Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/35789
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Busca Implacável 3 e o Direito Penal do Inimigo

Busca Implacável 3 e o Direito Penal do Inimigo

Publicado em . Elaborado em .

A censura é abominável. Mas também é abominável produzir obras cinematográficas para legitimar a barbárie, corromper o Direito Penal e sabotar o Estado de Direito.

O primeiro filme da trilogia Busca Implacável criou um contexto em que a tortura é justificável em razão da abominável conduta dos traficantes de mulheres na Europahttp://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/taken-a-busca-implacavel. O segundo filme explorou o conflito entre o Ocidente e o Oriente satanizando os habitantes da antiga Cortina de Ferro. O terceiro é ambientado nos EUA e veicula uma ideologia igualmente nociva.

Em Busca Implacável 3 o protagonista interpretado por Liam Neeson é injustamente perseguido por policiais em razão da morte da ex-esposa. O antagonista dele colocou-o em rota de colisão com um perigoso mafioso russo a quem devia dinheiro. O herói é, sem saber, levado a eliminar o russo e seus compardas para zerar a divida do vilão. No final a trama é descoberta e o antagonista, responsável pela morte da ex-esposa do agente secreto aposentado, acaba sendo preso.

Além de punir os responsáveis pela morte de sua ex-esposa, o herói consegue salvar a filha. O policial que o perseguia encerra a investigação apesar de Bryan Mills  ter matado vários russos, alguns deles à sangue frio.

A ideologia nociva veiculada pelo terceiro filme da trilogia Busca Implacável é evidente: em determinadas situações é necessário contornar a legalidade dentro do território dos EUA. Matar alguém é crime. A condição da vítima do homicídio pouco importa. Num Estado de Direito não há e não deve haver justiça privada. Portanto, o herói teria que responder pelos crimes que cometeu por engano. Mas isto não ocorre.

A liberação de Bryan Mills pelo policial sugere algumas conclusões. No imaginário dos idealizadores desta peça de propaganda ideológica disfarçada de filme de ação a vingança privada pode ser virtuosa e o assassinato de russos nos EUA não é crime ou não deve ser considera crime. Além de ser racista, Busca Implacável 3 sugere que o Estado de Direito deve ser uma exceção. As vítimas do protagonista (que representam o mal, os estrangeiros nocivos, os russos abomináveis etc) podem ser eliminadas sem culpa e sem medo de consequências jurídicas.

O filme comentado defende a tese de que o Direito Penal (que pune o homicídio) deve ter sua aplicação suspensa a critério do policial. O Estado não deve perseguir e punir os crimes cometidos por um homem bom que defendeu sua família. É evidente, portanto, que a obra fomenta a barbárie. O filme fornece legitimação cinematográfica para aqueles que acreditam em limpezas sociais baseadas no racismo, no elitismo e na crença de que algumas pessoas devem ter direitos e outras podem ser eliminadas impunemente.

Busca Implacável 3 causa repugnância a qualquer pessoa que acredite na virtude civilizatória do Direito Penal moderno, que protege a vida humana e permite a punição de qualquer criminoso. As exceções (legítima defesa, cumprimento do dever legal, etc...) existem, mas quem comete um crime não pode deixar de ser processado e somente será absolvido se sua culpa não for provada. Aqueles que acreditam na aplicação do Direito Penal do Inimigo*, doutrina nociva que tem influenciado indevidamente a jurisprudência criminal brasileira (especialmente quando a vítima do crime é um suspeito ou criminoso e o réu da ação criminal é policial) provavelmente gostarão deste filme que reforça sua ideologia brutal, irracional e contrária aos princípios civilizatórios contidos na CF/88.


 

*Os interessados em saber o que é o Direito Penal do Inimigo devem consultar o seguinte texto http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/proc_criminal/Boletins_jurisprudencia/BJ%20021.pdf



Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelo autor. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi.