeiros no país, às quais estão vinculados os institutos da expulsão e deportação do estrangeiro, que decorrem da discricionariedade do Estado. Trataremos aqui, também, de forma igualmente bastante breve, da extradição.

O estrangeiro, para entrar no Brasil, deve satisfazer as condições estabelecidas no Estatuto do Estrangeiro, dentre as quais ressalta a exigência da obtenção de visto de entrada, que pode ser de trânsito, de turista, temporário, permanente, de cortesia, oficial ou diplomático. Como nessa área predomina o poder discricionário do Estado, o visto constitui mera expectativa de direito.

Tendo ingressado no território brasileiro, o estrangeiro passa a se submeter às regras de extradição, expulsão e deportação.

A extradição é o ato mediante o qual um Estado entrega a outro indivíduo acusado de haver cometido crime de certa gravidade ou que já se ache condenado por aquele, após haver-se certificado de que os direitos humanos do extraditando serão garantidos. [50]Em regra, conforme foi visto [51], apenas estrangeiros podem ser extraditados.

A expulsão é um modo coativo de retirar o estrangeiro do território nacional por delito ou infração ou atos que o tornem inconveniente [52], dentre os quais podemos destacar aqueles que atentem contra a segurança nacional, a ordem política ou social, a tranqüilidade ou moralidade pública, a economia popular e, de forma geral, os interesses nacionais. Brasileiros não podem ser expulsos, pois a constituição veda o banimento.

A deportação é a saída compulsória do estrangeiro, sempre que estiver com a estada irregular ou entrar no território nacional sem a observância das formalidades legais. Diferencia-se da expulsão quanto à causa, ao processo e aos efeitos. [53]

O estrangeiro, como qualquer pessoa, pode deixar o território nacional, com visto de saída. [54]Se tiver visto permanente, pode retornar no prazo de dois anos, sem que seja necessário novo pedido de visto.

4.5.2 Os direitos públicos

Consideremos direitos públicos aqueles decorrentes das garantias constitucionais. [55] Nesse passo, verifica-se equiparação entre nacionais e estrangeiros, admitidas restrições legislativas. É o que deflui do espírito do art. 5º da Constituição Federal. Desse modo, a residência no país não é condição de acesso ao Judiciário. Os estrangeiros, contudo, não podem intentar ação popular (art. 5º, LXXIII). [56]

4.5.3 Os direitos privados

Direitos privados correspondem aos direitos civis. Quanto à aquisição e gozo dos direitos civis, não há distinção entre nacionais e estrangeiros (CC, art. 3º). Com efeito, em relação aos direitos civis é onde se percebe a maior equiparação possível entre nacionais e estrangeiros.

As restrições que existem são aquelas estabelecidas pelo Texto Constitucional, que, contudo, vem sendo paulatinamente suprimidas por iniciativa, em geral, dos partidos do Governo, através de emendas constitucionais, a exemplo das emendas de número 6, 8 e 11.

Nesse campo, as restrições, em maior número, recaem sobre o direito de propriedade. Dessa forma, a Constituição determina que a lei regule e limite a aquisição e o arrendamento de propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira e estabeleça os casos em que tais negócios dependam de autorização do Congresso Nacional (art. 190); os estrangeiros não podem ser proprietários de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens, nem responsáveis por sua administração e orientação intelectual (art. 222). [57]

Estabelece, ainda, o art. 176, § 1º, que é vedado autorizar ou conceder a estrangeiros, mesmo residentes, a pesquisa e a lavra de recursos minerais ou o aproveitamento de potencial de energia hidráulica.

Em relação ao direito sucessório, a sucessão de bens estrangeiros situados no Brasil rege-se pela lei brasileira, sempre que lhe não seja mais favorável a lei pessoal do de cujus (art. 5º, XXXI).

Quanto ao direito de adoção, a Constituição, no art. 227, § 5º, dispõe que a lei estabelecerá os casos e condições em que estrangeiros podem adotar crianças brasileiras.

4.5.4 Os direitos econômicos e sociais

Os direitos econômicos estão relacionados ao desempenho de atividades lucrativas, ligando-se ao direito de propriedade (analisado no item 3.5.3) e ao direito de trabalho. Logo, neste tempo interessam os direitos, a um só tempo, econômicos e sociais.

O art. 7º, da Constituição de 1988, preceitua que os direitos dos trabalhadores são extensivos a todos, urbanos e rurais, sem restrições. Conforme observação de José Afonso da Silva [58], nesse ponto a Constituição outorga mais do que o caput do art. 5º parece oferecer.

Sobre o direito ao trabalho, a liberdade de profissão, algumas profissões são reservadas aos nacionais [59], como a de químico, corretor de títulos da Dívida Pública, corretor de navios, leiloeiro, despachante aduaneiro, tradutor público, entre outras atividades.

4.5.5 Os direitos políticos

Em relação aos direitos políticos é onde se verifica a maior desigualdade de tratamento entre nacionais e estrangeiros. Isso porque estrangeiros não são cidadãos [60], não podem interferir na formação da vontade política da nação.

