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O caráter punitivo das indenizações por danos morais

adequação e impositividade no direito brasileiro

O caráter punitivo das indenizações por danos morais: adequação e impositividade no direito brasileiro

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SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Distinção entre os punitive damages e o caráter punitivo das indenizações por danos morais no Brasil; 3. Adequação e impositividade do caráter punitivo no sistema da responsabilidade civil do direito brasileiro ; 4. O arbitramento do valor indenizatório ; 5. Há mesmo no Brasil uma "indústria do dano moral" ? 6. Conclusões ; 7. Referências Bibliográficas; 8. Bibliografia consultada.

"...O romano Nerácio passeava pelas ruas de Roma, acompanhado de um escravo, encarregado de pagar a taxa legal pelas bofetadas que se divertia em vibrar nos transeuntes. Durante a guerra peninsular, um oficial do exército inglês costumava penetrar a cavalo numa feira de Coimbra, quebrando com chicote os objetos de barro em exposição e ganhando a impunidade pela indenização..."

(apud Roberto Lyra, Comentários ao Código Penal, Forense, 3ª ed.,vol. II, nº 33, pgs. 246/247)


1. INTRODUÇÃO.

Vigentes os altos mandamentos da Constituição Federal, tornou-se expresso e incontestável no ordenamento jurídico brasileiro o direito a indenização por danos morais.

Esgotada a discussão sobre o tema específico da indenizabilidade, deslocou-se a abordagem teórica e prática para os aspectos informadores da valoração dos danos morais e, com mais arraigada força, para a quantificação da indenização a ser paga pelo responsável e obrigado à indenização.

Revelando-se minimamente eficazes as indenizações concedidas, e concentradas as condenações sobre renitentes setores da sociedade que teimam em não se adequar ao consagrado princípio geral de direito que prescreve ser conduta desejada e esperada toda aquela que não causa dano a outrem, a mira das discussões passou ser o valor das indenizações, e bem assim os critérios adotados pelos juízes para o arbitramento do valor indenizatório.

Surgem então teses e teorias que objetivam desqualificar a validade jurídica da aplicação do valor de desestímulo, assim obtido por meio da imposição de caráter punitivo às indenizações da espécie, em suma sob os seguintes argumentos :

a)o caráter punitivo no Brasil é mera cópia dos "punitive damages" do direito norte-americano ;

b)o caráter punitivo não é compatível com o sistema jurídico brasileiro porque, sendo uma pena, não há prévia cominação legal ;

c)sendo pena, o caráter punitivo tem feições criminais, estando assim os juízes cíveis usurpando competência exclusiva dos juízes criminais ;

d)os valores das indenizações por danos morais aplicados no Brasil têm sido milionários, justamente por causa da adoção do valor de desestímulo, gerando enriquecimento ilícito para quem recebe tais valores ;

f)a indenização por danos morais deve apenas compensar o dano, na sua exata extensão, daí porque também não ser cabível o caráter punitivo agregado ao compensatório ;

g)o acolhimento indiscriminado das ações judiciais tem colaborado para a banalização do instituto indenizatório, fomentando no seio da Justiça brasileira uma "indústria dos danos morais".

Procuraremos demonstrar neste estudo que os argumentos acima arroladas contém equívocos conceituais e sistêmicos que os tornam inválidos perante o ordenamento jurídico vigente e que, ademais, não correspondem em termos práticos à realidade refletida nas causas submetidas ao crivo judicial.


2. DISTINÇÃO ENTRE OS PUNITIVE DAMAGES E O CARÁTER PUNITIVO DAS INDENIZAÇÕES POR DANOS MORAIS NO BRASIL.

Leciona Vicente Ráo (O Direito e a Vida dos Direitos, RT, pg. 459), que, antes de alcançar a adaptação do fato ou caso concreto ao comando da lei, deve o estudioso do fenômeno jurídico ultrapassar cinco fases operacionais : a) a análise direta do fato, ou diagnóstico do fato ; b) sua qualificação perante o direito, ou diagnóstico jurídico ; c) a crítica formal e a crítica substancial da norma aplicável ; d) as interpretação desta norma ; e) sua aplicação ou adaptação ou fato, ou caso concreto.

Ocorrendo falha ou desvio neste percurso, não será de boa técnica expressar conclusões valorativas porque restará prejudicada a suma interpretativa que se queira conferir a um determinado fenômeno jurídico.

Comprometido com este método de enquadramento jurídico do instituto da indenização em análise, o foco inicial deste estudo está direcionado ao fim de distinguir a dimensão jurídica dos punitive damages aplicados no direito norte-americano daquela alcançada pelo caráter punitivo das indenizações por danos morais no direito Brasileiro.

Objeta-se quanto ao cabimento da adoção do valor de desestímulo, entendendo-se estar sendo aplicado no Brasil tal e qual os "danos punitivos" – punitive damages - dos norte-americanos, inclusive como que por uma tosca imitação e sem maiores preocupações de adequação ao sistema jurídico brasileiro.

Não sem motivo grafamos com aspas a locução "danos punitivos".

É que a tradução livre do inglês "punitive damages" conduz a uma expressão vazia e desprovida de conteúdo significativo no campo jurídico brasileiro.

Ao pé da letra "punitive damages" quer significar punição por decorrência dos danos, por causa dos danos.

Assim, nos moldes aportuguesados, dá-se a impressão de que, com o valor indenizatório, se estaria impingindo um "dano ao causador do dano", com carga vingativa, estritamente emulativa, o que absolutamente não se coaduna com o sistema de responsabilidade civil do direito brasileiro.

Embora assemelhado aos punitive damages do direito norte-americano, o caráter punitivo adotado no Brasil dele se diferencia em forma e substância, sendo em nossa terra de fato mais bem aperfeiçoado e eficaz, em termos jurídicos e práticos.

No Brasil destaca-se o caráter punitivo como fator de desestímulo por meio da imposição de um valor suficiente a servir como uma efetiva punição ao agente lesante, a ponto de demovê-lo de novas práticas lesivas da mesma espécie ou diversa.

Frisamos que falar em desestímulo não implica em admitir a imposição de vingança, pois quem se vinga não quer, em primeira linha e primordialmente, educar o agressor, mas apenas retrucar-lhe o mal causado com outro mal que o aflija.

Desestimular é fazer perder o estímulo, ou ao menos esmaecer a incitação ou propensão do indivíduo às atividades aptas a causar danos morais.

Punir é impor reprimenda, castigar.

Aquele é o fim almejado ; este é o meio utilizado.

Pune-se o indivíduo para desestimulá-lo da prática infracional.

Noções distintas, portanto, mas que por traduções livres ou diretas do inglês têm sido confundidas e tratadas como conceitualmente iguais.

Por outro lado, no dito sistema alienígena, agrega-se ao valor estritamente compensatório direcionado à satisfação relativa da vítima – aqui expressão do atendimento ao interesse particular - um valor punitivo concernente ao comando repreensivo e vingativo imposto pelo interesse social, a título sobretudo exemplar, dando-se por forma diferida a aferição dos valores pecuniários : primeiro, fixa-se o montante compensatório e depois estabelece-se o "dano punitivo".

Os "danos punitivos" dos norte-americanos, invariavelmente ultrapassam em muito o valor compensatório, e são apontados de modo destacado através de deliberação do jury, nos casos mais graves segundo o grau de culpa do agente ofensor e o sentimento de reprovabilidade social.

Portanto, desde logo distingue-se o chamado "valor de desestímulo", que é a tônica no Brasil, dos punitive damages norte-americanos.

Mas ainda assim apontam ser a indenização por danos morais no Brasil como uma mal acabada importação do direito estrangeiro, quando aqui se adota o dito caráter punitivo.

Temos que, em verdade, no Brasil o instituto é mais bem estruturado, melhor aplicado e mais eficaz.

Dois aspectos assim o demonstram.

Nos Estados Unidos, a análise do cabimento e a quantificação dos "punitive damages" são tarefas atribuídas aos júris populares, formados por cidadãos em regra leigos em ciências jurídicas, sem domínio da técnica legislativa e jurídica, e, portanto, capazes de expressar apenas juízo de valor empírico, e sem fundamento científico sobre as normas.

Fica realçado o caráter vingativo da punição aplicada.

No Brasil, a tarefa da análise do cabimento e da quantificação do valor indenizatório é reservada aos Juízes de Direito, Desembargadores dos Tribunais e Ministros das altas Cortes, profissionais com formação técnico-jurídica e portando preparadas para o cotejo minucioso dos fatos com a lei.

Não há resquício de vingança, mas apenas obediência às normas e princípios basilares do sistema jurídico, que indicam a necessidade de compensação e desestímulo - este por meio da punição agregada – tudo mediante elaboração condenatória fundamentada e motivada.

Nos Estados Unidos, vigora uma arraigada cultura do seguro e do resseguro, de modo que em grande parte dos casos de aplicação dos "punitive damages", de pequeno ou vultoso valor relativo, o peso da condenação, na prática e em última instância, recai sobre a corporações seguradoras – ainda que os valores dos prêmios de seguro tendam a aumentar para os segurados - de modo que, a rigor, o caráter punitivo se desvia em parte, pois que o causador do dano acaba não suportando em sua totalidade um efetivo desfalque em suas finanças.

Desta forma, o montante global das condenações a título de "punitive damages" tende a concentrar-se sobre as seguradoras, que por isso fomentam a reformulação do sistema jurídico da indenizações civis naquele País (a "tort reform").

No Brasil, inocorrendo ainda a cultura do seguro, as indenizações por danos morais em regra são efetivamente suportadas pelo próprio causador do dano, de forma que o caráter punitivo e desestimulador, aqui, funciona com muito mais eficácia, pulverizando-se entre os agentes lesionadores e incidindo diretamente sobre suas finanças.


3. ADEQUAÇÃO E IMPOSITIVIDADE DO CARÁTER PUNITIVO NO SISTEMA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO DIREITO BRASILEIRO.

Partindo da premissa posta no tópico anterior, opõe-se a tese de que os "danos punitivos" não seriam compatíveis com o ordenamento jurídico brasileiro porque, significando uma verdadeira pena imposta ao responsável pelo dano, toma feições de sanção criminal, no que estaria sendo vulnerado o primado constitucional de que não se pode aplicar pena sem prévia cominação legal, como estaria a exigir o artigo 5°, inciso XXXIX, da Constituição Federal, e aduzindo-se, sob outra ótica, que assim fazendo, estariam os juízes cíveis usurpando competência exclusiva dos juízes criminais.

A dificuldade dos que assim entendem surge da submissão irrefletida, em termos mais amplos, à "Teoria Pura do Direito" de Hans Kelsen.

Seguindo o sistema jurídico brasileiro os moldes do sistema romano-germânico, afirma Guido Fernando Silva Moraes (Common Law – Introdução ao Direito dos EUA. RT,1.999, pg.29/30), que

"...O pensador que melhor caracteriza o sistema romano–germânico é Hans Kelsen, com sua Teoria Pura do Direito : o direito é uma construção escalonada (stufenbau), tão racional e geométrica que, por isso mesmo, tem a forma de uma pirâmide, mo ápice da qual se encontra uma norma fundamental (Grundnorm), a partir da qual as normas menos gerais retiram sua eficácia e vão perdendo sua generalidade, até aquelas normas colocadas na base (os contratos e as sentenças) em que o princípio geral guarda sua eficácia, após percorrer outros campos de particularismos ( a constituição, a lei ordinária, o artigo...)" e segue advertindo que "... Os perigos em tal tipo de sistema se referem ao culto desmesurado à lógica formal e à racionalidade da construção dedutiva, tida como válida por seu próprio rigor arquitetural, por ela mesma válida, porque racional e coerente dentro do raciocínio abstrato, mas com um acentuado desprezo pelos resultados, na vida corrente."

Sob este vezo positivista, admitem-se como válidas, eficazes e compatíveis entre si e com o ordenamento, apenas as normas expressas literalmente pela letra da lei, sem consideração do que está implícito e que, justamente, diz com os princípios maiores que informam o sistema.

Daí porque não ser concebível para alguns a aplicação de uma condenação implicitamente punitiva, e portanto com feições de pena privada, nas indenizações por dano moral, quando somente conseguem visualizar a prévia cominação delas no campo estritamente criminal.

Ocorre que o primado da necessária prévia cominação de pena imposta pela Constituição Federal, como referido, em seu artigo 5°, XXXIX,(01) dirige-se ao direito criminal, pois que serão considerados crimes e contravenções aquelas condutas comissivas ou omissivas descritas pormenorizadamente e decodificadas em numerus clausus no corpo da legislação específica infra-constitucional.

