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A desigualdade dos direitos sucessórios dos cônjuges e companheiros no novo Código Civil

A desigualdade dos direitos sucessórios dos cônjuges e companheiros no novo Código Civil

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Este artigo faz uma análise crítica das garantias previstas pelo Código Civil à dissolução por morte da União Estável, em contraposição à sucessão do cônjuge.

RESUMO: O presente trabalho tem como principal objetivo a realização de uma análise crítica acerca da dissolução, por morte, da União Estável, observando, portanto, as garantias previstas para a sucessão do companheiro, dispostas no Código Civil Brasileiro, em contraposição àquelas previstas na sucessão do cônjuge. Por meio de uma análise histórica, é impossível não atentar para as mudanças fáticas na estruturação e composição da família contemporânea, nem sempre acompanhadas pelo legislador infraconstitucional. A desinteligência do legislador ao dispor acerca dos direitos emergentes da morte de um dos companheiros, em total desconformidade com a situação vivenciada em nossa sociedade atual e em nítido desrespeito à figura do companheiro supérstite demonstra exatamente esse apego aos conceitos de família do passado. A base principal para tal pensamento tem seu foco na própria Constituição Federal de 1988, uma vez que a mesma inovou no ordenamento jurídico brasileiro quando, em seu artigo 226, elevou a União Estável ao status de família, inclusive ordenando que a lei facilite a sua conversão em casamento. Além do dispositivo supracitado, serão utilizadas, como fundamento básico para o tema, as disposições acerca dos direitos e garantias fundamentais, numa clara tentativa de demonstrar a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil. Em função da divergência doutrinária ainda existente, serão levantados diversos posicionamentos doutrinários para que seja possível a realização de um trabalho amplo e o pleno entendimento da corrente aqui defendida. Por fim, será feita uma demonstração da atual jurisprudência, evidenciando de forma objetiva a necessidade de uma mudança em relação aos direitos sucessórios dos companheiros. Intenta-se, com isso, o devido tratamento jurídico à união estável, desde seu início, até sua dissolução, por meio da declaração de inconstitucionalidade da legislação em comento, em virtude de ser a mesma discriminatória, preconceituosa e em desconformidade com a Constituição Federal de 1988.

PALAVRAS CHAVE: Sucessão, casamento, união estável.

SUMÁRIO: I-DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA CONSTITUCIONAL DO DIREITO DE FAMÍLIA.1.1.Origem e evolução da instituição.1.2.A família antes da Constituição Federal de 1988.1.3.A nova ordem constitucional e o direito de família.1.4.Princípios constitucionais aplicáveis ao direito de família.1.4.1.Dignidade da pessoa humana e família.1.4.2.Princípio da solidariedade familiar.1.4.3.Princípio da igualdade/isonomia.1.4.4.Princípio da liberdade às relações familiares.1.4.5.Princípio da afetividade.1.5.Interpretação do art. 226, §3º da Constituição Federal.II-DAS ENTIDADES FAMILIARES.2.1.Do casamento..2.1.1.Características e natureza jurídica.2.1.2Direitos e deveres de ambos os cônjuges.2.1.2.1.Dever de fidelidade recíproca.2.1.2.2.Dever de respeito e consideração mútuos.2.1.2.3.Dever de vida em comum, no domicílio conjugal.2.1.2.4.Dever de mútua assistência.2.1.2.5.Dever de sustento, guarda e educação dos filhos.2.2.Da União Estável.2.2.1.Características e natureza jurídica.2.2.2.Direitos e deveres.2.2.2.1.Dever de lealdade.2.2.2.2.Dever de respeito e consideração mútuos.2.2.2.3.Dever de mútua assistência.2.2.3.Conversão da União Estável em casamento.2.2.4.Concubinato.III-DO DIREITO SUCESSÓRIO..3.1.Da sucessão legítima.3.2.Sucessão do cônjuge sobrevivente.3.2.1.Concorrência do cônjuge com descendentes.3.2.2.Concorrência do cônjuge com ascendentes.3.2.3.Totalidade da herança ao cônjuge.3.2.4.Direito de usufruto.3.2.5.Direito de habitação.3.3.Sucessão do companheiro sobrevivente.3.3.1.Direito sucessório do companheiro antes do Código civil de 2002.3.3.2.Direito sucessório do companheiro no Código Civil de 2002.3.3.2.1.Concorrência do companheiro com descendentes.3.3.2.2.Concorrência do companheiro com ascendentes.3.3.2.3.Concorrência do companheiro com colaterais.3.3.2.4.Totalidade da herança ao companheiro.3.3.2.5.Direito de usufruto.3.3.2.6.Direito de habitação.IV-DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 1.790 DO CÓDIGO CIVIL .4.1.Da superação da dicotomia “público-privado” – constitucionalização do direito privado.4.2.Da união estável como direito fundamental: inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil.4.3.Das lacunas do Código Civil de 2002.4.4.Jurisprudência.REFERÊNCIAS.


INTRODUÇÃO

Em função das constantes alterações na composição e estrutura da família moderna, a sociedade atual se depara com um novo conceito de entidade familiar. Em virtude de tal fato, conforme demonstrado no capítulo primeiro, a criação de novos valores e princípios fez com que o antigo conceito de família, baseado essencialmente no modelo patriarcal e delimitado, não pelo vínculo afetivo, mas pela relação de poderes, se transformasse em uma nova forma de entidade familiar, cujos alicerces  são fundados na solidariedade e nas relações de afeto vivenciadas por seus membros.

Resultado dessas mudanças sociais, a Constituição Federal de 1988 repaginou o direito de família, legitimando aquelas que, apesar de não estarem reconhecidas na legislação, já estavam inseridas nos costumes da sociedade. Ademais, no intuito de findar, ou pelo menos diminuir, as injustiças resultantes de um passado consagrado pelo preconceito, consagrou a igualdade entre homem e mulher, bem como a dos filhos, havidos ou não fora do casamento, e estipulou como princípio fundamental a dignidade da pessoa humana.

Símbolo de um valor moral, ético e justo, a Carta Magna de 1988 introduziu ainda diversos outros princípios ao ordenamento jurídico, com especial ressalva para o direito de família, culminando no fenômeno da sua constitucionalização.

Em virtude de tal fato, o capítulo segundo demonstrou que, tanto a família matrimonializada, quanto àquela formada pelos laços cotidianos, denominada de união estável apresentam, no dia-a-dia, as mesmas características; detendo, seus membros, dos mesmos direitos e deveres e tendo como princípio basilar para sua formação o afeto.

Contudo, apesar da forma de interpretar o direito de família ter sido modificada e de outras entidades familiares, que não o casamento, passarem a ser reconhecidas, no capítulo terceiro restou demonstrado que a legislação específica não conseguiu acompanhar, em todas as situações, as mudanças sofridas pela sociedade. De maneira absolutamente injustificada, o Código Civil brasileiro, apesar de regular a união estável e em diversos dispositivos deferir-lhe os mesmos direitos do casamento, quando se trata da sucessão do companheiro, dispõe de forma perfeitamente inadequada e em um único e exclusivo dispositivo (CC, art. 1.790).

Assim, em pelo menos cinco aspectos, o Código Civil atual trouxe inegável prejuízo ao companheiro em relação ao cônjuge, a saber: a) não o reconheceu como herdeiro necessário; b) não lhe assegurou quota mínima; c) o inseriu em quarto lugar na ordem de vocação hereditária, depois dos colaterais; e e) não lhe conferiu direito real de habitação. Retomou-se, pois, a mentalidade de que a união estável é uma família inferior ao casamento; e não uma outra espécie de família, nem melhor, nem pior, mas apenas diferente.

Como resultado dessa injustiça, no quarto e último capítulo, defende-se a inconstitucionalidade do referido artigo 1.790 do Código Civil, uma vez que o mesmo vai de encontro ao art. 226, §3º da Constituição Federal de 1988, o qual reconhece a união estável como entidade familiar, assim como o casamento.

Não pode o legislador infraconstitucional estabelecer dificuldades ou tratamento diferenciado ao companheiro supérstite, quando a Constituição assim não o fez. Agindo de tal forma, portanto, o Código Civil de 2002 extrapolou os limites impostos pela Carta Magna de 1988.  Ademais, é válido frisar que o tratamento diferenciado, não somente vai de encontro ao art. 226 da Constituição, mas afronta diretamente aos princípios basilares do nosso direito moderno, sobretudo, o princípio da dignidade da pessoa humana e da igualdade. 

O presente estudo, portanto, propõe uma nova visão da união estável, reconhecendo-a como entidade familiar, nem superior, nem inferior ao casamento, mas apenas diferente; defendendo, com isso, uma interpretação da Constituição Federal de 1988 mais condizente com o tempo e realidade em que foi construída e atendendo, assim, às necessidades de uma sociedade formada, sobretudo, pelo respeito às diferenças.


CAPÍTULO I – DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA CONSTITUCIONAL DO DIREITO DE FAMÍLIA

1.1 Origem e evolução da instituição

Levando-se em conta a história da civilização humana, é impossível não reconhecer que esta sempre esteve – e sempre estará – atrelada à história da família, seja em decorrência do instituto da perpetuação da espécie, seja pela verdadeira aversão que todas as pessoas têm da solidão.

O modelo familiar sempre sofreu marcada influência do poder político, econômico, religioso e social da época e localidade nas quais estava inserido.[1] Em virtude de tal fato, a família sofreu diversas alterações ao longo do tempo, de forma a acompanhar a evolução da própria sociedade, implicando, por conseguinte, numa alteração conceitual da mesma.

Assim, se durante a época clássica prevalecia o modelo tipicamente patriarcal, firmado, essencialmente, na integração de parentes que constituíam uma verdadeira unidade de produção, como nas antigas comunidades rurais, onde a família se traduzia em instituição patrimonializada e o incentivo à procriação era massivo; durante a Revolução Industrial tal padrão familiar tornou-se ultrapassado, uma vez que, com o aumento na demanda de mão-de-obra, as mulheres foram inseridas no mercado de trabalho, tirando do homem o status de único provedor do sustento familiar. Decaíram, assim, a função econômica e o caráter reprodutivo atribuídos à família, a qual, com a crescente migração para as cidades, tornou-se nuclear, restrita a pais e filhos.[2]

O século XX, por sua vez, foi palco de impactantes e constantes transformações, haja vista que, em virtude do fenômeno da globalização, evidenciou-se uma multiplicidade de culturas sociais, regimes políticos, sistemas econômicos, religiões e, por fim, diversos tipos de pessoas. Refutou-se, definitivamente, a idéia da família considerada como um modelo único, hermético e intocável,[3] passando esta a sofrer também a influência de valores como a solidariedade, o respeito mútuo e a cooperação. É essencialmente nesses valores que se alicerça a família na atualidade.

 1.2.A família antes da Constituição Federal de 1988

O Código Civil Brasileiro de 1916, insculpido no rigorismo de uma sociedade colonial e escravocrata, subordinava o reconhecimento da família quase que inteiramente ao matrimônio. Além disso, numa visão extremamente patriarcalista, o mesmo impedia a dissolução do casamento, bem como defendia a desigualdade entre homens e mulheres. De forma também discriminatória, o legislador de 1916 fazia distinções às uniões extramatrimoniais e aos filhos havidos fora do casamento, tratando-os de forma punitiva e excluindo destes diversos direitos, conforme se infere da lição de Arnoldo Wald:

(...) O Código Civil brasileiro revela um direito mais preocupado com o círculo social da família do que com os círculos sociais da nação, tendo mantido, num Estado leigo, uma técnica canônica, e, numa sociedade evoluída do século XX, o privativismo doméstico e o patriarcalismo conservador dos direitos das Ordenações.[4]

Em 1930, contudo, começa a ocorrer uma mudança no pensamento da população e na prática legislativa. Surgem, assim, diversas leis com a finalidade de assegurar a proteção da família, dentre as quais destacamos: o Decreto-Lei nº 3.200, de 19.04.1941; Decreto-Lei nº 9.701, de 03.09.1946 e o Decreto-Lei nº 7.485, de 23.04.1945, dispondo sobre a guarda dos filhos menores no desquite judicial e sobre a prova do casamento para fins de previdência social.

Grande mudança surge com a Lei nº 4.121, de 27.08.1962 – Estatuto da Mulher Casada – que emancipou a mulher casada e reconheceu a esta direitos iguais aos do marido, além da prerrogativa de propriedade exclusiva sobre bens adquiridos com o produto de seu próprio trabalho.

Em 1977, por sua vez, foi aprovada a Emenda Constitucional nº 9, seguida pela criação da Lei nº 6.515, acabando com a indissolubilidade do casamento e, nas palavras de Maria Berenice, “eliminando a idéia da família como instituição sacralizada”.[5] Tais alterações legislativas desencadearam uma série de mudanças consideráveis no conceito e nos paradigmas erguidos em relação à entidade familiar, preparando a sociedade, que a tanto já ensejava, para a realização de uma mudança constitucional.

1.3. A nova ordem constitucional e o direito de família

A Constituição Federal de 1988 foi o resultado das mais profundas mudanças sociais, especialmente no que diz respeito a temas relacionados ao direito de família. Tal instrumento consagra a proteção da família em diversos formatos, revelando não ser essencial para a formação da vida familiar o matrimonio.

A Carta Magna de 1988, portanto, legitimou diversos formatos de família, que já estavam inseridos na sociedade, mas não reconhecidos na legislação, passando a proteger, não apenas a família instituída pelo matrimônio, mas também a união estável e a família monoparental, formada por qualquer dos pais e seus descendentes. Ademais, consagrou a igualdade entre homem e mulher, bem como a dos filhos, havidos ou não no casamento, ou por adoção, garantindo-lhes os mesmos direitos e deveres.

Ocorreu, assim, o fenômeno da constitucionalização do direito de família, em detrimento do Código Civil de 1916, não mais condizente com a realidade vivenciada pela sociedade.

A Constituição de 1988, por conseguinte, não apenas revolucionou o conceito de família, como estendeu seus direitos àqueles injustamente excluídos pelo Código Civil de 1916, tendo como base, não mais a forma como a família foi instituída, mas os sentimentos que a formaram. Florescem assim, diversos princípios norteadores da família moderna, dentre os quais destacamos o princípio da dignidade da pessoa humana e o da afetividade. Fabíola Santos Albuquerque, corroborando com tal pensamento, afirma que:

Perante o texto constitucional, família é a base da sociedade, e em momento algum há qualquer predicativo do tipo de família que será destinatária da tutela legal.  O certo é que estamos protagonizando um florescer de um modelo de família fundado sob os auspícios do princípio da dignidade da pessoa humana, que por sua vez lança foco nas características da repersonalização, da pluralidade e da funcionalização.[6]

Em função de tais alterações, legislativas e sociais, o Código Civil de 2002 procurou atualizar o direito de família e apresentar-se em concordância com a Carta Magna de 1988. As alterações advindas do referido Código, contudo, se mostraram ínfimas em relação às mudanças de que foram objeto as relações familiares nos anos anteriores a sua promulgação. Tal fato se justifica em virtude de ter o referido Código tramitado durante mais de vinte e cinco anos até a sua efetiva aprovação, não contemplando diversas situações vivenciadas na sociedade atual.

Frise-se que não buscamos aqui ocultar o avanço do novo Código em relação ao anterior, o qual ajustou as antigas regras referentes à sociedade conjugal, com maior rigor, ao princípio da igualdade entre o homem e a mulher e da dignidade da pessoa humana. Foram excluídos, por exemplo, diversos dispositivos que davam margem ao tratamento desigual entre cônjuges e filhos, afastando toda e qualquer referência acerca de filiação legítima, legitimada, adulterina, incestuosa ou adotiva, visto que a partir do novo ordenamento constitucional, a filiação é uma só, sem discriminação.

