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Domínio e bens: Visão jurídica

Domínio e bens: Visão jurídica

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O texto expõe conceitos básicos de Estado, domínio e bem com a finalidade de entendimento de como é a atuação do poder estatal frente as pessoas e coisas que nele habitam

Domínio 

1. Introdução: 

A noção de Estado é importante para entendermos sua atuação; assim, Estado definimos como uma sociedade organizada política e juridicamente em um determinado território, com a finalidade de exercer e garantir sua autodeterminação. O Estado compõe-se de três elementos: sociedade, representado pelas pessoas que ali vivem; institucional, sua organização política e jurídica; e geográfico, que diz respeito a sua base territorial. 

Salientando que George Jellinek diz que a soberania é um atributo específico do poder do Estado, e que esta soberania proporciona insubmissão de sua ordem jurídica a qualquer outra.  

Também ao Estado são atribuídos poderes que visam assegurar a situação de ordem e de equilíbrio, possibilitando a convivência em sociedade. Assim, o Estado desenvolve atividades jurídicas, pois que vinculadas a um conjunto de normas de obrigatória observância, surgindo daí a ordem jurídica, que abrange todos os princípios, regras e atos que os concretizam. 

Diante disso, o Estado concentra poder e o exerce sobre pessoas e bens em seu território. É chamado domínio do Estado sobre pessoas e coisas. 

2. Conceito: 

A palavra "domínio" pode ter vários significados como: conhecimento, influência, superioridade, o que uma arte ou ciência compreende, uma esfera de ação, uma competência. Mas sob a visão jurídica "domínio" significa muito mais do que esses significados acima, digamos comuns, do dia-a-dia. Juridicamente, domínio é o direito de reger, é poder, é império.  O domínio é atrelado ao Estado. É a mão invisível do Estado sobre todas as coisas e pessoas que nele vivem. 

3. Espécies: 

A soberania como atributo do Poder Estatal, e este sendo o poder/domínio do Estado, desenvolvem-se dois aspectos desse atributo: o poder de império, que é aquele poder estatal que se projeta sobre as pessoas; e o poder de domínio, que é aquele poder estatal que se projeta sobre os bens. 

Existem duas espécies de domínio: o privado e o público, sendo este eminente, é o poder sobre tudo e todos. Analisaremos, primeiramente, o domínio público.  

3.1. Domínio Público: 

3.1.1. O domínio público intrínseco ao atributo da soberania é o domínio público eminente que é aquele que consiste na disposição estatal sobre todos os bens em seu território incluídos aqueles que estejam institucionalmente sujeitos à sua ordem jurídica. O domínio publico eminente abrange três categorias de bens: o domínio privado (propriedade), o domínio público patrimonial e a res nullius (ou bens adéspotas). 

 Cretella Junior diz que: "domínio público é o conjunto de bens móveis e imóveis destinados ao uso direto do Poder Público ou à utilização direta ou indireta pela coletividade, regulamentados pela Administração e submetidos a regime de direito público." 

No que concerne ao regime geral de bens, o domínio eminente fundamentado no domínio do Estado sobre todos os bens é regido pelo Direito Administrativo. 

O domínio patrimonial é uma segunda categoria de bens que diz respeito ao domínio direto e a plena e imediata disposição de inúmeros bens, móveis e imóveis, como se fora de sua propriedade. É também regido pelo Direito Administrativo. 

A exemplo, a Súmula 479 STF: As margens dos rios navegáveis são de domínio público, insuscetíveis de expropriação e, por isso mesmo, excluídas de indenização. 

A terceira categoria de bens são as chamadas res nullius, que são as coisas de ninguém, assim denominadas devido ao Estado não poder ou não querer reconhecer nem instituir qualquer tipo de disposição, seja ela pública ou privada. 

  Nesta categoria encontramos os bens inapropriáveis e os bens condicionalmente apropriáveis. Os bens inapropriáveis são as res nullius de fato ou fisicamente inapropriáveis, como: corrente de ar, a luz solar, etc.; e as res nullius de direito ou juridicamente inapropriáveis, como: o cadáver humano, as águas comuns, o nome, a obra intelectual, etc. 

No que concerne as res nullius condicionalmente apropriáveis estas são bens materiais e imateriais que podem ser objeto de apropriação originária sob regime jurídico especial, podendo ser de Direito Privado (intervenção de tesouro, usucapião, etc) ou de Direito Público (animais selvagens caçados ou pescados, as águas pluviais captadas, energia solar captada por potencial de energia renovável, etc). 

