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A repercussão geral: requisito de admissibilidade e a restrição indevida da competência do Supremo Tribunal Federal

A repercussão geral: requisito de admissibilidade e a restrição indevida da competência do Supremo Tribunal Federal

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Trata-se sobre a EC 45/04, que inseriu a repercussão geral como requisito necessário para admissibilidade do recurso extraordinário frente ao Supremo Tribunal Federal

SUMÁRIO: Introdução; 1) O papel do Supremo Tribunal Federal e requisitos de admissibilidade dos recursos extraordinários; 2 A relevância e transcendência da repercussão geral; 3 A repercussão geral e a possibilidade de restrição indevida da competência do supremo tribunal federal; Considerações finais. Referências

RESUMO

Trata-se sobre a EC 45/04, que inseriu a repercussão geral como requisito necessário para admissibilidade do recurso extraordinário frente ao Supremo Tribunal Federal. Prevalece o entendimento que tal requisito não impede controvérsias constitucionais ao STF, mas configura-se como um instrumento utilizado pelo Poder Judiciário para filtrar ou mesmo selecionar os processos  que serão apreciados pelo Supremo com intuito de dar  maior celeridade e eficácia à atividade  jurisdicional  por  eles   exercida, eliminando a sobrecarga da Suprema Corte.

PALAVRAS-CHAVES: Repercussão geral. Admissibilidade. Recursos

INTRODUÇÃO

Tendo em vista o aumento de demandas judiciais encaminhada aos tribunais, muito provável, provocada pela ampliação dos direitos fundamentais conforme previsto na Constituição Federal de 1988 para o pleno exercício da cidadania, além de uma série de recursos opostos com fundamentações irrelevantes ou com caráter protelatório, o Poder Judiciário teve que intervir em meio a tanta sobrecarga (REINERT, 2011)

E no âmbito do Supremo Tribunal Federal, o problema do acúmulo de recursos Extraordinários foi, de igual modo, relevante, ensejando a EC 45/2004, que integrou no sistema constitucional a regra do parágrafo terceiro do artigo 102, criando assim um novo requisito de admissibilidade do recurso extraordinário, chamado de repercussão geral, sendo regulado pela Lei n. 11.418/2006, a qual incluiu o artigo 543-A no Código de Processo Civil. 

Desde então, é necessário o requisito da demonstração da repercussão geral das matérias abordadas nos recursos extraordinários, a fim de que estes possam ser admitidos. Assim, apenas merecerão exame por parte do STF as questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa, conforme o parágrafo primeiro do artigo 543-A do Código de Processo Civil.

Diante deste contexto, a repercussão geral restringe indevidamente a competência do Supremo Tribunal Federal (STF), impedindo à Corte o conhecimento e solução de controvérsias constitucionais?

Será discutido sobre os principais pontos acerca do instituto da repercussão geral, baseando-se nas alterações normativas e doutrina; assim como verificar a efetividade da inovação, no que concerne à consecução das tarefas constitucionais atribuídas ao Supremo Tribunal Federal.

Para tanto, no primeiro capítulo será abordado sobre o papel do Supremo tribunal Federal e descrição dos requisitos de admissibilidade dos recursos extraordinários. No segundo capítulo, será tratado sobre a relevância e trancedência da repercussão geral, e como ela poderá ser considerada como um requisito para o recurso ser apreciado no STF. Por fim, no terceiro capítulo, será tratado sobre a repercussão geral e a possibilidade de restrição indevida da competência do Supremo Tribunal Federal.

1 O PAPEL DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE DOS RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS

O Supremo Tribunal Federal (STF) mantém a função precípua de guardião da Constituição Federal (CF), preservando e interpretando as normas constitucionais, devendo considerar inserida a função de uniformizar a jurisprudência nacional quanto à interpretação de tais normas. Assim, “as decisões do STF, ainda que no âmbito do controle difuso de constitucionalidade, despontam como paradigmáticas, devendo ser seguidas pelos demais tribunais federais” (DIDIER, 2012, p.338).

O STF se mostra como uma instituição chave do Estado de direito, garantidora do funcionamento e da consolidação da democracia e como tal, exige-se deste muito mais do que a aplicação do direito constitucional. Exige-se a atuação além do interesse entre as partes, deve-se envolver o interesse público de um modo geral (AZEM apud REINERT, 2011)

            O recurso é o meio pelo qual se provoca o reexame da decisão recorrida. Noutras palavras, em matéria processual, é o procedimento através doqual a parte, ou quem esteja legitimado a intervir na causa, provoca o reexame das decisões judiciais, a fim de que elas sejam invalidadas ou reformadas pelo próprio magistrado que as proferiu, ou por algum órgão de jurisdição superior (MONTENEGRO FILHO, 2008).

Tem como finalidade possibilitar e materializar o princípio processual  que prevê  o  exercício  do Duplo Grau de Jurisdição. No entendimento deBarbosa Moreira (2011), “recurso é   o remédio processual voluntário apto a ensejar  dentro  de  um mesmo processo a reforma, a anulação, a integração ou esclarecimento da decisão que se  impugna.” E no que tange aos recursos extraordinários, tem como finalidade, entre outras, a de assegurar a inteireza do sistema jurídico, que deve ser submisso à Constituição Federal.

Humberto Theodoro Júnior (2007, p. 715), em sua análise a respeito da gênese do recurso extraordinário no direito vernáculo, afirma que “trata-se de uma criação do Direito Constitucional brasileiro, inspirado no Direito norte-americano”. Ademais, o autor assevera que a denominação dada ao presente instrumento recursal foi adotada inicialmente no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, por se tratar de recurso excepcional, admissível apenas em hipóteses restritas, sendo, assim, consagrada pelas diversas Constituições pátrias a partir de 1934.

Com base nisso, segundo o art. 102, III, da CF, art. 102, compete ao STF, por meio do recurso extraordinário, guardar a Constituição, cabendo-lhe julgar as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: contrariar uma norma constitucional; declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição; e julgar válida lei local contestada em face de lei federal.

         As hipóteses de cabimento do recurso extraordinário versam, em síntese, sobre questões de controle de constitucionalidade e por meio de tal recurso, viabiliza-se a verificação do controle difuso de constitucionalidade (MONTENEGRO FILHO, 2011)

Conforme a Lei 11.418, de 19 de dezembro de 2006, objetivou-se regulamentar o pressuposto de admissibilidade previsto no parágrafo 3º do artigo 102 da Constituição da República, acrescentando ao Código de Processo Civil os artigos 543-A e 543-B. Com a aprovação de quatro emendas de redação, sugeridas pelo deputado Odair Cunha, relator do Projeto 6.648/2006 na Câmara, o texto legal, na parte que aqui interessa, a saber:

“Art. 543-A. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo.

§ 1o Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa.

§ 2o O recorrente deverá demonstrar, em preliminar do recurso, para apreciação exclusiva do Supremo Tribunal Federal, a existência da repercussão geral.

§ 3o Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal.

§ 4o Se a Turma decidir pela existência da repercussão geral por, no mínimo, 4 (quatro) votos, ficará dispensada a remessa do recurso ao Plenário.        

§ 5o Negada a existência da repercussão geral, a decisão valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente, salvo revisão da tese, tudo nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

§ 6o O Relator poderá admitir, na análise da repercussão geral, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

§ 7o A Súmula da decisão sobre a repercussão geral constará de ata, que será publicada no Diário Oficial e valerá como acórdão.

Art. 543-B. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, a análise da repercussão geral será processada nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, observado o disposto neste artigo.

§ 1o Caberá ao Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da Corte.

§ 2o Negada a existência de repercussão geral, os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente não admitidos.

§ 3o Julgado o mérito  do recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão apreciados pelos Tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais, que poderão declará-los prejudicados ou retratar-se.

§ 4o Mantida a decisão e admitido o recurso, poderá o Supremo Tribunal Federal, nos termos do Regimento Interno, cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada.

§ 5o O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal disporá sobre as atribuições dos Ministros, das Turmas e de outros órgãos, na análise da repercussão geral.”

Constatando-se da importância da repercussão geral, Milso Nunes Veloso de Andrade afirma que as motivações do legislador infraconstitucional ao exigir a repercussão geral são equivalentes às que fundamentaram a adoção da súmula vinculante, subscritas e defendidas pelo Poder Executivo federal, buscando agilizar a solução das lides, reduzir o volume de processos sob análise do Supremo Tribunal Federal e dar respostas mais rápidas à sociedade e ao cidadão em relação a questões Constitucionais (CARVALHO, 2009, p.4).

