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A Relação Jurídica de consumo em consonância com o Princípio da Confiança

Confiança como fator indispensável da Relação Jurídica de consumo

A Relação Jurídica de consumo em consonância com o Princípio da Confiança. Confiança como fator indispensável da Relação Jurídica de consumo

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A relação jurídica de consumo bem sucedida se pauta no princípio da confiança resguardando expectativas legitimadas do contratante.

  1. RELAÇÃO JURÍDICA DE CONSUMO

A conceituação de relação jurídica deve partir das atividades sociais realizadas pelo sujeito de direito, isso porque a vida em sociedade acarreta diversas relações sociais, sendo as mesmas afetivas, recreativas, culturais, religiosas e que, quando comedidas pelo Direito, passam então a tornarem-se Relações Jurídicas. Sendo assim, fica clara uma definição para relação jurídica, sendo todo e qualquer tipo de relação social que for presidido pelo Direito, ocasionando assim efeitos jurídicos. 

Constituindo categoria básica do Direito, a relação jurídica sempre apresenta um elemento material, que irá ser constituído pela relação social, e um outro elemento formal, que será a determinação jurídica do fato, determinada pelas regras do direito.

Já a relação jurídica de consumo pode ser definida como aquela relação firmada entre consumidor e fornecedor, possuindo como objeto a aquisição de um produto ou contratação de um serviço, neste caso “consumidor”, “fornecedor”, “produtos” e “serviços” são conceitos relacionais e dependentes, não se sustentando por si mesmos, ou seja, só existirá consumidor se houver fornecedor e só haverá produto se houver serviço. Dessa forma, entrelaçadas umas as outras, todas necessitam da presença de ambas para desencadear a aplicação do Diploma Consumerista.

Neste aspecto, faz-se necessário então, compreender tais sujeitos pertencentes à relação jurídica de consumo.

Consumidor nada mais é que “Toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. Nesse conceito fica clara a atividade que deve ser exercida pelo consumidor, no entanto, fica a margem de dúvida para saber o que chega a ser o destinatário final. Pensando em tal definição, surgiram três teorias principais dentre as quais se busca conceituar o destinatário final.

Na primeira teoria, denominada Finalista, o consumidor será aquele que retira definitivamente de circulação o produto ou serviço do mercado de trabalho, dessa forma o produto ou serviço será adquirido pelo consumidor para suprir uma necessidade ou satisfação eminentemente pessoal ou privada. Como um desdobramento desta teoria, tem-se a Teoria Finalista temperada, que irá afirmar que o consumidor é somente quem adquire produto ou serviço para uso próprio. No entanto, é possível, dependendo do caso concreto, considerar como destinatário final de um produto, aquele consumidor que o utiliza para fins profissionais ou econômicos, desde que exista a vulnerabilidade do adquirente naquela relação.

Na terceira teoria, chamada Maximalista, para que alguém possa ser considerado consumidor basta que o mesmo utilize ou adquira produto ou serviço na condição de destinatário final, não interessando o uso particular ou profissional do bem. Dentro desta teoria, só não será consumidor quem adquire ou utilizar produto ou serviço que participe diretamente do processo de produção, montagem ou transformação do produto.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem aplicado em suas decisões a corrente finalista temperada, em que ocorre a análise da vulnerabilidade do consumidor para o enquadramento da relação de consumo. Já a jurisprudência apresentou soluções que possuíam sintonia com a corrente maximalista e a corrente finalista.

Tem-se por fim, o outro sujeito da relação jurídica de consumo, sendo o mesmo o Fornecedor, que será, conforme o art. 3º do Código de defesa do consumidor: “Toda pessoa física ou jurídica, nacional ou estrangeira, de direito público ou privado, que atua na cadeia produtiva, exercendo atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”. Sendo assim, fornecedor será qualquer pessoa física, que mediante desempenho de atividade mercantil ou civil, ofereça ao mercado de forma habitual, produtos ou serviços; e na pessoa jurídica haverá a diferença de que deverá exercer tal desempenho em associação mercantil.

1.1  ELEMENTOS E O OBJETO DA RELAÇÃO JURÍDICA DE CONSUMO

Os elementos da relação jurídica de consumo são de duas ordens, a ordem subjetiva e a objetiva. Os elementos subjetivos consistem nos sujeitos da relação de consumo, sendo eles o consumidor e o fornecedor. Já os elementos objetivos são os objetos perante os quais recaem os interesses dos fornecedores em aliená-los e dos consumidores em adquiri-los, sendo eles os produtos e os serviços.

            Observa-se que legislador preferiu definir elementos da relação de consumo, na esperança de contribuir para melhor compreensão da lei e de seu campo de incidência. Mesmo com tal preocupação, a doutrina e a jurisprudência durante um longo tempo não se harmonizaram sobre a questão, mormente no que se refere aos elementos, e também às definições de tais elementos.

            No que toca a tais elementos, Nelson Nery Jr. Identifica um terceiro elemento nuclear para a sua composição, sendo o mesmo o elemento teológico.

            O elemento teológico da relação de consumo nada mais é do que a finalidade com a qual o consumidor adquire produtos ou contrata serviços, ou seja, a de destinatário final. O autor ressalta que se a aquisição for apenas meio para que o adquirente possa exercer outra atividade, não terá adquirido como destinatário final e, consequentemente, não terá havido relação de consumo; a chave para a identificação de uma relação jurídica como sendo de consumo será, portanto o elemento teológico, ou seja, a destinação final ao consumidor, do produto ou serviço.

            O objeto da relação jurídica de consumo será justamente este elemento subjetivo. Sendo assim, o os produtos e serviços serão as prestações as quais tem direito o consumidor e ao qual está obrigado o fornecedor, em razão do vinculo jurídico que os une.

            O Produto poderá ser entendido como “qualquer bem móvel ou imóvel, material ou imaterial” e os serviços “qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”-art. 3º, do CDC.

O objeto de uma relação jurídica é o elemento em razão do qual a relação se constituiu e sobre o qual recai tanto a exigência do credor como a obrigação do devedor, sendo aqui, os produtos e os serviços. Desta forma, uma relação jurídica de consumo será caracterizada pela presença do consumidor padrão, um fornecedor e pela existência de um vínculo jurídico de direito material decorrente da celebração de contrato de fornecimento de produto.

2. PRINCÍPIO DA CONFIANÇA

            Princípio deriva de “início”, “ponto de partida” de algo ou alguma coisa, e o ponto de vista jurídico não foge desse sentido, visto que através dos princípios se inicia a análise do ordenamento jurídico e se aufere para onde ele se norteia. Os princípios então espelham a ideologia da sociedade, seus postulados básicos e seus afins, indicando uma determinada direção a seguir, e, embora venham de longa data, somente na dogmática jurídica moderna conquistaram o status de norma jurídica, superando a crença de que teriam uma dimensão puramente ética, sem eficácia no mundo jurídico.

            Os princípios serão, pois, enunciações normativas de valor genérico, contendo relatos com maior teor de abstração, eles não especificam uma conduta a ser seguida, mas incidem sobre uma pluralidade de situações e realizados da forma mais ampla possível.

            Dentro de tais princípios, encontra-se o princípio da confiança, que mesmo não estando previsto no CDC, o princípio ainda é uma irradiação normativa da boa-fé e está ligado diretamente ao princípio da transparência. A confiança é a credibilidade que o consumidor deposita no produto ou no vínculo contratual como instrumento adequado para alcançar os fins que dele se espera. Se alguém, por exemplo, compra um veículo financiado, esse tem a legítima expectativa de que as bases do negócio não serão alteradas no curso do contrato e, assim, continuará tendo condições de pagar as prestações até o final do financiamento e assim adquirir o veículo, da mesma forma ocorre com quem faz um seguro de saúde e tem a legítima expectativa de que se ficar doente, terá recursos econômicos necessários para tratar a sua saúde. Será violado o princípio da confiança sempre que alguma conduta que frustre as legítimas expectativas do consumidor.

            Um dos principais efeitos do princípio da confiança é que a promessa é dívida, e sendo a confiança sinônima de lealdade e respeito, nas relações de consumo a mesma é imprescindível.

            A confiança é criada  no consumidor em razão de uma prática comercial, como ocorre com a publicidade. Uma consequência de tal princípio é a vinculação da mensagem publicitária, pois é criada uma expectativa legítima no consumidor que se dirige ao estabelecimento comercial do patrocinador do anuncio e depara-se com a recusa no cumprimento da oferta.