Não há, porém, como ignorar que o legislador perdeu a oportunidade de consolidar avanços necessários, permanecendo com o mesmo pensamento do século passado em relação a assuntos que já deveriam estar consolidados em nosso ordenamento. Nos dizeres de Maria Berenice:

O legislador, infelizmente, também cometeu inconstitucionalidades. A perquirição de culpa na separação é um dos grandes exemplos da falta de sensibilidade para com o clamor da doutrina. O mundo de hoje não mais comporta uma visão idealizada da família. Seu conceito mudou. A sociedade concede a todos o direito de buscar a felicidade, independente dos vínculos afetivos que estabeleçam. É ilusória a idéia de eternidade do casamento. A separação, apesar de ser um trauma familiar doloroso, é um remédio útil e até necessário, representando muitas vezes a única chance para se ser feliz. Impor aos cônjuges que desnude a intimidade do outro, trazendo a juízo os fatos que tornaram insuportável a vida em comum, fere o direito à privacidade, além de afrontar os direitos da dignidade do par do qual quer se desvencilhar.

 E continua:

Também ao tratar desigualmente as entidades familiares decorrentes do casamento e da união estável gerou o Código Civil diferenciação sem respaldo constitucional. A Constituição não estabelece qualquer hierarquia entre as entidades às quais o Estado empresta especial proteção (CF 226). E o que o constituinte não distinguiu, não pode diferenciar a lei ordinária. [7]

1.4. Princípios Constitucionais aplicáveis ao direito de família

Nosso sistema jurídico normativo é formado conjuntamente por regras e princípios, e essa estrutura subsidia o equilíbrio necessário ao operador do direito no momento da decisão do caso concreto. Caso a regra não responda satisfatoriamente à demanda, caberá atuação dos princípios na solução do conflito. Sua aplicação, contudo, não é meramente subjetiva, nem tampouco absoluta, encontrando limites, inclusive, nos demais princípios.

Ao introduzir um estudo sobre os princípios, cabe ressaltar, inicialmente, que estes, na atualidade, ocupam posição de destaque no sistema de fontes, uma vez que detêm a primazia da escala hierárquica, assumindo posição de destaque na pirâmide normativa, passando a conformar a lei, e não o inverso.[8]

Conforme demonstra Luís Roberto Barroso, os princípios constitucionais “são o conjunto de normas que espelham a ideologia da Constituição, seus postulados básicos e seus fins. Dito de forma sumária, os princípios constitucionais são as normas eleitas pelo constituinte como fundamentos ou qualificações essenciais da ordem jurídica que institui”.[9]

Contrapondo-se princípios e regras, Canotilho propõe um esquema de diferenciação entre as duas espécies de normas baseado em diversos critérios. Assim, em relação ao “grau de abstração”, por exemplo, defende que, enquanto os princípios denotam de grau de abstração elevado, as regras demonstram abstração reduzida, sendo mais direcionadas e concretas. Em relação ao “grau de determinabilidade na aplicação do caso concreto”, por sua vez, entende que os princípios são vagos e imprecisos, necessitando de aplicadores do direito, enquanto mediadores, para uma concretização; ao passo que as regras são direcionadas e passíveis de emprego direto. No que tange acerca da “proximidade da idéia de direito”, afirma que os princípios evidenciam maior proximidade com os ideais básicos de justiça e direito, enquanto a norma demonstra um caráter mais funcional, objetivo. Por fim, em relação à “natureza normogenética”, defende a contemplação dos princípios como fundamento das regras, funcionando como verdadeiros inspiradores destas.[10]

Em relação ao direito de família, os Princípios Constitucionais possuem um caráter de extrema relevância, uma vez que, conforme supracitado, o fenômeno da constitucionalização do direito civil atingiu seu ápice com a Constituição Federal de 1988 sendo tal ramo do direito um dos que mais sofreu as vicissitudes de tal processo.

Restou nítido, pois, que a Carta Magna de 1988 afastou a incidência dos princípios conservadores do nosso Código Civil, instalando um sistema de novos princípios e critérios interpretativos para avaliar as relações familiares, de forma que, atualmente, pode-se afirmar que é na Constituição Federal que se encontra apoiado o nosso direito de família.[11]

Assim, uma vez demonstrada a importância de tais normas, passemos a analisar cada uma isoladamente, bem como sua aplicação no direito de família.

1.4.1. Princípio da dignidade da pessoa humana

O princípio da dignidade da pessoa humana permeia todo o ordenamento jurídico, com especial ressalva para o direito de família. Este representa um valor moral e ético, inerente a todo e qualquer ser humano, caracterizando o princípio máximo do Estado democrático de direito. Em virtude de sua importância, o mesmo está contemplado na Constituição Federal logo em seu primeiro artigo, sendo considerado o mais universal dos direitos e, por isso, é considerado fonte de diversos outros. 

Consagrado na formulação clássica de Immanuel Kant, segundo o qual “no reino dos fins, tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de todo preço, e por isso não admite qualquer equivalência, compreende uma dignidade”.[12]

Partindo dessa matriz Kantiana, preceitua Ingo Wolfgang Sarlet que:

(...) temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que asseguram a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos. [13]

Das mudanças ocorridas ao longo da história no direito de família, pode-se dizer que todas estavam embasadas em tal princípio, uma vez que o mesmo significa, em última análise, igual dignidade a todos os membros da família. As conquistas das mulheres, bem como dos filhos chamados anteriormente de ilegítimos devem-se, portanto, a tal princípio fundamental.

É, pois, contemplando-o, que se pode garantir igual dignidade e, por conseguinte, tratamento, aos diferentes modelos de entidades familiares, caracterizando afronta ao mesmo e, conseqüentemente, à própria Constituição Federal, tratamento discriminatório, ou sequer diferenciado, às diferentes formas de constituição familiar.

1.4.2.Princípio da solidariedade

Solidariedade, conforme demonstra Paulo Lôbo, é uma categoria ética e moral, significando, juridicamente, um vínculo de sentimento racionalmente guiado, limitado e autodeterminado, compelindo a oferta de ajuda,[14] pressupondo, constantemente a condição de dependência. Tal princípio decorre não apenas do poder do Estado, mas também da sociedade e de cada um dos seus membros.

Sua implicação no núcleo familiar é de extrema relevância, entendendo-se como a solidariedade recíproca entre os cônjuges e companheiros, principalmente quanto à assistência moral e material e, em relação aos filhos, corresponde à exigência de cuidado e zelo na criação dos mesmos até atingirem a idade adulta.

Acerca de tal princípio, Fabíola Santos Albuquerque, citando Paulo Lôbo, afirma que:

A dignidade de cada um apenas se realiza quando os deveres recíprocos de solidariedade são observados ou aplicados. (...) A solidariedade familiar é fato e direito; realidade e norma. No plano fático, as pessoas convivem, no ambiente familiar, não por submissão a um poder incontrariável, mas porque compartilham afetos e responsabilidades. No plano jurídico, os deveres de cada um para com os outros impuseram a definição de novos direitos e deveres jurídicos.[15]

Além das situações supracitadas, os tribunais brasileiros já asseguram a aplicação do respectivo princípio em relação aos avôs, tios, companheiros homossexuais, bem como padrastos e madrastas, aumentando, portanto, a abrangência da norma.

1.4..3. Princípio da igualdade/isonomia

Previsto no inciso I do art. 5º da Constituição Federal, o Princípio da igualdade foi elevado ao status de direito fundamental, oponível aos poderes políticos e privados. Caracteriza-se este como um dos princípios que mais provocou transformações no âmbito do direito de família, garantindo a igualdade entre homem e mulher, filhos e entidades familiares.

Acerca de tal princípio, não se pode deixar de enfatizar o pensamento exposto por Paulo Lôbo, in verbis:

Inexistindo hierarquia entre o casamento e a união estável, não se justifica que o Código Civil tenha atribuído deveres distintos para os cônjuges e para os companheiros. A constituição não desnivelou a união estável ao estabelecer que a lei deva facilitar a conversão dela em casamento. Cuida-se aí de faculdade ou de poder potestativo; é como se dissesse que os companheiros são livres para manter sua entidade familiar, com todos os direitos, ou converta-la em outra, se assim desejarem, para que o legislador deve remover os obstáculos jurídicos. Do mesmo modo, o caminho inverso é possível, convertendo-se os cônjuges, após o divórcio, em companheiros.[16]

É válido ressaltar ainda que o Princípio da Igualdade não desconsidera a existência de diferenças entre pessoas e entidades; reconhece, pois, que homens e mulheres são diferentes, bem como pais e filhos, casamento ou união estável. Tais diferenças, contudo, não podem legitimar tratamento jurídico assimétrico ou desigual, no que concernir com a base comum de direitos e deveres.

1.4.4. Princípio da liberdade às relações familiares

Pelo Princípio da liberdade às relações familiares, qualquer pessoa é livre para constituir, realizar ou extinguir entidade familiar, sem imposição ou restrição dos parentes, sociedade ou, até mesmo, Estado.

Frise-se que tal princípio apresenta duas vertentes essenciais: liberdade da entidade familiar, diante do Estado e da Sociedade, e a liberdade de cada membro diante dos demais e da própria entidade familiar.[17]

Conforme mencionado previamente, antes da Carta Magna de 1988, o direito de família era extremamente rígido, sendo permitido exclusivamente o modelo matrimonial e patriarcal, e vedada a liberdade de escolha. A transformação desse paradigma familiar, contudo, ampliou radicalmente o exercício da liberdade para todos os membros da família, sobretudo mulheres e filhos, substituindo o autoritarismo da família tradicional por um modelo familiar mais democrático e condizente com a realidade.

 1.4.5.Princípio da afetividade

O princípio da afetividade traz à família moderna a função que, por certo, esteve em suas origens: a de grupo unido por desejos e laços afetivos, em comunhão de vida.

A Constituição Federal de 1988, apesar de não elencar tal princípio expressamente, atribui a este valor jurídico. Por tal motivo, o que antes era compreendido como elemento estranho ao direito, ganha ares normativos e a qualificação como princípio fundamental, passando a não mais ser visto apenas como um dever jurídico, mas, sobretudo, como suporte fático das relações da família.[18]

A família atual, portanto, passa a ser tecida não mais pela imposição social do modelo patriarcal, mas pela complexidade das relações afetivas, as quais serão construídas unicamente pelo desejo e a liberdade de escolha do ser humano. A família, tendo desaparecido suas funções tradicionais, em virtude do mundo capitalista burguês, reencontrou-se sob o fundamento da afetividade, na comunhão do afeto, pouco importando a entidade familiar adotada.[19]

A comunhão de afeto é incompatível com um modelo único de família matrimonializada, motivo pelo qual o afeto entrou nas cognições jurídicas, buscando explicar as diversas relações familiares contemporâneas.

1.5.Interpretação do art. 226, § 3º da Constituição Federal

Restou exaustivamente comprovado o ciclo de mudanças constantes que ocorreram ao longo da história e modificaram a família em seu conceito, função e composição, deixando para trás o modelo patriarcal baseado exclusivamente no casamento. As novas manifestações de entidade familiar encontram seu alicerce, em especial nos princípios constitucionais, mas não apenas nestes.

A Carta Magna de 1988, em seu art. 226, além de prever que a família é base da sociedade, tendo o Estado o dever de provê-la especial proteção, reconhece, em seu §3º a união estável entre homem e mulher como entidade familiar, para efeito de proteção do Estado, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

Acerca do referido artigo, contudo, a doutrina diverge em suas interpretações, existindo duas teses conflitantes em relação aos critérios de hierarquização e atribuição de direitos para famílias e/ou entidades familiares.

Nesse sentido, a primeira corrente defende que a família é a união formada por homem e mulher sob o regime exclusivo do casamento, enquanto que entidade familiar é a união formada por homem e mulher, em regime de união estável, com regras específicas, definidas infraconstitucionalmente. Distingue, portanto, família de entidade familiar, estabelecendo uma hierarquia em relação à primeira.[20]

Tal teoria, frise-se, baseia seu argumento na parte final do § 3º do art. 226: “devendo a lei facilitar a sua (união estável) conversão em casamento”. Defende, com isso, que o legislador quis implicar numa prevalência da construção da família, formada pelo casamento, para, posteriormente, prestar atendimento às entidades familiares. Tal fato implicaria em uma série de conseqüências em relação a conferencia de direitos e deveres às entidades familiares, devendo estas receber tutela jurídica limitada, enquanto o casamento é merecedor de uma maior e mais direta atenção do Estado.

Ressaltamos, contudo, já de início, que tal corrente se apresenta inconsistente em relação à suposta subordinação da união estável, uma vez que o § 3º não impõe qualquer restrição diferenciadora quanto à validade ou eficácia desta em relação ao casamento. Por tal motivo, não pode o legislador infraconstitucional estabelecer dificuldades para que seja concebida a união estável, ou impor restrições aos companheiros não previstas na Constituição Federal.[21]

Ademais, lembramos que a corrente em questão se mostra totalmente ultrapassada e preconceituosa, não condizendo com o pensamento e a realidade vivenciada pela sociedade atual.

A segunda corrente, por sua vez, preceitua a igualdade entre as entidades familiares, independente de sua formação, evidenciando os dispositivos constitucionais, em observância aos Princípios Constitucionais da igualdade, liberdade, afetividade e dignidade da pessoa humana.

Corroborando com tal corrente, Francisco Cahali defende que toda questão que envolva o Estado e as uniões estáveis deve ser tratada com equivalência em relação ao casamento, já que ambas as uniões são formas de família, motivo pelo qual a proteção estatal implica na preservação do companheirismo.[22] Assim, segundo o doutrinador:

(...) nenhuma norma ou conduta social poderá oferecer restrições à união estável em cotejo com o casamento, quando tratar de família e de seus reflexos exteriores perante o Estado e a sociedade, sob pena de ser inconstitucional, pela discriminação vetada na Carta, ao se elevar o concubinato à qualidade de entidade familiar, ao lado do matrimônio e da comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.[23]

No presente trabalho, conforme demonstrado, defendemos a utilização da segunda teoria, seja na doutrina ou jurisprudência, por um motivo simples: não pode o legislador infraconstitucional ultrapassar os limites impostos pela própria Constituição, impondo barreiras e restrições à união estável sob a égide do manto constitucional, quando é nítido que a intenção do legislador não fora essa.


CAPÍTULO II – DAS ENTIDADES FAMILIARES

O direito de família brasileiro atualmente deve ser visto sob um ângulo pluralista. Novas formas de convívio vêm sendo improvisadas em torno da necessidade, motivo pelo qual o antigo modelo de família, formada exclusivamente pela união de um homem e uma mulher, por meio do casamento, cercados de filhos, não condiz mais com a realidade e necessidades sociais.[24]

Frise-se, inclusive, que, apesar da Constituição Federal de 1988, em seu art. 226, elencar expressamente apenas três tipos de entidades familiares (casamento, união estável e família monoparental), tal rol é meramente enunciativo, uma vez que as relações de família foram funcionalizadas pela Constituição em razão da dignidade da pessoa humana. Não é concebível, portanto, a ideia de proteção somente para algumas entidades familiares, afastando-se a tutela jurídica das demais.[25]

Nas palavras de Guilherme Giacomelli Chanan:

A Constituição, em seu preâmbulo, afirma que o Estado está destinado a assegurar o exercício dos direitos individuais, a liberdade, o bem-estar, a igualdade e a justiça, como valores supremos de uma sociedade pluralista e sem preconceitos, não podendo a própria Constituição limitar ou excluir esses direitos.

Com base nesta afirmação, funda-se a afirmação de que a relação contida no art. 226 é meramente enunciativa, uma vez que não excluiu expressamente da Constituição a existência de outras entidades familiares, o que poderia ter feito, embora tal exclusão causasse enorme contradição entre os dispositivos contidos na parte relativa à família e aos princípios estabelecidos no preâmbulo.[26]

2.1.      Do casamento

Casamento tanto significa o ato de celebração do matrimônio, como a relação jurídica que dele se origina, ou seja, a relação matrimonial. O sentido da relação matrimonial melhor se caracteriza pela expressão comunhão de vidas, de afeto.[27] Tal sentido, contudo, conforme já evidenciado, é característico de qualquer relação familiar, seja ela matrimonializada ou não.

Por sua vez, em relação ao ato de celebração do matrimônio, este se caracteriza como um vínculo entre os noivos que passam a desfrutar do estado de casados. Segundo Paulo Lôbo, “casamento é um ato jurídico negocial solene, público e complexo, mediante o qual um homem e uma mulher constituem família, pela livre manifestação de vontade e pelo reconhecimento do Estado”.[28]

2.1.1.Características e natureza jurídica

O que peculiariza o casamento é o fato de sua constituição depender de ato jurídico complexo, ou seja, de manifestações e declarações de vontade sucessivas, fruto da oficialidade de que é revestido, pois sua eficácia depende de atos estatais.[29] Assim, enquanto as demais entidades familiares são constituídas livremente, por meio de fatos sociais aos quais o direito empresta conseqüências jurídicas, o casamento é constituído pela sucessão de atos estatais.

Tal entidade, contudo, ainda se caracteriza pela liberdade de escolha entre os nubentes, pelo fato de ser a legislação matrimonial de ordem pública - estando acima de convenções entre as partes e pela união permanente e exclusiva.

Bastante polêmica, contudo, é a discussão acerca da natureza jurídica do casamento. As divergências doutrinárias são tantas que ensejaram no surgimento de três correntes: doutrina individualista ou contratualista; institucional e eclética. A primeira corrente, influenciada pelo direito canônico, vê no casamento um contrato civil, regido pelas normas comuns a todos os contratos, aperfeiçoando-se pelo simples consentimento dos nubentes.[30]

A corrente institucionalista, por sua vez, vê no matrimônio um estado em que os nubentes ingressam, ou seja, o conjunto de normas imperativas em que ingressam os nubentes. Segundo esta corrente, uma vez aderido ao estado matrimonial, a vontade dos nubentes é imponente, sendo automáticos os efeitos da instituição.[31]

Por fim, a doutrina eclética, ou mista, vê o casamento como um ato complexo, um contrato, quando da sua formação, e uma instituição, no que diz respeito ao conteúdo.

Contudo, nos dizeres de Maria Berenice, “tal discussão, ainda que tradicional, se revela inútil e estéril”,[32] uma vez que, sob a ótica do Estado, elemento estruturante da própria sociedade organizada, prevalece a concepção institucional; sob a ótica dos noivos, contudo, mas do que o campo da vontade, prevalece o domínio dos sentimentos e, por conseguinte, a corrente contratualista.  

2.1.2.Direitos e deveres de ambos os cônjuges

Sob plano da eficácia do casamento, o Código Civil tutela os direitos e deveres entre os cônjuges. Tal plano, frise-se, sofreu profunda modificação em decorrência da radical mudança de paradigmas da família e do casamento, consumada na Constituição Federal de 1988, sobretudo com a imposição de igualdade de direitos e deveres entre o homem e a mulher na sociedade conjugal.

Ressalte-se que, nessa longa trajetória da emancipação feminina e da consequente superação da família patriarcal, dois preceitos da Carta Magna de 1988 constituíram epílogo para tal mudança, a saber: o art. 5º, inciso I e o art. 226, § 5º. Foi a partir de tais normas, que pôde o Código Civil de 2002 suprimir os deveres particulares do marido e da mulher, um dos pilares da desigualdade de tratamento legal entre os cônjuges.

O homem e a mulher, portanto, passaram a assumir mutuamente a condição de responsáveis pelos encargos da família, respeitando a dignidade e as necessidades de cada membro, inclusive dos filhos, se houver, por meio de um rol de direitos e deveres aplicados de forma igualitária para ambos os cônjuges.

Os direitos e deveres estipulados no art. 1.566 do CC e que serão analisados no presente trabalham são: fidelidade recíproca; vida em comum, no domicílio conjugal; mútua assistência; sustento, guarda e educação dos filhos e respeito e consideração mútuos.

2.1.2.1.Dever de fidelidade recíproca

A fidelidade recíproca sempre foi entendida apenas como impedimento de relações sexuais com terceiros, representando a natural expressão da monogamia. Historicamente, contudo, voltava-se em grande medida, ao controle da sexualidade feminina, a fim de proteger a paz doméstica e evitar a turbatio sanguinis.

Dessa forma, a monogamia – que só era monogamia para a mulher – não foi fruto do amor sexual individual, mas uma mera convenção decorrente do triunfo do patriarcalismo, uma vez que a constituição da família pelo casamento tinha como finalidade a procriação de filhos do patriarca, haja vista estes estavam destinados a se tornarem os herdeiros de sua fortuna.

Os valores hoje dominantes no direito de família, contudo, não reputam mais tal dever para a manutenção de uma sociedade conjugal, que faz do casamento, não uma comunhão de afetos e interesses de colaboração e companheirismo, mas um instrumento de repressão sexual e de represália de um contra o outro, quando o relacionamento chega ao seu fim. Assim, mesmo sendo indicado na lei como requisito obrigacional, a mantença da fidelidade trata-se de um direito cujo adimplemento não pode ser exigido em juízo.

Ademais, ressalte-se que, se eventualmente um ou ambos os cônjuges não cumprirem tal dever, tal fato em nada afeta a existência, validade ou mesmo eficácia do vínculo matrimonial.[33]

Segundo Maria Berenice:

Pode-se assim dizer que a fidelidade, enquanto dever de um e direito do outro, vige durante o casamento, mas só serve de fundamento para justificar a busca do seu término. A imputação de culpa pelo descumprimento do dever de mútua fidelidade não permite buscar seu adimplemento durante a constância do vínculo matrimonial, concedendo tão-só um direito à separação.[34]

Portanto, se a fidelidade não é um direito exeqüível e a infidelidade não mais serve como fundamento para a separação – haja vista que na atualidade a perquirição de culpa não é pressuposto para a chancela do pedido de separação, bastando apenas a vontade de um dos cônjuges – nada justifica a permanência da previsão legislativa. Ninguém é fiel por determinação legal, nem deixará de sê-lo por falta de norma legal, uma vez que não é a imposição legal que consolida ou estrutura o vínculo conjugal, mas, simplesmente, a presença dos laços de afeto, de solidariedade e fraternidade.

2.1.2.2.Dever de respeito e consideração mútuos

Foi introduzido no direito brasileiro pela Lei nº 9.278/96, que regulamentou a união estável. O Código Civil, inexplicavelmente, trouxe-o para os cônjuges, mantendo, em conjunto com o dever de fidelidade. A tendência do direito matrimonial, contudo, é a substituição deste último pelo dever de respeito e consideração mútuos, mais adequado aos valores atuais, como fez a lei brasileira da união estável.

Dito dever, frise-se, consulta a dignidade dos cônjuges, podendo a lei delegar a responsabilidade de qualificá-lo, segundo os valores que compartilhem, sem interferência do Estado na privacidade e intimidade do casal, como ocorre com o dever de fidelidade.

Ressalte-se ainda que o mesmo caracteriza-se como um dever de abstenção em face dos direitos pessoais do outro, mas não apenas, pois impõe prestações positivas de defesa de valores comuns, tais como a honra solidária, o nome de família, o patrimônio moral comum, etc.[35]

2.1.2.3.Dever da vida em comum, no domicílio conjugal

Também denominado de dever de coabitação, é o estado de pessoas de sexo diferentes que vivem juntas na mesma casa, convivendo sexualmente.

Existem, pois, dois aspectos fundamentais decorrentes de tal dever: o imperativo de viverem juntos os consortes e de prestarem mutuamente o débito conjugal, ou seja, o direito-dever de ambos os cônjuges de realizarem, entre si, o ato sexual.

Durante muitos anos, prevaleceu o sentido de relacionamento sexual. Este fez sentido durante a sociedade patriarcal, na qual se reservava à mulher os papeis domésticos e ao homem, o de provedor. Atualmente, contudo, prevalece o aspecto de comunidade de vida ou de vida em comum, em união durável, na mesma habitação. O imperativo sexual, contudo, não deixou de existir, mas transformou-se em um dever de ambos os cônjuges, e não mais apenas da mulher em relação ao marido.

Assim, conforme dispõe Maria Helena Diniz:

Um cônjuge tem direito sobre o corpo do outro e vice-versa, daí os correspondentes deveres de ambos, de cederem seu corpo ao normal atendimento dessas relações íntimas, não podendo, portanto, inexistir o exercício sexual, sob pena de restar inatendida essa necessidade fisiológica primária, comprometendo seriamente a estabilidade da família. Sendo recíproco o dever de coabitação, ambos são devedores dessa prestação, podendo um exigir do outro o seu cumprimento.[36]

É importante ressaltar, contudo, que assim como o dever de fidelidade, o dever em questão não deve ser fruto da imposição legal, mas da construção e renovação contínua dos laços de afeto.

Ademais, tal dever não é a essência do matrimônio, uma vez que a própria legislação admite em hipóteses específicas o casamento de pessoas que não estão em condições de cumprir o dever ora tratado, seja no âmbito sexual ou de vida em comum. É o caso, por exemplo, do casamento realizado in extremes ou de pessoas idosas, ou ainda quando do exercício de profissão em outra localidade, entre outros.

2.1.2.4.Dever de mútua assistência

Deve haver entre aos consortes atenção às características materiais e espirituais, requerendo os deveres de cuidado, assistência e participação nos interesses do outro cônjuge. Decorre do princípio da solidariedade familiar, não podendo nenhuma convenção particular afastá-lo, uma vez que é uma exigência de ordem pública.

A assistência moral diz respeito às atenções e cuidados devotados a pessoa do outro cônjuge, decorrente dos laços de amizade e afetividade em seu grau mais elevado. Caracteriza-se pelo apoio moral, carinho, desvelo. A assistência material, por sua vez, que alguns denominam de dever de socorro, diz respeito ao provimento dos meios necessários para o sustento da família, em conformidade com os rendimentos e as possibilidades econômicas de cada cônjuge.

O descumprimento do dever de assistência material, frise-se, converte-o em dever de alimentos, o qual pode ser exigido pelo cônjuge, dentre dos parâmetros de possibilidade e necessidade, ainda que não tenha havido separação de fato.

2.1.2.5.Dever de sustento, guarda e proteção dos filhos

Tanto o pai, quanto a mãe têm o ônus de contribuir para as despesas dos filhos, na proporção de seus bens e rendimentos do trabalho, qualquer que seja o regime matrimonial de bens.

Alguns autores, dentre eles Paulo Lôbo, afirmam que dito dever é, na realidade, dever e direito, pois interessa a cada um dos pais a formação, sanidade e convivência com seus filhos,[37] motivo pelo qual os pais só podem ser privados de tal direito, excepcionalmente, por sentença judicial e em atenção aos interesses dos menores.

Ao estabelecer o dever de sustento, o Código abordou o aspecto material, ou seja, as despesas com a sobrevivência adequada e compatível com os rendimentos dos pais, e ainda com a saúde, lazer, cultura e educação dos filhos. A guarda, por sua vez, é onde mais se observa a existência do “direito-dever”, especificamente no que concerne à convivência familiar, considerada prioridade absoluta da criança.

Por fim, a educação, empregada pelo Código Civil em sentido amplo, inclui a cultura, o desenvolvimento, preparo para a cidadania e qualificação para o trabalho.

O descumprimento do dever em questão, frise-se, acarreta diversas consequências, as quais variam desde condenação a pagamento de alimentos, a perda do poder familiar.

2.2.Da união estável

A Constituição Federal de 1988, ao garantir especial proteção à família, de forma exemplificativa, citou algumas das entidades familiares, mas não as desigualou. Limitou-se, pois, a elencá-las, mas não lhes dispensando tratamento diferenciado.

Nos dizeres de Maria Berenice:

O fato de mencionar primeiro o casamento, depois a união estável e, por último, a família monoparental não significa qualquer preferência nem revela escala de prioridade entre eles. Ainda que a união estável não se confunda com o casamento, ocorreu equiparação das entidades familiares, sendo todas merecedoras da mesma proteção.[38]

A união estável, diferentemente do casamento, caracteriza-se por ser uma entidade recente, sendo legitimada pela primeira vez pela Carta Magna de 1988, a qual acabou por reconhecer juridicidade ao afeto, ao elevar as uniões constituídas pelo vínculo da afetividade à categoria de entidade familiar.

Tal entidade nasce da convivência, simples fato jurídico que evolui para a constituição de um ato jurídico, em face de direitos que surgem dessa relação. Frise-se, contudo, que, apesar da união estável ser o espaço do não instituído, à medida que é regulamentada vai ganhando contornos do casamento. Assim, aos poucos, tal entidade vai deixando de ser uma união livre, para ser uma união amarrada às regras impostas pelo Estado e, por conseguinte, sujeita a direitos e deveres, assim como o casamento.[39]

O Código Civil incluiu a união estável no último capítulo do livro do direito das famílias. A justificativa do legislador para tal fato foi a de que essa entidade foi reconhecida pela primeira vez pela Constituição de 1998, quando o Código já estava em elaboração. Porém, inserir a união estável tão distanciadamente do capítulo do casamento revela apenas resistência do legislador para reconhecê-la como entidade familiar de igual status, em desconformidade com a própria Constituição Federal. Dessa forma, apesar de ser o casamento e a união estável merecedoras da mesma e especial tutela do Estado, em que pese tal equiparação constitucional, a lei, de forma retrógrada e equivocada, outorgou à união estável tratamento notoriamente diferenciado em relação ao matrimônio.

O Código Civil de 2002 reconheceu como união estável a convivência pública, duradoura e contínua entre o homem e a mulher, estabelecida com o objetivo de constituição de família.  

Conforme se verifica, o legislador, para reconhecer a união estável socorreu-se da idéia de família como parâmetro para conceder-lhes efeitos jurídicos, de forma a verificar a existência de uma quase simetria entre o casamento e a união estável. A divergência decorre apenas da constituição: enquanto o casamento tem seu início marcado pela celebração do matrimônio, a união estável não tem termo inicial estabelecido, nascendo da consolidação do vínculo de convivência e do embaralhar do patrimônio.

De forma simplificada, nos dizeres de Guilherme Calmon, podemos conceituar união estável como a “união extramatrimonial monogâmica entre o homem e a mulher desimpedidos, como vínculo formador e mantenedor da família, estabelecendo uma comunhão de vida e d’almas, de forma duradoura, contínua, notória e estável”.[40]

2.2.1.Características e natureza jurídica

A lei não imprime à união estável contornos precisos, limitando-se a elencar de forma sucinta suas características. Dentre as principais características do companheirismo, destacamos: a) objetivo de constituição de família; b) estabilidade; c) unicidade de vínculo; d) notoriedade; e) continuidade; e f) ausência de formalismo. Das respectivas características, apenas as três primeiras são comuns ao casamento. A notoriedade e continuidade, apesar de presentes na maioria dos casamentos, não são exigidas para o mesmo; enquanto que a ausência de formalismo nunca pode caracterizar o casamento, em virtude da solenidade ínsita ao matrimônio.[41]

A união extramatrimonial entre um homem e uma mulher precisa, necessariamente, visar a constituição de uma família, para que possa ser caracterizada como companheirismo, caso contrário, o vínculo entre os partícipes não estaria sujeito às regras do direito de família, não sendo abrangido pela norma contida na Constituição Federal (art. 226, § 3º). Fica a ressalva, contudo, de que a constituição de família não está atrelada a procriação de filhos. A procriação caracteriza-se como forma de perpetuar a existência daquele organismo familiar, mas inexiste obrigatoriedade, seja para o casamento, seja para a união estável.

Em relação à estabilidade, de acordo com a própria previsão constitucional, o companheirismo deve ser estável, ou seja, duradouro, não podendo se revestir de instabilidade; enfim, a união não pode ser efêmera, passageira, formada a título meramente experimental. Dentro desse contexto de estabilidade, compreende-se a existência de uma união sólida, construída com bases sedimentadas, não formadas pelo simples desejo instintivo.

A união estável deve ser caracterizada ainda como o único vínculo existente para ambos os companheiros, ou em termos sintéticos, deve se tratar de uma união monogâmica. Assim, havendo outro vínculo anterior, matrimonial ou não, de um dos partícipes da nova relação, a nova união será considerada concubinária, e não fundada no companheirismo.

A notoriedade, por sua vez, diz respeito a ser reconhecida socialmente, ainda que por um grupo restrito, a união de um homem e uma mulher como se casados fossem.

Apesar da lei não estabelecer um lapso temporal mínimo, a união extramatrimonial deverá ser contínua, ou seja, ininterrupta, protraindo-se no tempo sem lapsos, caracterizando-se pela sua durabilidade e continuidade.  