Quanto ao conceito de repercussão geral, Didier (2007) esclarece que, por conta do uso de conceitos jurídicos indeterminados para aferição da repercussão geral, seja possível levantar dois parâmetros para definição deste requisito:

 i)  questões constitucionais  que  sirvam  de  fundamento  a  demandas múltiplas,  como  aquelas  relacionadas  a  questões  previdenciárias  ou tributárias,  em  que  diversos  demandantes  fazem  pedidos semelhantes,  baseados  na  mesma  tese  jurídica.  Por conta  disso,  é possível  pressupor  que,  em  causas  coletivas  que  versem  sobre temas  constitucionais,  haverá  a  tal  “repercussão  geral”  que  se  exige para  o  cabimento  do  recurso  extraordinário.  ii)  questões  que,  em razão  da  sua  magnitude  constitucional,  devem  ser  examinadas  pelo STF  em  controle  difuso  de  constitucionalidade,  como  aquelas  que dizem  respeito  à  correta  interpretação/aplicação  dos  direitos fundamentais,  que  traduzem  um  conjunto  de  valores  básicos  que servem de esteio a toda ordem jurídica dimensão objetiva dos direitos fundamentais (DIDIER, 2007, p. 270).

Neste mesmo sentido, Barbosa Moreira, andou bem o legislador não enumerando as hipóteses que possam ter tal expressiva dimensão, porque o referido preceito constitucional estabeleceu um “conceito jurídico indeterminado”, como tantos outros previstos em nosso ordenamento jurídico, que atribui ao julgador a incumbência de aplicá-lo diante dos aspectos particulares do caso analisado.

Além dos requisitos gerais, intrínsecos e  extrínsecos,  de admissibilidade  a  todos  os  recursos,  tais  como  cabimento,  legitimação  para recorrer, interesse em recorrer, tempestividade, preparo, regularidade formal e inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer, a parte deverá demonstrar  os  pressupostos  específicos  para  o  Recurso  Constitucional Extraordinário.  Sendo assim, imperiosa é a atenção do  interessado  para  as hipóteses  de  cabimento  previstas  na  Magna  Carta,  com  objetivo  de  atender, não  somente  aos  preceitos  da  teoria  geral  dos  recursos,  como  também,  e principalmente, às condições prévias estabelecidas pela Constituição (MARINONI, 2008). 

2 RELEVÂNCIA E TRANSCENDÊNCIA DA REPERCUSSÃO GERAL

            Para que o STF venha conhecer do recurso extraordinário mediante a caracterizaçãoda existência de repercussão geral, a questão debatida deve ser relevante do pondo de vista econômico, político, social ou jurídico, além de transcender para além do interesse subjetivo das partes na causa. Tem de contribuir para persecução da unidade do direito no Estado Constitucional Brasileiro, “compatibilizando e/ou desenvolvendo soluções de problemas de ordem constitucional”. Presente esses elementos, caracterizada está a repercussão geral da controvérsia (MARINONI; MITIDIERO, 2008, p. 34).

           

Nesta esteira, Medina (et al, apud DIDIER, 2012) afirma que

no universo da ciência do Direito Processual Civil, há critérios para a avaliação desta repercussão geral em seus enumerados “pontos de vista”: I –Do ponto de vista jurídico, visa à proteção dos institutos jurídicos básicos com intuitode  a  decisão  não  gerar  perigoso  e  relevante  precedente;  II  –  Do  ponto de vista político, tem por objetivo a paz e harmonia entre os entes soberanos, assim,  haverá  esta  repercussão  quando  de  uma  causa pudesse  emergir decisão  capaz  de  influenciar  relações  com  Estados  estrangeiros  ou Organismos  Internacionais;  III –  Já  do  ponto  de  vista  social, far-se-á  presente nas  ações  cujo  objeto  relaciona,  por  exemplo,  com  o  direito  à  escola,  à moradia... IV – Do ponto de vista econômico, ocorrerá, verbi gratia, quando se discutir o sistema financeiro da habitação ou privatização de serviços públicos (MEDINA et al; apud DIRIER, 2012) – grifo nosso.

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            Quanto à transcendência da controvérsia levada ao conhecimento do STF pode ser caracterizada tanto em uma perspectiva qualitativa como quantitativa. Na primeira, sobreleva para individualização da transcendência o importe da questão debatida para a “sistematização e desenvolvimento do direito”; na segunda, “o número de pessoas susceptíveis de alcance, atual ou futuro, pela decisão daquela questão pelo Supremo e, bem assim, a natureza do direito posto em causa”, notadamente, coletivo ou difuso (MARINONI, 2008, p. 37-38).