Os estrangeiros não votam e não podem ser votados (art. 14, § 2º). Também não podem ser membros de partidos políticos.

4.6 Serviço militar

Neste ponto, cabe destacar uma diferença de deveres entre nacionais e estrangeiros, explicitando-a, já que pode ser concluída ao longo deste trabalho. Os estrangeiros, por não se acharem vinculados, de forma vertical, ao Brasil (ver 2.3), não são obrigados a prestar o serviço militar. Em contrapartida, naturalmente, não recebem, v.g., proteção diplomática do Estado brasileiro, vez que deve ser feita por seu Estado de origem.

4.7 Asilo político

A Constituição o prevê, no art. 4º, X, como um dos princípios que regem as relações internacionais da República Federativa do Brasil.

Discute-se se a concessão de asilo política é pertinente ao Direito das Gentes ou ao direito interno, inclinando-se os Estados Unidos nesta posição.

Entendemos que se trata de instituto ligado ao Direito Internacional Público, com fundamento nos direitos humanos e no dever de solidariedade internacional a todos aqueles oprimidos por regimes baseados na força e no arbítrio. Contudo, detalhes da condição do asilado são matéria do direito interno.

A asilado político no Brasil sujeita-se às disposições pertinentes do Estatuto do Estrangeiro. Dessa forma, não poderá sair do Brasil sem autorização do governo federal, sob pena de perder o direito de asilo e de impedimento de retorno nessa condição.


5. Considerações finais

Ao longo do presente estudo, procuraram-se respostas para duas indagações. A primeira trata das diferenças entre os nacionais, entre brasileiros natos e naturalizados. A segunda é aquela atinente às diferenças de tratamento entre nacionais e estrangeiros. As duas questões são intimamente relacionadas, havendo diferença de grau, pois o que se perscrutam, enfim, são as restrições que se impõem às pessoas que não têm a nacionalidade brasileira originária.

A conclusão a que se pode chegar consiste no reconhecimento da adequação do ordenamento jurídico pátrio, em geral, aos princípios do direito internacional sobre a matéria, não se verificando diferenças abusivas, pois todas fundadas, de algum modo, nos interesses relacionados à soberania nacional.

Além disso, podem ser constatadas, através de sucessivas emendas à Constituição, franca tendência de igualação entre nacionais e estrangeiros.

Vai-se colocando o Brasil, portanto, entre aqueles países mais receptivos aos estrangeiros.


6. Referências bibliográficas citadas.

ACCIOLY, Hildebrando e NASCIMENTO E SILVA, G. E. Manual de Direito Internacional Público. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Tradução de Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993.

AMORIM, Edgar Carlos de. Direito Internacional Privado. 6. ed. rev. atual. e aum. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 21. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2000.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

CASTRO, Amilcar de. Direito Internacional Privado. 5. ed. aum. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado: parte geral. 6. ed. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais. 2. ed. São Paulo: Celso Bastos Editor/ IBDC, 2001.

. Teoria da Ciência Jurídica. São Paulo: Saraiva, 2001.

. Teoria Processual da Constituição. São Paulo: Celso Bastos Editor/ IBDC, 2000.

LISBOA, Carolina Cardoso Guimarães. Proposta de emenda constitucional quer impedir a possibilidade de filhos de brasileiros serem apátridas. In: Jus Navigandi, n. 51. [Internet] https://jus.com.br/artigos/2133 [Capturado 24. Mar.2002].

MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. 2v. 13. ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

MELO, Luís Gonzaga de. Introdução ao Estudo do Direito Internacional Privado. Campina Grande: EDUEP, 2001.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2001.

RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado: teoria e prática. 4 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2000.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 18. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2000.


Notas

1. Conceitos relacionais, de modo que o tratamento de um traz implicações correlatas ao outro, considerando a relação jurídico-política entre os indivíduos considerados e o Brasil.

2. Cf. Willis Santiago Guerra Filho, Teoria da Ciência Jurídica, 2001, pp. 68 e ss.

3. No mesmo sentido, v. Beat Walter Rechsteiner, Direito Internacional Privado: teoria e prática, 2000, p. 19.

4. Cf. Hildebrando Accioly, G. E. do Nascimento e Silva, Manual de Direito Internacional Público, 2000, p. 3, pelo menos de forma subsidiária.

5. Sobre a diferenciação dos direitos fundamentais em relação às noções afins, v., por todos, Willis Santiago Guerra Filho, Processo Constitucional e Direitos Fundamentais, 2001, pp. 37 e ss.

6. 1. Todo homem tem direito a uma nacionalidade. 2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade.

7. Curso de Direito Internacional Público, 2001, p.929.

8. Id., p. 930.

9. Id., ib.

10. Cf. Jacob Dolinger, Direito Internacional Privado, 2001, pp. 151 e 152.

11. Direito Internacional Privado, 2000, p. 37

12. Cf. Celso de Albuquerque Mello, ob. cit., pp. 931 e 932.

13. Cf., entre outros, Amilcar de Castro, Direito Internacional Privado, 2000, p. 199.

14. Cf. J. Dolinger, ob. cit., p. 157.

15. Id., ib., p. 157.

16. Id., ib., p. 157.

17. Cf. J. Dolinger, ob. cit., p. 158.

18. Vide Lei 6815/80, arts. 113, III e 114, II, que prevêem redução e eliminação, respectivamente, do tempo de residência no Brasil, como requisito para naturalização.

