Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/35253
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

O contrato de franquia e sua cessação: breves notas sobre a indenização de clientela à luz dos sistemas de Portugal e do Brasil

O contrato de franquia e sua cessação: breves notas sobre a indenização de clientela à luz dos sistemas de Portugal e do Brasil

Publicado em . Elaborado em .

O estudo consiste na apresentação do contrato de franquia e na análise da incidência da indenização de clientela eventualmente devida ao franqueado nas hipóteses de cessação do contrato de franquia, numa perspectiva comparada entre Brasil e Portugal.

1. RESUMO.

O estudo consiste na breve apresentação do contrato de franquia e na análise da incidência da indenização de clientela eventualmente devida ao franqueado nas hipóteses de cessação do contrato de franquia, sob abordagens da doutrina e da jurisprudência numa perspectiva comparada dos sistemas jurídicos de Portugal e do Brasil.

2. INTRODUÇÃO.

No âmbito dos contratos de franquia, destaca-se a compreensão adequada das hipóteses que demandam o pagamento dessa indenização ao franqueado, sobre a qual residem controvérsias jurídicas.

O estudo em tela não pretende aprofundar as modalidades do contrato de franquia (de distribuição, de serviços, e industrial ou de produção) ou os seus elementos, nem a distinção em face de figuras próximas (contratos: de exploração de marca, de concessão comercial, de licença de saber-fazer ou know-how, agência, contrato de trabalho, contrato de sociedade) ou a fase de pré-contrato.

A estrutura do presente trabalho, inicialmente, trará noções gerais sobre o contrato de franquia para, em seguida, tratar dos contornos da caracterização da citada indenização em face da cessação do contrato de franquia. Ao final, serão destacadas as conclusões mais relevantes.

3. NOÇÕES SOBRE O CONTRATO DE FRANQUIA: HISTÓRICO E CONSIDERAÇÕES GERAIS DA FRANQUIA EM PORTUGAL E NO BRASIL.

O surgimento das primeiras relações de franquia (franchising)[1] remonta à segunda metade do século XIX, quando a empresa americana Singer Sewing Machine Company, fabricante de máquinas de costura, propôs a comerciantes independentes que se dispusessem a seguir algumas regras, ter como a denominação Singer como a marca de suas lojas com vantagens comerciais na distribuição dos produtos, estratégia que se comprovou eficaz, passando essa marca a ser conhecida em todo o território americano.

Por volta dos anos de 1898 e 1899, a General Motors aderiu ao sistema de franquias visando estender sua revenda; da mesma forma, a Coca-Cola promoveu seu crescimento por meio da concessão de franquias para engarrafamento e distribuição de bebidas, segundo o conceito de franquia de fabricação.[2] Embora não tenha sido a precursora da franquia, a rede fast-food McDonald´s é referência clássica no ramo, tendo sido, a partir da década de 1950, uma das empresas que mais utilizaram a franquia, com ampliação de vendas e novos negócios em centena de países.[3]

Com o fim da 2ª Guerra Mundial, os Estados Unidos vivenciaram alto crescimento desse negócio, em razão do envolvimento no trabalho por conta própria de ex-combatentes, sem experiência no comércio, exercendo as vantagens do sistema de franquia com a padronização de operação, administração, marketing e padrão visual de lojas ou fábricas.[4] Na Europa, o franchising adquiriu implantação crescente desde o início dos anos 70 do século XX.[5]

As definições de franquia encontradas na doutrina e legislação comparadas e por associações nacionais e internacionais variam de foco, ora observando o formalismo jurídico, ora o pragmático mundo dos negócios.[6]

Da análise das definições e formas de classificação da franquia, algumas noções são comuns[7], como: 1)intervenção no negócio por duas pessoas, o franqueador e o franqueado, ambos empresários; 2)contrato a título oneroso, que visa ao lucro, daí a natureza mercantil da franquia; 3) inexistência de vínculo laboral entre franqueador e franqueado (o vínculo entre franqueado e empregados não inclui o franqueador), mas uma relação jurídica horizontal, de cooperação; 4)embora o negócio só envolva diretamente o franqueador e o franqueado, as obrigações não são meramente recíprocas (ambos têm obrigações vis-à-vis à rede de franqueados – network, quanto a unidade de procedimentos, território de atuação, identidade visual de produtos, uniformidade de empregados e publicidade, por exemplo); 5)é em regra intuitu personae, não admitindo a sub-rogação pessoal, em especial quanto ao franqueado, de quem se exige presença física à frente dos negócios; 6) embora não seja obrigatório, em regra, o contrato de franquia é celebrado por tempo determinado, no qual todas as obrigações deverão ser cumpridas.