A imposição da pena criminal reclama, assim, a prévia adequação do fato específico à norma tipificadora.

Esta exigência se justifica pelo grau e destinação da sanção cominada : verificado o ato (materialidade), a tipicidade e a culpabilidade, a pena incidirá diretamente sobre a pessoa do agente, privando-o da liberdade ou, cumulativamente ou não, impondo-lhe pena pecuniária.

No campo da responsabilidade civil o comando punitivo vigora de forma diversa, e quem assim não observa desconsidera, já em ponto inicial, a existência de um preceito genérico punitivo contido no artigo 159 do Código Civil ainda vigente, que prescreve :

"Art.159. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano(02)."

O mesmo preceito é reiterado no novo Código Civil :

"Art. 927. Aquele que, por ato ilícito, ( arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo."

O Código Civil antigo e o novo, desta forma, encerram o comando genérico da reparação civil dos danos com carga punitiva, sem necessidade de enumeração das hipóteses de fato e de direito hábeis a ensejar a obrigação de indenizar.

Atento à questão, Yussef Said Cahali (Dano Moral, RT, 2ª ed., pgs. 33 a 40) argumenta :

" No que contesta a reparabilidade do dano moral, argumenta-se que, se concedida a indenização no caso, esta teria caráter de pena, incompatível assim com o direito privado, na medida em que não visaria a recomposição do patrimônio ofendido... Aliás, na jurisprudência de nossos tribunais, afirma-se que " o direito possui valor permutativo, podendo-se, de alguma forma, lenir a dor com a perda de um ente querido pela indenização, que representa também punição (grifo nosso) e desestímulo do ato ilícito" ; o que também transparece nítido no caráter admonitório e circunstancial da carga indenizatória... Atribui-se também à jurisprudência romana o mérito de haver iniciado validamente o movimento de "despenalização" total do direito privado, tendente a eliminar dele todo elemento penalístico, com a construção de um ilícito aquiliano apenas e tão-somente de caráter reipesercutório. Porém, essa tendência, segundo reconhece Albanese, não pode ser considerada plenamente realizada e satisfeita..."Visualizando a interação do direito privado com o público, arremata o mestre : "...Em realidade, parece mais acertado dizer-se que o mecanismo protetivo da norma geral de ressarcimento ou reparação - neminem laedere(03) – caracteriza-se pela natureza mista... Quando por exemplo o Código Civil diz, no artigo 159, que "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano", está desta forma indicando "qual è la reazione dell’ordinamento giuridico alla commissione del fatto illecito, razione che, in quanto tale, ha caracttere sanzionatorio." O dever de indenizar representa por si a obrigação fundada na sanção do ato ilícito. A regra neminem laedere insere-se no âmago da responsabilidade civil...na solução dos interesses em conflito, o direito, como processo social de adaptação, estabelece aquele que deve prevalecer, garantido-o através de coerção até mesmo física, preventiva ou sucessiva, que não é desconhecida também no direito privado....Assim, pode acontecer que, para induzir alguém a que se abstenha da violação de um preceito, o direito o ameace com a cominação de uma mal maior do que aquele que lhe provocaria a sua observância...Nesse caso – assinala Carnelutti – tem-se a sanção econômica do preceito ; e os meios de diferentes espécies, que visam assegurar a observância do preceito, recebem justamente o nome de sanção, pois sancionar significa precisamente tornar qualquer coisa, que é o preceito, inviolável e sagrada..."

Após referir-se ao caráter aflitivo conjugado ao satisfativo como característicos da sanção implícita na obrigação de indenizar, continua e completa o Mestre :

"O direito moderno sublimou, assim, aquele caráter aflitivo da obrigação de reparar os danos causados a terceiro, sob a forma de sanção legal que já não mais se confunde – embora conserve certos resquícios – com o rigoroso caráter de pena contra o delito ou contra a injúria, que lhe emprestava o antigo direito, apresentando-se agora como conseqüência civil da infração de conduta exigível, que tiver causado prejuízo a outrem...Aliás, segundo registra Hugueney, são numerosas as manifestações do direito moderno, apoiadas na tradição histórica do caráter punitivo da sanção legal, não só em matéria de responsabilidade civil, como igualmente em outros domínios do direito privado...nessas condições, tem-se portanto que o fundamento ontológico da reparação dos danos morais não difere substancialmente, quando muito em grau, do fundamento jurídico do ressarcimento dos danos patrimoniais, permanecendo ínsito em ambos os caracteres sancionatório e aflitivo, estilizados pelo direito moderno.."

No mesmo sentido é o entendimento de Carlos Alberto Bittar (Reparação Civil por Danos Morais, RT. 3ª ed., pg. 26. ), ao discorrer sobre a necessidade da reparação específica :

"Mas interessa também ao lesado a reconstituição de sua situação pessoal, ou, pelo menos, a minoração dos sacrifícios suportados por força de danos ocorridos. Importa, por fim, atribuir–se ao lesante os reflexos negativos resultantes de sua atuação, diante da subordinação necessária à manutenção da tranqüilidade social. Nessa linha de raciocínio, preenche a teoria em estudo os fins de chamar à reparação o lesante e sancioná-lo pelos danos produzidos a outrem, realçando-se, em sua base, a forte influência da Moral." ( grifamos )

Do mesmo sentir compartilha CAio Mário da Silva Pereira (Responsabilidade Civil, 9ª ed., Forense, 1.990, pg. 60), ao abordar os fundamentos da indenização por danos morais :

"O problema de sua reparação deve ser posto em termos de que a reparação do dano moral, a par do caráter punitivo imposto ao agente, tem de assumir sentido compensatório..." (g.n.)

Veja-se : para o Mestre Caio Mário o caráter punitivo é mesmo suposto, subentendido na norma e precedente ao aspecto compensatório da indenização.

Também Maria Helena Diniz (Curso de Direito Civil Brasileiro, Saraiva, 11ª ed. 1° V, pg. 292) enfatiza a sanção civil encarnada na reparabilidade do ato ilícito, ao lado da função compensatória :

"...quando a vítima reclama a reparação pecuniária em virtude de dano moral que recai sobre a honra, no profissional e família, não pede um preço para sua dor, mas apenas que se lhe outorgue um meio de atenuar, em parte, as conseqüências do prejuízo. Na reparação do dano moral, o dinheiro não desempenha a função de equivalência, como no dano material, porém, concomitantemente, a função satisfatória e a de pena..." ( grifamos )

A rigor, falar em compatibilidade do caráter punitivo neste contexto não é a forma mais correta de abordagem do tema, pois o que é do próprio corpo e com ele funciona guarda com este relação de adequação, e não de compatibilidade. Não haveria sentido em tratarmos da compatibilidade ou incompatibilidade do coração que bate no peito de um ser com o próprio corpo deste ser, a menos que advenha este coração de outro corpo e esteja implantado.