19. Cf. Celso de Albuquerque Mello, ob. cit., pp. 934 e 935.

20. Id., ib., p. 939.

21. Nesse sentido, entre outros, v. Celso Ribeiro Bastos, Curso de Direito Constitucional, 2000, p. 268.

22. Dessa forma, não resta dúvida quanto à inconstitucionalidade da Lei nº 818, de 1949, em seu art. 2º, que define nova possibilidade de aquisição originária da nacionalidade brasileira.

23. De acordo com a alínea b, são brasileiros natos "os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil"

24. Pontes de Miranda, Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n. 1 de 1969, t. IV/ 450 e 451, Apud José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, 2000, p. 330.

25. Nesse sentido, v. Alexandre de Moraes, Direito Constitucional, 2001, p. 207.

26. Vide Lisboa, Carolina Cardoso Guimarães, Proposta de emenda constitucional quer impedir a possibilidade de filhos brasileiros serem apátridas. In: Jus Navigandi, n. 51. [Internet] https://jus.com.br/artigos/2133 [Capturado 24.Mar.2002].

27. Cf. J. Afonso da Silva, ob. cit., p. 332.

28. Ob. cit., p. 167, nota 32.

29. Ob. cit., p. 209.

30. Ob. cit., p. 168, nota 32.

31. Cf. PEC n. 272/2000, em Lisboa, Carolina, ob. cit., p. 2

32. Cf. J. Dolinger, ob. cit., p. 175.

33. Vide Lei n. 6815, de 19.08.1980, o Estatuto do Estrangeiro.

34. Cf. Alexandre de Moraes, ob. cit., p. 216.

35. Cf. José Afonso da Silva, ob. cit., p. 336.

36. Cf. Alexy, Robert, Teoria de los Derechos Fundamentales Tradução de Ernesto Garzón Valdés, Madrid, 1993, p. 86.

37. Sobre o princípio da proporcionalidade, v. Willis Santiago Guerra Filho, Teoria Processual da Constituição, 2001, pp. 185 e ss.

38. Cabe salientar que o reconhecimento desse padrão mínimo não necessariamente coincide com a equiparação aos nacionais, pois estes podem estar sob condições violadoras dos direitos humanos, o que traz dificuldades práticas para a implementação de princípios do Direito Internacional Público.

39. Cf. Celso Mello, ob. cit., pp. 994 e 995.

40. Id., ib., p. 995.

41. Para o que se segue, v. J. Dolinger, ob. cit., pp. 214 e 215.

42. Id., ib., p. 214.

43. Cf. Luís Gonzaga de Melo, Introdução ao Estudo do Direito Internacional Privado, 2001, p. 115.

44. Remetemos ao item 3.5, em que são tratadas as diferenças entre brasileiros natos e naturalizados.

45. Cf. J. A. S., ob. cit., p. 339.

46. Id., ib., p. 340.

47. Cf. J. Dolinger, ob. cit., p. 216.

48. Id., ib.

49. Cf. J. Dolinger, ob. cit., pp. 226 e 227.

50. Cf. Hildebrando Accioly, G. E. do Nascimento e Silva, ob. cit., p. 364.

51. Vide item 3.5

52. Cf. J. Afonso da Silva, ob. cit., p. 345.

53. Vide Edgar Carlos de Amorim, Direito Internacional Privado, pp. 100 e 101.

54. Cf. J.A.S., ob. cit., p. 341.

55. Sobre as garantias constitucionais, v. o Capítulo 15 de Paulo Bonavides, Curso de Direito Constitucional, 2000.

56. Cf. JAS, ob. cit., p. 342.

57. Cf. JAS, ob. cit., p. 562.

58. Id., p. 342.

59. Para o que se segue, v. J. Dolinger, ob. cit., p. 224.

60. Vide item 2.4.


Autor

  • Marcel Mota

    Professor de Direito Civil, Direito Processual Civil, Direito Constitucional e Conceitos Jurídicos Fundamentais da Faculdade Farias Brito. Doutorando em Ciências Jurídicas, na especialidade de Ciências Jurídico-Civis, pela Universidade de Lisboa. Mestre em Direito (Ordem Jurídica Constitucional) pela Universidade Federal do Ceará (2009). Especialista em Direito Processual Civil (2007). Especialista em Direito Tributário (2009). Especialista em Direito Penal e Processual Penal (2010). Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará (Turma 2003.2). Advogado.

    Textos publicados pelo autor

    Fale com o autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOTA, Marcel. Nacionalidade brasileira: diferenças entre brasileiro nato, brasileiro naturalizado e estrangeiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3050. Acesso em: 20 abr. 2024.