            Conforme o artigo 542-A, §2o, duas exigências, basicamente, encontram-se encerradas: a imposição topológica da repercussão geral na peça em que se consubstancia o recurso extraordinário e  o ônus de arguição da repercussão geral da questão debatida.

            Deste modo, tem o recorrente o ônus de demonstrar a existência da repercussão geral da questão debatida em sede de recurso extraordinário, caso contrário, o STF não conhecerá do recurso. Contudo, por se tratar de controle de constitucionalidade no direito brasileiro, pode o STF admitir o recurso extraordinário entendendo relevante e transcendente a questão debatida por fundamentação constitucional diverso daquele alvitrado pelo recorrente (MARINONI, 2008).

            Ou seja, a parte recorrente deverá deduzir a relevância do fundamento da impugnação, que, a teor do examinado § 1º do art. 543-A, terá de ostentar significativa repercussão econômica, política, social ou jurídica. E conforme o § 2º do art. 543-A deixa-se claro que o tribunal a quo não poderá negar trânsito ao recurso extraordinário sob o fundamento de inexistência de repercussão geral.

Em relação à competência para pronunciamento do assunto sobre repercussão geral, é exclusiva do STF.Assim, o exame e julgamento do requisito da repercussão geral implica, sempre, ato colegiado, da turma ou do plenário do Supremo Tribunal Federal. A recusa do recurso extraordinário se dá por ausência de repercussão geral pela manifestação de dois terços de seus membros (art.102, §3o, da CF).

            O julgamento dessa repercussão geral deve respeitar a publicidade e motivação (art. 93, IX, da CF). Há a necessidade de fiscalização pelos participantes do processo e, em certos casos, também pelo povo em geral do conteúdo do que se faz em juízo. Trata-se de elemento essencial à ideia de administração de democracia da Justiça. Devendo ser ainda, motivadas, sob pena de nulidade. São, portanto, “elementos essências e inarredável de uma administração democrática da Justiça”. (MARINONI, 2008, p. 49-50).

            Cabe observar, que o legislador deixou ao critério do Supremo Tribunal Federal a análise da repercussão geral de forma totalmente discricionária, não trazendo, sequer, casos exemplificativos da existência ou não desse novo instituto (NERY, NERY JÚNIOR, 2010).

Segundo o caput do art. 543-A, é irrecorrível o acórdão do plenário que não conhecer do recurso extraordinário pela inexistência de repercussão geral da questão constitucional submetida à sua apreciação.

Pronunciando-se o STF sobre a existência ou não de repercussão geral de determinada questão levada ao seu conhecimento, a súmula do julgamento constará de ata e será publicada no Diário Oficial, servindo essa publicação como acórdão. A publicidade do julgado funciona como condição de eficácia da decisão (MARINONI, 2008, p. 52).

           

4 A REPERCUSSÃO GERAL E A POSSIBILIDADE DE RESTRIÇÃO INDEVIDA DA COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

A repercussão geral não se destina, por si só, reformar a decisão recorrida. “Ela não existe de forma autônoma e visa a admissão do recurso extraordinário, a fim de que seus fundamentos sejam considerados”. Como já destacado, o mérito do recurso não será analisado se não houver a repercussão, merecendo ser entendida como um filtro constitucional, baseado no art. 543-Ado CPC, bem como do art. 102, ­§ 3º da CF (REINERT, 2011)

Muito se disse e se discutiu sobre o conteúdo normativo da expressão "repercussão geral" do recurso extraordinário. Há posicionamentos que alegam a inconveniência da utilização de conceitos jurídicos indeterminados. Por outro lado, houve quem tenha classificado a técnica como louvável e consentânea com o crescimento das relações sociais e sua maior complexidade, posto que ao legislador não é dado antever os tipos de relações onde possam ocorrer conflitos de repercussão geral (GUIMARÃES, 2011).

Uma corrente minoritária tem se posicionado de forma contráriaquanto à repercussão geral em face dos princípios jurídicos. Dentre os tais, o Instituto Brasileiro de Defesa dos Lojistas de Shopping (Idelos) ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4371) no Supremo Tribunal Federal contra o instituto da repercussão geralaplicável ao recurso extraordinário.

