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Meditações sobre o neo-feudalismo ultra-patrimonialista

Meditações sobre o neo-feudalismo ultra-patrimonialista

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Apesar de muitos acreditarem que vivem sob um regime capitalista já ingressamos numa nova fase civilizatória.

O erro dos críticos do neoliberalismo é desprezar um fato fundamental. No fundo este pseudo sistema econômico é apenas uma espécie de ultra-patrimonialismo em que o interesse público passa a ser identificado com os interesses privados daqueles que controlam serviços prestados ao público sem concorrência e com preço cartelizado (agua, energia e transporte público), fabricam e fornecem armamentos sofisticados ao Estado e daqueles que são financeiramente capazes de pressionar o câmbio para forçar Estados a torrar suas reservas financeiras a fim de estabilizar sua moeda enquanto os especuladores lucram.

Sob o neoliberalismo interesses se cristalizam e o capitalismo como foi conhecido (um sistema econômico que privilegia a concorrencia, garante o respeito à cidadania mediante impostos e etc) deixa de existir e um neo-feudalismo se torna realidade. Isto explica, por exemplo, a ligação nada casual entre neoliberais e fanáticos cristãos especialmente nos EUA. Os últimos justificam e fomentam as guerras americanas cuja única finalidade é capturar os corações e mentes de uma população cada vez mais desprovida de direitos políticos e sociais para que, em nome do nacionalismo ou da religião, uma parcela dos norte-americanos possa apertar ou esmagar as bolas dos descontentes enquanto os novos Barões lucram cada vez mais em feudos virtuais com territórios difusos que avançam mais e mais para dentro do orçamento estatal.

Durante a Idade Média não havia produção de riqueza capaz de satisfazer as necessidades da maioria dos europeus. O poder derivava do controle da terra, a produção agrícola era local e sofria com as intempéries e as guerras constantes, as estradas eram poucas, os meios de transporte limitados, o comércio e a usura (atividade bancária) eram desestimulados pelos teólogos e clérigos até o século XIII. Naquele contexto a moeda (se é que se pode falar em moeda como a conhecemos) tinha pouca importancia e geralmente era cunhada, como assevera Jacques Le Goff, para permitir aos reis e barões pagar seus soldados e possibilitar aos remediados fazer algumas transações e, principalmente, distribuir esmolas. A caridade era então estimulada e praticada pela Igreja e ajudava a minimizar o sofrimento dos miseráveis.

No neo-feudalismo ultra-patrimonialista a mecanização da agricultura, a informatização bancária e industrial, o desenvolvimento da logística e a existência de diversos meios de transporte que possibilitaram a globalização, o desenvolvimento constante de novos materiais, métodos de produção e matérias primas, permitira a supressão da carência da esmagadora maioria dos seres humanos. E no entanto enquanto uns poucos bilionários e trilhonários se elevam ao espaço por prazer (literalmente), centenas de milhões de seres humanos passam fome na África e dezenas de milhões de europeus e norte-americnaos afundam na pobreza nos países mais ricos do planeta. Nos EUA há mais casas vazias do que gente morando em barracos e nas ruas. Mas lá na terra do Tio Sam o sofrimento intenso não desperta qualquer empatia, os direitos sociais são reduzidos e a caridade é desestimulada (em alguns locais foi criminalizada) porque nas últimas décadas começou a ser mais e mais identificada ao comunismo e ao anti-americanismo pelos ricos e ultra-conservadores.

Os arautos do neo-feudalismo no Brasil, geralmente remediados ou extremamente ricos, atacam diáriamente e de maneira virulenta o Bolsa Família. Desejam sadicamente empurrar para a miséria aqueles que agora tem pouco (e que antes nada tinham). Vivemos, pois, num mundo doente como diz uma bela música. Nos EUA a civilização ocidental não está só doente, está agonizando. Em algum momento a imensa pústula purulenta que vem sendo alimentada de bolha econômica em bolha econômica e que cresce a cada crise cíclica em algum momento futuro vai explodir na cara da elite norte-americana. Pequena perda, diremos.



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