Por fim, característica típica da união estável, em contraposição ao casamento, é a ausência do formalismo. Ou seja, inexiste qualquer obrigatoriedade aos partícipes da relação de observarem normas relativas ao casamento ou a qualquer outro ato solene para a formação do companheirismo, nascendo este exclusivamente da convivência.

Acerca de tal assunto, complementa Maria Berenice que:

Com segurança, só se pode afirmar que a união estável inicia de um vínculo afetivo. O envolvimento mútuo acaba transbordando o limite do privado, começando as duas pessoas a ser identificadas no meio social como um par. Com isso o relacionamento transforma-se em uma unicidade. A visibilidade do vínculo o faz ente autônomo merecedor de tutela jurídica como uma entidade. [42]

Para definir a natureza da união estável, faz-se necessário, antes, classificar os fatos jurídicos em três tipos: fatos jurídicos em sentido estrito ou involuntários; atos-fatos jurídicos ou atos reais; e atos jurídicos em sentido amplo ou voluntário. Considerando-se o papel da manifestação de vontade, tem-se que nos fatos jurídicos em sentido estrito, não existe vontade ou esta é desconsiderada; no ato-fato jurídico, a vontade está em sua gênese, mas o direito a desconsidera e apenas atribui juridicidade ao fato resultante e, por fim, no ato jurídico, tem-se a vontade como elemento nuclear. A partir de tal classificação, o casamento é ato jurídico formal e complexo, enquanto que a união estável é ato-fato jurídico.[43]

E é exatamente por ser ato-fato jurídico que a união estável não necessita de qualquer manifestação de vontade para que produza seus efeitos jurídicos, bastando a sua configuração fática para que haja incidências das normas constitucionais e legais.

2.2.2.Direitos e deveres

Por ser a convivência a geradora do estado de casado, o sistema jurídico brasileiro, ainda que mantendo as singularidades de cada entidade familiar, aproximou as regras estruturais dos direitos e deveres entre cônjuges e entre companheiros e entre estes e os filhos.

Frise-se, desde o início, que, em virtude do princípio da igualdade jurídica entre filhos, não há qualquer distinção entre as relações paterno-filiais na família constituída pelo casamento ou pela união estável. Ademais, no âmbito dos direitos pessoais, aplicam-se as mesmas regras sobre o poder familiar, a filiação, o reconhecimento dos filhos, adoção e demais relações de parentesco.

Entre si, os companheiros assumem direitos e deveres de lealdade, respeito e assistência. Ficam excluídos, pois, os deveres de fidelidade recíproca e vida em comum no domicílio conjugal, exigíveis aos cônjuges.

Inexiste, pois, na união estável a imposição de vida em comum, nada sendo dito sobre o domicílio familiar; não sendo exigida a coabitação para configuração da união estável.

2.2.2.1.Dever de lealdade

Conforme se verifica, existe uma simetria entre os deveres recíprocos dos cônjuges e companheiros. Contudo, ao listar os deveres deste último, o Código Civil não mencionou o dever de fidelidade, substituindo-o pelo de lealdade.

O dever de fidelidade, conforme supracitado, é tradicionalmente definido como o impedimento de relações sexuais com terceiros, voltando-se, historicamente, ao controle da sexualidade feminina. Tal dever, contudo, não mais condiz com a realidade, de forma que o legislador acabou por “atualizá-lo” em relação aos companheiros, sem, contudo, eliminar a sua essência.  

Surge assim o dever de lealdade, significando a exigência de honestidade mútua e respeito entre os companheiros, razão pela qual também implica no dever de fidelidade.

Dentre as principais conseqüências decorrentes de tal dever, destacamos, obviamente, a proibição dos companheiros de se relacionarem sexualmente com outras pessoas e que os vínculos paralelos, constituídos na vigência de uma união estável, ainda que públicos, não poderão ser classificados como companheirismo, sob pena de violação do dever lealdade.

2.2.2.2.Dever de respeito e consideração mútuos

Tal dever foi introduzido no direito brasileiro pela Lei n 9.278/96, que regulamenta a união estável, sendo posteriormente acrescentado também para os cônjuges.

Possui, portanto, o mesmo significado e aplicação tanto em relação aos cônjuges, quanto aos companheiros, impondo tanto o dever de abstenção, quanto de prestações positivas de defesa de valores comuns, visando sempre a dignidade da pessoa humana. Configura, pois, obrigação natural, sendo juridicamente inexigível, além de consistir em causa de dissolução.

2.2.2.3.Dever de mútua assistência

Por fim, assim como em relação aos cônjuges, o dever de assistência é moral (direito pessoal) e material (direito patrimonial). O direito à assistência material, frise-se, exigível de um companheiro a outro, está consagrado no art. 1.694 do Código Civil, projetando-se além da extinção da união estável, sob a forma de alimentos, independentemente de ter o companheiro necessitado ter dado ou não causa à dissolução da relação.[44]

2.2.3.Conversão da união estável em casamento

A Constituição, ao elevar a união estável ao status de entidade familiar, estabeleceu que a lei facilitasse sua conversão em casamento.

Os que defendem a primazia do casamento, enxergam nesse enunciado a demonstração de que a Constituição Federal pôs a união estável em plano inferior ou a considerou como mero rito de passagem.

Acerca de tal assunto, contudo, argumenta Paulo Lôbo que:

[...] não é este o significado que melhor contempla os princípios constitucionais aplicáveis à família, notadamente o da igualdade das entidades e o da liberdade conferidas às pessoas para a constituição de suas famílias e para a realização de suas dignidades.[45]

Facilitar a conversão de uma entidade em outra nada mais é do que especificação do princípio da liberdade de constituição de família, e não rito de passagem. A respectiva norma configura muito mais comando ao legislador infraconstitucional para que este remova os obstáculos e dificuldades para os companheiros que desejam se casar. Se, por sua vez, os companheiros desejarem manter a união estável até o fim de suas vidas podem fazê-lo, sem qualquer impedimento legal. Serão livres, pois, para convertê-la em casamento, da mesma forma que as pessoas casadas podem livremente dissolver seu casamento e constituírem união estável.

A facilitação, frise-se, diz respeito exclusivamente ao ato jurídico do casamento em si, especialmente a celebração. A conversão não produzirá efeitos retroativos, de forma que as relações patrimoniais da união estável permanecerão com seus efeitos próprios, constituídos durante o período de sua existência até a conversão.

2.2.4.Concubinato

Durante muitos anos a união livre foi denominada como concubinato puro. Contudo, ao ser elevada à condição de entidade familiar, ganhou o nome de união estável, restando o concubinato adulterino, como tipo excludente e sem estatuto legal próprio.

A diferença entre a união estável e o concubinato diz respeito à inexistência e existência de impedimentos para casar, respectivamente, salvo a hipótese do não divorciado de fato ou judicialmente.[46]

Assim, conforme conceitua o próprio Código Civil, as relações não eventuais entre homem e mulher, impedidos de casar, constituem concubinato.

Da mesma maneira que antes ocorreu à união estável, controvertem a doutrina e jurisprudência acerca da natureza familiar do concubinato. Após o Código Civil, formou-se ampla maioria no sentido de entender que este não é entidade familiar. Por outro lado, quando a lei civil se refere a concubinato é para vedar-lhe ou extinguir direitos.

Frise-se que, até mesmo os tribunais mais atentos ao direito de família, e sua conseqüente evolução, negam ao concubinato o status de entidade familiar, quando se postula sua equiparação com união estável para a incidência dos mesmos efeitos jurídicos.

É inevitável, contudo, o enfrentamento dos efeitos jurídicos próprios de relação de família, quando envolver filhos comuns dos concubinos. Nesse caso, as relações entre pais e filhos são em tudo iguais às de qualquer entidade familiar, inclusive casamento ou união estável.


CAPÍTULO III – DO DIREITO SUCESSÓRIO

De origem latina, a palavra sucessão significa substituir, vir após, entrar no lugar de outrem. Eis o sentido amplo do termo, o qual designa toda e qualquer espécie de transmissão, seja ela inter vivos ou causa mortis. A primeira – entre vivos – deriva de disposição contratual entre as partes interessadas em um negócio jurídico, tal qual a compra e venda ou doação. A segunda, por sua vez, provém de um fato jurídico, consistente na morte de alguém a deixar bens transmissíveis aos seus sucessores.[47]

Qualifica-se como hereditária a sucessão causa mortis, por significar a transmissão dos bens ao sucessor, o qual será denominado de herdeiro; advindo daí o termo “herança” - para significar o conjunto de bens, direitos e obrigações transmitidas dessa forma - dando-se início ao direito sucessório.

Conforme se verifica, tal direito tem como fundamento básico o direito de propriedade atrelado ao direito de família; legislando a transmissão de bens, direitos e obrigações, em razão da morte de uma pessoa, aos seus herdeiros, os quais, na maioria dos casos, compreendem seus familiares.[48]

É válido ressaltar, contudo, a existência de determinadas regras de participação da herança, uma vez que os sucessores podem ser classificados de três maneiras diferentes: herdeiro legítimo, herdeiro testamentário ou legatário. O primeiro – herdeiro legítimo – é aquele indicado por lei, segundo a ordem de vocação sucessória, com primazia para os parentes mais próximos.[49]

O herdeiro testamentário, por sua vez, é aquele instituído, nomeado ou contemplado em testamento, cabendo-lhe a totalidade dos bens, se for herdeiro único, ou parte ideal, em concurso com os outros, até que seja efetuada a partilha.

Por fim, o legatário caracteriza àquele que recebe, a título singular, coisa certa e determinada, por vontade do testador.

Ressaltamos, entretanto, que no presente trabalho apenas a sucessão legítima será fruto da nossa análise.

3.1.Da sucessão legítima

A sucessão legítima é aquela resultante da lei. Na ausência de testamento, os bens do falecido são transferidos a quem o legislador indica como herdeiro, respeitando uma ordem de vocação, a qual é formada por diferenciados grupos de herdeiros, excludentes entre si, conforme a prioridade de chamamento estabelecida na lei.

A convocação para a percepção da herança é sucessiva, mas também poderá entrelaçar-se nos casos de concorrência entre o cônjuge ou companheiro e certos parentes sucessíveis. 

Como o vínculo afetivo mais forte que existe é entre pais e filhos, a lei, atenta a tal realidade, contempla com a herança primeiro os parentes em linha reta. Assim, em seu artigo 1.829,[50] o Código Civil estabelece que, primeiro, serão convocados os descendentes, os quais encabeçam a lista dos herdeiros necessários, seguidos pelos ascendentes e cônjuge. Frise-se que, por constituírem o rol dos herdeiros necessários, todos fazem jus à legítima. Após o cônjuge, a ordem de vocação se encerra com o chamamento dos colaterais, os quais são contemplados, não como herdeiros necessários, mas apenas legítimos.

Como visto, o rol dos herdeiros sucessíveis do Código Civil não menciona o companheiro, o qual é tratado em capítulo inicial do título precedente (CC, art. 1.790), com direito à herança em determinadas condições, não sendo considerado herdeiro necessário e constituindo o quarto lugar da ordem de vocação; depois, portanto, dos parentes colaterais.

De modo absolutamente injustificável, portanto, a lei empresta tratamento desigual ao casamento e à união estável no âmbito do direito sucessório; e, ainda que assegurando o direito, tanto ao cônjuge, quanto ao companheiro, de concorrer com os descendentes e ascendentes, prevê tal privilégio em dispositivos legais diferentes e com distinção em relação ao cálculo e base de incidência.[51]

3.2.Da sucessão do cônjuge sobrevivente

Inicialmente é válido ressaltar que, no que tange acerca do direito sucessório do cônjuge e companheiro, o Código Civil de 2002 se mostra extremamente complexo e mal formulado, dispondo, em muitos casos de diversas interpretações. Nasce daí uma série de complicadores, sobretudo quando se fala da concorrência do cônjuge sobrevivente com descendentes do de cujus e do direito sucessório do companheiro como um todo. Demonstrando inconformismo com tal situação, Sílvio de Salvo Venosa afirma que:

Em matéria de direito hereditário do cônjuge e também do companheiro, o Código Civil brasileiro de 2002 representa verdadeira tragédia, um desprestígio e um desrespeito para nosso meio jurídico e para a sociedade, tamanhas são as impropriedades que desembocam em perplexidades interpretativas. Melhor seria que fosse, nesse aspecto, totalmente reescrito e que se apagasse o que foi feito, como uma mancha na cultura jurídica nacional. É incrível que pessoas presumivelmente cultas como os legisladores pudessem praticar tamanhas falhas estruturais no texto legal. Mas o mal está feito e a lei está vigente. Que a apliquem de forma mais justa possível nossos tribunais![52]

 Algumas mudanças, contudo, se mostraram positivas, sobretudo em relação ao cônjuge. Sob a égide do Código Civil anterior o cônjuge integrava a ordem de vocação hereditária, ocupando o terceiro lugar, depois dos descendentes e ascendentes, desde que não estivesse separado do de cujus, não sendo, contudo, considerado herdeiro necessário, de forma que poderia ser excluído da sucessão pela via testamentária.

No atual Código Civil, porém, apesar de permanecer em terceiro lugar na ordem de vocação, o cônjuge foi elevado à condição de herdeiro necessário (CC, art. 1.845), sendo-lhe, portanto, assegurado a legítima. Sua posição foi ainda sensivelmente reforçada por ter participação concorrente com os herdeiros de primeira classe – descendentes - dependendo do regime de bens adotado no casamento, e também com os herdeiros de segunda classe – ascendentes - independente do regime de bens.

Acerca de tal mudança, dispõe Euclides de Oliveira:

Esse melhor tratamento dispensado ao cônjuge no atual Código Civil constitui o ápice de uma séria de mudanças observadas em nossa legislação. Basta lembrar que anteriormente ao Código Civil de 1916, o cônjuge sobrevivo era o quarto na ordem sucessória, vindo depois dos colaterais. E como estes sucediam, à época, até o décimo grau, imagine-se a raridade de vir sobrar algum bem da herança ao infortunado cônjuge.[53]

Frise-se, no entanto, que ainda permanece a regra de que o direito sucessório do cônjuge só é reconhecido, nos termos do art. 1.830 do Código Civil, se, ao tempo da morte do outro, as partes não estavam separadas judicialmente, ou separadas de fato há mais de dois anos, salvo, neste caso, se o cônjuge comprovar que a convivência se tornou impossível sem sua culpa.

3.2.1.Concorrência do cônjuge com os descendentes

Ao analisar a concorrência do cônjuge supérstite com os descendentes é necessária a observância de dois aspectos inerentes ao texto legal: a) a condição de concorrência do cônjuge com os descendentes, de acordo com o regime de bens do casamento; b) o cálculo do quinhão do cônjuge, segundo a origem dos descendentes com os quais esteja concorrendo.[54]

Assim, o regime de bens adotado no casamento caracteriza-se como condição para a concorrência do cônjuge sobrevivente com os descendentes (CC, art. 1.829, I); não existindo concorrência se o regime de bens for o da comunhão universal, da separação obrigatória ou se, no regime de comunhão parcial, o autor da herança não deixou bens particulares. Frise-se, contudo, que a regra é a concorrência; sendo a não concorrência a exceção.

Acerca dessa questão, é válido ressaltar que o Código Civil de 1916, seguindo o princípio da imutabilidade do regime de bens, defendia, em seu art. 230, que o este começava a vigorar desde a data do casamento e era irrevogável. No atual Código Civil, contudo, a situação foi contornada, estando mais condizente com a realidade, passando a ser admissível a alteração de regime, desde que mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges (CC, art. 1.639, §2º).[55] Em virtude de tal fato, o que determinará se o cônjuge concorre ou não com os descendentes é o regime de bens que vigorar na época da morte do autor da sucessão.

