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Legalidade do uso de algemas nas atividades de segurança pública

Legalidade do uso de algemas nas atividades de segurança pública

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Há legitimidade do uso de algemas nas atividades de segurança pública? O uso deste equipamento, em inúmeros casos, poderá evitar o uso de uma força maior, fortalecendo o modelo de polícia comunitária.

1 - INTRODUÇÃO

Hodiernamente, ao contrário de tempos mais remotos, o uso de algemas são direcionados somente para a contenção de uma pessoa em casos excepcionais, devidamente justificados pelo policial, cabendo a ele, e somente à ele, no caso em concreto, por vezes no calor dos fatos, verificar se é oportuno ou não lançar mão desse meio de contenção.

O Agente de Segurança Pública que não observe os critérios técnicos e o que está estabelecido na legislação vigente acerca do uso de algemas, poderá incorrer em crime de abuso de autoridade. Nosso novel Código de Processo Penal, em seu art. 284, já previa a excepcionalidade de tal meio de força, aduzindo que seu uso somente seria justificável no caso de resistência ou tentativa de fuga por parte do detido.

O uso abusivo de algemas fere preceitos constitucionais, vez que resta estabelecido no art. 5º da Constituição Federal, que ninguém será submetido a tratamento degradante, assegurando o respeito à integridade física e mental das pessoas. Por fim, este trabalho tem por objetivo enfocar a questão da legitimidade do uso de algemas nas atividades de Segurança Pública.

Para a realização deste trabalho, foi realizada uma pesquisa baseada em dados bibliográficos, e, a partir daí, fora desvendado grande embasamento teórico e científico, sendo estes incorporados à nossa pesquisa.


2 – ASPECTOS LEGAIS DO USO DE ALGEMAS

2.1 - CONCEITO

A real necessidade da algema na atividade policial ocorreu por volta de 1950, com amparo de legislação própria, e desde o início fora observado seu uso somente em condições excepcionais, em situações que, de fato, colocassem em risco a integridade física do policial. Todavia, mesmo em casos de risco iminente, o ato policial poderia ser contestado e considerado abusivo, concluindo-se que o respaldo legal aos agentes de segurança pública sempre foi de certa forma limitado.

Para Capez (2010, p.301):

“Seu uso não se encontra disciplinado até hoje pelo nosso CPP. A Lei de Execução Penal, em seu art. 199, reza que o emprego de algema seja regulamentado por decreto federal, o que acabou não ocorrendo. Assim, as regras para sua utilização devem ser inferidas, a partir de interpretação doutrinária dos institutos em vigor.”

Porém, a maior discussão atual é quanto à arbitrariedade de seu uso indiscriminado. As algemas tornaram-se equipamento obrigatório na atividade policial, com o intuito de impedir os movimentos das mãos, já que essa é a principal fonte de risco no momento da prisão.

A Lei de Execução Penal, em seu art. 199, aduz que o emprego de algema seja regulamentado por decreto federal. Pois bem, passados mais de 24 anos desde a edição da referida Lei, que ocorreu no ano de 1984, nada aconteceu. Assim, as regras para sua utilização passaram a ser inferidas, a partir dos institutos em vigor (CAPEZ, 2008, p.20).

Portanto, o simples fato de estar em situação de flagrante delito pelo cometimento de um crime qualquer, não enseja por si só o uso de algemas. Além disso, deve haver resistência à prisão ou a tentativa de fuga. Neste mesmo sentido, a condução de ébrios, viciosos e turbulentos à presença da autoridade competente, devidamente algemados, somente será admitida caso estes estejam em extremo estado de exaltação, tornando-se indispensável a contenção mediante o uso de algemas.

Neste mesmo sentido também leciona Herbella (2011, p.14) que em conformidade ao Código de Processo Penal e outras normas, nas situações em que o preso seja perigoso, o elemento necessidade de segurança irá sobrepujar o dano à sua imagem, pois é uma pessoa da qual se pode esperar algum ato de violência, ou tentativa de fuga.

Assim sendo, o uso de algemas será um recurso útil e necessário para a segurança dos agentes da lei, do próprio prisioneiro e de terceiros. Nas palavras de Tourinho Filho (2011, p.469), a lei não autoriza o uso de algemas, salvo a hipótese de resistência ou tentativa de fuga, e se assim não o for, comete o policial abuso de autoridade.

Capez (2008, p.19-20) reitera que as algemas representam hoje um importante instrumento na atuação prática policial, uma vez que possui tríplice função: proteger a autoridade contra a reação do preso; garantir a ordem pública ao obstaculizar a fuga do preso; e até mesmo tutelar a integridade física do próprio preso, a qual poderia ser colocada em risco com a sua posterior captura pelos policiais em caso de fuga.

Muito embora essa tríplice função garanta a segurança pública e individual, tal instrumento deve ser utilizado com reservas, pois, se desviado de sua finalidade, pode constituir drástica medida, com caráter punitivo, vexatório, ou seja, sinistro meio de execração pública, configurando grave atentado ao princípio constitucional da dignidade humana. 

Desse modo, em virtude de alguns exageros cometidos contra alguns presos, aquilo que sempre representou um legítimo instrumento para a preservação da ordem e segurança pública, tornou-se objeto de profundo questionamento pela sociedade. Ao defender a ilegitimidade do uso de algemas, uma parcela significativa da sociedade esqueceu-se dos policiais, dos magistrados, representantes do Ministério público, advogados que, na sua vida prática, se deparam com os presos, os quais, sem esses artefatos, representam grave perigo para a vida e integridade física de tais indivíduos e para a população em geral (CAPEZ, 2008, p.21).

Sendo assim, ao escoltar um indivíduo, o policial deverá conhecer seus antecedentes, grau de periculosidade, se resistiu ou tentou a fuga no ato de sua prisão. Caso não esteja enquadrado nessas situações, o uso de algemas não será autorizado. Nota-se, portanto, que o ato de algemar alguém esbarra em condições excepcionais – de resistência à prisão, tentativa de fuga e agressividade – de modo se o policial não observar tais regras, estará incorrendo no crime de abuso de autoridade.

2.2 – DAS LEGISLAÇÕES AUTORIZADORAS DO USO DE ALGEMAS

O emprego de algemas no instante da prisão surgiu no Império do Brasil, demonstrado no Código de Processo Criminal de Primeira Instância em seu art. 180:                                         

“Se o réu não obedecer e procurar evadir-se, o executor tem direito de empregar o grau de força necessária para efetuar a prisão; se obedecer, porém o uso da força é proibido.”

Somente 30 anos depois, a Lei nº 2.033, de 20 de setembro de 1871, fez uma reestruturação no processo penal brasileiro. No mesmo ano, foi regulamentado o Decreto nº 4.824, de 22 de novembro, dispondo sobre a execução e a forma como deveria ser conduzido o preso:

“Art. 28. Além do que está disposto nos arts. 12 e 13 da Lei, a autoridade que ordenar ou requisitar a prisão e o executor della observarão o seguinte:

O preso não será conduzido com ferros, algemas ou cordas, salvo o caso extremo de segurança, que deverá ser justificado pelo conductor; e quando não o justifique, além das penas em que incorrer, será multado na quantia de 10.000 a 50.000 mil réis pela autoridade a quem fôr apresentado o mesmo preso.”

Na contemporaneidade o Decreto de nº 19.903, de 30 de outubro de 1950, dispõe sobre o uso de algemas:

“Art. 1º. O emprego de algemas far-se-á na Polícia do Estado, de regra, nas seguintes diligências:

1º. Condução à presença da autoridade dos delinqüentes detidos em flagrante, em virtude de pronúncia ou nos demais casos previstos em lei, desde que ofereçam resistência ou tentem a fuga.

2º. Condução à presença da autoridade dos ébrios, viciosos e turbulentos, recolhidos na prática de infração e que devam ser postos em custódia, nos termos do Regulamento Policial do Estado, desde que o seu estado externo de exaltação torne indispensável o emprego de força.

3º. Transporte, de uma para outra dependência, ou remoção, de um para outro presídio, dos presos que, pela sua conhecida periculosidade, possam tentar a fuga, durante diligência, ou a tenham tentado, ou oferecido resistência quando de sua detenção.”

Alguns anos mais tarde, no Rio de Janeiro, no âmbito do sistema penitenciário, passou a vigorar a Portaria nº. 288/JSF/GDG, de 10 de novembro de 1976, que prevê a utilização de algemas ao serviço policial de escolta, para impedir fugas de internos de reconhecida periculosidade.

Sancionada em 1984 a Lei de nº 7.210, denominada Lei de Execuções Penais em seu art. 199, apenas normatizou esta prática, aduzindo que o emprego de algemas seria disciplinado por decreto federal.