Dentre as características das empresas que alcançam o sucesso com a franquia, destacam-se: 1)são empresas detentoras de marcas fortes com apelo junto ao público consumidor, 2)seus produtos e/ou serviços respondem a anseios do mercado consumidor, 3)sua tecnologia de instalação, operacionalização e comercialização no varejo é eficaz e pode ser facilmente transferida, com treinamento e supervisão ao empreendedor interessado, 4)os pontos de comercialização de produtos e/ou serviços podem ser padronizados e instalados com certa facilidade, em qualquer local ou território, 5)os investimentos necessários à instalação e as despesas com operação dos pontos de venda são compatíveis com a rentabilidade do negócio.[8]

Em Portugal, cujo Direito Civil é orientado pelo Princípio da liberdade contratual[9] e pelo dever de boa fé [10], o contrato de franquia surgiu na prática dos negócios e não tem regulamentação normativa expressa[11], daí sua qualificação como contrato atípico, que pode ser definido pela quase unanimidade da doutrina e jurisprudência em Portugal e na Comunidade Européia, como: “contrato pelo qual alguém (o franquiador) autoriza e possibilita que outrem (franquiado), mediante contrapartida, actue comercialmente (produzindo e/ou vendendo produtos ou serviços), de modo estável, com a fórmula de sucesso do primeiro (sinais distintivos, conhecimentos, assistência) e surja aos olhos do público com a sua imagem empresarial, obrigando-se o segundo a actuar nestes termos, a respeitar as indicações que forem sendo dadas e aceitar o controlo e a fiscalização a quer for sujeito”.[12] Assim, considerando a relação obrigacional que consta do seu conteúdo, o contrato de franquia é considerado um “contrato atípico puro que adopta a estrutura de um contrato-quadro complexo (atendendo à amplitude e riqueza de seu conteúdo)”[13].

Na Europa, os cinco elementos do contrato de franquia[14] são: 1)concessão de licença de marca e/ou direito de uso de sinais de comércio do franqueador (eventualmente, de licença de patente); 2)transmissão de know-how (saber fazer), 3)prestação de assistência do franqueador ao franqueado; 4)controle da atividade do franqueado pelo franqueador; 5)prestações pecuniárias do franqueado ao franqueador.

No Direito Brasileiro, a franquia é regulada nos termos da Lei nº 8.955/94 e conta com definição legal no seu art. 2º.[15] A lei brasileira define um conceito de franquia empresarial bastante similar ao conceito da IFA- International Franchise Association[16] e do Departamento de Comércio dos Estados Unidos, os quais possuem os seguintes elementos: franqueador, franqueado, remuneração pelo uso da franquia (taxa, royalties), a questão da exclusividade ou semi-exclusividade; ainda, a ausência de vínculo empregatício, com autonomia entre franqueador e franqueado, pelo menos, no aspecto jurídico.[17]

Um dos destaques da lei brasileira, que por ora não será aprofundado, é a fase pré-contratual que demanda negociações entre as partes, a partir do fornecimento pelo franqueado de uma Circular de Oferta de Franquia com inúmeras informações obrigatórias dispostas legalmente (arts.3º e 4º), além da necessidade de um pré-contrato-padrão para o caso de haver contratos preliminares (inciso XV, do art.3º).[18]

Considerando que o contrato de franquia é considerado um contrato de adesão (o franqueador apresenta uma minuta impressa e em relação à maior parte das cláusulas não aceita modificações), algumas premissas relacionadas às disposições do Código Civil brasileiro vigente devem ser consideradas, como: “1) a liberdade de contratar é exercida em razão e nos limites da função social do contrato (art.421; 2) os contratantes obrigam-se pelos princípios da boa-fé e da probidade (art.422); 3) quando houver, no contrato de adesão, cláusulas ambíguas ou contraditórias, será dotada interpretação mais favorável ao aderente (art.423).” [19]

4. A CESSAÇÃO DO CONTRATO DE FRANQUIA E A INDENIZAÇÃO DE CLIENTELA DEVIDA AO FRANQUEADO.

4.1. Indenização de Clientela no Direito Português.

No contexto do Direito Português, não existe uma lei que regulamente o contrato de franquia, o que faz com que nas hipóteses relativas aos efeitos da cessação do contrato de franquia, muitas vezes seja utilizado, por a analogia, o Decreto-Lei n.178/86, que trata do contrato de agência.

A doutrina e a jurisprudência portuguesa divergem acerca da aplicação do instituto da indenização da clientela no Direito Português, como um dos direitos das partes em razão da cessação do contrato de franquia, haja vista que o cerne da controvérsia diz respeito à aplicação, por analogia, do art. 33, DL n.178/86 (indenização de clientela em contrato de agência). [20]

Independente das diferentes hipóteses de cessação do contrato, há aqueles que entendem que a utilização da referida analogia não seria possível[21], porquanto contratos de franquia e de agência não se assemelham, possuindo características que, ao invés de aproximá-los, os distanciam (no caso da franquia o fator de atração de clientela, sua manutenção e expansão é a marca, o nome do estabelecimento ou a insígnia do franqueador).[22]

Para os que são favoráveis à analogia, inclusive, no caso de extinção natural do contrato, é necessária a análise em cada caso concreto a fim de verificar se os sujeitos que desempenharam funções, cumpriram tarefas e prestaram os mesmos serviços que recaem sobre o agente, “em termos de eles próprios deverem ser considerados pela actividade que exerceram, como um relevante factor de atracção da clientela[23], o que, no caso da franquia estaria para além da marca e dos sinais distintivos do franqueador; além de, logicamente, não ser imputável ao franqueado a culpa como a causa da cessação do contrato.

Cite-se, ainda, no entendimento pela possibilidade da “indenização” de clientela, sua justificativa como forma de compensação ao franqueado, no sentido previsto pelo legislador português, no final do item 4 do preâmbulo do DL 178/86 [24], ou , caso se opte por uma interpretação restritiva do art.33º dessa norma, que se possa recorrer às regras do enriquecimento sem causa.[25]{C} {C}[26]

Quanto à jurisprudência portuguesa, há entendimento de que é aplicável por analogia, do art. 33, DL n.478/86, porém, a análise deve ser casuística, no seguinte sentido: o motivo de rescisão contratual não pode ser imputado ao franqueado e a ele cabe o ônus de comprovar a mais-valia do franqueador em relação ao ganho da clientela decorrente da conjugação de esforços do franqueado para tanto[27]. Como também, há entendimento no sentido negativo.[28]{C} {C}[29]

Diante do exposto, sobre o sistema português, é possível deduzir que, se houvesse uma legislação em Portugal tratando do contrato de franquia, as controvérsias jurídicas restariam superadas e haveria um tratamento mais uniforme acerca do tema, prestigiando-se os Princípios da Igualdade e da Segurança Jurídica, já que os Tribunais teriam um parâmetro relacionado especificamente ao contrato de franquia e não haveria controvérsia acerca do uso da analogia em relação ao contrato de agência.

Ainda, sob uma perspectiva prática sobre o tema, é razoável utilizar, mutatis mutandis, o preâmbulo da exposição de motivos do DL n.178/86, aplicando a indenização de clientela na franquia.

4.2. Indenização de Clientela no Direito Brasileiro.

No Brasil, diferentemente de Portugal, existe uma lei específica – Lei 8.955/94 - trazendo em seu bojo, dentre outros aspectos, o conceito do contrato de franquia, bem como o dever do franqueador fornecer ao franqueado a circular de oferta de franquia, instrumento este que deve conter todos os dados e informações necessárias para que o franqueado possa analisar a oportunidade de investimento em determinada franquia, o que deve estar em plena sintonia com deveres instrumentais decorrentes da boa-fé objetiva – deveres de proteção, de lealdade e de informação (arts. 113, 187 e 422 do Código Civil).[30]

Ocorre que a supracitada Lei não faz qualquer menção, no caso de cessação do contrato de franquia, ao instituto da indenização de clientela (diversa da indenização por ruptura propriamente dita), devendo-se aplicar as regras do Código Civil – Lei nº 10.406/2002, como entende a doutrina que comenta o assunto. [31]