Outra decorrência do princípio da confiança relaciona-se com a aplicação da teoria do rompimento da base objetiva do negócio jurídico no caso do advento de fato superveniente gerador de onerosidade excessiva ao consumidor.

A principal posição de Sergio Cavalieri Filho, no que se refere a tal confiança presente nos contratos, afirma “ Viola também dita cláusula o princípio da confiança na medida em que a súbita elevação do dólar frustrou a legítima expectativa do consumidor de que teria condições de continuar pagando as prestações até o final do financiamento e, assim, adquirir definitivamente o seu veículo. A cláusula de reajuste pela variação do dólar viola, ainda, o princípio da boa-fé objetiva porque o financiador, através dela (cláusula), procurou transferir para o consumidor os riscos do seu negócio, riscos esses que não lhe eram desconhecidos, tanto assim que deles procurou se livrar”.

Vendo tal acontecimento dito por Sergio Cavalieri Filho, fica visível a importância de que o princípio da confiança seja predominante do princípio ao final da relação fornecedor-consumidor.

4. RELAÇÃO JURÍDICA DE CONSUMO E O PRINCÍPIO DA CONFIANÇA

            O princípio da confiança vai enfatizar a expectativa dos consumidores, pois alguém não contrata acreditando que será lesado, ou seja, o consumidor contrata um serviço acreditando que o mesmo será bem sucedido, e que o outro polo agirá com lealdade no decorrer da execução do contrato, de modo que não fira a sua confiança.

Dessa forma, vê-se que para que a relação jurídica de consumo seja considerada bem sucedida, a confiança deve prevalecer em primeiro grau, pois sendo um componente essencial para a promoção  da previsibilidade do direito, é bem certeza que os direitos alcançados e prescritos em leis, assim como a confiança, também não podem ser desrespeitados, pois o cidadão confiou na postura e no vínculo criado através das normas prescritas no ordenamento jurídico.

Para que a relação jurídica de consumo seja construída, deve-se então, levar em consideração que os dois polos (consumidor e fornecedor) hajam sempre voltados à confiança pré-estabelecida, pois fatos concretos verificados no decorrer da relação já possuem o condão de efetivar no agente de uma determinada expectativa.

Veja, o princípio da confiança tem a pretensão de salvaguardar, de modo prioritário, essas expectativas legitimadas fruto do contratante, o quanto confiou na postura, nas obrigações e no vínculo criado através da declaração de vontade do parceiro no ato que iniciou tal relação jurídica. Assim, é protegida a boa-fé e a confiança, ambas depositadas pelo consumidor.

Dentro da relação jurídica de consumo, o princípio da confiança será como uma espécie de um princípio geral do direito, pois decorre do próprio fundamento da legislação positiva que, embora não se mostrando expressos, constituem os pressupostos lógicos necessários das normas.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

            Diante de todo este cenário, é necessário concluir que a proteção da confiança no Direito do Consumidor propicia o reequilíbrio nas relações contratuais de contratuais de consumo, e se materializa pelos principios que as norteiam. Dessa forma, ficam protegidas as legítimas expectativas nos negócios jurídicos de consumo, onde é tutelado os interesses sociais e não apenas a manifestação da vontade, pois em tais relações, proteger a confiança é proteger expectativas legítimas, ou seja, o que se espera da contratação, ou ainda, o que o consumidor espera daquilo que está sendo proposto pelo fornecedor.

O princípio da confiança terá então a pretensão de salvaguardar, de modo prioritário, as expectativas legitimadas fruto do outro contratante, que confiou na postura, nas obrigações e no vínculo criado através da declaração de vontade de algum polo. Assim é protegida a confiança, quando é depositada na declaração do outro contratante.

Por fim, o princípio, estabelece uma direção estimativa, exigindo que tanto a lei como o ato administrativo o respeite, respeitando assim os seus limites e o seu conteúdo

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

SERGIO CAVALIERI FILHO. Programa de Direito do Consumidor. 3. Ed. São Paulo. Ed. Atlas s.a, 2011.

ROBERTA DENSA. Direito do Consumidor. 9. Ed. São Paulo. Ed. Atlas s. a, 2014.

ALMEIDA, Fabrício Bolzan de. Direito do Consumidor esquematizado. São Paulo: Saraiva 2013.

FABRICIO BOLZAN. Direito do Consumidor Esquematizado. 3. Ed. São Paulo:  Ed. Saraiva, 2013.



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