Tome-se em conta, ainda, que pena, como sanção, não é vocábulo exclusivo da seara criminal.

Em análise mais abrangente sobre a normatividade do sistema jurídico, Tercio Sampaio Ferraz Junior (Introdução ao Estudo do Direito – Técnica, Decisão, Dominação, Atlas, 2ª ed., pg. 145.leciona) :

"...Deste modo, porém, a imputação de penas é comum ao Direito Civil, tradicionalmente privado, e ao Direito Penal. A única circunstância plausível para distinguir as sanções civis e as penais está em que as relações sancionadaas com as últimas ( a propriedade, a honra, a liberdade) são consideradas de tamanha relevância, estando em jogo um interesse público tão manifesto, que a elas se atribuía natureza de direito público..."

Sim, porque existem penas civis, criminais e administrativas.

Basta ver que o próprio Código Civil prevê inúmeras penalidades, sanções mesmo, com caráter aflitivo pela desobediência a um seu comando.

O Código Civil de 1.916 refere-se mesmo à cláusula penal no artigo 916, sem que haja, ali, qualquer relação com crime. O mesmo ocorre nos artigos 408 e seguintes do novo Código Civil.

Há outros aspectos.

No campo criminal, há a necessidade de prévia positivação e sistematização dos fatos tipificados como ilícitos criminais devido ao interesse público e social prevalecente, e à vista da invasividade drástica das penas – privação de liberdade do indivíduo - de modo que o sancionamento deve ser precedido da taxatividade das normas incriminadoras, em numerus clausus, nos termos da Constituição Federal, do Código Penal, da legislação especial e da legislação esparsa.

No domínio estritamente civil, a multiplicidade e a complexidade das relações estabelecidas no convívio social são tamanhas, que não seria possível enumerar previamente, com tal taxatividade descritiva, todas as condutas omissivas ou comissivas revestidas de potencial suficiente ao cometimento de ilícito hábil à geração de dano moral e da obrigação de indenizar. Ademais, prepondera aqui o interesse particular, sem exclusão, é certo, do interesse social. Assim porque, verificados a culpa (lato sensu), o dano e o nexo de causalidade, a sanção recairá não sobre a pessoa do lesante, mas sobre seu patrimônio, apenas.

A admitir-se a exigência de prévia cominação legal, em rol taxativo, da pena aflitiva no âmbito da responsabilidade civil, sem consideração ao preceito geral punitivo implícito no artigo 159 do Código Civil Brasileiro, a indenizabilidade dos danos morais ficaria condicionada à vigência de uma espécie de "Código dos Ilícitos Civis", onde se descreveriam, em abstrato e por sistematização articulada, os tipos causadores de danos morais, o que contrariaria a própria estrutura do direito civil brasileiro.

Bem por isso Caio Mário da Silva Pereira (op.cit., p.58) se refere à previsão constitucional ampla e genérica no tocante aos danos morais :

"...A Constituição Federal de 1988 veio pôr uma pá de cal na resistência à reparação do dano moral. O art. 5º, no X, dispôs: ‘são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito da indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação’. Destarte, o argumento baseado na ausência de um princípio geral desaparece. E assim, a reparação do dano material integra-se definitivamente em nosso direito moral. É de acrescer que a enumeração é meramente exemplificativa, sendo licito à jurisprudência e à lei ordinária editar outros casos. Com efeito: Aludindo a determinados direitos, a Constituição estabeleceu a mínima. Não se trata, obviamente de "numerus clausus", ou enumeração taxativa. Esses, mencionados nas alíneas constitucionais, não são os únicos direitos cuja violação sujeita o agente a reparar. Não podem ser reduzidos, por via legislativa, porque inscritos na Constituição. Podem, contudo, ser ampliados pela legislatura ordinária, como podem ainda receber extensão por via de interpretação, que neste tear recebe, na técnica do Direito Norte-Americano, a designação de "construction". Com as duas disposições contidas na Constituiçãode 1988 o princípio da reparação do dano moral encontrou o batismo que o inseriu em a canonicidade de nosso direito positivo. Agora, pela palavra mais firme e mais alta da norma constitucional, tornou-se princípio de natureza cogente o que estabelece a reparação por dano moral em o nosso direito. Obrigatório para o legislador e para o juiz..." ( grifamos )

Basta notar que no título referente aos atos jurídicos, a partir do artigo 81, o Código Civil traça apenas os fundamentos gerais e os aspectos genéricos a serem obedecidos como condição de sua licitude.

Depois, no artigo 159, ainda de forma genérica, prescreve o balizamento para a aferição da ilicitude dos atos civis, aos quais nem mesmo, a rigor, confere o status de ato jurídico.

Portanto, no tocante ao caráter punitivo das indenizações por danos morais, não há conflito entre o mundo civilista privado e o mundo criminalista público, sendo perfeitamente cabível a imposição de pena aflitiva ao causador dos danos desta natureza, tal como indica o caráter punitivo que se lhe imprime já implicitamente o sistema como um todo e o artigo 159 do Código Civil.

Leve-se também em conta que a tão só previsão legal autorizativa da sanção punitiva não basta para servir de desestímulo ao potencial agente de uma lesão de natureza moral.

A norma em abstrato, definitivamente, não constrange por si só à sua obediência. Há que se impor sanção, como forma de coerção.

Ensinando com a sua peculiar autoridade, o Mestre Gofredo Telles Junior assim discorre sobre a coerção psíquica da norma, em seu " Iniciação na Ciência do Direito ", às pgs. 95/96 :

" Poder-se-ia pensar, quem sabe, que a norma jurídica exerce coação pelo simples fato de existir. Estando em vigor, a norma intimida: todos têm receio de violá-la. Essa intimidação, esse receio constituem uma coerção psíquica, que a norma exerce sobre toda a coletividade. E tal coerção é uma forma que também se poderia chamar de coatividade. Considerada como contínua coerção psíquica, essa coatividade pareceria definir, com propriedade, a norma jurídica, porque ela existiria independentemente de qualquer violação do Direito. Com tal acepção, a coatividade constituiria uma qualidade da norma jurídica, ainda mais característica, quem sabe, do que a qualidade autorizante dela. Um flagrante equívoco, porém, invalida essa teoria. O que intimida, o que causa receio, não é, certamente, a própria norma, mas a idéia do que poderá ocorrer, como conseqüência da viola ção da norma. A intimidação e o receio, inibidores da violação, não se prendem diretamente à norma jurídica. Resultam, isto sim, da previsão das providências que, autorizado pela norma violada, o lesado poderá tomar contra o violador. O que intimida, o que causa receio, não é a norma jurídica, não é a regra num pedaço de papel, O que intimida, o que causa receio, é a reação do lesado, após a ação violadora da norma; é a coação legal, que o lesado fica autorizado a exercer. O violador potencial não tem medo da norma. Ele tem medo do lesado. Logo, se alguma coerção psíquica existe, ela é exercida pela eventual previsão, feita na mente de algum violador potencial, das conseqüências prováveis de um ato ilícito..."

De fato, compreendida a função punitiva como ínsita ao preceito geral da obrigação de indenizar no campo da responsabilidade civil, o valor da indenização deverá abranger ambos os fatores : compensatório e desestimulador. Somente assim a coercitividade terá vida prática.


4. O ARBITRAMENTO DO VALOR INDENIZATÓRIO.

Inexistindo critérios objetivos traçados em lei para chegar-se diretamente ao valor da indenização, e porque é mesmo da essência do dano moral não possuir medida material ou física correspondente, adotou-se o arbitramento como melhor forma de liquidação do valor indenizatório.

A regra está contida no artigo 1.553 do Código Civil :

"Art. 1.553. Nos casos não previstos neste capítulo, se fixará por arbitramento a indenização."

O arbitramento também é prescrito nestas hipóteses pelo novo Código Civil, que dispõe :

"Art. 953. A indenização por injúria, difamação ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas resulte ao ofendido.

Parágrafo único. Se o ofendido não puder provar prejuízo material, caberá ao juiz fixar, eqüitativamente, o valor da indenização, de conformidade com as circunstâncias do caso."

Desse modo, judicializada a lide e, ao cabo da instrução probatória, ocorrendo suficientes elementos para a condenação, desde logo cabe ao juiz, na sentença, proceder ao arbitramento do valor da indenização.

Esse arbitramento, embora impropriamente tido como liquidação da indenização, dá-se no momento imediatamente posterior à verificação da prova do fato danoso e da obrigação de indenizar, e vem no próprio corpo da sentença.

Vigora o consenso jurisprudencial e firmou-se a maioria doutrinária no sentido de que a fixação do valor da indenização, por arbitramento do juiz, deve dar-se na própria sentença condenatória.

Em recente julgado, o Superior Tribunal de Justiça assim reiterou o seu posicionamento :

"... o arbitramento da indenização por danos morais pode, sim, ser feito desde logo, mesmo que haja pedido para que o quantum seja apurado em liquidação, " buscando dar solução definitiva ao caso e evitando inconvenientes e retardamento da solução jurisdicional" (Resp n° 331.295, SP, Relator o eminente Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJU de 04.02.2002)."

(EDcl no EDcl no AgRg no Agravo de Instrumento n° 309.117-SP, Relator o Sr. Ministro Ari Pargendler )

Tal momento decisório, de suma importância nas causas desta espécie - justamente porque materializa a entrega efetiva da prestação jurisdicional reivindicada - enseja o primeiro ponto nodal a ser ultrapassado.

Cuida-se, num primeiro momento, de estabelecer os objetivos a serem buscados com a condenação, de modo a adequar o julgamento aos comandos principiológicos da responsabilidade civil.

É preciso adequar o julgamento aos objetivos a serem alcançados com a condenação, e adotar critério e modo de se atingir efetivamente tais desideratos.

A moderna noção de indenização por danos morais, quanto aos seus objetivos imediatos e reflexos, respectivamente, funda-se no binômio "valor de desestímulo" e "valor compensatório".

Vale dizer que o valor a ser fixado pelo juiz deve prestar-se a um só tempo ao atendimento destas duas finalidades atributivas da condenação pecuniária.

Quanto ao primeiro termo, por seu peso nas finanças do causador do dano, objetiva-se dissuadi-lo a não perseverar na prática lesiva, de modo que ele, e outros indivíduos cientes da decisão, não mais venham a sujeitar outras vítimas à mesma lesão suportada pelo lesado, tudo com vistas ao objetivo maior de preservar a paz social.

No que concerne ao segundo termo, busca-se atribuir à vítima um lenitivo para o dano sofrido, ainda que apenas de forma relativa, compensatória, e não absoluta em termos de valor, dado que o dano moral não tem medida física.

Parte-se, depois, para a adoção dos critérios norteadores da fixação do valor específico da condenação, levando-se em conta o grau de culpa do agente do dano, eventual culpa concorrente do lesado, as circunstâncias peculiares ao caso e a situação sócio-econômica das partes.

Esta fase de verificação, embora comumente confundida com aquela acima exposta quanto aos objetivos da condenação, dela é nitidamente distinta.

Aqui, buscam-se critérios para a quantificação da indenização. Lá, estabelecem-se fins a serem buscados com a condenação e seu valor monetário.

Amadurecido o processo e diante do momento propício para o arbitramento, o juiz fica necessariamente submetido ao princípio inserido no artigo 93, IX, da CF e à previsão do artigo 131 do CPC, devendo fundamentar e motivar os elementos de sua convicção quanto aos aspectos norteadores do arbitramento em curso, explicitando o caminho percorrido até chegar ao montante indenizatório.

Note-se que partimos aqui do pressuposto de que o pedido mediato do autor dirige-se ao recebimento de uma indenização pecuniária, sem prejuízo de se considerar também cabível pretender-se uma condenação ao cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, ou mesmo de dar coisa certa, como nos casos em que se pede a retratação formal ou o cumprimento de ato de desagravo.

O Juiz de Direito, de todo modo, pode dar somente o que é pedido, nos termos da petição inicial.

A questão prática que concerne ao montante das indenizações por danos morais - e que é, a bem da verdade, o pano de fundo e o leitmotiv das oposições que lhe fazem - surge somente porque, ao explicitar os critérios utilizados para a fixação da indenização, os juízes são obrigados à expressa referência ao caráter punitivo como componente da mensuração do valor, justamente como mandam a ordem constitucional e a lei processual.

Importante notar que este procedimento confere a devida segurança ao réu eventualmente condenado, pois lhe permite visualizar a expressa menção, no corpo da sentença, dos elementos que informaram a convicção do magistrado, possibilitando alavancar recurso que ataque justamente tais elementos de convencimento para o feito de redução do valor de desestímulo.

De outro modo, fosse o magistrado constrangido ao não acolhimento e aplicação do caráter punitivo, pouca ou nenhuma diferença prática ocorreria quanto à fixação do valor final da indenização.

Basta tomarmos como exemplo um caso hipotético no qual, ao prolatar a sentença, o juiz deixa expresso e claro na fundamentação que está aplicando o critério de imposição do valor compensatório aliado ao fator punitivo, e fixa o valor da indenização num total de R$10.000,00.

No mesmo caso, poderia perfeitamente o juiz, dentro de seu livre convencimento, fundamentar a quantificação com expressa menção apenas quanto ao fator compensatório, sem nada consignar sobre o fator de desestímulo ou o valor punitivo, ou até firmar posição contrária à imposição destes, mas terminando por fixar a indenização nos mesmos R$10.000,00.

Tudo continuaria dentro de seu livre convencimento motivado, e compreendido no arbitramento realizado.

Diga-se, ainda, que poderia ocorrer desta forma mesmo que em vigor eventual lei limitadora dos valores das indenizações, pois o arbítrio do juiz poderia deslocar-se quantitativamente dentro das faixas limítrofes fixadas pelo legislador.

Há ainda, uma incongruência que merece ser apontada e dirimida.

Afirma-se que dano moral não tem medida, e que por isso não pode ser quantificado matematicamente, como tende a ser a redução nominal do valor da indenização.

O que se quer dizer, portanto, é que o dano moral não se mede como objeto material, mas apenas imaterial. Tanto que nunca existiu, por parte dos julgadores, a pretensão de mensurar o dano moral em si mesmo, mas apenas a indenização a ele correspondente, compensatória e ao mesmo tempo punitiva.

Julgando caso relativo a danos morais, e vindo à baila o tema do preço da dor, o Ministro Néri da Silveira referiu-se em seu voto à seguinte passagem doutrinária :

"...Extraímos do magistério de J. Cretella Jr., que o pretium doloris, próprio ou de pessoa da família, inclui-se na categoria dos danos morais, prejuízos que não atingem direitos patrimoniais, mas direitos ligados ao nome, à honra, à vida, à integridade física ou espiritual e que o dano moral há que ser entendido como a lesão sofrida no patrimônio ideal do indivíduo, que envolve o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico (in J. Cretella Jr., Comentários à Constituição de 1988, Forense Universitária, vol. I, pág. 260). Assim, o que se busca, na verdade, é uma satisfação simbólica, tendo em vista o sofrimento infligido aos familiares, visto que não há como mensurar a dor sentida pelos mesmos. No entanto, a dificuldade na fixação do quantum a ser ressarcido pelo dano não há que ser argumento suficiente para obstar a reparação, pois como observado pelo Mestre Cretella Jr. "Se no próprio ressarcimento do dano material, em que o valor de uso e o valor de troca raramente coincidem, o ressarcimento nunca é perfeito, completo, integral, satisfatório do prisma do lesado, havendo sempre, por parte deste, a sensação de injustiça, como pretender que o dano moral seja ressarcido de modo total, completo, justo ? E, se isto é praticamente impossível, pela natural dificuldade do cálculo, não se deve erigir tal barreira como argumento contrário à reparação total, ou pelo menos se faça tentativa sincera para a obtenção desse desideratum".(ob.cit.)" (RE nº 222.795, Rel. Min. Néri da Silveira, julgado em 08.04.02, DJ 24.05.02, unânime.) ( grifos do original)

O que se almeja, portanto, não é uma satisfação absoluta, mas relativa, quanto ao valor de compensação.

Mas afirma-se, também em linha de argumento, que a indenização deve corresponder somente ao montante correspondente ao dano efetivamente sofrido, e isso a título unicamente compensatório, eis que encontrando limites na Constituição Federal e no artigo 944 do novo Código Civil.

Quanto ao primeiro ponto, diz-se assim porque a Carta Magna, no artigo 5°, X, refere-se à indenização decorrente do dano moral, e haveria aí a imposição de limite, quiçá dentro dos lindes do valor compensatório.

Depois, porque o artigo 944 do novel Código Civil manda medir a indenização pela extensão do dano, daí se abstraindo limite também para a indenização por danos morais.

Ora, a Constituição não impõe qualquer limite ao valor das indenizações, sejam elas por dano moral ou material.

Não é dado ao intérprete restringir onde texto da lei não restringe expressamente.

Assim, se a Constituição garante a indenização por danos morais, e não impõe qualquer limite expresso, é porque a indenização deve ser ampla, segundo a extensão do dano e aferida a sua amplitude por arbitramento do juiz.

O artigo 5°, X, da CF assegura o direito à indenização por decorrência da violação dos direitos ali mencionados, mas não prevê ou impõe correspondência com a extensão do dano.

Trata o texto constitucional apenas da valoração abstrata dos fatos hábeis a ensejar um dano moral, mas nunca se referindo à extensão do dano e muito menos dispondo sobre a quantificação da indenização ou sobre critérios para a sua aferição.

A CF, portanto, não restringe a indenização à mera compensação pelos danos morais sofridos, e menos ainda cuida ou sob qualquer ângulo delimita a quantificação das indenizações, mas apenas trata da qualificação de certos fatos que, abstratamente, são tidos como aptos a ensejar a obrigação de indenizar.

O termo extensão, ademais, não significa limite.

O universo sideral tem extensão. Mas não tem necessariamente limite.

O artigo 944 do diploma citado, ao contrário de limitar, conferiu amplitude ilimitada ao valor das indenizações por danos morais, certo que sujeitando-o ao crivo do arbitramento equânime, eqüitativo e fundamentado do magistrado.

Tratando do tema da amplitude e da limitação das indenizações por danos morais, assentou o Superior Tribunal de Justiça, em acórdão relatado pelo Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira :

"...Segundo se tem assinalado, a vigente Constituição, ao prever indenização do dano moral por ofensa à honra, pôs fim à responsabilidade tarifada prevista na referida lei especial, que previa um sistema estanque, fechado, de responsabilidade dos danos praticados pela imprensa. O mencionado Arruda Miranda, a refletir a doutrina, se põe com tal posicionamento, sustentando que " a Constituição Federal de 1988 acabou com as limitações de tempo e valor para as ações de reparação de danos materiais e morais, ao dispor, em seu artigo 5°, X, que " são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito de indenização pelo dano material e moral decorrente de sua violação" (Comentários à Lei de Imprensa, 3ª ed., RT, n° 713, p. 733)"

Assente, portanto, que onde a lei infra-constitucional previa limite ao valor indenizatório por danos morais, foi tachada de ineficaz por inconstitucionalidade flagrante, e o mesmo se dará com qualquer lei que venha a ser editada com o mesmo objetivo.

Interessante é a indagação que se apresenta quanto ao cabimento da imposição de um valor a título de caráter punitivo nas indenizações por danos morais ao quando não se dá o mesmo nas indenizações por danos materiais.

As objetividades jurídicas são distintas.

Para a verificação e materialização da responsabilidade civil por danos materiais não tem relevância o grau de culpa do agente, bastando que tenha agido com culpa, em qualquer intensidade, para que seja obrigado à reparação do dano ou ressarcimento do gasto feito para a sua reparação. O valor indenizatório, no caso, está limitado e se mensura pela extensão do dano material, de palpável aferição e delimitação.

Nos casos de indenizações por danos morais, o grau de culpa do agente tem relevo e prepondera para a valoração do dano e a fixação do montante indenizatório, justamente porque aqui o dano é imaterial, moral como se diz, sem medida física constatável.

Por isso é que, nos danos materiais, prescinde-se da imposição do valor de desestímulo, pois o dano é limitado ao corpo físico vulnerado.

Tanto assim que o Superior Tribunal de Justiça cristalizou o entendimento expresso na súmula n° 37 :

" São cumuláveis as indenizações por dano material e moral oriundos do mesmo fatos." (sic)


5. HÁ MESMO NO BRASIL UMA "INDÚSTRIA DO DANO MORAL"?

Alardeia-se o temor de que, por meio de indenizações por danos morais, levar-se ao enriquecimento indevido e/ou sem causa do recebedor da indenização, e/ou ao empobrecimento do devedor da indenização.

Não se olvida o princípio geral que manda dar a cada um o que é seu, e que resume o ideal maior de justiça.

O que é salutar que se evite no âmbito das indenizações por danos morais, ainda que diante da sua saudável proliferação, é o enriquecimento desmedido e desproporcional em relação às características e à dimensão da lesão em si mesma, e à condição do lesado e do lesante, mas não qualquer enriquecimento.

Neste sentido, desmedido e indevido seria o acréscimo de um valor indenizatório que levasse a vítima a saltar de um patamar sócio-econômico para outro mais elevado, tornando remediado quem era pobre, rico quem era apenas remediado, e milionário quem era tão somente rico.

Assim, mesmo para quem recebe um salário mínimo mensal ou milhares deles como paga de seu trabalho, o recebimento de um real que seja, e apenas um real, importa em substancial e efetivo enriquecimento, porque o valor acresceu ao que normal e ordinariamente é percebido pelo beneficiado, de modo que o que enriquece é o acréscimo em si, e não o seu montante, isoladamente.

Sob outro ângulo, não se tem caracterizado o propalado enriquecimento indevido ou ilícito, ou até mesmo o locupletamento ilícito por vezes aventado.

Ocorre que até chegar ao valor final da indenização o lesado – credor da obrigação - teria necessariamente percorrido todo o longo caminho imposto pelo devido processo legal, não se podendo admitir desta forma que, forjado o valor indenizatório sob o crivo e com a chancela do Poder Judiciário, e qualquer que seja o quantum da condenação transitada em julgado – frise-se, transitada em julgado - a título de danos morais, tenha ocorrido enriquecimento indevido ou ilícito, e muito menos locupletamento deste ou daquele.

Neste passo, jamais seria indevido ou ilícito o enriquecimento advindo de indenização recebida e fixada em dado patamar ao longo de fundamentada e motivada decisão judicial, prolatada ao cabo de ação judicial regularmente proposta e processada.

Sob o prisma do empobrecimento de quem paga a indenização, aplica-se inversamente o que acima foi exposto, ressaltando-se apenas que a indenização, se for irrisória diante do poder econômico do ofensor, poderá redundar, ao contrário do que se almeja, em estímulo a novas práticas lesivas pelo agente, e novo dano imaterial e psíquico ao lesado, que se sentirá desmerecido da ampla e devida proteção estatal, ainda que provados o fato da lesão moral e a sua extensão danosa.

Fala-se também em enriquecimento sem causa quando oriundo das indenizações por danos morais.

Vejamos : faltará causa somente quando o valor da indenização escapar ao que alguns convencionam como razoável, ou assim ocorrerá quando não houver fato provado a justificar a indenização ?

Na primeira hipótese, parte-se de premissas falsas para chegar à conclusão desejada, mas não menos falsa, e que é assim resumida : " a indenização por danos morais só seria legítima quando baixo o seu montante e fosse, no máximo, equivalente ao valor do dano material sofrido, apenas para fins compensatórios. Além disso, seria mesmo imoral pleitear e obter indenização por danos morais."

Ora, o dano moral pode ocorrer sem que tenha corrido qualquer dano material.

Ademais, o termo "moral", nesse campo do direito, antes de designar propriamente um dado comportamental afeito aos bons costumes, quer significar um dano não-material, por contraposição ao dano material.

Conjugando-se a dita falta de causa com as alegadas cifras milionárias das condenações, concluir-se-ia haver se instaurado um verdadeiro mecanismo de distribuição de renda no Brasil, a despeito das variadas e sucessivas tentativas promovidas pelo governo a longo tempo, todas sem êxito.

Entretanto, para justificar a teoria do "dano moral imoral", recorre-se sempre a casos pontuais e extravagantes e que correspondem a uma pequena parte restrita às exceções diante de uma avassaladora maioria em que nada de excepcional se verificou, sem considerar os inúmeros pedidos que são julgados improcedentes, justamente porque os fatos da causa não ensejaram qualquer dano moral significativo a ponto de permitir a condenação.

A reboque da folclórica e imaginativa "indústria dos danos morais", chega-se a imaginar a transformação do Poder Judiciário em verdadeiro cassino, onde pessoas mal-intencionadas recorreriam às Cortes em busca das nefastas indenizações milionárias.

A afirmação é grave, e revela a real intenção dos tantos quantos se opõem às indenizações por danos morais em quantias que os incomodem eficazmente, mas que ainda não os têm dissuadido da prática de reiteradas práticas lesivas.

O que tem incomodado mesmo alguns setores – justamente aqueles que mais têm sido condenados ao pagamento de indenizações por danos morais - é a eficácia incontestável do valor das indenizações concedidas, e assim ocorrendo porque representam um peso considerável nos cofres do lesionador obrigado à indenização.

Segundo pensam, dar-se-ia algo como "pediu, ganhou", embora seja evidente que não ocorre desta forma. Como antes mencionado, ao lado dos pedidos acolhidos, há inúmeros outros repelidos pelo Poder Judiciário.

Considere-se também, como dito, que todas as indenizações são concedidas no âmbito de uma ação judicial e do seu correspondente processo, mediante apresentação de petição inicial elaborada por advogado legalmente habilitado e portador de capacidade postulatória, sendo impositiva a obediência aos deveres previsto no artigo 14 do Código de Processo Civil, presumida antes e acima de tudo, a boa-fé do litigante, cabendo ao interessado a prova do contrário.

Assim, com antes referido, provados os fatos descritos na causa de pedir, e sendo eles aptos a ensejar os danos morais pleiteados, julga-se procedente o pedido, sujeitando-se a sentença ao recurso próprio. Tudo mediante o devido processo legal, com oportunidade de ampla defesa e estrita obediência ao contraditório.

Nos casos em que há exagero nas condenações, tem o Superior Tribunal de Justiça exercido com presteza a revisão dos valores, de modo a adequá-los a parâmetros razoáveis segundo aqueles critérios referidos no início.

É preciso considerar, ainda, que os juízes têm, antes de mais nada, o bom senso suficiente e o necessário equilíbrio necessários para o arbitramento das indenizações, embora queiram alguns desenhar o ato do arbitramento dos valores indenizatórios como um momento perigoso e nefasto.

Mas só quando se trata de arbitramento de indenizações por danos morais.

Quando o juiz, por exemplo, arbitra os honorários do advogado, nos termos dos artigos 22, § 2°, da lei 8.906/94 ou na forma do artigo 20, do Código de Processo Civil, nada há de errado e nem se visualiza perigo nisso.

Por fim, é bem oportuno louvar as sábias palavras do Ministro Francisco Rezek, ao proferir voto vista no RE 172.720, julgado em 06.02.1996, DJ de 21.02.07 :

"...Tenho para mim que a razão de se haver produzido, no plano internacional, uma imagem do Brasil como o "país da impunidade", e de se haver forjado em nossas próprias consciências a idéia penosa de que temos vivido no país da impunidade, não é só a suposta leniência do foro criminal. Isto, na realidade, é o resultado da fiel aplicação da lei quando o processo penal não oferece prova idônea à condenação. Penso que, no plano do direito criminal, a impunidade é quase sempre o resultado da nossa situação econômica, no que concerne à alocação de verbas idôneas para que a máquina policial funcione a contento, e para que a prova no juízo criminal seja sólida o bastante, de modo que juízes conscienciosos possam proferir condenações. Em alguns casos não é isso. Em alguns casos a leniência é ideológica, como na sabida tendência do tribunal do júri a absolver homicidas em nome do bisonho argumento da legítima defesa da honra. Volto ao que agora nos interessa: receio que seja também ideológica a leniência do foro cível — que responde, tanto quanto o foro criminal, pela imagem do "país da impunidade" — no domínio das relações do cidadão, visto na sua qualidade de consumidor, com todas as forças estabelecidas no plano econômico: o comerciante, o industrial, o prestador de serviços, o banqueiro, o próprio Estado—empresário. A tendência do poder público diante dos reclamos do consumidor sempre foi — neste país mais do que nos outros — a de reagir com surpresa. O que é isto ? Que história é esta? Não é o caso de indenização; não é o caso de a pessoa sentir-se tão lesada; não é o caso de pedir em juízo reparação alguma. Parece-me que essa forma de leniência no foro cível deveria finalmente, à luz da Constituição de 1988, encontrar seu paradeiro, produzindo-se uma situação nova, condizente com os termos da Carta..."

Oxalá não passe o Brasil a ser também conhecido como o País das indenizações baratas, e que os modernos Nerácios não se perpetuem em desferir bofetadas impunes.


5. CONCLUSÕES.

Podemos, enfim, concluir que :

1.o caráter punitivo das indenizações por danos morais no Brasil guarda semelhança com os "punitive damages" do direito norte-americano, mas deles se distingue na forma de aplicação, na substância e na eficácia ;

2.nem é mesmo correto falar em compatibilidade do caráter punitivo com o sistema de responsabilidade civil do direito brasileiro, pois sendo ínsito e próprio do dito sistema, guarda como ele relação de perfeita adequação, muito mais do que de compatibilidade. As sanções advindas da normatividade jurídica não se restringem às penas de caráter criminal, mas também às penas de conteúdo civil, que dispensam, para a sua aplicabilidade, a enumeração taxativa dos tipos potenciais de lesão moral;

3.os valores das indenizações por danos morais aplicados no Brasil são razoáveis e até mesmo baixos, não servindo os casos excepcionais como fundamento para inquinar o todo condizente com o espírito da lei ;

4.a indenização por danos morais deve compensar o lesado e impor uma punição ao lesante, servindo como fator de desestímulo a novas práticas lesivas ;

5.a proliferação das indenizações por danos morais é salutar e reflete um dos aspectos inerentes á conscientização plena dos cidadãos, cabendo ao Poder Judiciário apreciar e julgar os pedidos, repelindo aqueles infundados e acolhendo os demais.


7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

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SOARES, Guido Fernando Silva. Common Law – Introdução ao Direito dos EUA, São Paulo. Ed. RT, 1.999.

8. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA.

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silva, Américo Luís Martins. O Dano Moral e a Sua Reparação Civil. São Paulo, Ed. RT, 2.002, 2ª ed..


Notas

1. Ver artigo da CF

2. Lembrar que na responsabilidade civil a pena incide no patrimônio, e no crime na própria pessoa do agente.

3. Conferir o termo em latim.



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA JUNIOR, Osny Claro de. O caráter punitivo das indenizações por danos morais: adequação e impositividade no direito brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3547. Acesso em: 24 abr. 2024.