Os Tribunais brasileiros, ao contrário de Portugal (para aqueles que a aceitam ou que seria, na verdade, uma compensação), entendem a indenização de clientela no sentido de indenização propriamente dita, de ressarcimento por um dano sofrido, assim, seu cabimento dá-se tão somente em caso de preenchimento dos requisitos da responsabilidade civil e do enriquecimento sem causa.[32] Nessa linha, os tribunais brasileiros não dissociam a indenização de clientela de ato ilícito, assim, o franqueado apenas estará acobertado pelo direito à indenização quando houver a cessação contratual em decorrência de vício, v.g., rescisão sem justa causa do contrato pelo franqueador, ou quando houver a previsão contratual de indenização de clientela no caso de extinção natural do vínculo.

Com o devido respeito, o entendimento esposado pelos Tribunais brasileiros não é aquele que melhor se subsume aos comandos normativos constitucionais e infraconstitucionais que regem a matéria. Com efeito, o surgimento dos direitos sociais e o seu reconhecimento, almejando-se, por conseguinte, um equilíbrio contratual no plano fático, levou ao surgimento do dirigismo contratual.

Nesse diapasão, uma das formas de dirigismo contratual do direito brasileiro é condicionar o exercício da liberdade de contratar aos princípios da função social do contrato[33] e da boa-fé objetiva.

Destarte, o entendimento de que não há direito à indenização de clientela, mesmo em caso de extinção natural do contrato em que fique devidamente comprovado ganho de clientela em decorrência de atos do franqueado (trabalhar melhor o conceito), fere os princípios acima mencionados.

Nesse sentido, também é possível deduzir, no caso do Brasil, que a existência de legislação tratando da indenização de clientela no contrato de franquia afastaria as dúvidas jurídicas existentes e ocorreria o melhor tratamento do tema, inclusive, em consonância com o Código Civil.

5. CONCLUSÃO

Consoante exposto, pode-se deduzir que o histórico mundial e as noções gerais do contrato de franquia no âmbito dos ordenamentos de Portugal e Brasil têm demonstrado a importância de sua regulação e do equilíbrio das relações entre franqueador e franqueado, no sentido do sucesso do negócio e da própria segurança jurídica do contrato de franquia.

No que se refere à indenização de clientela como uma das conseqüências da cessação do contrato de franquia, dentre as conclusões do presente estudo, que foram apontadas ao final do desenvolvimento de cada tópico (3.1 e 3.2), ressaltam-se: a) apesar da inexistência de legislação em Portugal sobre o contrato de franquia, o que traria maior segurança jurídica, é claro o avanço do sistema de Portugal que entende que a indenização de clientela é devida, ainda que tenha ocorrido extinção natural do contrato, inclusive, como forma de compensação e não de indenização; b) no Brasil, cuja lei não trata da indenização de clientela, também a fim de dar segurança jurídica e aplicação a esse instituto, seria de extrema valia uma previsão legal específica sobre a matéria.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANTUNES VARELA, João de Matos. Das Obrigações em Geral, Vol.1. 10ª ed., 7ª reimp., Coimbra: Almedina, 2010.

COELHO, Larissa. Indenização de clientela no regime de franquia: um olhar sob o sistema do Brasil e de Portugal. Disponível em <URL http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10120> acesso 20/12/2011.

CORDEIRO, António Menezes. Do contrato de franquia (franchising): autonomia privada versus tipicidade negocial. Disponível em <URL http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/MCordeiro88.pdf>, acesso em 20/12/2011.

CRETELLA NETO, José. Manual Jurídico do franchising. São Paulo: Atlas, 2003.

OLIVO, Rodolfo Leandro de Faria. et al . A criação de valor das franquias empresariais no Brasil sob a perspectiva do franqueador. Revista de Ciências Gerenciais. Vol.XII, n.14, ano 2008.

VASCONCELOS, Luís Miguel D. P. Pestana de. O contrato de franquia (franchising). 2ª ed., Coimbra: Almedina, 2010.

RIBAS, João. Confidencial: por dentro de uma franquia. Caxias do Sul: Maneco, 2006.