A fundamentação, inicialmente, consiste que os princípios, que são direitos individuais, não podem ser modificados nem através de emenda constitucional, conforme insculpido no inciso IV do § 4º do art. 60 da carta magna.

Alegou-se que o Recurso Extraordinário é uma via de acesso excepcional, que visa não apenas tutelar direito subjetivo das partes, mas também garantir a efetividade da Constituição.

Argumenta-se que a repercussão geral é um óbice indevido ao exercício pleno das atribuições institucionais do STF, pois retira de sua competência a análise de controvérsias constitucionais, deixando-as sem resolução, o que causa instabilidade e insegurança.

Segundo o autor da ADIn, apesar de ser expressivo o número de recursos extraordinários que chegam ao STF ocasionando em prejuízo em suas atividades, as partes não podem ser prejudicadas pelo “fechamento da via de acesso à instância extraordinária”; e que não se pode impedir a jurisdição constitucional, uma vez que a ordem jurídica, especialmente a Constituição, “não se coaduna com normas inferiores que não estejam em conformidade com ela”.

Saliente-se que um dos direito fundamentais insculpidos na constituição federal é o do livre acesso à justiça, de modo que não pode ser analisado sob a óptica do simples acesso aos órgãos judiciais existentes. Não se trata apenas de possibilitar o acesso à Justiça enquanto instituição estatal, e sim de viabilizar o acesso à ordem jurídica justa.

Desta forma, os que se adequam a essa corrente concluem que a repercussão geral, criou um impedimento ao cidadão, pois, terminou por atalharque o acesso ao supremo órgão judicial brasileiro seja livremente utilizado por todos aqueles interessados, que tenham preenchidos os requisitos para a interposição do recurso extraordinário, como por exemplo, uma decisão em afronta a constituição federal, capaz de provocar uma tremenda injustiça e violação dacláusula pétrea prevista no inciso IV do § 4º do art. 60 da Constituição Federal, ao abordar sobre a não abolição dos direitos e garantias constitucionais.(GUIMARÃES, 2011; ALVIN, 2010).

Noutra vertente, a repercussão geral, além de trazer a tona o real papel do STF, “conspira para realização do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, que é necessariamente prestada em prazo razoável,” estimulando a compatibilização das decisões judiciais e buscando a racionalização da atividade judiciária (MARINONI, MITIDIERO, 2008).

O STF utiliza-se desse requisito como forma de delimitar sua  competência e uniformizar sua interpretação constitucional sem exigir que se  decida múltiplos casos idênticos sobre a mesma questão constitucional.

Nesse contexto, surge a instituição da repercussão geral, a qual serve como requisito de admissibilidade, amparada nos direitos fundamentais à tutela jurisdicional efetiva e a um processo com duração razoável. Daí, para cumprir sua função institucional o STF deve voltar-se unicamente às questões de maior relevo, ou seja, às grandes questões constitucionais. Assim, a repercussão nasce como um refil, de forma a resgatar o real papel da nossa Suprema Corte (ALVIN, 2010).

A repercussão geral é um requisito de admissibilidade dos recursos extraordinários que possui como objetivo  reduzir o número de processos  que chegam ao Supremo  Tribunal Federal. Conforme o Ministro Gilmar Mendes, autor da  lei 11.418/06, que  institui  a Repercussão Geral, considerou necessário para tentar resolucionar o excesso de recursos que chegam ao STF.

O ministro afirma que o STF já chegou a receber mais de 160 mil recursos em 2002, sendo a grande maioria deles extraordinários. A média gira em torno de 80 a 100 mil. Cada ministro recebiacerca de 10 mil processos por ano, ou seja, um mil por mês. Verifica-se, portanto, que há uma sobrecarga de processos por ministro.

Para Guimarães (2011), as restrições ao conhecimento do recurso extraordinário e especial são constitucionais, visto que facultar livremente a impugnação de decisões judiciais, por meio de recursos, ocasiona insegurança social e jurídica, bem como eterniza os conflitos sociais. Além disso, o recurso extraordinário e especial são recursos excepcionais, vez que o STF e o STJ funcionarão como terceira ou quarta instância. Por consequência, impõem-se requisitos de admissibilidade mais rigorosos, tais como a repercussão geral e o prequestionamento (GUIMARÃES, 2011)

Daí, esse novo requisito foi fundamental para a chamada “filtragem recursal” que tornou possível, desde então, a diminuição dos processos que chegavam ao STF, permitindo, que este fique preso a matérias de cunho constitucional, impedindo que processos com pouca relevância cheguem ao Supremo. (GUIMARÃES, 2011).

Ainda conforme o autor supracitado, a repercussão geral configura-se, portanto, como um instrumento processual que foi inserido com o intuito primordial de dar celeridade ao processo, visto que, o objetivo do mesmo é selecionar quais os recursos extraordinários que o STF irá analisar, e isso afetou diretamente o Recurso Extraordinário dirigido à Corte Suprema ao inserir esse dispositivo à carta magna, expondo a necessidade de demonstração da repercussão geral.

Para Barbosa Moreira (2011), o acúmulo de trabalhos nas Cortes Supremas se configura como um importante fator de retardamento do desfecho de pleitos. A considerável variedade dos temas suscitados pode desviar a atenção dos juízes para assuntos menores, com prejuízo da respectiva concentração nas questões mais relevantes.

Assim, quanto a essa espécie de filtragem, o autor acima entende que é preferível confiar, no todo ou em parte, ao próprio STF a “incumbência de estabelecer o critério segundo o qual se hão de selecionar os recursos considerados merecedores de conhecimento e julgamento”. Contudo, salienta-se quanto a uma dificuldade, quando a Constituição prevê as hipóteses de cabimento do recurso e não se admitem restrições à lista  (MOREIRA, 2011, p. 613).

De qualquer forma, apesar das críticas ao recurso extraordinário, o fato é que ele pertence ao nosso ordenamento jurídico e cabe ao legislador buscar formas de dar agilidade ao seu julgamento. A repercussão geral nasceu justamente dessa vontade de conferir celeridade as decisões e conferir mais tempo aos ministros para julgarem as ações provenientes do controle concentrado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com a finalidade de garantir a todos um processo com duração razoável e reforçar a atividade judiciária, teve-se no texto Constitucional o § 3° no art. 102 mais um requisito de admissibilidade para os processos que chegam ao STF via recurso extraordinário. Esse requisito da repercussão geral que é intrínseco à admissibilidade recursal é configurando-se como um conceito indeterminado que requer valorações objetivas para o seu preenchimento nos termos da relevância e da transcendência.

A repercussão deve ser arguida e demonstrada pela parte recorrente, cabendo ao STF a análise da existência ou não do instituto, decidindo de maneira motivada e pública, sendo que, para existir a repercussão geral, há a necessidade do enfrentamento das situações extremas do ponto de vista coletivo, bem como a existência de repercussão sob o ponto de vista social, político, econômico ou jurídico.

Consideramos que o requisito a repercussão geral não representa uma restrição indevida da competência do Supremo Tribunal Federal. Mas sim, direciona o sistema jurídico à uma justiça mais célere e econômica. Entendemos que desta forma, o STF estará cumprindo o seu verdadeiro papel, preservando a constituição e uniformizando a jurisprudência brasileira, visando com nítida clareza a supremacia da Carta Maior, se debruçando somente naqueles casos com maior relevância.

REFERÊNCIAS

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DIDIER JÚNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da.Curso de Direito Processual Civil. v. 3, 10. ed. São Paulo: Juspodivm, 2012. Disponível em http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10677. Acesso em 01 de nov. de 2014.

GUIMARÃES, Pedro Borba Vaz. A (in)constitucionalidade da repercussão geral: há ofensa aos princípios da ampla defesa, duplo grau de jurisdição e/ou recorribilidade? 2011. Disponível em: file://localhost/D:/Documents/Documents/UNDB/Período%20VI/Recursos/Paper/A%20(IN)CONSTITUCIONALIDADE%20DA%20REPERCUSSÃO%20GERAL_.mht. Acesso em 01 de nov. de 2014.

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MARINONI, Luis Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil:processo de conhecimento. 9ª ed. Volume 2. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Repercussão geral no recurso extraordinário. 2. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil: teoria geral dos recursos, recursos em espécie e processo de execução. 2. vol. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2008.

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. 5. Rio de Janeiro: Forense, 2011.

NERY, Rosa Maria de Andrade; NERY JUNIOR, Nelson. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 11. ed. rev. amp. e atual., São Paulo: RT, 2010.

REINERT, Larissa Friedrich. A repercussão geral como requisito de admissibilidade do recurso extraordinário. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 94, nov 2011. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10677>. Acesso 1 de nov. 2014.


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