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O modelo de repartição de competências adotado pela CRFB/1988

O modelo de repartição de competências adotado pela CRFB/1988

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O artigo busca explanar o sistema brasileiro de distribuição de competências entre os entes federados, baseado nos princípios que influenciaram os legisladores, e apontar interferências nas esferas federal, estadual e municipal.

RESUMO

O artigo busca explanar o sistema brasileiro de distribuição de competências entre os entes federados, baseado nos princípios que influenciaram os legisladores, e apontar interferências nas esferas federal, estadual e municipal. Para tal, foi necessário um corte metodológico, possibilitando assim a delimitação do estudo do objeto. A pesquisa tem abordagem qualitativa, onde se utiliza procedimento técnico bibliográfico e exploratório.

Palavras-chave: Federalismo, Repartição de Competências, Constituição de 1988, Esferas de Poderes, Princípios Norteadores.

ABSTRACT

The article seeks to explain the Brazilian system of distribution of powers between the federal entities, based on the principles that influenced legislators, and point interference to federal, state and municipal levels. For such a methodological approach was needed, allowing the definition of the object of study. The research has a qualitative approach, which uses literature and exploratory technical procedure.

Keywords: Federalism, Skills Section, Constitution of 1988, Ball Powers, Guiding Principles.

1. INTRODUÇÃO

O Brasil tem como forma de Estado o federalismo, que consiste a distribuição interna em entes autônomos, mas não independentes, sendo regidos pela constituição pátria. Entre a União, os Estados e Municípios existem separação de competências, tanto administrativas quanto legislativas.

Quanto ao legibus moderati, os constituintes criaram técnicas para separar as funções de cada ente federado, havendo, não rara às vezes, confusão acerca dos assuntos que cabem a cada membro da República Federativa do Brasil. Isto faz com que inúmeras ações cheguem, ao guardião da constituição visando à declaração de inconstitucionalidade de determinadas leis.

2. O FEDERALISMO E SEUS PRINCÍPIOS NORTEADORES

Os entes federados têm, como princípios básicos, o princípio da autonomia e o princípio do equilíbrio entre as pessoas políticas de Direito Público Interno. O art.18 da Constituição Federal prega que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição”. Esse princípio é resultado da forma de Estado adotada no Brasil, o chamado Federalismo, princípio esse que promove a descentralização política por meio da repartição de competências previstas na Constituição. Deste modo temos um poder central (União) dotado de poderes, os entes federativos típicos (Estados-membros) de igual modo com suas atribuições e os entes federativos atípicos (Municípios e Distrito Federal) com outras competências.

O Pacto federativo pode ser definido como a união dos entes federados dotados de autonomia e submetidos ao poder central e soberano. Assim, há uma clara cooperação entre os entes formadores do Estado, visto que a união promove, dentro da autonomia de cada ente federativo, o desenvolvimento através da descentralização.

Existem, ainda, alguns outros princípios que servem de norte para tal modelo, como: o princípio da indissolubilidade do pacto federativo e o princípio da simetria.

3. AUTONOMIA ENTRE OS ENTES FEDERATIVOS

A Constituição de 88 trás liberdade para criação normativa, porém, desde que se enquadrem nas matérias elencadas do próprio texto constitucional e é claro, não vão contra a própria Carta Magna, respeitando a hierarquia legal. A autonomia entre tais entes é baseada na não invasão entre as competências, evitando assim que interesses locais possam ser justificativos para legislar assuntos de interesse geral.

Em síntese cada ente possui suas competências, não podendo um invadir a alçada do outro, para que não haja assim a inconstitucionalidade dos atos de cada um destes entes, lembrando que todos devem se submeter ao que reza a Constituição, que resguarda a separação de competências. Mostrando dessa maneira um claro respeito ao princípio supracitado do equilíbrio entre as pessoas políticas de Direito Público Interno.

Competências federativas são parcelas atribuídas, pela soberania do Estado Federal, aos entes políticos, permitindo-lhes tomar decisões, no exercício regular de suas atividades, dentro do círculo pré-traçado pela Constituição da República. O exercício harmônico dessas atribuições é responsável pela manutenção do pacto federativo, pois entidade não pode adentrar o campo reservado à outra, praticando invasão de competências.

4. O FEDERALISMO BRASILEIRO

No Brasil a federação originou-se da determinação do governo central, oriundo das exigências das elites locais, a muito cerceadas pela concentração de forças do regime monárquico. A formação implantada de cima para baixo, modelo de desfragmentação, dotou-se de estrutura organizacional já conhecida pela classe política: estados dotados de poderes Executivo, Legislativo e Judiciário próprios; Constituições estaduais e poder de regulamentação própria. Ocorreu uma verdadeira descentralização, devido à dificuldade em se governar unitariamente, dividiu-se o país, fato distinto do que ocorreu na América do Norte, onde houve uma agregação entre os Estados, visando compor uma nação.

Neste sentido, o contexto histórico:

“O federalismo como forma de Estado foi criado em 1891, após a proclamação da República, por um decreto que colocou fim ao Estado unitário e centralizado e permitiu a criação dos Estados Federados. A partir de 1980 iniciaram-se reivindicações no sentido de começar um movimento de descentralização, de modo que na década de 80, mesmo antes da nova Constituição, já ocorrem modificações na estrutura fiscal que ampliam a autonomia dos estados e municípios.” (ANTUNES, Henrique Ribeiro da Glória, 2014).

A Constituição brasileira estabeleceu a forma de governo e de Estado, in verbis: “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito [...]”, assim, destaca-se a impossibilidade de secessão, em virtude da integração e indissolubilidade do vínculo federativo. Outro dado de importante relevância é a forma de governo brasileiro, não fazendo parte do rol de cláusulas pétreas, assim como a forma de Estado. Tal opção foi devida ao interesse em tornar o Brasil novamente uma monarquia, através de um plebiscito que ocorreu em 1993, naturalmente rejeitado.

4.1 A REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS ENTRE UNIÃO, ESTADOS, MUNICÍPIOS À LUZ DA CONSTITUIÇÃO DE 1988.

O que define a extensão da autonomia entre os entes federados é a repartição feita pelo constituinte acerca das competências. Cabe um adendo à competência administrativa, que leva em conta a distribuição fiscal dos entes, repartição esta de elevada polêmica por permitir que a situação financeira de cada ente seja diferente dependendo da aliança política entre União, Estados e Municípios.

Tratando-se das competências legislativas, a Constituição brasileira limitou bastante a atuação dos Estados e Municípios, hoje, há uma verdadeira dependência normativa, onde a União detém certo monopólio ao tratar de assuntos de “interesse geral”, que muitas das vezes, representam assuntos também de “interesse local ou regional”. Acerca da suplantação da União sobre os demais entes da federação, já acentuou Rodrigo Kaufmann:

“A concretização e a realização desse requisito elementar da Federação são a existência e manutenção de um poder legislativo estadual e até municipal que tenha certa liberdade de produção normativa. Essa certa liberdade de poder criar as normas de conduta e de organização nas questões específicas e locais do Estado e do Município é que determina a efetiva autonomia desses entes descentralizados da Federação. Na medida em que se permite à União legislar em todos os ramos de forma discriminada inclusive em matérias especiais do Estado, estará ocorrendo não a autonomia, mas sim a subordinação desses Estados, vislumbrando-se assim uma Federação simplesmente formal e não aplicável.” (Revista dos Estudantes de Direito da UnB, pág. 4)

Isto demonstra certa maquiagem dos poderes constituídos e distribuídos entre os entes da Federação. Assuntos de interesse local ou regional são cerceados por supostos interesses gerais, onde os Estados-membros são cerceados da produção normativa, fato que gera desconforto, pois, aguardar que certa norma, regulamentando determinado assunto de maneira geral, seja criado, para só depois, baseado na competência suplementar, pode gerar um desconforto a estes Estados-membros.

Tem-se assim, devido ao contexto histórico e modelo adotado no Brasil para a divisão em entes federados, que o Governo Central mantém, hoje, uma posição de cômoda hegemonia na atividade legislativa em todos os níveis. É demonstrada a superioridade da União e clara submissão dos demais entes federados, mesmo em se tratando de normas de puro interesse local.

A descentralização político-administrativa, tido como característica das federações, é mitigada, baseada em constatações, onde vereadores se encontram num verdadeiro ócio, não por improbidade, mas sim por ausência de matérias de interesse coletivo a serem legisladas. Surgem então projetos de lei como a Lei municipal 3306/97 (Pouso Alegre, MG), que prevê multa de R$500,00 aos donos de outdoor que exporem propagandas contendo erros de ortografia e gramática.

4.2 TÉCNICAS DE REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS FEDERATIVAS E CLASSIFICAÇÃO

É adotada nas constituições ao redor do mundo uma técnica pela qual o constituinte distribui, com base na natureza e no tipo histórico de federação, os encargos de cada unidade federativa, preservando-lhes a autonomia política no âmbito do Estado Federal. Aplica-se, então, o princípio da predominância do interesse. O princípio da predominância do interesse objetiva nortear a repartição de competências das entidades políticas, tomando como base a natureza do interesse afeto a cada uma delas.

À União competem as matérias de interesse geral ou nacional (CF, ART. 21); aos Estados-membros competem os temas de interesse regional (CF, art. 25, §1º); aos Municípios competem os assuntos de interesse local (CF, art. 30, I); ao Distrito Federal compete a temática de interesse regional e local (CF, art. 32, § 1º).

Porém, há casos em que este princípio não limita as competências entre os entes federados. Isto ocorre porque há assuntos que tanto são pertinentes ao interesse local, como do país inteiro, é o caso da transposição do rio São Francisco, devastação da floresta Amazônica, seca do Nordeste, etc.

O constituinte dividiu as competências em dois grandes grupos, Competência Administrativa e Competência Legislativa. Segue a classificação feita por Uadi Bulos (Curso de Direito Constitucional, p. 979) daquela que é de interesse deste corrente trabalho:

Competência legislativa: é a capacidade de o ente político estabelecer normas imperativas, gerais e abstratas, com base nos limites estatuídos na Constituição Federal.

a) Competência Privativa – Por seu intermédio, o ente político que a titulariza transfere, no todo ou em parte, determinada parcela de poder para execução de tarefas de outra entidade federativa. Aceita a suplementação e delegação, permitindo transferência de poder de um ente par a outro.

b) Competência concorrente – mais de um ente federativo exerce o poder de legislar sobre certa matéria.

c) Competência suplementar – os Estados e Distrito Federal suprem vazios. Adicional, esclarecem e aperfeiçoam, legislativamente, matérias de interesse regional. O desempenho dessa especial atribuição de natureza federativa adstringe-se ao esquema traçado pelas normas gerais, oriundas da União.

d) Competência residual – é aquela que sobra depois de o constituinte distribuir todas as competências para os entes federativos.

e) Competência delegada – se transfere de uma entidade para outra.

f) Competência originária – é criada a favor de determinado ente federativo.

5. CRÍTICAS À DIVISÃO

Vista estas divisões adotadas pela Constituição de 1988, entra-se no mérito das invasões de competência entre os entes federados. Isto ocorre porque muitas das vezes a classificação abre portas para diferentes interpretações, onde certas matérias são legisladas tendo como escopo as normas constitucionais, mas há indeterminação quanto ao conteúdo a ser legislado.

Nesse sentido, pairamos sobre duas situações muito controvertidas. São elas: a dúvida quanto à participação ou não dos Municípios na repartição de competências concorrentes, já que não há referência expressa no art. 24 da CF88 e a vaguidade do termo “normas gerais”, presentes no § 1º do mesmo dispositivo.

Cabe então ao Guardião da Constituição declarar ou não a inconstitucionalidade de certa lei e determinar o conteúdo a ser legislado que cabe a cada ente da federação.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O sistema brasileiro de repartições de competências, como demonstrado no presente estudo, não pode ser algo que se limita às academias e aos órgãos dos Poderes, uma vez que é de suma importância na vida de qualquer cidadão. Isso porque, ao entendermos o tema, falando como cidadãos que somos, podemos buscar junto aos órgãos dirigentes melhorias, através de cobranças encaminhadas corretamente, uma vez que, não raro, vemos petições sendo protocoladas e indeferidas, pois fora feita em órgãos que não detêm a competência para o pedido pleiteado.

O entendimento do presente estudo, portanto, faz-se de suma importância, pois se torna um instrumento de controle e de exercício dos próprios direitos dos indivíduos pertencentes à sociedade brasileira para com seus representantes políticos.

7. REFERÊNCIAS:

BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 8. Ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2014.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 29. Ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

ANTUNES, Henrique Ribeiro da Glória; XAVIER, Gabriela Costa. O princípio da subsidiariedade e as distorções do modelo federativo fiscal adotado no Brasil. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XVII, n. 120, jan 2014. Disponível em:. Acesso em dez 2014.

KAUFMANN, Rodrigo. A repartição de competências e o princípio federativo na Constituição de 1988. In: Revista dos Estudantes de Direito da UnB. 2 ed, 1997. Disponível em: <http://www.arcos.org.br/periodicos/revista-dos-estudantes-de-direito-da-unb/2a-edicao/a-reparticao-de-competencias-e-o-principio-federativo-na-constituicao-de-1988> Acesso em dez 2014.



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