Conforme supracitado, inexiste o direito de concorrência ao cônjuge casado sob o regime de comunhão universal de bens, uma vez que este já tem direito à meação sobre todo o acervo patrimonial. Em tal situação, até se consegue vislumbrar a intenção do legislador: a meação garante que o viúvo receba metade dos bens do de cujus, de forma que, deferir-lhe mais o direito de concorrência seria excessivo.[56]

Porém, mesmo no regime de comunhão universal podem existir bens que não se comunicam, porque são exclusivos, particulares do outro cônjuge. É o caso, por exemplo, de bens herdados ou doados com cláusula de incomunicabilidade. Assim sendo, caso o de cujus possuísse apenas bens particulares, o cônjuge supérstite nada receberia. Daí o alerta de que retirar do cônjuge sobrevivente o direito de concorrência seria solução de demasiado rigor. Em virtude de tal fato, a doutrina passou a defender o direito de concorrência sobre os bens particulares do falecido, uma vez que a estes não cabe meação. Tal solução, contudo, apesar de parecer justa, ainda não tem respaldo legal.

Da mesma forma, também não haveria concorrência quando se tratasse do regime de separação obrigatória, reforçando a intenção do legislador, ao eliminar as conseqüências patrimoniais do casamento de quem tem mais de setenta anos. No entanto, uma vez que, em tal hipótese, o cônjuge não será meeiro, grande parte dos doutrinadores entende que os bens adquiridos onerosamente no curso da sociedade conjugal devem se comunicar.[57] Corroborando com tal pensamento, o STF já se manifestou, por meio da Súmula 377, admitindo a comunicação dos bens adquiridos durante o casamento.

Em recentes julgados, inclusive, o STJ já se manifestou, aplicando a súmula do STF e alegando que:

É verdade que existem opiniões divergentes sobre o alcance desse dispositivo, no entanto, os iterativos julgados dos nossos Tribunais são no sentido de que os bens adquiridos na constância do casamento, pelo mútuo esforço do casal, se comunicam, pois não existe razão plausível que esses bens pertençam exclusivamente a um deles, desde que representem trabalho e economia de ambos.

(...)

Desse modo, as opiniões de doutrinados, a despeito do seu peso, não podem modificar a orientação norteadora da lei. Nesses casos é o conservadorismo a pedra basilar que se apóia o direito de família, a despeito de estar sendo modificado, e é interessante observar que, mesmo na relação "more uxorio", acompanham os julgados, e agora a Constituição Federal, em seu art. 226, § 3o, preceitua sobre o reconhecimento da união estável entre o homem e a mulher, já regulamentado pela Lei 8.971 de 29 de dezembro de 1994, no que diz respeito ao direito dos companheiros a alimentos, a sucessão, a partilha dos bens, que deve obedecer idêntico tratamento do regime da comunhão parcial, quanto aos "aquestos".[58]

No que diz respeito ao regime de separação convencional, contudo, é que se encontra maior incongruência na lei, uma vez que, entre as exceções ao direito de concorrência, a lei esqueceu de citar tal regime. Em virtude de tal situação, surgiram duas correntes doutrinárias. A primeira defende que, caso fosse permitida a concorrência, o cônjuge sobrevivente acabaria brindado com parte dos bens do falecido, ainda que este não tenha sido o direito do casal. Segundo esta doutrina, quando o casal firmou pacto antenupcial estabelecendo o respectivo regime de bens é porque queria afastar qualquer efeito patrimonial do casamento, de forma que, permitir a concorrência, nesse caso, feriria o princípio de respeito à autonomia da vontade.

A segunda corrente, por sua vez, sustenta a comunicação dos aquestos, mesmo em se tratando de regime livremente estabelecido pelos nubentes, caso fique provado que o supérstite tenha efetivamente colaborado para aquisição de alguns bens.

Segundo Zeno Veloso, um dos integrantes de tal corrente:

Essa tese não viola o princípio da autonomia da vontade, consagrada no pacto antenupcial porque não está sendo sustentada pelas normas atinentes ao regime patrimonial de bens, decorrente do casamento, mas pelos preceitos que informam a sociedade de fato.[59]

A jurisprudência, contudo, ainda não é pacífica, existindo decisões no STJ em ambos os sentidos. (REsp 1.111.095/RJ e REsp 471958)

Outra grande dificuldade interpretativa reside quando tratamos acerca do regime de comunhão parcial de bens. Neste, a concorrência, em princípio, não ocorre, mas se dará se o autor da herança houver deixado bens particulares, uma vez que, dos bens comuns, em virtude do cônjuge já ser meeiro, não há razão para que concorra com os descendentes.

Frise-se aqui que, apesar do péssimo tratamento que nosso Código Civil emprestou à sucessão dos companheiros, quando se trata do regime de bens sob análise, e exclusivamente este, o companheiro pode ter alguma vantagem em relação ao cônjuge. Tal fato se justifica, uma vez que o companheiro sobrevivente participa da sucessão do outro quanto aos bens adquiridos onerosamente na constância da união estável e, se concorrer com os filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; de forma que, além de meeiro, o companheiro sobrevivente também será herdeiro.[60]

Nessa situação, caso o autor da herança, por exemplo, não tenha deixado nenhum bem particular, mas apenas bens adquiridos onerosamente, em se tratando do cônjuge, este nada receberá; enquanto que o companheiro concorrerá com os descendentes sobre todos os bens adquiridos.

Contudo, ressaltamos que o STJ atualmente já aplica ao casamento a mesma lógica que existe na união estável, assegurando ao cônjuge supérstite o direito à meação e à concorrência hereditária sobre os bens comuns, mesmo que haja bens particulares.

Por fim, em relação ao regime de participação final dos aquestos, havendo ou não bens particulares, o cônjuge sobrevivente participa da sucessão com os descendentes, sendo, pois, assegurada-lha a concorrência.

Conforme se verifica, diversos complicadores surgem da transmissão sucessória aos descendentes em concorrência com o cônjuge viúvo, em todo e qualquer regime, trazendo perplexidades mesmo aos especialistas da matéria, principalmente quando se fala nos casos de regime híbridos. Demonstrando inconformismo com tal situação, Maria Berenice Dias afirma que:

Certamente, o primeiro pecado do legislador foi socorrer-se do regime de bens para excluir o direito de concorrência. Ao depois, em confuso dispositivo legal (1.829, I), elege os descendentes como sucessores; consagra o direito concorrente do cônjuge; e traz algumas exceções. Na primeira parte, assegura o direito de concorrência. Em seguida, o afasta quanto aos dois regimes de bens: comunhão universal e separação obrigatória, por meio da expressão “salvo se”.[61]

Admitida, contudo, a concorrência do cônjuge sobrevivente com os descendentes do de cujus, caberá a ele quinhão igual ao dos descendentes que herdam por cabeça. A lei, contudo, faz distinção se essa concorrência é com filhos comuns ou com filhos só do cônjuge falecido; sendo-lhe assegurado, no primeiro caso, no mínimo a quarta parte da herança. Se, porém, o cônjuge supérstite concorrer com descendentes do de cujus, dos quais não seja ascendente, não há reserva da quarta parte, sendo a herança dividida em partes iguais aos que recebem por cabeça.[62]

A conta se mostra fácil quando o número de filhos não é superior a três, uma vez que nesse caso independerá se os filhos são comuns ou não, sendo, em qualquer dessas hipóteses, garantida a parcela do cônjuge. A partir de tal número, contudo, necessário se faz verificar a natureza da filiação para calcular o quinhão de cada qual.

O maior problema, contudo, surge no caso da existência de filiação híbrida, ou seja, composta por descendentes comuns e apenas de cujus. Nesse caso, três teorias tentam resolver o problema, o qual, frise-se, se mostra mais e mais presente em nosso cotidiano. A primeira teoria defende que, em tal situação, deve ser assegurada a garantia mínima em favor do cônjuge. Segundo Venosa - defensor de tal corrente, “o legislador não foi expresso nessa concorrência híbrida, mas parece ser este o espírito da lei”.[63]

A segunda teoria, por sua vez, defende que a herança deverá ser dividia em partes iguais, não sendo assegurada a quarta parte ao cônjuge sobrevivente. A terceira e última teoria utiliza-se de fórmulas matemáticas complexas, na tentativa de se alcançar uma média entre os possíveis quinhões.

A solução, contudo, está longe de ser alcançada, seja na doutrina ou jurisprudência, de forma que apenas o desenrolar do direito poderá resolver tal situação.

3.2.2.Concorrência do cônjuge com os ascendentes

Na falta de descendentes, serão chamados para suceder os ascendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente. Nesse caso, a concorrência independerá do regime de bens do casamento, de forma que o direito do cônjuge supérstite sempre existirá, mesmo no regime de separação obrigatória ou convencional, uma vez que tal regime afeta apenas a meação.

A quota hereditária, no entanto será variável de acordo com o grau de parentesco e o número de ascendentes que liga o cônjuge supérstite ao falecido. Assim, o cônjuge terá direito a um terço da herança, caso concorra com os ascendentes em primeiro grau (sogro e sogra). Caber-lhe-á metade desta, contudo, se houver apenas um genitor do de cujus (pai ou mãe), mesmo que sobrevivam os avós do genitor falecido, ou quando os ascendentes não forem parentes em primeiro grau do de cujus. Ou seja, se o cônjuge, ao falecer, não possui ascendentes em primeiro grau, mas apenas em segundo (avós), o viúvo receberá metade, enquanto a outra será dividida entre os avôs ainda vivos quando da morte do neto.[64]

3.2.3.Totalidade da herança ao cônjuge

Na falta de descendentes e ascendentes o cônjuge sobrevivente receberá a totalidade da herança. Aqui também independerá o regime de bens do casamento, sendo o cônjuge chamado como herdeiro único, e não mais como concorrente.

É válido ressaltar, entretanto, que, conforme supracitado, tal direito sucessório deve ser interpretado em consonância com o art. 1.830 do Código Civil, somente admitindo-se a transmissão da herança ao cônjuge se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente ou de fato há mais de dois anos.

Ademais, lembramos aqui a curiosa e rara possibilidade de subsistência de um casamento nulo, porém putativo, gerando efeitos ao cônjuge de boa-fé, conforme previsão do art. 1.561 do Código Civil. Nesse caso, uma vez apurada a nulidade depois do óbito de um dos cônjuges, ao sobrevivente de boa-fé seria assegurado os direito civis, incluindo-se os sucessórios, até o dia da sentença anulatória, de forma que poderia concorrer na herança com eventuais co-herdeiros, ou, não havendo outros interessados, receber a totalidade da herança.[65]

3.2.4.Direito de usufruto

O usufruto era previsto no Código Civil de 1916 em favor do cônjuge viúvo, desde que o regime de bens do casamento não fosse o de comunhão universal. Neste caso, o cônjuge supérstite era brindado com o direito real de habitação. O respectivo direito, contudo, incidia apenas sobre a quarta parte dos bens do falecido, se houvesse filhos deste ou do casal, e sobre a metade, se não houvesse filho, mas só ascendentes sobrevivos. Era o chamado usufruto legal sucessório. Sua duração era vitalícia, porém limitada ao tempo da viuvez, motivo pelo qual recebeu também o nome de vidual.

Pela instituição legal do usufruto, intentava-se assegurar ao viúvo, por não lhe caber meação, o direito de fruição sobre parte de todos os bens inventariados, alcançando até mesmo a legítima dos herdeiros necessários.[66]

O Código civil atual, contudo, sob o pretexto de ter elevado o cônjuge a categoria de herdeiro necessário e conceder-lhe o direito de concorrência, deixou de conceder tal direito. Frise-se, inclusive, que a posição doutrinária amplamente majoritária concorda com a posição do legislador, sustentando que esse direito foi banido do sistema jurídico em face do advento da concorrência sucessória.

Maria Berenice, contudo, apresenta pensamento diferenciado sobre tal questão; segundo a doutrinadora:

De qualquer modo, não foi revogada a lei que regulou a união estável, que de forma expressa, garante o direito de usufruto ao companheiro sobrevivente (Lei 8.971/1994 2º I e II). Não havendo incompatibilidade desta lei com o Código Civil, nada justifica se ter por excluído o direito de usufruto na união estável. E, em face do princípio da igualdade das entidades familiares consagrado na Constituição Federal (CF 226), como não dá para atribuir tratamento mais gravoso ao cônjuge, é de se manter o direito de usufruto também no casamento. Ao menos quando o cônjuge sobrevivente não concorre com a herança.[67]

3.2.5.Direito de habitação

Em relação ao direito real de habitação, por sua vez, o Código Civil atual garante-o ao cônjuge sobrevivente, seja qual for o regime de bens e independente de sua participação na herança.

O legislador, pois, quer manter o status, as condições de vida do viúvo, garantir-lhe o teto, a morada, de forma que, nem sequer assiste direito aos demais herdeiros e condôminos de cobrar aluguel da viúva ou viúvo pelo exercício do direito de habitação. Tal direito, é válido ressaltar, é ainda personalíssimo e tem destinação única e exclusiva de servir de morada ao titular, o qual não pode alugar nem emprestar o imóvel, devendo ocupá-lo direta e efetivamente.[68]

Frise-se aqui que o Código Civil de 1916, bem mais restritivo, condicionava o direito de habitação ao casamento sob o regime de comunhão universal de bens e limitava seu exercício ao tempo da viuvez do beneficiário.

O Código atual, contudo, conforme supracitado, garante tal direito ao cônjuge sobrevivente independente do regime de bens e passou a não limitar seu gozo apenas ao período da viuvez, de forma o exercício do direito persiste ainda que o viúvo venha a casar novamente ou passe a viver em união estável. Acerca de tal ampliação, contudo, grande parte da doutrina defende que o legislador se excedeu, nas palavras de Zeno Veloso:    

Porém, não há razão para que esse favor legal seja mantido se o cônjuge sobrevivente constituir nova família. O cônjuge já aparece bastante beneficiado no Código Civil. Não é justo que ainda continue exercendo o direito real de habitação sobre o imóvel que residia com o falecido se veio a fundar nova família, mormente se o referido bem era o único daquela natureza existente no espólio. O interesse dos parentes do de cujus deve, também, ser observado.[69]

Outro aspecto a merecer crítica diz respeito à limitação imposta pelo Código Civil, no sentido de restringir o direito real de habitação ao fato de o imóvel residencial ser o único daquela natureza a inventariar. Trata-se de restrição incompreensível, na medida em que, se o casal possuía duas ou mais residências, evidente que deveria caber o direito de habitação, deixando à livre escolha do viúvo a permanência em qualquer delas.[70]

Ressaltamos ainda que o cônjuge sobrevivente pode, a qualquer momento, nos autos do inventário ou por escritura pública, renunciar ao direito real de habitação, sem prejuízo de sua participação na herança.

3.3.Da sucessão do companheiro sobrevivente

Ainda que a sucessão ocorra prioritariamente entre parentes, conforme supracitado, não só eles integram a ordem de vocação hereditária. Também o cônjuge e o companheiro desfrutam da qualidade de herdeiro. No âmbito do direito sucessório, contudo, de modo absolutamente injustificável, a lei empresta tratamento desigual ao casamento e à união estável. Tanto o cônjuge quanto o companheiro tem direito a parte da herança, mesmo que existam herdeiros que os anteceda - eis que concorrem com os descendentes e ascendentes - porém, quase sempre a fração destinada ao cônjuge é maior que a do companheiro.

Dessa forma, pode-se concluir que, apesar do legislador, ter definido o direito sucessório do companheiro à imagem e semelhança do direito sucessório do cônjuge, diversas diferenças, de diversas ordens, existem, sobretudo no que diz respeito ao cálculo e a base de incidência.

Essa diferença, vale ressaltar, é fruto de uma história marcada por uma postura discriminatória em relação às demais entidades familiares não constituídas pelo casamento, motivo pelo qual se faz necessário uma análise do direito sucessório dos companheiros antes do Código Civil atual.

3.3.1.Direito sucessório do companheiro antes do Código Civil de 2002

Até a promulgação da Constituição Federal de 1988, dúvidas não haviam de que o companheiro ou companheira não eram herdeiros. Longo e penoso foi o calvário imposto às uniões extramatrimoniais para alcançarem a proteção jurídica.

Mesmo com o advento da Carta Magna de 1988, que reconheceu a união estável como entidade familiar, a jurisprudência resistiu em conceder o direito sucessório aos companheiros. Continuaram a ser divididos apenas os bens comuns, conferindo ao sobrevivente apenas a meação, de forma que a herança do de cujus acabava sempre nas mãos exclusiva dos parentes. Foi somente com o advento da legislação que regulou a norma constitucional – Leis nº 8.971/94 e 9.278/96 - que a união estável foi admitida como família, com direitos sucessórios similares aos do casamento.