RIBEIRO, Maria de Fátima. O contrato de franquia (franchising). Direito e Justiça. Vol. 19, n.º 1 (2005), pp. 76-127.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 11ª  ed., São Paulo: Atlas, 2011.

WALD, Arnoldo (Org.). Direito empresarial: contratos mercantis, v.4. são Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.


[1] RIBAS, João. Confidencial: por dentro de uma franquia. Caxias do Sul: Maneco, 2006, pp.23/24.

[2] PEREIRA, André Luis Soares. FRANQUIA. 100% varejos e serviços. Rio de Janeiro: Outras Letras, 2006, p.15.

[3] CRETELLA NETO, José. Manual Jurídico do franchising. São Paulo: Atlas, 2003, p.54.

[4] Ibidem, p.15.

[5] VASCONCELOS, Luís Miguel D. P. Pestana de. O contrato de franquia (franchising). 2ª ed., Coimbra: Almedina, 2010, p.13.

[6] CRETELLA NETO, José, op. cit., pp.13/14.

[7] Ibidem, pp.23/24.

[8] RIBAS, João, op. cit., p.25.

[9] “A liberdade contratual consiste na faculdade que as partes têm, dentro dos limites da lei, de fixar, de acordo com a sua vontade, o conteúdo dos contratos que realizarem, celebrar contratos diferentes dos prescritos no Código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver (art.405º). As partes são livres, ao contratar, na medida em que podem seguir os impulsos da sua razão, sem estarem aprisionadas pela jaula das normas legais. (Cfr. ANTUNES VARELA, João de Matos. Das Obrigações em Geral, Vol.1. 10ª ed., 7ª reimp., Coimbra: Almedina, 2010, pp.230/231).

[10] Em relação à boa-fé e a conduta das partes na execução do contrato, destaca-se ainda na doutrina de Antunes Varela:

“ (...)além de indicar o critério pelo qual há de se pautar a conduta de ambas as partes (a boa fé, a Treu und Glauben  de que fala a doutrina e a lei alemã), a lei portuguesa (ao contrário do direito italiano) aponta concretamente a sanção aplicável à parte que, sob qualquer forma, se afasta da conduta exigível: a reparação dos danos causados à contraparte. (...) a lei não se limita a proteger a parte contra o malogro da expectativa de conclusão do negócio, cobrindo-a de igual modo contra outros danos que ela sofra no iter negotii. Por outro lado, embora uma das vertentes da boa fé abranja, sem dúvida, a cobertura das legítimas expectativas criadas no espírito da outra parte,o artigo 227º não aponta deliberadamente para a execução específica do contrato, no caso de a conduta ilícita da parte ter consistido na frustração inesperada da conclusão do contrato. A lei respeita assim até o derradeiro momento da conclusão do contrato (art.232º), salvo se houver contrato-promessa (art.830º), um valor fundamental, transcendente, do direito dos contratos: a liberdade de contratar.” (Ibidem, p.270).

[11] “II. Na falta de regulação legal, a franquia é um contrato consensual: as partes podem celebrá-lo pela forma que melhor entenderem. Dada, porém, a sua importância, sucede muitas vezes que a forma voluntariamente utilizada é a escrita. Nessa altura, cabe aplicar o regime do artigo 222º do Código Civil ou – havendo convenção em de forma – o artigo 223º do mesmo diploma. Aquando da celebração do contrato devem, pelas partes, ser prestados todos os esclarecimentos necessários, sob pena de culpa in contraendo – artigo 227º/ 1 do Código Civil.

III, Na execução do contrato há um dever de agir de boa fé – artigos 334º e 762º /2 do Código Civil. Esse dever concretiza-se em duas vertentes: a tutela da confiança e da primazia da materialidade subjacente. Pela tutela da confiança, devem as partes cumprir todos os deveres de lealdade e de informação que ao caso caibam, de modo a evitar criar situações de crença ou de aparência das quais possam surgir danos. Pela primazia da materialidade subjacente, cabe às partes prosseguir, em termos efectivos, os objetivos do contrato: não será lícito, assim, alcançar uma pura conformidade formal com os objectivos do contrato. A franquia não é uma pura troca, mas antes um contrato que põe duas entidades em permanente contacto, por isso, há que valorizar as exigência da boa fé, dada a entrega confiante que as partes podem ser levadas a realizar mutuamente.” (Cfr. CORDEIRO, António Menezes. Do contrato de franquia (franchising): autonomia privada versus tipicidade negocial. Disponível em <URL http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/MCordeiro88.pdf>, acesso em 20/12/2011, pp.81/82.