BENS 

CARACTERÍSTICAS 

EXEMPLOS 

RES NULLIUS 

INAPROPRIÁVEIS 

RES NULLIUS DE FATO  

E  

RES NULLIUS  DE DIREITO 

 LUZ SOLAR (FISICAMENTE INAPROPRIÁVEL) 

NOME (JURIDICAMENTE INAPROPRIÁVEL) 

OUTROS BENS 

CONDICIONALMENTE APROPRIÁVEIS 

BENS MATERIAS 

IMATERIAIS 

USUCAPIÃO (D. PRIVADO) E                                                  

ÁGUAS PLUVIAIS CAPTADAS (D. PÚBLICO) 

O domínio eminente manifesta-se de forme diferente sobre cada categoria de bens. Assim, sobre os bens públicos que é o domínio público patrimonial, estabelece-se por um regime público dominial especial, sendo competência de cada entidade política; sobre os bens privados que constituem o domínio privado, recaem regras de do Poder de Polícia, limitando o exercício de direitos inerentes à propriedade privada, alterando a disposição e destinação utilitária desses bens; às res nullius o domínio eminente do Estado é exercido pela imposição de regimes especiais que disciplinam sua apropriação ou sua utilização, como o regime de águas, subsolo, energia, espaço, fauna e flora. 

3.2. Domínio Privado: 

O domínio privado é a propriedade privada. Preceitua o inciso XXII do artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil o direito de propriedade. 

 A propriedade privada é a expressão da liberdade humana de dispor amplamente, dos frutos do seu trabalho, mas com limitação ao seu exercício pela ordem jurídica. A propriedade é fundamento do domínio privado, que é regido pelo Direito Privado. 

Diante do domínio eminente do Estado; este pode intervir na propriedade privada; porém, como o assunto sobre "intervenção na propriedade privada" é tão extenso quanto o conteúdo deste artigo, ele será outrora elaborado.  

Bens 

1. Introdução: 

Os bens encontram-se no Código Civil, Livro II, Título Único (Das Diferentes Classes de Bens), onde podemos encontrar: dos bens considerados em si mesmo (dos bens imóveis; dos bens móveis; dos bens fungíveis e consumíveis; dos bens divisíveis e dos bens singulares e coletivos); dos bens reciprocamente considerados; e dos bens públicos. Esta última classe é que nos interesse ao presente trabalho. 

Os bens públicos estão nos artigos 98 a 103 do Código Civil. Nesses artigos podemos encontrar o conceito de bens públicos, sua classificação em uso comum do povo, uso especial, e dominical, bem como sobre sua indisponibilidade e sua disponibilidade. 

2. Conceito: 

Bens é o plural da palavra bem, que tem origem no termo latim bene. Podemos utilizar a palavra "bem" em três conceitos, sendo jurídico, econômico e filosófico. 

Filosoficamente, bem é o contrário do mal. Aquilo que liga-se ao indivíduo, de forma que suas ações podem ser voltadas para o bem ou para o mal; o que também não deixa de ser uma questão relativa, tendo em vista que nem tudo o que o indivíduo faz, seja bem ou mal, dependendo da interpretação das pessoas, pode ser que a ação praticado pelo bem, para alguns seja mal; e aquelas ações praticadas pelo mal, para outros, sejam bem. É puramente filosófico esse conceito. Relaciona-se ainda, a qualidade moral do indivíduo. 

Economicamente, os bens são recursos que podem ser adquiridos. Podem ser materiais ou imateriais, mas que possuem valor, sendo suscetíveis de serem valorados. É aquele objeto físico ou abstrato que satisfaz uma necessidade humana. 

Juridicamente, os bens são protegidos pelo direito.  

O que nos interesse na visão jurídica são os bens juridicamente protegidos pelo direito. Aqueles bens que se encontram sob a tutela do direito, no caso em tela, seja sob a ótica do Direito Administrativo, seja sob a ótica do Direito Civil. 

3. Bens Públicos: 

Conforme dito anteriormente, no Código Civil encontramos regulados os referidos bens.  

Bens Públicos são os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno, todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem. (art. 98). 

Os bens públicos são classificados, conforme art. 99, em: 

I. de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças; 

II. de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviços ou estabelecimentos da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias; 

III. os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades. 

Os bens de uso comum do povo e os bens de uso especial não podem ser alienados, enquanto conservarem sua qualificação, na forma da lei. (art. 100). Entende-se por conservar sua qualificação a sua destinação ao interesse público, posto que ocorrendo a desafetação, há possibilidade de haver alienação. Já os bens dominicais podem ser alienados. 

No que diz respeito à indisponibilidade dos bens públicos, os mesmos não podem ser usucapidos (art. 102). 

2. Disposição dos Bens Públicos: 

Para cumprir sua destinação política, o Estado necessita dispor dos bens, de maneira semelhante ao particular, que também pode dispor de seus bens. Aos bens que são ou serão confiados ao Estado para seu fim político constitui o domínio público patrimonial em sentido estrito, tendo em vista o sentido amplo de domínio público, que é o poder de império sobre bens e pessoas.  

Os bens públicos desde que vinculados ao atendimento de finalidades públicas serão eles disponíveis; ao passo que, não atendidas as finalidades públicas, os bens públicos serão indisponíveis. Diante disso, entendemos que vigora o princípio da indisponibilidade dos bens públicos, posto que sua disponibilidade é exceção. Temos assim: 

BENS

REGRA

EXCEÇÃO

RESULTA

COROLÁRIOS

PÚBLICOS 

INDISPONÍVEIS OU AFETADOS 

DISPONÍVEIS 

ATO FUNDADO EXPRESSAMENTE EM LEI 

INALIENABILIDADE  

IMPRESCRITIBILIDADE 

IMPENHORABILIDADE 

PRIVADOS 

DISPONÍVEIS 

INDISPONÍVEIS 

ATO FUNDADO EXPRESSAMENTE EM LEI 

       

       --------------------- 

3. Classificação dos Bens Públicos: 

Os bens públicos podem ser classificados: quanto à titularidade; quanto à utilização; quanto à destinação original; quanto à disponibilidade; e quanto à natureza física. 

3.1. quanto à titularidade:  

- bens pertencentes à União, conforme art. 20, incisos I ao XI da Constituição Federal. 

- bens pertencentes aos Estados Membros, conforme art. 26, incisos I ao IV da Constituição Federal.

- com relação aos bens do Distrito Federal, dispõe dos mesmos bens dos Estados, conforme art. 32, §1o da Constituição Federal. 

- os Municípios não foram contemplados na partilha de bens. 

- no que concerne ao Território, seus bens pertencem à União, conforme art. 18, §2o da Constituição Federal. 

3.2. quanto à utilização: 

- bens de uso comum, ou seja, pode ser utilizado por todos, como praças, praias, ruas, etc.

- bens de uso especial, ou seja, possui uso restrito, de apoio a serviços públicos, como viaturas policiais, prédios públicos, praças militares, etc. 

- bens de uso dominial ou dominical, ou seja, são bens que perderam ou que não receberam destinação, como viaturas velhas, carteiras escolares danificadas, etc. 

3.3. quanto à destinação original: 

- bens públicos necessários, ou seja, necessários a uma destinação de interesse público. 

- bens públicos acidentais, ou seja, necessitam de um ato ou fato que os incorpore ao domínio público patrimonial (= patrimônio do Estado). 

3.4. quanto à disponibilidade: 

-  regra geral: bens públicos são indisponíveis ou afetados. 

- bens absolutamente indisponíveis: em regra, os bens de uso comum e os bens de uso especial, eis que vinculados a um interesse público. 

- bens relativamente indisponíveis: bens públicos dominicais podem estar afetados à interesse público, e assim, não estar disponível.  

3.5. quanto à natureza física: 

- domínio público natural, compreende os bens naturais: domínio terrestre, hídrico e aéreo. 

- domínio público artificial, compreende os bens oriundos do trabalho do homem. 

4. Utilização do Bem Público: 

A utilização do bem público é elemento que define sua determinação de indisponibilidade absoluta ou relativa, surgindo daí a afetação e a desafetação.  

Afetação e Desafetação são alterações da natureza jurídica e do regime do domínio. Afetação, bem afetado, significa que aquele bem destina-se a um interesse público. Todo bem afetado é afetado a um interesse público. Desafetação, bem desafetado, significa que houve uma redução ou extinção da utilização do bem no interesse público. 

Diogo de Figueiredo Moreira Neto diz que: "a afetação dá-se, assim, em dois graus: num primeiro grau, alça-se um bem defectado a bem público de uso especial e, subindo um grau, a bem público de uso comum, que é a mais elevada afetação, e, ao reverso, a desafetação, também se dará em dois graus: a bem público de uso especial e, deste, um grau abaixo, a bem dominical." 

Sobre afetação e desafetação, tendo como base o atendimento a finalidade pública, nos remetemos aos julgados do STF:  

AI 790398 / RS, Agravo de Instrumento, Relator(a):  Min. LUIZ FUX, Julgamento: 14/06/2013; 

RE 694311 / SC, Recurso Extraordinário, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES, Julgamento: 20/06/2012 

Bibliografia: 

http://www.dicionariodoaurelio.com/DOMINIO 

http://conceito.de/bens 

http://www.dicio.com.br/bens/ 

Moreira Neto, Diogo de Figueiredo, Curso de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2005. 

Carvalho Filho, José dos Santos, Manuel de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Ed. Atlas, 2013. 


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