De forma retraída, a Lei nº 8.971/94 inseriu o companheiro na ordem de vocação hereditária, pretendendo atribuir aos companheiros com mais de cinco anos ou com prole direito a alimentos, herança e meação.

Frise-se que, o legislador, desde essa época, poderia ter optado em fazer a união estável equivalente ao casamento em matéria sucessória, mas não o fez. Preferiu, na realidade, estabelecer um sistema sucessório isolado, no qual o companheiro supérstite nem é equiparado ao cônjuge, nem se estabelecem regras claras para sua sucessão. Erro este que perdura até os dias de hoje.[71]

Posteriormente, por força da Lei nº 9.278/96, o legislador poderia ainda ter aclarado a questão, porém, mais ainda confundiu, uma vez que se limitou, laconicamente, a garantir o direito real de habitação ao companheiro.

Porém, apesar das supracitadas leis não terem igualado a posição sucessória do companheiro e cônjuge, nítida se mostrou sua intenção de equiparar a situação de ambos, de forma que, aos poucos, o companheiro sobrevivente passou a dispor de diversos direitos similares aos do cônjuge supérstite.

3.3.2.Direito sucessório do companheiro no Código Civil de 2002

Quando a situação já estava se consolidando, com geral e pacífica aceitação da sociedade e objeções apenas pontuais e secundárias na doutrina, surgiu o novo Código Civil e alterou, de forma perfeitamente inadequada, toda a situação com relação à sucessão dos companheiros.

O menor dos problemas, mas que já demonstra o descaso do legislador em relação a tal matéria, reside no fato de que o Código Civil dedica ao tema o art. 1.790, que está no capítulo denominado “Disposições Gerais”. Por óbvio que a sucessão dos companheiros não deveria estar aí, mas sim no capítulo que regula a ordem de sucessão hereditária. Está-se diante, pois, de uma topografia ilógica.

Ademais, em, pelo menos cinco aspectos, o Código Civil atual trouxe inegável prejuízo ao companheiro: a) não o reconheceu com herdeiro necessário; b) não lhe assegurou quota mínima; c) o inseriu em quarto lugar na ordem de vocação hereditária, depois dos colaterais; d) limitou o direito concorrente aos bens adquiridos onerosamente durante a união; e e) não lhe conferiu direito real de habitação.[72]

A sucessão do companheiro, portanto, se limita e restringe aos bens adquiridos onerosamente na constância da união estável, não compreendendo os bens de que o de cujus já era dono antes do início da convivência, nem os bens adquiridos durante ela, por título gratuito.

É nítida, portanto, a afronta cometida pela lei civil ao princípio da igualdade; apresentando, sem dúvida alguma, grande retrocesso para a união estável, uma vez que colocou o companheiro em posição muito inferior a do cônjuge. Ao que parece, na visão do legislador, retomou-se a mentalidade de que a união estável é uma família inferior ao casamento, e não uma outra espécie de família, nem melhor, nem pior que o casamento, mas apenas diferente.

Zeno Veloso, corroborando com tal pensamento, afirma que:

Se a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado; se a união estável é reconhecida como entidade familiar; se estão praticamente equiparadas as famílias matrimonializadas e as famílias que se criaram informalmente, com a convivência pública, contínua e duradoura entre o homem e a mulher, a discrepância entre a posição sucessória do cônjuge supérstite e a do companheiro sobrevivente, além de contrariar o sentimento e as aspirações sociais, fere e maltrata, na letra e no espírito, os fundamentos constitucionais.[73]

Entretanto, nem todas as mudanças desprivilegiaram o companheiro. A grande novidade trazida pelo Código Civil atual foi garantir, não só ao cônjuge, mas também ao companheiro, o direito à concorrência sucessória, porém de formas diferentes. Em virtude de tal fato, apesar do mesmo não ser incluído no rol dos herdeiros necessários, é importante reconhecer que, ao ser contemplado com fração da herança a título de herdeiro concorrente, ao menos em parte, tornou-se também um herdeiro necessário.[74]

3.3.2.1.Concorrência do companheiro com descendentes

Enquanto que na sucessão do cônjuge a concorrência do viúvo ou viúva com descendentes do de cujus só ocorrerá – observado o regime de bens – quando existirem bens particulares; na sucessão do companheiro, a concorrência com os descendentes, e com relação aos outros parentes do falecido, ocorrerá com relação aos bens comuns adquiridos onerosamente na constância da união estável, independente do regime de bens.

É válido ressaltar, desde o início, que o Código Civil na sucessão do cônjuge fala em descendentes, enquanto que na sucessão do companheiro, fala em filhos. Tal imprecisão, contudo, não altera o direito de concorrência do companheiro supérstite com os demais descendentes (netos, bisnetos...).

Assim como em relação ao casamento, também haverá distinção no direito de concorrência do companheiro sobrevivente com os descendentes, se essa concorrência for com filhos comuns ou só do companheiro falecido. No primeiro caso, o companheiro terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho. Frise-se, porém, que não há, na sucessão do companheiro, regra similar à do art. 1.832 do Código Civil, que assegura ao cônjuge a quota mínima de um quarto da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer.

Ou seja, concorrendo o companheiro com filhos comuns, a sucessão dar-se-á por cabeça, repartindo-se a herança em tantas partes quantos forem os herdeiros, filhos do companheiro e do de cujus.[75]

Quando, porém, concorrer com os descendentes só do autor da herança, o companheiro terá direito a apenas metade do que couber a cada um dos descendentes, enquanto que o cônjuge receberá igual aos descendentes, não lhe sendo assegurada apenas a quarta parte. Ademais, é válido lembrar que a herança do companheiro é representada exclusivamente pelos bens adquiridos onerosamente durante a constância da união estável, de forma que na concorrência com os descendentes do falecido, a quota do companheiro incide apenas sobre o que os descendentes receberam dos bens comuns. Os bens particulares caberão exclusivamente aos descendentes.

Contudo, assim como em relação ao cônjuge, a lei, também é omissa quanto à chamada filiação híbrida. Em sede doutrinária, diversas propostas e soluções já foram apresentadas, havendo, porém, três teorias mais aceitas. A primeira defende que a herança deve ser dividida igualitariamente entre todos, incluindo o companheiro, aplicando-se o inciso I do art. 1.790 do Código Civil.[76] A segunda, por sua vez, entende que os filhos devem ser tratados como se todos fossem exclusivos do autor da herança, aplicando-se, por conseguinte, regra do inciso II do referido dispositivo. E a última teoria propõe uma composição entre as duas disposições legais, de modo a preservar o direito do sobrevivente, sem desrespeitar a norma constitucional que impede a discriminação entre filhos. Assim como em relação ao casamento, contudo, o tema ainda é fruto de debates e a sua solução está longe de ser alcançada.

Conforme se pode concluir, na concorrência sucessória com os descendentes, o Código Civil favorece o cônjuge supérstite, em detrimento do companheiro sobrevivente. A única forma de, percentualmente, a fração a ser recebida por cônjuges e companheiros ser igual é quando todos os herdeiros são filhos do casal, e isso se o número deles não for superior a três. Nesse caso, tanto o cônjuge como o companheiro herdam como se filhos fossem, sendo a herança divida por cabeça entre o sobrevivente e o herdeiro. O tratamento igualitário, contudo, termina aí.[77]

3.3.2.2.Concorrência do companheiro com ascendentes

Ao concorrer com os ascendentes, o companheiro supérstite terá direito a apenas um terço da herança, independente do número de ascendentes. Assim, tendo sobrevivido ambos os genitores do de cujus, caberá um terço da herança para cada e deles e terço para o companheiro; se o falecido deixou somente um genitor, este terá direito a dois terços da herança e o companheiro a um terço. Da mesma forma, se o de cujus deixou ascendentes acima do primeiro grau, a estes caberá dois terços, enquanto que ao companheiro, apenas um terço da herança.

Em total desvantagem, portanto, se mostra o companheiro em relação ao cônjuge, o qual terá direito a um terço da herança, caso existam ascendentes de primeiro grau, e metade desta se houver um só ascendente ou se maior for aquele grau. Lembrando ainda que o companheiro só concorrerá em relação aos bens adquiridos onerosamente na constância da união estável.

3.3.2.3.Concorrência do companheiro com colaterais

No direito sucessório brasileiro já estava consolidado o entendimento de que, na falta de parentes em linha reta do falecido, o companheiro sobrevivente seria o herdeiro, afastando os colaterais e o Estado. O atual Código Civil, contudo, não se sabe o porquê, inseriu o companheiro em último lugar da ordem de vocação hereditária, de forma que, agora, o mesmo concorre até mesmo com os parentes colaterais até o quarto grau (irmãos, sobrinhos, tios...).

Para piorar ainda mais a situação, ressalte-se que o companheiro só terá direito a um terço da herança, independente de quem são e quantos são os herdeiros, os quais sempre ficarão com o dobro dos bens da herança.

Tal situação demonstra o absurdo cometido pelo legislador, retirando direitos e vantagens anteriormente existentes em favor do companheiro. Em relação a tal matéria, portanto, o atual Código Civil, além de dispor de forma retrógrada e preconceituosa, nitidamente prestigia os vínculos biológicos, ainda que remotos, em prejuízo dos laços de amor e afetividade, formadores da família moderna.

Nas palavras de Euclides de Oliveira:

Parece injustificável, com efeito, tamanha discrepância no tratamento dispensado ao companheiro, no concurso minoritário com parentes colaterais. Melhor seria manter o sistema da legislação revogada para, em similitude ao disposto com relação ao cônjuge, reservar ao companheiro a totalidade dos bens da herança como efetivo terceiro na ordem de vocação hereditária.[78]

De forma semelhante, demonstrado também inconformismo com tal situação, Maria Berenice afirma que:

Diante de todas as situações hipoteticamente figuradas, o que mais surpreende é ter a lei tratado de forma desigual situações idênticas, ensejando resultados que se afastam do desejo de quem só quer ter o direito de ser feliz. Ora, se existe o direito de escolher, mister que a vontade manifestada pelo par seja respeitada. Como a Constituição Federal assegura tratamento isonômico ao casamento e à união estável, e a lei confere o direito a eleição do regime de bens, nada absolutamente nada, justifica impor a divisão do patrimônio de forma diversa do que foi eleito pelo casal.[79]

3.3.2.4.Totalidade da herança ao companheiro

Não havendo herdeiros sucessíveis, a totalidade da herança será reconhecida em favor do companheiro sobrevivente. O maior problema, contudo, corresponde ao que, no presente caso, se entende por herança: se o patrimônio inteiro deixado pelo de cujus, ou somente os bens adquiridos onerosamente durante a convivência.

Nesse caso, contudo, pode-se entender por herança todo o patrimônio deixado, uma vez que o art. 1.844 do Código Civil diz que a herança só fica vacante e é devolvida ao Poder Público se não sobreviverem cônjuge ou companheiro.[80] Ademais, quando o companheiro não concorre com parente sucessível, a lei se apressa em mencionar que o companheiro terá direito à totalidade da herança (CC, 1.790, IV), fugindo do comando do caput, ainda que sem muita técnica legislativa.

É imprescindível, pois, que não se faça uma interpretação tão literal do referido dispositivo, analisando-o, sobretudo, em conformidade com os demais artigos do Código Civil e, obviamente, com a própria realidade social.

Sobre esse aspecto, o Ilustríssimo Desembargador Ricardo Raupp Ruschel, do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ao julgar Agrave de Instrumento nº 70020389284, sobre a matéria, decidiu:

Não se pode perder de vista, ademais, que a própria Constituição Federal, ao dispor no § 3º do artigo 226 que, para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento, não confere tratamento iníquo aos cônjuges e companheiros. Tampouco o faziam as Leis que regulamentavam a união estável antes do advento do novo Código Civil (Lei n.º 8.971/94 e Lei n.º 9.278/96). Não é aceitável, assim, que prevaleça a interpretação literal do artigo 1.790 do CC 2002, cuja sucessão do companheiro na totalidade dos bens é relegada à remotíssima hipótese de, na falta de descendentes e ascendentes, inexistirem, também, “parentes sucessíveis”, o que implicaria em verdadeiro retrocesso social frente à evolução doutrinária e jurisprudencial do instituto da união estável havida até então.[81]

Não há como negar, pois, a absoluta imprecisão de linguagem do legislador na disposição sob exame. Bastaria que, a favorecer o companheiro, deslocasse a disposição do inciso IV do art. 1.790 para um parágrafo distinto, fazendo ressalva às condições do caput, para deixar claro que seria efetivamente toda a herança a caber ao companheiro sobrevivente, na falta de parentes sucessíveis.[82]

3.3.2.5.Direito de usufruto

Conforme supracitado, tanto o companheiro, quanto o cônjuge, faziam jus ao usufruto legal sucessório. As leis da união estável – Leis nº 8.971/94 e 9.278/96 – asseguravam ao companheiro sobrevivente, em concurso com descendentes ou ascendentes do autor da herança, o usufruto de um quarto ou metade dos bens do de cujus, respectivamente.

O atual Código Civil, porém, não repetiu a mesma previsão, sob a justificativa de que o direito de concorrência tornou desnecessária a concessão de usufruto. Frise-se, contudo, que tal direito não foi expressamente revogado pelo Código, o qual apenas se limitou a não repeti-lo. Por tal motivo, nada justifica se ter por extinto o direito de usufruto na união estável, o qual, apesar de não ter mais tanta relevância, ainda existe.  

3.3.2.6.Direito real de habitação

O Código Civil de 2002, apesar de garantir o direito real de habitação ao cônjuge, se mostra silente em relação ao companheiro. Trata-se de benefício patrimonial de manifesto cunho social e humanitário, por garantir moradia a quem eventualmente não disponha de recursos para estabelecer-se em outro local, motivo pelo qual se revela inaceitável a omissão do atual Código Civil.

Dita omissão legal, contudo, não afasta o respectivo direito do companheiro supérstite, haja vista que a lei que regulou a união estável – Lei nº 9.278/96 – em seu art. 7º, parágrafo único, assegura expressamente o direito real de habitação ao companheiro sobrevivente; e, uma vez que o Código Civil não revogou expressamente a referida lei, nem existe incompatibilidade de normas, de forma que o dispositivo não foi revogado.

Ademais, ressaltamos que, reconhecidos o casamento e a união estável como entidades familiares merecedoras da especial proteção do Estado, não se justifica tratamento diferenciado em sede infraconstitucional.


CAPÍTULO IV – DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 1.790 DO CÓDIGO CIVIL

4.1.Da superação da dicotomia “público-privado” – constitucionalização do direito privado

Conforme já restou comprovado, diversas foram as transformações decorrentes da Carta Magna de 1988 ao direito de família. Entidades familiares que há muito clamavam pelo devido reconhecimento jurídico foram privilegiadas pelo diploma supracitado, o qual considerou não apenas as mudanças sociais, mas a necessidade de regulá-las.

Diversos foram os princípios e direitos fundamentais que passaram a regular o direito, importando em uma verdadeira reconstrução axiológica do direito civil, em face dos valores constitucionais, culminando no chamado direito civil constitucionalizado. Em virtude de tal fato, afirma Pedro Lenza que:

(...) parece adequado não mais falarmos em ramos do direito (público e privado), e sim em um verdadeiro escalonamento verticalizado e hierárquico de normas, apresentando-se a Constituição como norma de validade de todo o sistema, situação decorrente do princípio da unidade do ordenamento e da supremacia da Constituição.[83]

Com isso, o direito civil, que tinha por norte a regulamentação da vida privada unicamente do ponto de vista patrimonial, passa a orientar a ordem jurídica para a realização de valores da pessoa humana como titular de interesses existenciais, para além dos meramente patrimoniais. O novo direito civil, portanto, passa a ser visto como uma regulação de interesses do homem que convive em sociedade; ocasionando uma verdadeira despatrimonialização do direito civil, como consequência de sua constitucionalização.[84]

Ademais, conforme anota Flávio Tartuce, três são os princípios básicos do direito civil constitucional. O primeiro deles corresponde à proteção da dignidade humana – estampado no art. 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988. Tal princípio, frise-se, constitui o principal fundamento da personalização do direito civil, da valorização da pessoa humana em detrimento do patrimônio.[85]

O segundo princípio, por sua vez, visa a solidariedade social, também especificado na Carta Magna de 1988, em seu art. 3º, inciso I. Por fim, tem-se o princípio da isonomia ou igualdade, traduzido no art. 5º, caput, da atual Constituição Federal.[86]

Fruto dessa nova visão do direito civil, surge a denominada eficácia horizontal dos direitos fundamentais, mecanismo que torna possível o direito civil constitucional. Essa horizontalização dos direitos fundamentais, frise-se, nada mais é do que o reconhecimento da existência e aplicação dos direitos que protegem a pessoa nas relações entre particulares. Ou seja, as normas constitucionais definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.[87]

Essa nova visão do direito, ressalte-se, orientado pelo princípio da dignidade da pessoa humana e tendo como base o princípio da afetividade para a formação de entidades familiares, passou a regular um novo direito de família, mais abrangente e justo; contudo, em relação ao direito sucessório, pouco evoluiu, demonstrando uma postura retrógrada e preconceituosa.

4.2.Da união estável como direito fundamental: inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil

Atendendo às transformações sociais, a Constituição Federal de 1988, de modo exemplificativo, regulou, em seu art. 226, §§1º a 4º,[88] algumas das formas de entidades familiares já existentes em nossa sociedade, mas que permaneciam na obscuridade no âmbito jurídico. A união estável, com isso, passou a ser reconhecida juntamente com o casamento, não fazendo, inclusive, nenhuma diferenciação entre ambas as entidades.

Esse pluralismo das entidades familiares, contudo, ensejou numa interpretação equivocada por parte de alguns doutrinadores, em relação à existência de uma hierarquização axiológica entre as entidades familiares, tendo o casamento uma suposta primazia em relação às demais entidades. Eis a justificativa, por parte desse grupo, para que não seja dedicado tratamento igualitário entre os tipos de entidades, devendo as demais, que não o casamento, receberem tutela jurídica, não apenas diferente, mas também limitada em relação ao matrimônio. 

Acerca de tal pensamento, Paulo Lôbo dispõe que:

O principal argumento da tese I (tese supracitada), da desigualdade, reside no enunciado final do § 3o do art. 226, relativo à união estável: “devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. A interpretação literal e estrita enxerga regra de primazia do casamento, pois seria inútil, se de igualdade se cuidasse. Todavia, o isolamento de expressões contidas em determinada norma constitucional, para extrair o significado, não é a operação hermenêutica mais indicada. Impõe-se a harmonização da regra com o conjunto de princípios e regras em que ela se insere.

E continua:

Com efeito, a norma do § 3º do artigo 226 da Constituição não contém determinação de qualquer espécie. Não impõe requisito para que se considere existente união estável ou que subordine sua validade ou eficácia à conversão em casamento. Configura muito mais comando ao legislador infraconstitucional para que remova os obstáculos e dificuldades para os companheiros que desejem casar-se, se quiserem, a exemplo da dispensa da solenidade de celebração. Em face dos companheiros, apresenta-se como norma de indução. Contudo, para os que desejarem permanecer em união estável, a tutela constitucional é completa, segundo o princípio de igualdade que se conferiu a todas as entidades familiares. Não pode o legislador infraconstitucional estabelecer dificuldades ou requisitos onerosos para ser concebida a união estável, pois facilitar uma situação não significa dificultar outra.[89]

Felizmente, tal pensamento, hoje em dia, já não mais é aceito pela maioria dos doutrinadores e aplicadores do direito. Absurdo, na realidade, seria reconhecer tal pensamento, uma vez que este fere diversos princípios basilares do direito moderno, a saber: princípio da igualdade das entidades, da liberdade de escolha, dignidade da pessoa humana, isonomia, entre outros. Além disso, ressaltamos que o caput do art. 226 estabelece a proteção especial do Estado “à família”, ou seja, a todas as formas de entidades familiares, não sendo feita qualquer distinção entre elas.

É preciso, pois, que se faça uma interpretação do texto constitucional baseada no espaço e tempo, acompanhando as mudanças sociais e condizente com as necessidades sociais modernas.

Admitamos, contudo, ad argumentandum, que o dispositivo em questão, de fato, preconize uma hierarquia entre as formas de família. Nesse caso, estaríamos diante de grave incoerência no texto constitucional, uma vez que o Estado, não apenas reconhece, mas também protege constitucionalmente o direito do indivíduo de fazer escolhas para sua vida privada, sem ingerência externa, baseado no Princípio Constitucional da dignidade da pessoa humana e da liberdade de escolha (inciso III, art. 1º e caput, art. 5º, respectivamente). Tal hierarquização, portanto, implicaria em um conflito de normas constitucionais. Uma vez presente tal conflito, há que se considerar que, pela própria disposição estrutural da Constituição, a qual enumerou em seu título I os princípios fundamentais, devem os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade, se sobrepor a qualquer outra norma constitucional, conforme interpretação literal da Constituição Federal, de forma que a hierarquização das entidades familiares sempre seria relegada a segundo plano.

Ademais, ressalte-se que, conforme supracitado, os direitos fundamentais - tais como dignidade da pessoa humana e liberdade de escolha - possuem eficácia horizontal, devendo sua aplicação se sobrepor a qualquer norma de direito patrimonial.

A verdade, pois, é que a Carta Magna de 1988 resguardou, entre os direitos fundamentais, a forma de vida privada denominada união estável, uma vez que dentre os vários direitos que resultam da dignidade, está o de fazer escolhas na vida privada, sem ingerência externa ou imposição de casamento àqueles que não o desejem.[90]

Ou seja, a base da união estável encontra-se entre os direitos fundamentais, cuja origem consagra-se no princípio da dignidade da pessoa humana, uma vez que é exteriorização formal da livre escolha de condução na vida privada do homem e da mulher. Por tal motivo, não pode a mesma ser objeto de uma hierarquia no confronto com o casamento, sendo considerada entidade familiar como qualquer outra, decorrente de uma exigência natural do ser humano, e caracterizada como uma instituição jurídica que precede a organização estatal.[91]

Corroborando com tal pensamento e, por conseguinte, defendendo a inexistência de hierarquização, Maria Berenice afirma que:

O tratamento diferenciado não é somente perverso, é escancaradamente inconstitucional, afrontando de forma direta os princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana, sem falar na desequiparação preconizada entre as duas células familiares: união estável e casamento (CF, 1º, III; 5º, caput, I e XXX). No mesmo dispositivo em que assegura especial proteção à família, a Constituição reconhece a união estável como entidade familiar, não manifestando preferência por qualquer de suas formas (CF, 226, §3º). [92]

4.3.Das lacunas do Código Civil de 2002

O Código Civil, em seu livro IV, título III, reconhece a união estável como entidade familiar e indica seus elementos constituintes. Além disso, em 14 artigos equipara o casamento à união estável, o cônjuge ao companheiro. Dentre tais artigos destacam-se o 1.595, que trata do parentesco por afinidade; 1.694, referente aos direitos dos companheiros de pedirem, reciprocamente, alimentos de que careçam; 1.797, relativo à administração da herança, dentre outros.

Não se entende, portanto, o tratamento desigual emprestado pelo Código Civil ao cônjuge e companheiro supérstite, se o próprio Código, em diversos dispositivos, equipara ambas as entidades familiares.

Frise-se, inclusive, que diante desse recuo do legislador, reduzindo muitos dos direitos historicamente conquistados pelos companheiros após anos de formulação doutrinária e jurisprudencial, há juristas que consideram que tal tratamento viola, dentre outros, o princípio da proibição ou da vedação do retrocesso. Segundo tal princípio, os direitos sociais e econômicos, uma vez obtido determinado grau de realização, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia constitucional e um direito subjetivo. [93]

Não se pode admitir, portanto, a existência dessa discrepância entre a posição sucessória do cônjuge supérstite e do companheiro sobrevivente, uma vez que na vida cotidiana, e no próprio texto constitucional, a união estável é reconhecida como entidade familiar e está equiparada a família matrimonializada. Essa desigualdade de tratamento, além de contrariar o sentimento e as aspirações sociais, fere e maltrata, na letra e no espírito, os fundamentos constitucionais. 

4.4.Jurisprudência

Enquanto o legislador não iguala os direitos sucessórios do cônjuge e companheiro, fica a cargo do judiciário a interpretação dos casos concretos. Felizmente, cada vez mais o posicionamento do judiciário preconiza a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil, contudo, com diversas variações de entendimento, conforme se infere das decisões abaixo elencadas:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. sucessões. inventário. situação regida pelo código civil em vigor na data da abertura da sucessão. PEDIDO DE RECONHECIMENTO ao DIREITO à totalidade da herança, com a exclusão dos parentes colaterais da sucessão. SUCESSÃO DO COMPANHEIRO, À LUZ DO REGRAMENTO DISPOSTO NO CÓDIGO CIVIL VIGENTE, APLICÁVEL À ESPÉCIE. NÃO INCIDÊNCIA DA REGRA PREVISTA NO artigo 1.790, III, DO CCB, QUE CONFERE TRATAMENTO DIFERENCIADO ao COMPANHEIRO E ao CÔNJUGE. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA EQÜIDADE. pedido de alvará para Venda de automóvel de propriedade do falecido. Possibilidade. 1. Não se pode negar que tanto à família de direito, ou formalmente constituída, como também àquela que se constituiu por simples fato, há que se outorgar a mesma proteção legal, em observância ao princípio da eqüidade, assegurando-se igualdade de tratamento entre cônjuge e companheiro, inclusive no plano sucessório. 2. A própria Constituição Federal não confere tratamento iníquo aos cônjuges e companheiros, tampouco o faziam as Leis que regulamentavam a união estável antes do advento do novo Código Civil, não podendo, assim, prevalecer a interpretação literal do artigo em questão, sob pena de se incorrer na odiosa diferenciação, deixando ao desamparo a família constituída pela união estável, e conferindo proteção legal privilegiada à família constituída de acordo com as formalidades da lei. 3. Reconhecimento da companheira supérstite como herdeira da totalidade dos bens deixados por seu companheiro que se impõe, já que inexistentes herdeiros ascendentes ou descendentes, com a conseqüente exclusão dos parentes colaterais da sucessão. 4. Venda de automóvel de propriedade do falecido que deve ser autorizada. (TJRS, Agravo de instrumento nº 70028139814, Porto Alegre, Sétima Câmara Cível, Rel. Des. Ricardo Raupp Ruschel, julgado em 15/04/2009).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. COMPANHEIRO SOBREVIVENTE. DIREITO À TOTALIDADE DA HERANÇA. PARENTES COLATERAIS. EXCLUSÃO DOS IRMÃOS DA SUCESSÃO. INAPLICABILIDADE DO ART. 1790, INC. III, DO CC/02. INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 480 DO CPC. Não se aplica a regra contida no art. 1790, inc. III, do CC/02, por afronta aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e de igualdade, já que o art. 226, § 3º, da CF, deu tratamento paritário ao instituto da união estável em relação ao casamento. Assim, devem ser excluídos da sucessão os parentes colaterais, tendo o companheiro o direito à totalidade da herança. Incidente de inconstitucionalidade argüido, de ofício, na forma do art. 480 do CPC. Incidente rejeitado, por maioria. Recurso desprovido, por maioria". (TJRS, Agravo de instrumento n. 70017169335, Porto Alegre, Oitava Câmara Cível, Rel. Des. José Ataídes Siqueira Trindade, julgado em 08/03/2007, DJERS 27/11/2009, pág. 38). Concluindo do mesmo modo: TJSP, Agravo de instrumento n. 654.999.4/7, Acórdão n. 4034200, São Paulo, Quarta Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Teixeira Leite, julgado em 27/08/2009, DJESP 23/09/2009 e TJSP, Agravo de instrumento n. 609.024.4/4, Acórdão n. 3618121, São Paulo, Oitava Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Caetano Lagrasta, julgado em 06/05/2009, DJESP 17/06/2009.

Dentre os argumentos expedidos em ambas as decisões, destacam-se que tanto a família de direito, quanto aquela constituída por simples fato, há de se outorgar a mesma proteção legal, em observância ao princípio constitucional da igualdade e dignidade da pessoa humana. Porém, conforme se verifica, os respectivos julgados defendem a inaplicabilidade apenas do inciso III do dispositivo em questão, afastando os parentes colaterais da sucessão; não emitindo opinião acerca dos demais incisos e caput do referido artigo.

Há ainda decisões que sustentam a inconstitucionalidade de todo o art. 1.790 do Código Civil, por trazer menos direitos sucessórios aos companheiros, se confrontando com os direitos sucessórios do cônjuge. Assim temos:

DIREITO SUCESSÓRIO. Bens adquiridos onerosamente durante a união estável Concorrência da companheira com filhos comuns e exclusivo do autor da herança. Omissão legislativa nessa hipótese. Irrelevância. Impossibilidade de se conferir à companheira mais do que teria se casada fosse. Proteção constitucional a amparar ambas as entidades familiares. Inaplicabilidade do art. 1.790 do Código Civil. Reconhecido direito de meação da companheira, afastado o direito de concorrência com os descendentes. Aplicação da regra do art. 1.829, inciso I do Código Civil. Sentença mantida. RECURSO NÃO PROVIDO. (TJSP, Apelação n. 994.08.061243-8, Acórdão n. 4421651, Piracicaba, Sétima Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Élcio Trujillo, julgado em 07/04/2010, DJESP 22/04/2010).

Segundo a respectiva decisão, a união estável é entidade familiar de estatura constitucional, tanto quanto o casamento, não havendo hierarquia entre elas, sendo ambas calcadas no afeto entre seus membros.

Por incrível que pareça, são também encontradas ementas que suspendem o processo até que o órgão Especial do Tribunal reconheça ou não a inconstitucionalidade da norma sob análise:

UNIÃO ESTÁVEL. ARGUIÇAO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 1.790 DO CÓDIGO CIVIL. Interpretação sistemática e teleológica do artigo 226 da Constituição Federal. Equiparação constitucional das entidades familiares matrimoniais e extramatrimoniais, em razão de serem oriundas do mesmo vínculo, qual seja, a afeição, de que decorre a solidariedade e o respeito mútuo entre os familiares. Entidades destinatárias da mesma proteção especial do Estado, de modo que a disparidade de tratamento em matéria sucessória fere a ordem constitucional. Ponderação dos princípios da dignidade da pessoa humana, isonomia e direito fundamental à herança. Proibição do retrocesso social. Remessa dos autos ao Órgão Especial, em atenção ao artigo 97 da Lei Maior. (TJSP, Apelação com revisão n. 587.852.4/4, Acórdão n. 4131706, Jundiaí, Nona Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Piva Rodrigues, julgado em 25/08/2009, DJESP 25/11/2009).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL. ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE ACATADA PELO MAGISTRADO DE 1º GRAU. ARTIGO 1790, INCISO III, DO CÓDIGO CIVIL. RECURSO QUE VISA O RECONHECIMENTO DA CONSTITUCIONALIDADE DA NORMA LEGAL. COMPETÊNCIA PARA JULGÁ-LA DO ÓRGÃO ESPECIAL. ART. 97 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. SUSPENSÃO DO JULGAMENTO DO RECURSO DE AGRAVO. REMESSA DOS AUTOS AO ÓRGÃO ESPECIAL.

1. Nos tribunais em que há órgão especial, a declaração de inconstitucionalidade de Lei ou ato normativo do poder público, tanto a hipótese de controle concentrado como na de incidental, por força da norma contida no art. 97 da Constituição Federal, somente pode ser declarada pelo voto da maioria absoluta dos membros que o compõem.

2. Se os integrantes do órgão fracionário - Câmara Cível - se inclinam em manter a argüição de inconstitucionalidade formulada pelos recorridos em 1º grau, o julgamento do recurso de agravo de instrumento deve ser suspenso, com a remessa dos autos ao órgão especial para que o incidente de inconstitucionalidade seja julgado, ficando a câmara, quando os autos lhe forem restituídos para que o julgamento do recurso tenha prosseguimento, vinculada, quanto à questão constitucional, à decisão do órgão especial". (TJPR. Agravo de instrumento n. 0536589-9, Curitiba, Décima Segunda Câmara Cível, Rel. Des. Costa Barros, DJPR 29/06/2009).

Ademais, de forma totalmente inovadora, encontram-se decisões que defendem a inconstitucionalidade do dispositivo em questão por trazer mais direitos ao companheiro do que ao cônjuge, in verbis:

INVENTÁRIO. PARTILHA. MEAÇÃO DA COMPANHEIRA. DECISÃO QUE APLICA O ARTIGO 1790, II, DO CÓDIGO CIVIL. Determinação de concorrência entre a companheira e os filhos do de cujus quanto aos bens adquiridos na constância da união, afora a meação. Inconformismo. Alegação de ofensa ao artigo 226, § 3º, da CF. Concessão de direitos mais amplos à companheira que a esposa. Acolhimento da arguição de inconstitucionalidade. Questão submetida ao Órgão Especial. Incidência do art. 481, do CPC, e 97, da CF. Aplicação da Súmula Vinculante n.º 10, do STF. Recurso conhecido, sendo determinada a remessa dos autos ao Órgão Especial, nos termos do art. 657, do Regimento Interno desta Corte. (TJSP, Agravo de instrumento n. 598.268.4/4, Acórdão n. 3446085, Barueri, Nona Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Grava Brasil, julgado em 20/01/2009, DJESP 10/03/2009).

Quanto aos tribunais superiores, apesar do STF ainda não ter emitido julgamento enfrentando diretamente o assunto, o STJ já reconheceu a necessidade de equiparação do cônjuge e companheiro no que diz respeito ao direito sucessório, conforme se verifica:

DIREITO CIVIL. SUCESSÕES. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO DO CÔNJUGE SUPÉRSTITE. EVOLUÇÃO LEGISLATIVA. SITUAÇÃO JURÍDICA MAIS VANTAJOSA PARA O COMPANHEIRO QUE PARA O CÔNJUGE.  EQUIPARAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL. 1.- O Código Civil de 1916, com a redação que lhe foi dada pelo Estatuto da Mulher Casada, conferia ao cônjuge sobrevivente  direito real de habitação sobre o imóvel destinado à residência da família, desde que casado sob o regime da comunhão universal de bens. 2.- A Lei nº 9.278/96 conferiu direito equivalente aos companheiros e o Código Civil de 2002 abandonou a postura  restritiva do anterior, estendendo o benefício a todos os cônjuges sobreviventes, independentemente do regime de bens do casamento. 3.- A Constituição Federal (artigo 226, § 3º) ao incumbir o legislador de criar uma moldura normativa isonômica entre a união estável e o casamento, conduz também o intérprete da norma a concluir pela derrogação parcial do § 2º do artigo 1.611 do Código Civil de 1916, de modo a equiparar a situação do cônjuge e do companheiro no que respeita ao direito real de habitação, em antecipação ao que foi finalmente reconhecido pelo Código Civil de 2002. 4.- Recurso Especial improvido. (REsp 821660 / DF. STJ. Relator Ministro Sideni Beneti. j. 14.06.2011).

INCIDENTE DE ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 1.790, INCISOS III E IV DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. UNIÃO ESTÁVEL. SUCESSÃO DO COMPANHEIRO. CONCORRÊNCIA COM PARENTES SUCESSÍVEIS. Preenchidos os requisitos legais e regimentais, cabível o incidente de inconstitucionalidade dos incisos, III e IV, do art. 1790, Código Civil, diante do intenso debate doutrinário e jurisprudencial acerca da matéria tratada. (AI no REsp 1135354 / PB. STJ. Relator Ministro Luis Felipe Salomão. j. 24.05.2011).

Resta evidenciado, pois, um posicionamento cada vez mais presente dos tribunais em reconhecer a inconstitucionalidade, no todo ou em parte do artigo 1.790 do Código Civil; defendendo-se, com isso, uma plena equiparação de direitos sucessórios entre ambas as entidades familiares – casamento e união estável – uma vez que ambas são calcadas no mesmo elemento: o afeto.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme se pôde observar, no capítulo primeiro, diversas foram as transformações sofridas pelo direito civil, em relação à composição das entidades familiares e da função por elas desempenhadas, sobretudo após o advento da Constituição Federal de 1988. Novos valores passaram a reger a sociedade e, por conseguinte, o direito de família, o qual passou a ter como fundamento básico os princípios da igualdade, afetividade, dignidade da pessoa humana, entre outros; deixando para trás, portanto, o modelo familiar patriarcal, baseado única e exclusivamente no matrimonio.

Em virtude de tal fato, diversos outros tipos de entidades familiares, já existentes no cotidiano social, mas “rejeitadas” pelo direito, passaram a ser reconhecidas constitucionalmente, dentre elas, a união estável. Porém, conforme demonstrado no capítulo segundo, apesar desta e do casamento apresentarem diversas semelhanças e, assim como qualquer outra família, terem como princípio básico para sua formação o vínculo afetivo, o Código Civil de 2002, no âmbito sucessório, não igualou os direitos dos cônjuges com os dos companheiros.

Por tal motivo, o capítulo terceiro demonstrou as diferenças existentes no direito sucessório relativo ao matrimonio e à união estável; concluindo-se que, além de tratar do assunto de maneira absolutamente injustificável e retrógrada, o Código Civil, quando se trata da sucessão do companheiro supérstite, se apresenta em desacordo com a Constituição Federal de 1988.

Defendendo, pois, a inconstitucionalidade do art. 1790 do Código Civil – único artigo em todo Código Civil que trata da sucessão do companheiro - no capítulo quarto foi analisado o supracitado artigo, concomitantemente com a Carta Magna de 1988; chegando-se a conclusão de que faz-se necessário ao legislador infraconstitucional a utilização de técnicas de interpretação que busquem amparo na própria realidade social e nos princípios constitucionais, com destaque para os princípios da igualdade, dignidade da pessoa humana e liberdade.

Não pode, pois, o legislador infraconstitucional permanecer inerte aos clamores de uma sociedade composta por diversas formas de famílias. Ao garantir direitos sucessórios mais benéficos ao cônjuge, o legislador simplesmente hierarquizou as entidades familiares, esquecendo que todas são possuem um vínculo em comum: possuem como fundamente a busca pela construção de laços de afeto.

A verdade é que não é mais condizente com a sociedade atual essa diferenciação entre o direito sucessório garantido às famílias formadas por união estável ou casamento, uma vez que já tem sido deferido tratamento igualitário entre ambas, não só em decisões judiciais e estudos doutrinários, mas através de uma interpretação eficaz do artigo 226 da Constituição Federal. Aqueles que defendem essa hierarquia entre as entidades familiares, o fazem baseados em argumentos já ultrapassados, insistindo numa interpretação constitucional não condizente com a realidade.

A sociedade evoluiu e transformou-se; cabe, agora, ao direito, acompanhar tal evolução.


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Notas

[1] GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O companheirismo, uma espécie de família. 2 ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. p. 24.

[2] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 28. 

[3] GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Op. Cit. p. 24.

[4] WALD, Arnoldo. O novo direito de família. 14 ed. ver., atual e ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 2002. p. 21.

[5] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 30.

[6] ALBUQUERQUE, Fabíola Santos. A incidência dos princípios constitucionais no direito de família. Direito das famílias/Organizadora Maria Berenice Dias. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p.19.

[7] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 32

[8] ALBUQUERQUE, Fabíola Santos. A incidência dos princípios constitucionais no direito de família. Direito das famílias/Organizadora Maria Berenice Dias. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p.15.

[9] BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição. 7 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009. p. 157.

[10] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 5º Ed. Coimbra: Almedina. 2002. p. 1.144.

[11] SEREJO, Lourival. Direito Constitucional da Família. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 1999. p.21.

[12] KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes e Outros Escritos. Trad. Leopoldo Holzbach. São Paulo. Marin Claret, 2004. p. 65.

[13] SARLET. Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 5º Ed. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2007. p. 62.

[14] LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias. 2ª Ed. São Paulo, 2009. p. 39.

[15] LÔBO, p. 145-146 e 149 apud ALBUQUERQUE, Fabíola Santos. A incidência dos princípios constitucionais no direito de família. Direito das famílias/Organizadora Maria Berenice Dias. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 21.

[16] LÔBO, Paulo. Op. Cit. p. 44.

[17] Idem. Ibidem. p. 47.

[18] ALBUQUERQUE, Fabíola Santos. A incidência dos princípios constitucionais no direito de família. Direito das famílias/Organizadora Maria Berenice Dias. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 24.

[19] LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias. 2ª Ed. São Paulo, 2009. p. 49.

[20] KROTH, Vanessa Wendt; SILVA, Rosane Leal da; RABUSKE, Michelli Moroni. As famílias e os seus direitos: o art. 226 da Constituição Federal de 1988 com rol enumerativo. Revista Eletrônica do Curso de Direito Da UFSM Julho de 2007. vol. 2. 2007. Disponível em: http://www.ufsm.br/revistadireito/eds/v2n2/a9.pdf. Acesso em 15 (quinze) de outubro de 2011.

[21] Idem. Ibidem.

[22] CAHALI, Francisco José. União estável e alimentos entre companheiros. São Pulo: Saraiva, 1996. p. 28.

[23] Idem. Ibidem.

[24] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 38.

[25] Guilherme Giacomelli Chanan. Das entidades familiares na Constituição Federal. Revista Brasileira de Direito de Família. nº 42. p. 49

[26] Idem. Ibidem.

[27] DIAS, Maria Berenice. Op. Cit. p 139.

[28] LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias. 2ª Ed. São Paulo. Editora: Saraiva, 2009.  p. 76.

[29] Idem. Ibidem. p. 77

[30] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. V. 5. 25ª Ed. São Paulo. Editora: Saraiva, 2010. p. 41.

[31] Idem. Ibidem.

[32] DIAS, Maria Berenice. Op. Cit. p. 140.

[33] DIAS, Maria Berenice. O dever de fidelidade. Disponível em: http://www.mundojuridico.adv.br. Acesso em 22 (vinte e dois) de outubro de 2011.

[34] Idem. Ibidem.

[35]LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias. 2ª Ed. São Paulo. Editora: Saraiva, 2009.  p. 121.

[36] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. V. 5. 25ª Ed. São Paulo. Editora: Saraiva, 2010. p. 134.

[37] LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias. 2ª Ed. São Paulo. Editora: Saraiva, 2009.  p. 123.

[38] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 159.

[39] Idem. Ibidem. p. 159.

[40] GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O companheirismo, uma espécie de família. 2 ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. p.145.

[41] GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Op. Cit. p. 145.

[42] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 160.

[43] LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias. 2ª Ed. São Paulo. Editora: Saraiva, 2009.  p. 152.

[44] LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias. 2ª Ed. São Paulo. Editora: Saraiva, 2009.  p. 158.

[45] Idem. Ibidem. p. 162.

[46] LÔBO, Paulo. Op. Cit. p. 164.

[47] OLIVEIRA. Euclides Benedito de. Direito de Herança: a Nova Ordem da Sucessão. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 51.

[48] DIAS, Maria Berenice. Manual das sucessões. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 31.

[49] Idem. Ibidem. p. 53.

[50] Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III - ao cônjuge sobrevivente;

IV - aos colaterais.

[51] DIAS. Maria Berenice. Op. Cit. p. 154.

[52] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 131.

[53] OLIVEIRA. Euclides Benedito de. Direito de Herança: a Nova Ordem da Sucessão. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 92.

[54] OLIVEIRA. Euclides Benedito de. Op. Cit. p. 101.

[55] VELOSO, Zeno. Direito hereditário do cônjuge e do companheiro. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 42.

[56] DIAS, Maria Berenice. Manual das sucessões. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 164.

[57] VELOSO, Zeno. Op. Cit. p. 53.

[58] BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial nº 138.431/RJ (1997/0045466-5). Direito de família – dúvida suscitada por oficial de registro de imóveis – regime de separação legal de bens – art. 258 e 259 do Código Civil – comunicabilidade dos aquestos, in casu – necessidade de se proceder ao inventário e partilha dos bens do cônjuge falecido – recurso especial não conhecido. Relator: Min. Waldemar Zveiter, 12 de abril de 2001. Disponível em: http://www.stj.jus.br/webstj/processo/Justica/detalhe.asp?numreg=199700454665&pv=000000000000. Acesso em 26 de janeiro de 2012.

[59] VELOSO, Zeno. Direito hereditário do cônjuge e do companheiro. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 59.

[60] Idem. Ibidem. p. 43.

[61] DIAS, Maria Berenice. Manual das sucessões. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 168.

[62] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 133.

[63] VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. Cit. p. 133

[64]  DIAS, Maria Berenice. Op. Cit. p. 180.

[65] OLIVEIRA. Euclides Benedito de. Direito de Herança: a Nova Ordem da Sucessão. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 126.

[66] Idem. Ibidem. p. 135.

[67] DIAS, Maria Berenice. Manual das sucessões. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 67.

[68] VELOSO, Zeno. Direito hereditário do cônjuge e do companheiro. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 90.

[69] VELOSO, Zeno. Op. Cit.. p. 91.

[70] OLIVEIRA. Euclides Benedito de. Direito de Herança: a Nova Ordem da Sucessão. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 137.

[71] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 138.

[72] DIAS, Maria Berenice. Manual das sucessões. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 72.

[73] VELOSO, Zeno. Direito hereditário do cônjuge e do companheiro. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 165.

[74] DIAS, Maria Berenice. Op. Cit. p. 183.

[75] VELOSO, Zeno. Op. Cit. p. 174.

[76] Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:

I - se concorrer com filhos comuns, terá direito à uma quota equivalente a que por lei for atribuída ao filho;

II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;

III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;

IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.

[77] DIAS, Maria Berenice. Manual das sucessões. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 156.

[78] OLIVEIRA. Euclides Benedito de. Direito de Herança: a Nova Ordem da Sucessão. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p.175.

[79] DIAS, Maria Berenice. Op. Cit. p. 161.

[80] VELOSO, Zeno. Direito hereditário do cônjuge e do companheiro. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 183.

[81] BRASIL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Sétima Câmara Cível. Agravo de Instrumento nº 70020389284. Inventário. Sucessão da companheira. Abertura da sucessão ocorrida sob a égide do novo Código Civil. Aplicabilidade da nova lei, nos termos do artigo 1.787. Habilitação em autor de irmão da falecida. Caso concreto, em que merece afastada a sucessão do irmão, não incidindo a regra prevista no 1.790, III, CCB, que confere tratamento diferenciado entre companheiro e cônjuge. Observância do princípio da equidade. Relator: Des. Ricardo Raupp Ruschel. Julgado em 12 de setembro de 2007. Disponível em:  http://www.tjrs.jus.br/busca/?tb=proc. Acesso em 06 de fevereiro de 2012.

[82] OLIVEIRA. Euclides Benedito de. Direito de Herança: a Nova Ordem da Sucessão. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2009.  p. 177.

[83] Lenza, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado.  16 ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 55. 

[84] Idem. Ibidem.

[85] Tartuce, Flávio. Manual de direito civil: volume único. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 54.

[86]  Tartuce, Flávio. Op. Cit.. p. 55.

[87] Idem. Ibidem.

[88] Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 1º - O casamento é civil e gratuita a celebração.

§ 2º - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.

§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. 

§ 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

[89] LÔBO. Paulo. Entidades familiares constitucionalizadas: para além do numerus clausus. Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=128. Acesso em 9 (nove) de fevereiro de 2012.

[90] SALLES, Sergio Luiz Monteiro. União estável como direito fundamental e lacunas em nosso ordenamento. Revista de Direito Privado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 24

[91]  Idem. Ibidem.

[92] DIAS, Maria Berenice. Manual das sucessões. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 161.

[93] VELOSO, Zeno. Direito hereditário do cônjuge e do companheiro. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 182.



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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MENDONÇA, Hugo Vinícius Oliveira. A desigualdade dos direitos sucessórios dos cônjuges e companheiros no novo Código Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4267, 8 mar. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31766. Acesso em: 19 abr. 2024.