[12] Embora Portugal não tenha lei própria, o Regulamento 4087/88 CEE que teve vigência até (Cfr. VASCONCELOS, Luís Miguel D. P. Pestana de, op.cit., pp.26/27).

[13] Ibidem, p.74.

[14] Ibidem, p.30.

[15]{C} “Art. 1º Os contratos de franquia empresarial são disciplinados por esta lei.

Art. 2º Franquia empresarial é o sistema pelo qual um franqueador cede ao franqueado o direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços e, eventualmente, também ao direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício.”

[16] Consoante esclarece Nelson Abraão, em seu artigo “A lei da franquia empresarial (N. 8.955, de 15.12.1994)”, essa entidade define franchising como: “uma franquia é o contínuo relacionamento entre o franchisor e o franchisee, no qual o total de conhecimentos do franchisor, imagem, sucesso técnicas de manufatura e marketing são fornecidos ao franchisee mediante uma retribuição.” (Cfr. WALD, Arnoldo (Org.). Direito empresarial: contratos mercantis, v.4. são Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p.630).

[17] OLIVO, Rodolfo Leandro de Faria. et al . A criação de valor das franquias empresariais no Brasil sob a perspectiva do franqueador. Revista de Ciências Gerenciais. Vol.XII, n.14, ano 2008, p.4.

[18] Sobre esse contrato preliminar, ainda se aplicam as disposições dos arts. 462 a 466, do Novo Código Civil, sendo claro por esses artigos que, não havendo cláusula de arrependimento, o pré-contrato já confere direitos e cria obrigações para ambas as partes. (Cfr. CRETELLA NETO, José, op. cit., p.99).

[19] CRETELLA NETO, José, op. cit., p.98.

[20] Dentre os requisitos legais para a indenização de clientela do contrato de agência que deveriam ser confirmados para a aplicação analógica da indenização de clientela no contrato de franquia, citam-se: “a) que o agente (franqueado) tenha angariado novos clientes para a outra parte ou tenha aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela existente; b) que a outra parte a beneficiar-se consideravelmente, após a cessação do contrato, da atividade desenvolvida pelo agente (franqueado); c) que o agente (franqueado) deixe de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos após a cessação do contrato com os clientes angariados e desenvolvida.” (Cfr. COELHO, Larissa. Indenização de clientela no regime de franquia: um olhar sob o sistema do Brasil e de Portugal. Disponível em <URL http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10120> acesso 20/12/2011.)

[21] “Pergunta-se, por fim, se a cessão da franquia dá lugar a alguma indemnização. Cabe distinguir. Quando tal cessação advenha de algum incumprimento, a parte responsável deve indenizar a outra, nos termos gerais. Quando se verifique que a cessação é imposta por anomalia genética do contrato caberá, quando muito, o recurso à culpa in contrahendo. Quanto, por fim, a cessação ocorre por causa legítima – máxime por caducidade – não tem lugar qualquer indemnização ou compensação, a menos que contrato a prescreva. Repare-se que, na franquia – ao contrário da agência, cujo regime legal prevê, ainda, que em condições apertadas, uma indenização de clientela, artigo 33º do Decreto-Lei nº 178/86, de 3 de julho – a clientela é angariada através da marcam para o franquiado; as vantagens e desvantagens que tudo isso acarrete fazem parte dos riscos próprios do negócio, que as partes livremente assumiram e que a boa fé manda honrar.” (Cfr. CORDEIRO, António Menezes, op.cit., p.83). Ainda, PESTANA DE VASCONCELOS refere que os que defendem essa posição são a maioria, citando: Menezes Cordeiro, Maria de Fátima Ribeiro, Ana Paula Ribeiro, Menezes Leitão  e Pereira Barrocas (op.cit. pp.126/127).

[22] Cfr. COELHO, Larissa, op.cit.

[23] Pinto Monteiro apud RIBEIRO, Maria de Fátima. O contrato de franquia (franchising). Direito e Justiça. Vol. 19, n.º 1 (2005), p.94. Com essa mesma posição, ainda: Isabel Alexandre e Coutinho de Abreu, este último admitindo “é possível que outros factores – como a localização do estabelecimento (sobretudo no franchising de distribuição e de serviços) e as qualidades pessoais e profissionais (incluindo – porque não? Um certo saber fazer próprio) do comerciante – sejam de grande importância. (...)É curioso verificar que afirmando a generalidade da doutrina francesa terem as sucursais clientela “própria”(;;;), tal não seja reconhecido por alguns autores daquela nacionalidade relativamente aos estabelecimentos de que estamos tratando...” (VASCONCELOS, Luís Miguel D. P. Pestana de, op.cit., p.127).

[24] VASCONCELOS, Luís Miguel D. P. Pestana de, op.cit., p.130.

[25] Ibidem, p.137.

[26] Os requisitos são explicitados por ANTUNES VARELA: “A obrigação de restituir, fundada no injusto locupletamento à custa alheia (...) pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos (art.473º, 1):1)Que haja um enriquecimento de alguém;2)Que o enriquecimento careça de causa justificativa,3)Que ele tenha sido obtido à custa de que requer a restituição (ou de seu antecessor).” (Op.cit., p.480)

[27] O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça – Proc.06A4416, de 9.1.2007, relator Sebastião Póvoas, entende que é possível a aplicação analógica.

[28] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça –Proc. 04B3868, de 21.4.2005, relator Neves Ribeiro.

[29] Ainda há referência sobre julgado recente no seguinte sentido: “Entretanto, além de uma análise casual, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22 de Março de 2011, relator LUÍS LAMEIRAS, aplica analogicamente o art.33º da Lei nº 178/86, de 03 de julho (alterado pela Lei nº 118/93), no sentido de apurar se os três requisitos previstos nesta norma encontram-se preenchidos, para concluir se deve ou não haver lugar tal indenização, pois afirma o acórdão que esta constitui uma nova compensação pela mais-valia decorrente da atividade do franqueado, da qual os frutos serão aproveitados pelo franqueador. Sendo que, em caso de preenchimento dos requisitos cumulativos do art.33º caberá sim indenização pela angariação de clientes por parte do franqueador para com o franqueado. (...) Contudo é preciso referir que a indenização de clientela só tem lugar, além do preenchimento dos requisitos do art.33º, nº 1 da Lei do Contrato de Agência se o motivo de cessação do contrato for imputável ao agente, no caso ao franquiado, como alude o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22/03/2011, ou seja, no caso de resolução requerida pelo franqueador por motivo de incumprimento por parte do franqueado, fica este sem direito ao pedido de indenização de clientela. `Ou se este por acordo houver cedido a terceiro a sua posição contratual´.” (Cfr. COELHO, Larissa, op.cit.).

[30] “Assim dispõe o art.113: “Os negócios jurídicos devem ser interpretados  conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.”. Ao disciplinar o abuso de direito, o art.187 do estatuto estabelece: “Comete ato ilícito o titular de  um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”. Desse modo, pelo prisma do Código, há três funções nítidas no conceito de boa-fé objetiva: função interpretativa (art.113); função de controle dos limites do exercício de um direito (art.187); e função de integração do negócio jurídico (art.422).” (Cfr.VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 11 ed. São Paulo: Atlas, 2011, pp.387/388).

[31]{C} “Portanto, no caso brasileiro, no que se refere ao franchising, ao examinar a questão do prazo contratual, deverá o juiz decidir por equidade, apreciando com rigor, para o caso submetido, diversos elementos, tais como as forças econômicas relativas ao franqueador e franqueado, os investimentos efetuados, as experiências de ganho, o comportamento das partes na execução do contrato e as consequências, para cada qual, do rompimento do contrato. Aliás o Código Civil estabeleceu regra específica para o caso de terem sido realizados investimentos consideráveis por uma das partes, dispondo eu a denúncia unilateral somente produzirá efeitos depois de transcorrido o prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos (art.473, parágrafo único). (...) No Direito Brasileiro, quanto às causas e efeitos da extinção do contrato, resume-se o seguinte: “(a) no caso de resolução por inexecução voluntária do contrato, o inadimplente ficará sujeito ao ressarcimento de perdas e danos, abrangendo o dano emergente e o lucro cessante; (b) no caso de resolução por caso fortuito, não haverá ressarcimento de perdas e danos (exceto se o devedor estiver em mora), mas o contratante poderá ser compelido a restituir o que recebeu, reduzir a prestação ou alterar o modo de executá-la, o que também ocorre em caso de onerosidade excessiva para uma das partes; (c) a inexecução do contrato por morte de um dos contratantes só é considerada causa extintiva do contrato se este foi intuitu personae, caso em que o contrato extinguir-se-á de pleno direito, produzindo efeitos ex nunc. (...) De qualquer forma, na prática, é preciso ter em mente as conseqüências que a ruptura do contrato acarreta, especificamente, quanto a: (...) 3. A propriedade de clientela: a análise da jurisprudência comparada mostra que existe tendência de considerar a clientela pertencente tanto ao franqueador quanto ao franqueado, mas as proporções variam em cada caso específico, levando-se em conta o tipo de mercado e o montante dos investimentos efetuados pelo franqueado; 4. Indenização: contrato pode rever indenização por ruptura; se inexistir cláusula a respeito da ruptura abusiva e brusca do contrato, os tribunais analisam a fundo as circunstâncias em que ocorreu, em outros casos, quando há abusos mais sutis (exemplo: invocação de má-fé em atos de concorrência desleal, ou falta de empenho em realizar investimentos de publicidade), costumam os tribunais impor pagamento de indenizações cujo montante sirva não apenas para ressarcir o franqueado dos investimentos realizados, mas também a cessação dos ganhos esperados.” (Cfr. CRETELLA NETO, José, op. cit., pp.116/123).

[32]{C}“Apelação cível - contrato de distribuição - rescisão unilateral - indenização - balizas - código civil de 2002 - fixação de honorários advocatícios - regra do art. 20, § 3º, do CPC. Diante da ausência de normas legais específicas ao contrato de distribuição stricto sensu e também de preceitos estipuladas contratualmente pelas partes, deve-se aplicar a regra geral sobre a extinção dos contratos, disposta no Código Civil/2002. Os honorários sucumbenciais devem equilibrar o trabalho do advogado e o proveito econômico que a parte pretendia com a demanda” (Acordão da 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na Apelação Cível n° 1.0105.04.109473-8/001, de 24/06/2010, Rel. Des.: Lucas Pereira.)

“Ação indenizatória. Contrato de franquia. Decisão que rejeita embargos declaratórios. Nulidade. Inocorrência. Indenização pelos gastos com a atividade de franchising. Ausência dos requisitos ensejadores da responsabilidade civil. Manutenção da improcedência.” (Acórdão da 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na Apelação Cível N° 1.0024.06.199849-8/001, de 27/03/ 2008, Rel. Des.: Irmar Ferreira Campos.)

“Franquia – Rescisão contratual – Disputa de fundo de comércio – Conjunto de bens materiais e imateriais, que formado pela colaboração recíproca entre franqueada e franqueadora, pertence a ambas em igual proporção – Recurso da franqueada provido em parte para esse fim, desprovido o de seus sócios e o da franqueadora” (Acórdão da 13ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, na Apelação nº 991.09.023753-7, de 07/04/2010, Rel.Des.: Luiz Sabbato.)

[33] “Na contemporaneidade, a autonomia da vontade clássica é substituída pela autonomia privada, sob a égide de um interesse social. Nesse sentido, o Código aponta para a liberdade de contratar sob o freio da função social. Há, portanto, uma nova ordem jurídica contratual, que se afasta da teoria clássica, tendo em vista mudanças históricas tangíveis.” (Cfr. VENOSA, Sílvio de Salvo, op. cit., p.389).


Autor

  • Gerlena Maria Santana de Siqueira

    Procuradora Federal da Procuradoria-Geral Federal/Advocacia-Geral da União. Graduada pela Universidade Federal do Ceará. Mestre em Ciências Jurídico-Administrativas pela Universidade do Porto. Ex Coordenadora-Geral de Assuntos Jurídicos do Ministério do Meio Ambiente. Ex Presidente da Câmara Especial Recursal do Conselho Nacional do Meio Ambiente.

    Textos publicados pelo autor


Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelo autor. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi.