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O processo civil: os princípios e a relação entre as partes demandante e demandada

O processo civil: os princípios e a relação entre as partes demandante e demandada

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O processo Civil. seus princípios e a relação entre a parte demandante e demandada.


Resumo:
O presente trabalho tratará do método através do qual atua a Jurisdição no âmbito cível, ou seja – o processo cível – assim, como, os seus princípios gerais, e a aplicação destes, em relação às partes – demandante e demandada. Portanto, serão analisadas as várias visões do processo, enquanto: procedimento, contrato, quase-contrato, relação jurídica, instituição jurídica, procedimento em contraditório etc., além dos princípios gerais a serem aplicados à quem demanda e a quem é demandado.
Palavras-chave: Processo Cível; Princípios; Parte demandante e parte demandada.
Abstract:
This paper will address the method by which operates Jurisdiction in civil context, that is – the civil process – as well as, its general principles, and the application of these in relation to the parties – plaintiff and defendant. Therefore, various views of the process will be analyzed as: procedure, contract, quasi-contract, legal relationship, legal institution, procedure in contradictory etc., beyond the general principles to be applied to those who demand and who is sued.
Keywords: Civil Procedure; principles; Applicant and respondent.
SUMÁRIO. INTRODUÇÃO. 1. Conceito. 2. As várias visões do Processo. 2.1. Processo e Procedimento. 2.2. Processo como contrato. 2.3. Processo como quase-contrato. 2.4. Processo como relação jurídica. 2.5. Processo como situação jurídica. 2.6. Processo como instituição jurídica. 2.7. Processo como procedimento em contraditório. 2.8. Processo como entidade complexa. 3. Princípios gerais do processo. 3.1. O devido Processo legal. 3.2. Princípio da efetividade. 3.3. Princípio da adequação e da adaptabilidade do procedimento. 3.4. Princípio do juízo natural. 3.5. Princípio da improrrogabilidade. 3.6. Princípio da indeclinabilidade ou da inafastabilidade. 3.7. Princípio da imparcialidade. 3.8. Princípio da ação ou da demanda. 3.9. Princípio do impulso oficial. 3.10. Princípio dispositivo e inquisitivo. 3.11. Princípio do contraditório. 3.12. Princípio da ampla defesa ou da amplitude do direito de ação. 3.13. Princípio da igualdade. 3.14. Princípio da cooperação. 3.15. Princípio da lealdade processual. 3.16. Princípio da duração razoável do processo ou da celeridade. 3.17. Direito fundamental à publicidade. 3.18. Princípio da motivação. 3.19. Princípio do duplo grau de jurisdição. 3.20.


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Princípio da persuasão racional do juiz. 3.21. Princípio da instrumentalidade das formas. 4. Partes. 4.1. Conceito. 4.2. Capacidade de ser parte. 4.3. Capacidade processual ou capacidade para estar em juízo. 4.4. Capacidade postulatória.
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por escopo tratar do Processo Civil que, como se sabe, é regulado pela Lei Processual Civil, sendo esta a fonte por excelência do Direito Processual.
É pacífico que o processo, juntamente, com a Jurisdição e a Ação, forma a denominada trilogia do Direito processual, e, assim sendo, o processo pode ser conceituado sob dois enfoques: sob o aspecto intrínseco, o processo é tido como sendo a relação jurídica estabelecida entre autor, réu e Juízo, essencialmente. Claro está que, não se pode descartar, jamais, a presença no âmbito processual, de terceiros, como por exemplo, o assistente e o denunciado à lide.
Ressalte-se que sendo a Jurisdição3 exercida por juízes e tribunais, não tem aplicação de ofício, havendo que existir a provocação da parte interessada, através da Ação, que por sua vez, inicia-se com a distribuição da petição inicial.
Entretanto, feita a provocação e iniciada a Jurisdição, não tem esta autonomia absoluta, posto que, deve ser regida pelo método estabelecido em lei, que é em si, o Processo. Mas, não se deve imaginar que o processo seja, tão somente, um instrumento a serviço da jurisdição, pois, o mesmo, além de validar, também disciplina a jurisdição. Isso decorre do fato de que a atuação estatal só será legítima se obedecer aos preceitos processuais.
Contudo, só há coerência tratar do Processo se analisarmos as normas processuais, que são compostas por regras e princípios. Estes últimos constituem-se por natureza, os denominados MANDAMENTOS DE OTIMIZAÇÃO, porque, determinam que algo seja cumprido, maximamente, em consonância com as possibilidades tanto fáticas quanto jurídicas de cada situação concreta.
Importante ressaltar, porém, que mesmo sendo o processo considerado uno, há nuances diferentes, que decorrem da natureza do direito material tutelado por cada espécie de processo.
Ademais, todos os princípios processuais devem encontrar-se em conformidade com o texto da nossa Lei Maior, ou, pelo menos, dar ou tornar efetiva, uma determinada garantia constitucional.
Por fim, trataremos dos principais sujeitos do processo, e sobre isso, já vimos que é tríplice a configuração processual, sendo formada, essencialmente, por Juiz, Autor e Réu. Não obstante, tal trilogia seja uma representação bastante simplificada dos sujeitos do processo, porque, conforme se sabe, também, são considerados sujeitos processuais os advogados, o Parquet, os
3 Considera-se a jurisdição em sentido figurado, por não ser esta um ato exclusivo dos juízes, e sim do órgão jurisdicional, sendo este integrado tanto por agentes públicos quanto por privados.
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servidores da Justiça, nas pessoas dos escrivães, oficiais de justiça, peritos, dentre outros, além, dos terceiros intervenientes no processo, a partir da sua instauração.
Entretanto, destacaremos no presente trabalho, as questões atinentes ao Processo Civil, bem como aos Princípios Processuais, em relação às partes, demandante e demandada.
1. CONCEITO.
Conforme nos ensina Elpídio Donizetti4 o processo sob o ponto de vista intrínseco “é a relação jurídica que se estabelece entre autor, juízo e réu (...), com vistas ao acertamento, certificação, realização ou acautelamento do direito substancial subjacente”. E o mesmo Douto Donizetti, afirma, ainda, que sob a perspectiva extrínseca, (o processo) “é o meio, método ou o instrumento para definição, realização ou acautelamento de direitos materiais”.
No que concerne aos princípios, o autor, supramencionado, nos ensina que: “são mandamentos de otimização, normas que ordenam que algo seja cumprido na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e fáticas de cada caso concreto”.
Quanto às partes, aqui trataremos, conforme, anteriormente, explicitado, com destaque às relações e princípios processuais, naquilo que respeitam mais, especificamente, a/s parte/s demandante/s e demandada/s.
2. AS VÁRIAS VISÕES DO PROCESSO.
2.1. Processo e Procedimento.
O termo processo provém do latim procedere (seguir adiante). Assim, é provável que, inicialmente, o processo haja sido confundido com procedimento – simples sucessão de atos processuais. Dessa forma, aqueles que se dedicavam ao estudo do processo, também se limitavam ao estudo de suas formas e atos. Eram os denominados, segundo Freitas Câmara5, “os praxistas, juristas que em suas obras não tiveram grandes preocupações teóricas, tendo se dedicado ao estudo do que hoje denominaríamos prática forense”.
Ocorre que, processo e procedimento, não devem ser confundidos, pois, têm conceitos bem distintos, a saber:
“O processo é o método pelo qual se opera a jurisdição, com vistas à composição dos litígios. É instrumento de realização da justiça; é relação jurídica, portanto, é abstrato e finalístico.”6
“Procedimento é o modus faciendi, o rito, o caminho trilhado pelos sujeitos do processo. Enquanto o processo constitui o instrumento do processo, a sua exteriorização.”7
E, ainda, segundo a proficiente doutrina do Mestre Humberto Theodoro Júnior:
4 DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil. 18ª ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 76.
5 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 16ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, vol. 1, p. 139.
6 DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático..., op. cit., p. 76.
7 Idem.
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“O processo, outrossim, não se submete à única forma. Exterioriza-se de várias maneiras diferentes, conforme as particularidades da pretensão do autor e da defesa do réu. Uma ação de cobrança não se desenvolve, obviamente, como uma de usucapião e nem muito menos como uma possessória. O modo próprio de desenvolver-se o processo, conforme a exigência de cada caso, é exatamente o procedimento do feito, isto é o seu rito.”8
Faz-se importante, distinguir, também, Processo de Autos, posto que, estes são a representação ou o registro dos atos processuais. Esta representação ou registro difere dos autos dos processos físicos, quando se compara aos autos dos atuais, processos virtuais.
Ademais, assim, como acontece com a Ação, o processo é autônomo. É que a sua instauração não está sob a dependência do direito material controvertido. Se provocada, haverá a atuação da Jurisdição, através do Processo, se o direito pleiteado pelo autor é-lhe ou não devido.
2.2. Processo como contrato.
Defendida por Pothier9, dentre outros, a teoria contratualista que vigeu nos Séculos XVII e XVIII, chegou a prevalecer sobre a denominada teoria procedimentalista do processo. A mesma impunha a ideia de que “as partes se submeteriam, voluntariamente, ao processo e a seus resultados por meio de um verdadeiro negócio jurídico de direito privado”. Assim, sendo, as pessoas não se obrigariam a comparecer em Juízo. Entretanto, se o fizessem, obrigar-se-iam ao cumprimento da decisão proferida pelo juiz. Tratava-se, pois, de um pacto, ou convenção para o processo.
Completamente ultrapassada, a teoria contratualista não se mostrou capaz de se coadunar com a moderna sistemática do processo substancial, posto que, ao ser proposta e admitida, a petição inicial, o réu estará obrigado a integrar a relação processual, a partir do momento em que seja efetivada a citação válida, independentemente da sua vontade. Ademais, as partes submeter-se-ão a todos os efeitos da decisão, após, o seu trânsito em julgado.
Hodiernamente, a teoria contratualista ainda serve de base ao processo arbitral, em virtude de que, nessa espécie de processo, a submissão à sentença/decisão do árbitro, decorrer do negócio jurídico firmado pelos litigantes.
2.3. Processo como quase-contrato.
Foi o francês GUÉNYVAU10, quem ainda no século XIX, criou a teoria defendendo que seria o processo, um quase-contrato, num aperfeiçoamento da denominada teoria contratualista. Havia, assim, o entendimento de que o processo deveria enquadrar-se entre os institutos do direito privado.
O que se alegava era que, não sendo contrato, o processo deveria ser um quase-contrato, porque a parte ingressante em juízo (demandante), já admitia que a decisão poderia ser-lhe
8 THEODORO JÚNIOR, Curso didático..., vol. I, op., cit. P. 42.
9 Jurisconsulto Francês, Robert Joseph Pothier (1699-1772).
10 GUÉNYVAU, Anault de. Du quase-contrat Judiciaire. Poitiers, 1859.
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favorável ou desfavorável. Dessa forma, ocorreria um nexo entre o autor e o juiz, ainda que, o réu não aderisse espontaneamente ao debate da lide.11 Tal tese não mais se aplica, hodiernamente.
2.4. Processo como relação jurídica.
Em sua obra – Teoria das Exceções Processuais e dos Pressupostos Processuais – Bülow12 desenvolveu a tese, de que o processo seria uma relação jurídica entre as partes e o juiz13, não se confundindo com a relação jurídica material discutida. Dessa forma, o autor, o réu e o Estado-juiz formam os principais sujeitos da relação processual, que são, também, objetos da prestação jurisdicional. São, pois, os requisitos, ou pressupostos processuais que lhe dão autonomia.
A representação gráfica da relação jurídica do que seria o processo gera divergência entre os defensores da teoria sub examine. Entretanto, a corrente que confere ao processo a natureza de relação jurídica é a atualmente, prevalecente.
2.5. Processo como situação jurídica.
Corrente criada a partir do gênio de Goldschimit14, para quem o processo seria um conjunto de situações jurídicas ativas, consideração dinâmica do direito, criadoras de deveres, poderes, faculdades e ônus para os sujeitos que dele participam, e não uma consideração estática do direito.
Assim, o processo criaria uma expectativa de prolação de provimento jurisdicional favorável, e, portanto, o que anteriormente seria um direito subjetivo, passaria a ser com a instauração do processo mera expectativa a ser concretizada quando do pronunciamento final.
Acontece que sendo o processo uma fonte de deveres, ônus e faculdades, não se pode considerar incompatível a assertiva de que o processo é uma relação jurídica. O processo, pois, é autônomo e existirá independentemente de haver ou não o direito material discutido. Sobre isso, assim se pronuncia Rosemiro Pereira:
“Toda aquela situação de incerteza, expressa em ônus, perspectivas, expectativas e possibilidades, refere-se à res judicium deducta, não ao judicium em si mesmo: o que está posto em dúvida, e talvez exista ou não, é o direito subjetivo material, não o processo.”15
As referidas observações permitiram que fosse considerada como superada a teoria do processo como situação jurídica. Mas, inegavelmente, a referida teoria teve sua relevância, pois, introduziu em relação ao processo, conceitos importantes, tais como: o de ônus, sujeição e relação funcional do juiz com o mesmo.
11 LEAL, Rosemiro Pereira, op. cit., p. 75-76.
12 Oskar Von Bülow, Jurisconsulto alemão (1837-1907).
13 O exercício da jurisdição não se personifica no juiz, haja vista que a relação é com o Estado-juízo.
14 James Paul Goldschimit, jurisconsulto alemão (1874-1940).
15 LEAL, Rosemiro Pereira. Op. cit., p. 78.
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2.6. Processo como instituição jurídica.
Havia o entendimento por parte dos defensores dessa teoria, de que o processo compreenderia não somente o resultado de uma combinação de atos tendentes a um fim, mas, também, abrangeria “um complexo de atividades relacionadas entre si pelo vínculo de uma ideia comum objetiva, adstritas às diversas volições individuais dos sujeitos, dos quais se origina a referida atividade.”16
Dessa forma, o processo seria, pois, uma instituição jurídica, submetida ao regime da lei e que regula a condição dos sujeitos, coisas e atos, tendentes à obtenção dos fins da jurisdição. Mas, é, também, atualmente, uma teoria obsoleta, posto que, encontra-se superada pela doutrina.
2.7. Processo como procedimento em contraditório.
Criada pelo processualista italiano Elio Fazzalari essa teoria propugna que o processo nada mais é do que um procedimento em contraditório, porque, para o ilustre processualista, “procedimento é uma série ou sequência de normas, atos e posições subjetivas que se conectam e inter-relacionam num complexo normativo próprio, constituindo a fase preparatória e obrigatória de um provimento, que é ato final de caráter imperativo”.
Assim, “tanto o ato final, em sua existência, quanto a própria validade desse ato, e consequentemente, sua eficácia, dependem do correto desenvolvimento do procedimento”.17
Dessa forma, o processo seria uma espécie do gênero procedimento, sendo qualificado, pelo contraditório, ou seja, pela abertura à participação das partes, em simétrica paridade, na formação da sentença ou do acórdão. Assim, ao invés da relação jurídica processual, além do procedimento, o que caracterizaria o processo seria, justamente, a abertura à participação das partes, em respeito à garantia constitucional, posto que, não existindo o contraditório, legalmente, não existirá processo.
Para o ilustre jurisconsulto mineiro Aroldo Plínio, existirá processo quando:
“houver procedimento realizando-se em contraditório entre os interessados, e a essência deste está na simétrica paridade de participação, nos atos que preparam o provimento, daqueles que nele são interessados porque sofrerão seus efeitos.”18
2.8. Processo como entidade complexa.
Doutrinariamente, a teoria que considera o processo como sendo uma entidade complexa, tem vultosa aceitação, pela elite dos doutrinadores pátrios, e é considerada uma crítica a todas as correntes, anteriormente, analisadas.
16 CINTRA, GRINOVER, DINAMARCO. Op. cit., p. 300.
17 GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo. Rio de Janeiro; Aide, 1992. p. 109-110.
18 GONÇALVES, Aroldo Plínio. Op. cit., p. 115.
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Um dos maiores entusiastas professadores dessa corrente é o jurisconsulto, Cândido Rangel Dinamarco.19 para quem o processo é integrado por dois elementos distintos, que por si sós, não o explicariam:
“o procedimento – série de atos interligados e coordenados ao objetivo de produzir a tutela jurisdicional justa, a serem realizadas, no exercício dos poderes e faculdades, ou em cumprimento a deveres e ônus – e a relação jurídica processual, que é o conjunto de situações jurídicas, ativas e passivas, que autorizam ou exigem a realização dos atos.”
Sendo assim, o conceito de processo “não se exaure no de procedimento, nem coincide com o de relação processual. Processo é, ao mesmo tempo, uma relação entre atos e uma relação entre sujeitos”.20
Donizetti21, assim se manifesta:
“Penso que a teoria de Dinamarco retrata com bastante fidelidade o fenômeno processual. Já dissemos que o processo é o método pelo qual atua a jurisdição. A provocação da jurisdição é feita com a observância de certas formas (art. 2º CPC), tanto que a petição inicial tem requisitos próprios, que não podem ser olvidados. Assim, ao distribuir a petição inicial (ação), o autor dá início ao processo, vinculando também o juiz da causa, que terá de despachar a inicial, seja para determinar sua emenda, para indeferi-la ou para determinar a citação do réu. Com a citação, a relação processual se completa e o réu também se vincula ao processo, sujeitando-se a ele. Autor e réu, quer queiram, quer não, se submeterão à decisão proferida.”
Diante do exposto, podemos inferir que o processo, em sentido subjetivo, compreende uma relação jurídica entre autor, juízo e réu, em conformidade com as regras do Direito, através do Código de Processo Civil, com os pertinentes efeitos jurídicos.
A relação jurídica que se estabelece através do processo é de direito público, posto que, serve à realização de uma função estatal, vinculando, também, além, de autor e réu, o órgão jurisdicional – sujeito de direito público. Ademais, o processo é autônomo, podendo ser instaurado, independentemente, da existência do direito material. Em síntese, o processo é autônomo e constitui uma relação jurídica de direito público, vinculante do autor, réu e juiz.
O processo compreende, também, a sequência de atos procedimentais, praticados pelas partes e pelo juiz, de forma conexa e sequenciada, sempre em observância às regras e princípios estabelecidos, podendo-se, pois, afirmar, que o processo é uma entidade complexa, sendo, também, uma relação jurídica autônoma, desenvolvida mediante procedimento, sendo este caracterizado, pela prática de atos processuais sequenciados.
Em resumo, o processo é “um meio, um método, um instrumento, um sistema – ou coisa que o valha – para definição de direitos materiais, método este imposto de forma cogente pela lei,
19 DINAMARCO, Cândido Rangel. Jurista, professor e desembargador aposentado do TJ/SP.
20 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 26.
21 DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático..., op. cit., p. 85.
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e que vincula, na composição do litígio, partes, juiz e demais participantes da relação processual”.22
É, portanto, através do processo, que o Estado presta a tutela jurisdicional, em face do direito de ação, assegurado, constitucionalmente, desde que haja a devida provocação da/s parte/s interessada/s.
3. PRINCÍPIOS GERAIS DO PROCESSO.
É pacífico ser o processo regido, pelas normas processuais, e que, sob a apurada ótica de Dworkin e Alexy, compreendem as suas regras e princípios.
Vejamos o que diz Donizetti, sobre os princípios:23
“Enquanto as regras se esgotam em se mesmas, descrevendo o que se deve e o que não se deve, o que se pode e o que não se pode, os princípios são mandamentos de otimização, normas que ordenam que algo seja cumprido na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e fáticas de cada caso concreto.”
Nunca é demasiado lembrar que, a regra básica do Direito Processual Civil, é o próprio Código de Processo Civil. Quando o estudamos, pois, devemos atentar para os princípios que regem o processo, sobretudo, o processo civil.
Poder-se-ia destacar que à primeira vista, não se registram acentuadas distinções entre o processo civil, o processo penal e o processo trabalhista, e isso se justificaria pelo fato do processo ser uno. Entretanto, ocorre, que as nuances existentes entre estas diversas espécies de processo, decorrem da natureza do direito material tutelado por cada uma dessas espécies processuais. Os procedimentos processuais são distintos, mas, na essência tudo é processo.
Outrossim, não se pode negar que, atualmente, vive-se uma certa efervescência no estudo do Direito Constitucional, com plena repercussão no Direito Processual. A ideia preponderante, hoje, é a de que a atual Constituição Federal tem força normativa, e assim, todos os direitos e garantias fundamentais, devem ter aplicação imediata, por força do seu art. 5º, § 1º. Em virtude dessa interpretação, o processo volta a ser discutido e estudado sob uma ótica constitucionalista, mas se deve adequar:
“À tutela efetiva dos direitos fundamentais e, além disso, ele próprio deve ser estruturado de acordo com os direitos fundamentais. No primeiro caso, as regras processuais devem ser criadas de maneira adequada à tutela dos direitos fundamentais. No segundo caso, o legislador deve criar regras processuais adequadas aos direitos fundamentais, respeitando, por exemplo, a igualdade das partes e o contraditório.”24
Na verdade a maior parte dos princípios atinentes ao processo, consta do texto constitucional, ou, são decorrentes da necessidade de se dar efetividade a alguma garantia constitucional.
22 DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático..., op. cit., p. 85.
23 DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático..., op. cit., p. 86.
24 DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil. Salvador: Juspodivm, 2008. P. 27.
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3.1. Princípio do devido Processo legal.
O devido processo legal constitui-se no postulado fundamental do processo. É, pois, o preceito do qual se originam e para o qual convergem todos os demais princípios e garantias fundamentais processuais.
Assim, é que se diz, que o devido processo legal, expresso no art. 5º, LIV, da Constituição Federal vigente, é, ao mesmo tempo, preceito originário e norma de encerramento do processo.
O devido processo legal é, pois, cláusula geral, aberta, geradora de princípios vários e autônomos, incidentes sobre toda e qualquer atuação do Estado, e não somente sobre o processo jurisdicional. É aplicado até mesmo às relações entre particulares, sem depender de mediação ou determinação do legislador infraconstitucional. É o que se denomina, eficácia horizontal dos direitos fundamentais.
Em reconhecimento à consagração da tese da aplicabilidade dos direitos fundamentais às relações privadas, o próprio STF já se pronunciou, anulando ato de Sociedade Civil de Direito Privado, a qual excluiu dos seus quadros, determinado sócio, sem prévio contraditório e ampla defesa, preceitos estes, decorrentes do devido processo legal. Ver (STF, RE 201819/RJ, 2ª Turma, rel. Min. Ellen Gracie, com acórdão rel. p/ Min. Gilmar Mendes, julgado em 11/10/2005).
Importante ressaltar que, o devido processo legal apresenta duas dimensões: material ou substantiva, e formal.
Sob a dimensão substantiva (substantive due process law), o devido processo legal, nada mais é, do que a garantia de normas razoáveis, adequadas, proporcionais e equilibradas. No entendimento de muitos doutrinadores é correspondente ao princípio da proporcionalidade.
Assim se pronuncia Cândido Dinamarco sobre o devido processo legal: “É aquele regido por garantias mínimas de meios e de resultado, com emprego de instrumental técnico-processual adequado e conducente a uma tutela adequada e efetiva”.25
3.2. Princípio da efetividade.
Mesmo não havendo, expressa previsão no texto da Carta Magna vigente, e nem mesmo na legislação infraconstitucional, o princípio da efetividade decorre do princípio do devido processo legal, em sua cláusula geral, e se constitui num metadireito – direito sobre direito –, garantindo a efetivação de todos os demais direitos.
É através do princípio da efetividade que se assegura a todos no processo, o bem jurídico que reivindicam. Àquele que tem um bom direito, com razão suficiente para reivindicá-lo, deverá o processo, garantir-lhe e conferir-lhe, à medida do possível, o bem ou direito que lhe seria devido, se não se fizesse necessário, valer-se do processo.
25 DINAMARCO. Op. cit., p. 247.
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Por tais razões, o princípio da efetividade, também se denomina de princípio da máxima coincidência possível. Entretanto, em nosso ordenamento jurídico não se considera a aplicação do princípio da efetividade ao processo, em que houver cerceamento das garantias processuais do réu.
3.3. Princípio da adequação e da adaptabilidade do procedimento.
O princípio supramencionado dirige-se não apenas ao legislador, mas, também, ao juiz – adequação judicial ou princípio da adaptabilidade do processo –, cabendo ao magistrado, adequar as regras processuais às particularidades do caso concreto, com a finalidade de tutelar eficientemente, o direito material, objeto de discussão.
O Código de Processo Civil, expressa o princípio da adaptabilidade em seu art. 330, ao admitir o julgamento antecipado, conforme o estado do processo, e em seu art. 277, §§ 4º e 5º, ao admitir a conversão do procedimento sumário em ordinário por força da complexidade da causa.
3.4. Princípio do juízo natural.
Este princípio abrange dois enfoques: um objetivo e outro subjetivo.
Objetivamente, o princípio do juiz natural, assegura duas garantias básicas: a proibição de juízo ou tribunal de exceção, conforme o art. 5º, XXXVII, CF, e o respeito absoluto às regras objetivas de determinação de competência de acordo com o art. 5º, LIII da CF.
Dessa forma, há vedação constitucional à criação de tribunais de exceção e se constitui em nulidade absoluta, decisão proferida por juízo incompetente, sendo considerada por muitos como sendo uma não decisão, ou ato inexistente.
Sob o aspecto subjetivo o principio do juiz natural traz em si a garantia da imparcialidade, porque, todos aqueles agentes que integram o órgão jurisdicional, e exercem múnus público – juízes, escrivães, promotores, defensores, peritos, dentre outros, deverão agir visando à composição do litígio e não, visando interesses e vantagens particulares. A única exceção a essa regra são os advogados, posto que, defendem interesses específicos de quem os contrata.
3.5. Princípio da improrrogabilidade.
A jurisdição tem os seus limites traçados pela Constituição Federal, não podendo tais limites ser ampliados ou restringidos pelo legislador ordinário. O princípio da improrrogabilidade é quem regula os limites de atuação dos órgãos jurisdicionais.
Obviamente, todos os juízes são investidos de jurisdição, porém, só poderão atuar no órgão competente para o qual foram designados, bem como, nos processos distribuídos para aquele órgão.
3.6. Princípio da indeclinabilidade ou da inafastabilidade.
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O princípio da indeclinabilidade traduz a garantia de ingresso em juízo e consequente análise da pretensão formulada. Assim, uma vez provocado o órgão jurisdicional não pode delegar ou recusar-se a exercer a função de dirimir os litígios, por força do princípio da indeclinabilidade ou inafastabilidade. O Estado-juiz, portanto, não poderá furtar-se à prestação jurisdicional, mesmo quando se tratar de casos em que inexista norma geral e abstrata sobre o direito material em discussão, posto que, poderá utilizar de outras fontes do direito, com o fito de solucionar a lide, conforme previsão contida no art. 4º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB. Eis, como se manifesta a esse respeito CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO:
“O princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional manda que as pretensões sejam aceitas em juízo, sejam processadas e julgadas, que a tutela seja oferecida por ato do juiz àquele que tiver direito a ela – e, sobretudo, que ela seja efetiva como resultado prático do processo.”26
Entende-se, ainda, que não é cabível recurso contra ato omissivo. Assim, em havendo a negativa de jurisdição, deverá ser admissível o “remédio” constitucional do Mandado de Segurança.
3.7. Princípio da imparcialidade.
Esse princípio é de fundamental importância para o trâmite processual, pois, não se pode admitir que o Estado tome para si, a incumbência de solucionar os conflitos, e o faça por intermédio de agentes/servidores movidos por interesses próprios.
É, pois, direito das partes e dever do Estado, a imparcialidade do juízo, sendo a mesma um pressuposto de validade jurídico-processual. Entretanto não há que se confundir a imparcialidade com a neutralidade, e menos, ainda, com a passividade. É que, no processo o juiz deve ser sujeito ativo, zelando, draconianamente, pela justa composição do litígio. É indeclinável missão do magistrado: esclarecer pontos obscuros, advertir as partes de suas condutas, requisitar provas e diligências, interpretar as normas e especificidades de cada caso concreto, sempre visando atingir uma adequada tutela jurisdicional.
3.8. Princípio da ação ou da demanda.
Sendo a jurisdição inerte, porque, só atuará se vier a ser provocada, será atribuição da parte interessada, provocar o exercício da função jurisdicional. A ação, pois, será sempre o meio adequado para se provocar e requerer a tutela jurisdicional perante o Estado-juiz. E tudo isso só se efetivará, em decorrência do princípio da ação ou da demanda.27
Entretanto, como nada em Direito é absoluto, o nosso ordenamento jurídico, também, prevê exceções ao princípio em debate. Eis, as referidas exceções: a) a execução trabalhista (art. 872, CLT); b) a abertura de inventário (art. 989, CPC); c) a decretação de falência de empresa sob o regime de recuperação judicial (art. 73 e 74 da Lei nº 11.101/2005). São atos/medidas que podem ser adotadas de ofício pelo magistrado. Há, ainda, a possibilidade de que venha a
26 DINAMARCO, Cândido Rangel. Op. cit., p. 199.
27 CINTRA, GRINOVER, DINAMARCO. Op. cit., p. 63-66.
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ser declarada de ofício a prescrição (art. 219, § 5º, CPC) e a declaração da incompetência relativa (art. 112, Parágrafo Único, CPC).28
3.9. Princípio do impulso oficial.
Sendo certo afirmar, que a jurisdição só agirá se provocada (ver exceções supramencionadas), através do exercício do direito de ação, certo é, também, que o juiz não indagará às partes o que deve fazer, pois, a jurisdição age por impulso oficial, sem dependência alguma, de qualquer vontade das partes. Isso se justifica em face do caráter público da função jurisdicional. Após, apresentada a petição inicial em juízo, cabe ao magistrado promover a continuidade dos atos procedimentais, sempre em busca da solução definitiva do litígio.
3.10. Princípio dispositivo e inquisitivo.
Este princípio é uma decorrência do princípio da ação ou da demanda, porque, representa a regra em que, no processo, a atuação do magistrado é dependente da iniciativa das partes, tanto em relação à produção das provas, quanto em relação às alegações em que terão esteio a decisão.
A partir da publicização do direito processual, o magistrado passou a ser um sujeito ativo do processo. Cabe-lhe, portanto, impulsionar o feito, colher provas, determinar diligências, conhecer, inclusive, de questões, antes só possíveis, se alegadas pelas partes. Tais prerrogativas as quais detém o magistrado dão forma ao denominado, princípio inquisitivo, ou, da livre investigação das provas.
3.11. Princípio do contraditório.
Este princípio que é decorrência do devido processo legal se encontra insculpido no at. 5º, LV, da atual Carta Magna brasileira. Está, também, intrinsecamente adstrito, ao princípio da congruência, pois, se as partes têm o inalienável direito de participar do processo, de conhecer de forma prévia, o seu conteúdo, de influenciar na formação da decisão, não poderá o magistrado decidir, aquém, além, ou extraordinariamente, ao que foi pedido. Assim, se o autor pleiteia uma indenização por danos morais, não poderá o juiz condenar o réu ao pagamento de danos materiais, pois, nesse caso, haveria violação ao direito do contraditório do demandado, posto que, o mesmo só se haveria defendido do pedido de danos morais. Tal situação configura o denominado princípio da congruência, com previsão legal no art. 128 do Código de Processo Civil.
Importante ressaltar que, o princípio do contraditório não é, também, absoluto, pois, há exceções previstas no CPC (arts. 131, 462 e 267, § 3º), em que o juiz poderá conhecer e levar em consideração no julgamento da causa circunstância fática não alegada pelas partes. Por sua vez, o art. 267, § 3º, permite o conhecimento, também, de ofício, às denominadas questões de ordem pública, que são as condições da ação e os pressupostos processuais.
28 Inserções efetuadas no CPC através da Lei nº 11.280/2006.
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Entretanto, há discordância doutrinária sobre tais prerrogativas do magistrado. Vejamos o que aduz Fred Didier sobre tal situação:
“Uma coisa é o juiz poder conhecer de ofício, poder agir de ofício, sem provocação da parte. Essa é uma questão. Outa questão é poder agir sem ouvir as partes. É completamente diferente. Poder agir de ofício é poder agir sem provocação, sem ser provocado para isso; não é o mesmo que agir sem provocar as partes.”
Entretanto, em se tratando de matérias de ordem pública, aí sim, há substancial diferença, porque, paralelamente, ao princípio do contraditório, existe o interesse público, que se consubstancia num interesse superior e indisponível. Evidentemente, a coletividade tem interesse em evitar a realização de atos desnecessários (por força do princípio da economia processual), visando resolver, celeremente, demandas estéreis, que não preenchem os requisitos necessários à obtenção da tutela jurisdicional (em obediência ao princípio da celeridade processual).
O magistrado tem o dever de conhecer das matérias de ordem pública, incisos IV, V, VI do art. 267 do CPC, extinguindo o processo sem resolução do mérito. Nesse caso, em razão dos preceitos da celeridade, economia e correta formação do processo, haverá postergação do contraditório para momento posterior à decisão terminativa, ou seja, o recurso. Mas, não haverá, nesse caso, a supressão do contraditório.
Outra situação existente, mas, que não fomenta nenhuma polêmica sob a ótica doutrinária, é a concessão de liminares ou medidas antecipatórias de tutela, antes da manifestação da parte demandada – inaudita altera parte – pois, havendo perigo iminente – propter periculum imminentis – ou de difícil reparação à parte demandante, justificada está a postergação do contraditório para momento posterior ao da concessão da tutela de urgência.
3.12. Princípio da ampla defesa ou da amplitude do direito de ação.
O princípio da ampla defesa está insculpido, também, no art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal e corresponde à dimensão substancial do contraditório. Representa, pois, o direito de participar, efetivamente, na formação do convencimento do julgador. Tal garantia não é concedida, apenas, à parte demandada, mas, também, ao autor; daí se falar em amplitude do direito de ação.
O cerceamento do direito de produzir provas poderá implicar na negativa do direito à ampla defesa, se a prova for requerida pela parte demandada para contrapor as afirmações da parte demandante, ou à amplitude do direito de ação, se a diligência for indispensável para provar o fato constitutivo do direito afirmado na inicial.
3.13. Princípio da igualdade.
Denominado de princípio da igualdade ou da isonomia, tal princípio tem relação direta com a ideia de processo justo, no qual seja dispensado às partes – e, também, aos procuradores, idêntico tratamento, com o escopo de fazer valer em juízo as suas ideias.
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A ideia extraída do preceito constitucional de que “todos são iguais perante a lei”, por força caput do art. 5º, da Carta Constitucional, não convence, posto que, é uma mera utopia. Isso ocorre, porque os indivíduos são diferentes, e se devem respeitar suas diferenças.
Dessa maneira a igualdade formal – objeto da garantia constitucional – é somente a igualdade substancial, material; não é a meramente formal.
Consoante o pensamento de Cândido Dinamarco que assim se expressa:
“Neutralizar desigualdades significa promover a igualdade substancial, que nem sempre coincide com uma formal igualdade de tratamento por que esta pode ser, quando ocorrente essas fraquezas, fontes de terríveis desigualdades. A tarefa de preservar a isonomia consiste, portanto, nesse tratamento formalmente desigual que substancialmente iguala.”
3.14. Princípio da cooperação.
O princípio ora analisado tem a ver diretamente com o magistrado, pois se constitui verdadeira limitação às prerrogativas e poderes que lhe são conferidos. É que, no processo o juiz não pode agir como se fora mero fiscal da lei. Deve portar-se como agente colaborador do processo, e participante ativo do contraditório. Mas isso não significa que a sua atuação dá-se ao seu livre arbítrio. O referido princípio terá a incumbência de orientar o agir do juiz, trazendo consigo três deveres, quais, sejam: o dever de esclarecimento, o dever de consulta e o de prevenção.
Assim, o magistrado tem o dever de esclarecer perante as partes “quanto às dúvidas que tenham sobre as suas alegações, pedidos ou posições em juízo”.29
Por último, o dever de prevenir significa “o dever de apontar as deficiências das postulações das partes, para que possam ser supridas”.30 Encontra-se estatuído no art. 284, V, do CPC, o qual autoriza o indeferimento da inicial por escolha inadequada do procedimento, apenas, se for impossível adaptá-lo ao procedimento legal.
3.15. Princípio da lealdade processual.
Este princípio é de vultosa importância, porque impõe a todos os que participam do processo, isto é: partes, advogados, juiz, promotor e auxiliares da justiça, deveres de moralidade e de probidade. Não pode, pois, o processo vir a ser utilizado para a obtenção de resultados ilícitos, escusos, sendo dever de todos os envolvidos primar pela correta e justa composição do litígio.
A violação ao dever de lealdade caracteriza ilícito processual, podendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa em montante a ser fixado em conformidade com a gravidade da conduta e não superior a 20% do valor da causa.
29 GRASSI, Lúcio. “Cognição processual civil: atividade dialética e cooperação intersubjetiva na busca da verdade real”. Revista Dialética de Direito Processual. São Paulo: Dialética, 2003, nº 6, p. 50.
30 DIDIER JR., Fredie. Op. cit., p. 61.
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3.16. Princípio da duração razoável do processo ou da celeridade.
O princípio em relevo está inserto no art. 5º, LXXVIII, da Constituição vigente, havendo sido acrescentado pela EC 45/2004, com a seguinte redação: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
Tal preceito consagra o direito à celeridade processual, posto que, processo devido é processo tempestivo, capaz de oferecer a tempo e modo, a tutela jurisdicional. Porém, a tão almejada celeridade processual não pode ser levada a extremos. É que o processo pressupõe uma série de atos e procedimentos, tais como: contraditório, ampla defesa, produção de provas, recursos etc., que se consubstanciam em diligências impeditivas da rápida solução do litígio, mas, mesmo assim, hão de ser observadas.
Entretanto, trata-se de mais uma previsão contida no texto constitucional que se configura numa mera declaração de boa intenção do Estado. Faz-se necessária a adoção de medidas efetivas, visando fazer valer o dispositivo constitucional, para que o mesmo não continue sendo um princípio inerte sem a devida efetividade.
3.17. Direito fundamental à publicidade.
Este princípio proporciona que os atos processuais, mesmo aqueles que têm cunho decisório, deverão ser públicos e divulgados oficialmente. Essa garantia está em conformidade com a Constituição Federal vigente, art. 93, IX e X, e tem por escopo “permitir o controle da opinião pública sobre os serviços da justiça, máxime, sobre o poder de que foi investido o juiz”.31 Assim, a publicidade, também, possibilita a efetivação do contraditório e da ampla defesa, na medida em que a reação e conduta das partes estão condicionadas à ciência dos atos que lhes dizem respeito. Mas, a própria Constituição admite a possibilidade de que venha a ser restringida a publicidade dos atos processuais com relação a terceiros, estranhos ao processo, quando assim o exigir a defesa da intimidade, ou, ainda, em face do interesse social conforme estatuído pelo art. 5º, inciso LX, da Constituição Federal.
O Código de Processo Civil, em seu art. 155, inciso I, estabelece que correrão em segredo de justiça os processos “em que exigir o interesse público”; e que disserem respeito “a casamento, filiação, separação dos cônjuges, conversão desta em divórcio, alimentos e guarda de menores”, conforme previsão do inciso II, do mesmo art. 155.
Importante observar que, em conformidade com o Parágrafo Único do art. 155 do CPC; seria restrito às partes e seus procuradores, o direito de consultar os autos e pedir certidões de seus atos. Dessa forma, o terceiro só poderia requerer certidão do dispositivo da sentença, desde que, provasse em juízo, o interesse jurídico. Este dispositivo, legal, porém, não foi recepcionado pela atual Constituição, posto que, esta só admite a limitação do direito à publicidade, quando houver a necessidade de se preservar a intimidade das partes, ou quando assim o exigir o interesse público.
31 DIDIER JR. Fredie. Op. cit., p. 62.
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Em síntese, após, o advento da atual Constituição Federal, “a regra é a de que, independentemente, de despacho nesse sentido, o escrivão dará a quem requerer, certidão de qualquer ato ou termo do processo”.32
3.18. Princípio da motivação.
O princípio da motivação atende à exigência constitucional de que a sentença e demais atos jurisdicionais sejam motivados, sob pena de nulidade, conforme previsto no art. 93, inciso IX. E não poderia ser diferente, posto que, a motivação é considerada a essência da decisão proferida. Na motivação o juiz subsumirá os fatos em apreço às normas, e fixará as bases sobre as quais se fundamentará o julgamento. Através de um procedimento tipicamente silogístico, o magistrado traçará duas proposições/premissas, sendo uma maior, a norma, e a outra menor, que é o caso concreto, para chegar a uma terceira, que será a sua conclusão.
Ao prolatar a decisão o julgador deverá, obrigatoriamente, demonstrar lógica, bom senso e cultura jurídica, com a finalidade de convencer as partes e a opinião pública, sobre o quão a mesma foi sensata, adequada e justa.
Por fim, é inegável que, a obrigatoriedade da motivação, preserva tanto interesses públicos, quanto particulares. É através da motivação que se pode aferir em concreto, tanto a imparcialidade do juiz, quanto a justeza da sua decisão. Ademais, a ausência de motivação, implica a nulidade da decisão proferida. E esta nulidade, poderá ser arguida em qualquer instância, por ser concernente à matéria de ordem pública.
3.19. Princípio do duplo grau de jurisdição.
O duplo grau de jurisdição é o princípio processual que consiste em assegurar às partes a possibilidade de submeterem determinada matéria, apreciada e decidida pelo juízo originário, a um novo julgamento, por outro órgão, hierarquicamente, superior.
O princípio do duplo grau de jurisdição encontra-se implícito no texto constitucional vigente, seja em consequência do devido processo legal, através do contraditório frente à decisão recorrida, ou por decorrência da previsão constitucional de tribunais de superposição, quem têm competência recursal, conforme os arts. 92 a 126 da Constituição Federal.
São as seguintes, dentre outras as causas que dão fundamento à preservação e garantia do duplo grau de jurisdição:
a) a conveniência de se uniformizar a jurisprudência nacional, evitando-se decisões díspares sobre uma mesma matéria;
b) a necessidade de se controlar as atividades dos juízes, nas instâncias inferiores, legitimando a atuação do Judiciário;
c) a conveniência psicológica de se assegurar ao perdedor mais uma chance de êxito.33
32 NERY JÚNIOR, Nelson; Nery, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
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O acesso aos órgãos recursais, em regra, dá-se por iniciativa da parte vencida, através da interposição de recurso. Entretanto, excepcionalmente, e levando em consideração o interesse público, a lei estabelece alguns casos em que a jurisdição superior, atua sem que haja a provocação da parte. Previsto no art. 475 do CPC, trata-se do reexame necessário. Mas, é importante ressaltar que esse instituto não pode ser confundido com o recurso; ou pela ausência de tipicidade, ou por não apresentar vários dos requisitos caracterizadores dos recursos, como por exemplo: a necessidade de fundamentação, a tempestividade, o preparo e o interesse de recorrer.
Não há, porém, intangibilidade quanto à garantia ao duplo grau de jurisdição, nem mesmo tem alguma disposição constitucional, prevendo-a. Existe, inclusive, por parte da constituição, uma mitigação à incidência do duplo grau de jurisdição, ao prever demandas de competência originária dos tribunais superiores, em que não há margem para a interposição de recurso ordinário.
Em decorrência disso, é que o legislador infraconstitucional, também, poderá restringir o cabimento dos recursos, conforme o previsto no art. 519 e seu Parágrafo Único do Código de Processo Civil.
Art. 519. Provando o apelante justo impedimento, o juiz relevará a pena de deserção, fixando-lhe prazo para efetuar o preparo. (Redação dada pela Lei nº 8.950, de 13.12.1994).
Parágrafo único. A decisão referida neste artigo será irrecorrível, cabendo ao tribunal apreciar-lhe a legitimidade. (Incluído pela Lei nº 8.950, de 13.12.1994).
3.20. Princípio da persuasão racional do juiz.
Tal princípio advém do fato de que, quando da apreciação das provas e argumentos, apresentados pelas partes, o juiz é livre na formação de seu convencimento. No entanto, tal liberdade de convicção, por força do princípio da motivação, deverá ser exercida de forma motivada, não podendo o magistrado desprezar as regras legais, porventura, existentes, e as máximas de experiência.
Este princípio situa-se entre o sistema da prova legal, em que há prévia valoração dos elementos probatórios, e o sistema do julgamento secundum conscientiam, em que o juiz pode apreciar livremente as provas, e até mesmo, decidir contrariamente, as mesmas, posto que, o ato de apreciação das provas, é realizado ao alvedrio do magistrado, desde que motivado e fundamentado.
Portanto, o princípio da persuasão racional, ou do livre convencimento motivado, é o vigente, no nosso sistema processualista.
3.21. Princípio da instrumentalidade das formas.
33 DINAMARCO. Op. Cit., p. 237 a 238
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Em respeito ao princípio da instrumentalidade, o ato processual que alcançar a finalidade para o qual foi elaborado será válido, eficaz e efetivo; ainda que, venha a ser praticado por forma diversa daquela estabelecida em lei, desde que não provoque prejuízo substancial à parte adversa.
Dessa forma, a nulidade do ato, só deverá ser decretada quando o prejuízo ao direito das partes for considerado substancial, em virtude de se ter realizado em desconformidade formal com a essência da lei. É que o referido princípio representa o liame entre o direito processual e o direito material. Por isso mesmo, as normas processuais devem ser pensadas e aplicadas, como técnica de efetivação do direito material.
Importante observar que, a adoção do princípio da instrumentalidade não significa o total menoscabo à formalidade processual, conforme nos demonstra, com seus argumentos, o Ministro Delgado:
“É impossível a concepção do processo sem atos formais. A relevância formal do Direito Processual tem sua razão de existir no fato de que ela serve, pela segurança imprimida quando cumprida, para que o direito material alcance sua executoriedade”.34
Dessa forma, o que o princípio da instrumentalidade buscará evitar é “o abuso do formalismo”,35
Por último, apenas, para lembrar, o princípio da instrumentalidade das formas está implícito, nos arts. 13, caput, 154, 244, 248, 250, 327 e 616, dente outros, do Código de Processo Civil brasileiro.
4. PARTES.
4.1 Conceito:
Para a doutrina a tese mais aceita é a que considera a relação jurídica processual – trilateral. Porém, mesmo havendo sido consagrada tal expressão, certo é que os sujeitos processuais não são somente, autor, juiz e réu, ou, em outros termos: demandante, magistrado e demandado.
Tanto é assim, que, o perito, o escrivão, o representante do Parquet, assim como, os terceiros intervenientes, também se incluem em tal classificação/conceito, ao levar-se em consideração que integram a relação jurídico-processual.
Portanto, os denominados sujeitos processuais, tais como: perito, escrivão, juiz e o Ministério Público, quando atuam na função de custus legis são considerados sujeitos imparciais (não partes), enquanto que o autor/demandante, o réu/demandado, bem como, os terceiros intervenientes, por terem interesses no desfecho da demanda, considera-se que são sujeitos parciais (partes). Será sobre estes sujeitos (as partes), que passaremos a tratar.
34 DELGADO, José Augusto. “Princípio da instrumentalidade, do contraditório, da ampla defesa e modernização do processo civil”, in Revista Jurídica. São Paulo, ano 49, nº 285, p. 31-60, jun. 2001.
35 DELGADO. Op. cit. Supra.
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As partes podem ser conceituadas, como sendo, numa concepção tradicional, e a partir das lições de CHIOVENDA,36 “aqueles que pedem ou contra quem é pedida uma providência jurisdicional”. Tais partes ao figurarem no processo de conhecimento, recebem a denominação de demandante e demandado, ou, de autor e réu. Se se tratar, porém, do processo de execução, denominam-se, exequente e executado; ou, ainda, na reconvenção, reconvinte e reconvindo. Podendo ter outras denominações, a depender da situação processual específica.
Entretanto, há que se levar em consideração, a significativa evolução pela qual tem passado o Direito Processual Civil, e em decorrência de tal evolução fez-se necessária a ampliação desse conceito. Tal ampliação conceitual deu-se, em virtude de que, a já mencionada definição tradicional de partes, não abrange, taxativamente, a ideia do contraditório. E conforme é pacífico, tal princípio vige em todos os processos, seja no âmbito judicial ou no administrativo, por força do que estatui o art. 5º, inciso LV, da atual Constituição Federal.
Dessa forma, trazida a juízo, determinado conflito de interesses, a denominada pretensão resistida, deverá ser dirimida, através do devido processo legal, e este terá no contraditório a sua marca indelével. Tamanha é a importância do contraditório entre as partes que, assim se pronunciou Liebman: “as partes são os sujeitos do contraditório instituído perante o Juiz”.37
Importante salientar que, os conceitos até aqui explicitados, nada têm de contraditórios entre si, e ao reverso do que se possa inferir, em verdade, complementam-se. Isso, se levarmos em consideração que, “partes são os sujeitos parciais do processo, que pedem ou contra quem é pedida uma providencia jurisdicional e, por essa razão, integram o contraditório e são atingidos pelos efeitos da coisa julgada”.38
Como consequência da completa autonomia da relação processual, a parte material nem sempre se confunde com a parte do processo. O comum é que aquele que afirma ser o titular do direito material (demandante/autor), ajuíze a sua demanda em face daquele a quem pretende ver suportar os efeitos de uma eventual decisão de mérito.
Porém, conforme já referido, a parte material, também denominada de sujeito da lide, é aquela que alega ser titular da relação jurídica material discutida em juízo. Por sua vez, a parte processual – sujeito passivo do processo – abrange quem ocupa um dos polos da relação jurídica processual. São, portanto, figuras distintas.
A regra geral é que a parte processual seja, também, a parte do direito material que se encontra em controvérsia. Porque é pacífico que a ninguém será permitido pleitear em nome próprio direito de outrem, exceto, se houver previsão legal, para tal (ver art. 6º, do CPC).
36 CHIOVENDA, Giuseppe. Jurista e processualista italiano (1872-1937).
37 LIEBMAN, Enrico Tulio. Manual de direito processual civil. Tradução de Cândido Rangel Dinamarco. Rio de Janeiro: Forense, 1984. Vol. I, nº 41, p. 89.
38 O amicus curiae e o interveniente anômalo, apesar de integrarem o contraditório, não são atingidos pela coisa julgada.
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Art. 6º – Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei.
Um exemplo clássico dessa situação é a ação de investigação de paternidade, em que a parte é o/a suposto/a filho/a, mesmo que tenha, apenas, um, ou poucos dias de vida. Mas, deverá nesse caso, ser representado, em regra pela mãe.
Casos há, porém, que, excepcionalmente, a lei autoriza que terceiros postulem, em nome próprio, direito alheio. Esta é uma situação excepcional e um exemplo típico é a denominada substituição processual, ou legitimação extraordinária, em que a parte material será distinta da parte processual.
Outra situação em que a lei prevê, excepcionalmente, é a também, ação de investigação de paternidade, prevista pelo art. 2º, § 4º, da Lei nº 8.560/1992, podendo a mesma ser ajuizada pelo Ministério Público. Este, pois, será a parte processual, mas o direito discutido em juízo, no caso – a declaração de paternidade – será atribuído ao investigante.
Por fim, há uma distinção feita por CARNELUTTI, sobre: parte simples e parte complexa. Esta estará sozinha em juízo, enquanto aquela estará organizada de indivíduos, um exemplo é o caso do incapaz e seu representante processual.39
4.2. Capacidade de ser parte.
A capacidade de ser parte relaciona-se em princípio com a capacidade de gozo ou de direito, que tem início a partir do nascimento com vida, em se tratando de pessoas físicas (vide art.2º, do atual Código Civil). A referência ao Código Civil dá-se pelo fato de ser este quem trata dos dispositivos legais acerca da personalidade jurídica, quando nos referimos ao processo enquanto relação jurídica. É que tem capacidade de ser parte, em regra, quem é sujeito de direitos e obrigações na órbita civil, isto é, as pessoas naturais e jurídicas (vide arts. 1º e 40 do referido Códex).
Entretanto, a lei em sentido amplo, confere, também, direitos ou prerrogativas, a determinados entes que não se caracterizam como pessoas físicas ou jurídicas. Isso, no entanto, não é empecilho para que se oportunize a ida desses entes a juízo na defesa dos seus direitos.
Ainda, sobre o Código Civilista, apesar dos seus conceitos não deverem ser ignorados, há que se ressalvar o seguinte: o processo por ter como objetivo precípuo proporcionar o pleno acesso à justiça mostra-se mais democrático, permitindo que aqueles entes aos quais a lei reconheça o mínimo resquício de direito substancial ingressem em juízo.
É necessário compreender que a capacidade de ser parte, não se restringe aos entes personalizados – pessoas físicas e jurídicas. Por essa razão, temos a seguinte situação: a massa falida; o espólio; a herança vacante ou jacente (vide arts. 1.819 e 1.882 do Código Civil, e art. 12, inciso III, IV e V, do CPC); a massa do insolvente (art. 766, inciso II); as sociedades sem
39 CARNELUTTI, Francesco. Instituições do Processo Civil, apud, DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 9ª ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2008. P. 170.
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personalidade jurídica (art. 12, VII); e mesmo o condomínio não tendo personalidade jurídica tem capacidade de ser parte. É que segundo a doutrina e a jurisprudência, são pessoas formais ou morais, dotadas de “personalidade judiciária”, e assim sendo, poderão postular em juízo quando a lei atribuir-lhes algum direito.
Por último, ressalte-se que os demais órgãos públicos a exemplo das Câmaras de Vereadores, a Mesa das Casas Legislativas, o Tribunal de Contas e os tribunais em geral, mesmo que desprovidos de personalidade jurídica, possuem, também, capacidade processual para atuar em defesa de suas prerrogativas.
4.3. Capacidade processual ou capacidade para estar em juízo
A capacidade processual configura-se no requisito processual de validade, que significa a aptidão para praticar atos processuais independentemente de assistência ou representação. Assim, a capacidade processual pressupõe a capacidade de ser parte – a personalidade judiciária. Porém, a recíproca não é verdadeira, porque, nem todos aqueles que detêm capacidade judiciária, gozarão de capacidade processual.
Portanto, assim, como, no Direito Civil, essa capacidade processual será plena, quando a pessoa for absolutamente capaz, ou seja, com 18 anos completos ou mais e com completo discernimento para a prática dos atos da vida civil.
No entanto, nos casos em que a parte material for relativa ou absolutamente incapaz (arts. 3º, e 4º, do Código Civil), e nas hipóteses enumeradas no CPC (art. 9º), a capacidade judiciária deve ser integrada pelos institutos da assistência, representação ou curadoria especial.
Situação clássica é aquela das pessoas, absolutamente incapazes, referidas no art. 3º, do Código Civil, que mesmo detentoras da capacidade de ser parte, devem estar representadas em juízo, ou em todos os atos da vida civil, por seus pais, tutores ou curadores, conforme o art. 8º, do CPC.
O incapaz poderá figurar na condição de autor ou réu numa demanda, porém, não tendo um representante legal, ou se os interesses deste colidirem com os daquele, o magistrado deverá nomear curador especial (art. 9º, I do CPC). Quanto aos maiores de 16 e menores de 18 anos, serão assistidos pelos seus pais, tutores ou curadores (art. 8º, CPC).
Por último, há, também, a incapacidade puramente processual. Quando ocorre a situação do réu encontrar-se preso. Assim, como o revel citado por edital ou com hora certa. Mesmo materialmente capazes, o legislador entendeu que, para o processo a capacidade dessas pessoas necessita ser complementada, em virtude da posição de vulnerabilidade em que se encontram. Daí, surge a exigência da nomeação de curador especial para essas pessoas, sob pena de nulidade do feito (art. 9º, II do CPC).
4.4. Capacidade postulatória.
Ao se tratar da capacidade postulatória devemos sempre ter em mente que, além de capacidade de ser parte e da plena capacidade processual legitimatio ad processum, nossa lei
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veda que os interessados realizem pessoalmente os atos processuais e requeiram em juízo sem assistência de alguém especializado e legalmente habilitado, dotado do chamado ius postulandi. Ademais, o exercício da advocacia é considerado indispensável à administração da justiça, conforme previsão do art. 133 da nossa atual Constituição Federal, e o exercício da advocacia está regulamentada pela Lei 8.906 de 04 de julho de 1994.
Desse modo, o ato praticado no processo por advogado sem mandato é ineficaz, portanto, passível de ratificação. Porém, o ato processual praticado por quem não tem a devida habilitação de advogado, será considerado inexistente.
Há, porém, mesmo com as disposições constitucionais supracitadas, casos em que a legislação infraconstitucional, com o devido aval do STF, permite a postulação em juízo por pessoas sem a devida habilitação de advogado. São algumas situações restritas, como nos casos dos Juizados Especiais e da Justiça do Trabalho. Entretanto, a regra para que se repute válida a relação processual é a representação por advogado.
Por outro lado, sabe-se que a representação pode decorrer da lei, como nos casos dos incapazes pelos pais, tutores e curadores, ou mesmo do contrato. Nesta última situação, o poder que se confere ao advogado para a prática dos atos processuais, em nome da parte, emana do contrato pelo qual uma pessoa, denominada mandante, confere a outra, mandatária, a prerrogativa de representá-la, perante a Justiça.
No que concerne ao contrato de mandato, os arts. 653 a 692 do Código Civil vigente, não prescreve quaisquer requisitos de forma, nada impedindo que seja verbal ou tácito. Porém, quanto ao mandato judicial, mesmo podendo ser verbal naquilo que respeita às obrigações acessórias do mandante e do mandatário, o seu objeto principal deve vir expresso em documento literalmente escrito. Também, em conformidade com o que dispõe o art. 38 do CPC, somente a procuração geral para o foro, com cláusula ad judicia, conferida por instrumento público, ou particular assinado pela parte, habilita o advogado a praticar todos os atos do processo.
Para a prática de alguns atos, porém, a lei exige poderes especiais, além dos poderes gerais, implícitos na cláusula ad judicia. Dentre os tais atos que demandam poderes especiais encontram-se: o recebimento da citação, a confissão, o reconhecimento da procedência do pedido, a transação, a desistência – inclusive do recurso –, a renúncia ao direito sobre que se funda a ação, a outorga e recebimento de quitação, e o compromisso (ver art. 38, CPC, in fine).
O art. 37 do CPC faculta ao advogado, praticar atos urgentes em nome da parte, sem a apresentação imediata da procuração. Por exemplo: quando na iminência de que ocorra a prescrição ou decadência, o advogado não instrui a inicial da ação ajuizada com a procuração, lhe é facultado requerer um prazo para a juntada. Também, no caso da nomeação de defensor dativo pelo juiz; na ata da audiência; assim como, nas representações ex officio – dos procuradores públicos – não existe mandato consensual, decorrendo de ato judicial e da lei.
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Em resumo, excetuando-se as previsões legais, não será admitida a atuação do advogado em juízo, sem que instrua a peça, referente ao ato processual que pretende praticar: petição inicial, contestação, razões de recurso etc., com a procuração assinada pela parte constituinte.
5. CONCLUSÃO
Quando nos propusemos a elaborar este trabalho, tivemos em mente fazer a dissecação do processo de uma forma geral, mas, com fulcro no Processo Civil, na tentativa de demonstrar que este instrumento não possui o propósito de se encerrar em si mesmo, mas sim, o propósito de alcançar o verdadeiro escopo, que é possibilitar a concretização do direito substancial por meio do órgão jurisdicional.
Dessa forma, buscamos superar o ultrapassado e inoportuno apego exagerado às formas, em prejuízo do próprio fim, elidindo os movimentos tendentes a tornar o Processo Civil uma espécie de ciência mitificada, às vezes, mais complexa do que é na sua essência, para mostra-lo como algo possível de dar efetividade a tão almejada pacificação social.
Verificamos, através dos princípios processuais, senão todos, mas, quase todos, com esteio no texto constitucional vigente, o quão são os mesmos importantes para que através dos atos processuais, sejam respeitadas todas as exigências e garantias constitucionais à plena consecução do devido processo legal.
Tratamos com a maior profundidade possível do papel desempenhado pelas partes, com ênfase à demandante e demandada, mas sem descuidar de também, ressaltar a vultosa importância de todos os demais agentes envolvidos no trâmite processual, direta ou reflexamente.
Por fim, tratamos da importância ímpar da atuação do advogado, prevista constitucionalmente, e tida como imprescindível, não só pela contribuição dada à viabilização do processo, a partir da provocação inicial por ele promovida, quebrando a inércia da jurisdição, mas, sobretudo, por de certa forma, induzir o Estado-juiz a dar efetividade à prestação jurisdicional, e dessa forma mostrar-se um sustentáculo imprescindível à existência da própria Justiça, desde que sempre atue na sagrada defesa dos interesses da parte a qual representa, seja demandante ou demandada, com a máxima e irretocável postura ética e lealdade processual. Assim o exige a lei, assim o exige a sociedade.
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REFERÊNCIAS
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