Desta maneira, a referida regulamentação torna-se necessária, já que para alguns a utilização de algemas quando a pessoa não oferece resistência caracteriza o crime de constrangimento ilegal, ferindo o princípio constitucional da presunção de inocência.

O Mestre Júlio Fabbrini Mirabete, comentando o art. 199 da Lei de Execução Penal, preleciona:

“Sem se referir especificamente às algemas, o Código de Processo Penal veda o emprego de força, salvo se indispensável no caso de resistência ou de tentativa de fuga do preso (art. 284). Por fim, a Lei de Execução Penal determina a regulamentação por decreto federal do uso de algemas (art. 199).”

Por outro lado o uso de algema pode constituir-se em uma conduta criminosa, uma vez que o uso indevido desse instrumento caracterizaria abuso de autoridade e pode mesmo constituir o crime de tortura, ou seja, se a imposição da algema visar deliberadamente o sofrimento físico ou mental da pessoa.

Diante da polêmica instaurada acerca do uso de algemas, fez-se necessário a presença do Superior Tribunal Federal para manifestar-se sobre o assunto, qual seja, a utilização ou não de algemas, e se isso é medida de segurança ou abuso de autoridade em razão de confrontarem princípios fundamentais reconhecidos pela nossa Carta Magna como: a presunção de inocência, a dignidade humana e a integridade física. Tal interferência da instância superior no tema será debatida adiante.


3 - DA LEGISLAÇÃO HODIERNA

3.1 – DA SÚMULA VINCULANTE N° 11 DO STF

Se por um lado a norma sumular teve o condão de enfrentar com ousadia uma prática cotidiana, de exposição de pessoas ao constrangimento ilegal perante a opinião pública, à semelhança do que outrora ocorria com a tomada de impressões, durante o ato de formal indiciamento, verifica-se que o legislador ao editar a Súmula Vinculante nº 11, teve o intuito de restringir o uso ilegal de algemas.

A edição da Súmula Vinculante n° 11 decorreu do julgamento do HC n° 91952-SP do STF, que fazia menção ao fato do réu ter permanecido algemado durante sessão do Tribunal do Júri. Tal súmula foi editada no seguinte teor:

“Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.”

Herberlla (2011, p.93), menciona que através da Súmula Vinculante nº 11, o uso de algemas para o preso deixou de ser regra e passou a ser exceção, restringindo-se às hipóteses nas quais a autoridade, mediante fundamentação escrita, considerar que tenha havido resistência, demonstrando receio de fuga ou perigo à integridade física própria ou alheia.

Termos em que, apenas em tais casos estaria, para o STF, legitimado o uso de algemas, sob pena de o agente ou a autoridade responderem nas esferas disciplinar, penal e civil. Previu-se, também, a responsabilização civil do Estado, sem prejuízo do reconhecimento de nulidade da prisão ou do ato processual a que ela se refere (HERBELLA, 2011, p.93).

Com relação ao instituto da Súmula Vinculante, ele é previsto no art. 103-A da CF, com redação dada pela EC nº 45/2004, tendo sido regulamentado pela Lei nº 11.471/2006. A súmula concretiza o entendimento do STF sobre o cumprimento de legislação que já trata do assunto. É o caso, entre outros, do inciso III do artigo 1º da Constituição Federal (CF); de vários incisos do artigo 5º (CF), que dispõem sobre o respeito à dignidade da pessoa humana e os seus direitos fundamentais, bem como dos artigos 284 e 292 do Código de Processo Penal (CPP) que tratam do uso restrito da força quando da realização da prisão de uma pessoa (KISHI, 2012, p.52).

De acordo com Fudoli (2008, p.01), com o objetivo de refrear abusos relacionados com o emprego de algemas em pessoas presas, o Supremo Tribunal Federal – STF, em sua composição plenária, por unanimidade, em sessão realizada em 13.08.08, editou a súmula vinculante n. 11, com o seguinte texto:

"Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado".

Em certos casos concretos, tem havido realmente o desvirtuamento do emprego de algemas, especialmente quando a pessoa presa tem poderio econômico ou político ou ainda quando se trata de crime que trouxe repercussão na mídia, constatando-se a indevida exibição da pessoa presa como se fosse uma espécie de troféu a demonstrar a eficiência (verdadeira ou aparente) do aparato de segurança pública.

Nesse sentido, a preocupação básica do STF é relevante: dar concreção aos direitos do preso, em especial o direito ao resguardo de sua dignidade humana e de sua intimidade. Contudo, dada a abrangência e o teor da súmula em referência, e tendo em vista ainda as circunstâncias em que se deu sua edição, alguns problemas práticos podem surgir de sua aplicação, trazendo insegurança jurídica e diminuição da segurança dos envolvidos na execução de prisões e na realização de atos envolvendo réus presos (FUDOLI, 2008, p.01).

Conforme o entendimento de Nucci (2008, p.580) apud Kishi (2012, p.52), algemar quem não proporciona risco algum para a concretização do ato constitui delito de abuso de autoridade. A fim de disciplinar tal ato, o STF, por unanimidade, decidiu que o uso de algemas deve ser adotado em situações excepcionais, pois, do contrário violam-se importantes princípios constitucionais, dentre eles a dignidade da pessoa humana (HC 91.952-SP, Pleno, rel. Marco Aurélio, 07/08/2008).

Sem dúvida, essa súmula causou um grande alvoroço no meio jurídico. Entretanto, para Capez (2010), os problemas ocasionados pelo uso das algemas não serão resolvidos com a edição da súmula vinculante, mas sua utilização é imprescindível e justificado para a prisão, em caso de resistência, de fundado receio de fuga ou de perigo á integridade física própria ou alheia. 

3.2 – O CÓDIGO DE PROCESSO PENAL E O SISTEMA DE PRIVILÉGIOS

O Código de Processo Penal Militar, por seu turno, em seu art. 234 também regulamenta o uso da força, deixando patente que só pode ser empregada em casos extremos, in verbis : O emprego da força só é permitido quando indispensável, no caso de desobediência, resistência ou tentativa de fuga... (omissis).

Quanto ao emprego específico das algemas, o 1º do mesmo artigo é categórico: O emprego de algemas deve ser evitado, desde que não haja perigo de fuga ou de agressão da parte do preso, e de modo algum será permitido, nos presos a que se refere o art. 242.

Assim significa dizer que se ele quiser fugir ou agredir alguém, parece não haver dúvida que também ele deve se submeter ao uso de algemas tal como ressalvou o STF. Desta forma, seria odiosa e quebraria a isonomia constitucional, já que veda o uso de algemas em ministros, parlamentares e outras autoridades que elenca.

Luiz Flávio Gomes que afirma:

“O uso de algemas é reflexo do direito penal do inimigo, pois intitula o sujeito como não-pessoa, pois o priva de direitos e garantias constitucionais, ressaltando-se ainda, que o Código de Processo Penal Militar, em seu artigo 234 dispõe que o uso de força somente é permitido em caso de fuga, resistência ou desobediência, e, portanto o uso de algemas deverá ser evitado. Destaca-se que o mesmo artigo, em seu parágrafo primeiro, dispõe que de modo algum será permitido o uso de algemas nas pessoas mencionadas no artigo 242 do mesmo diploma legal. O artigo 242, por sua vez, elenca ministros de estado, representantes do Governo.”

Observe-se, de qualquer modo, que o dispositivo do Código de Processo Penal Militar citado abrange civis. Dele se extrai, ademais, que o emprego das algemas constitui medida profundamente vexatória, tanto que a lei restringe ao máximo o seu emprego. Algemar por algemar é medida odiosa, pura demonstração de arrogância ou ato de exibicionismo que, quando o caso, deve dar ensejo ao delito de abuso de autoridade.

O uso de algemas, por expressa determinação legal, deve ficar restrito aos casos extremos de resistência e oferecimento de real perigo por parte do preso. Todas as vezes que houver excesso, poderemos estar diante de um "abuso de autoridade", nos termos dos arts. 3º, i e 4º, b da Lei de nº 4.898/65, denominada Lei de Abuso de Autoridade.

Nossa Constituição Federal ordena o respeito à integridade física e moral dos presos, proibindo, a todos, submeter alguém a tratamento desumano e degradante, devendo ser respeitadas a dignidade da pessoa humana e a presunção de inocência, o constrangedor e aviltante uso de algemas devendo ser usada quando demonstrada e justificada caso a caso pela autoridade ou seu agente, não podendo a necessidade ser deduzida da gravidade dos crimes nem da presunção de periculosidade do detento, porque ilegal.

É evidente que o uso de algemas, em situações ímpares, pode ser imprescindível na condução de presos, mas, a cautela de segurança poderia ser conseguida através das escoltas policiais reforçadas e outras providências, sem que se ofenda tão gravemente a dignidade da pessoa, que representa uma das garantias constitucionais.

Ademais, a ofensa à dignidade da pessoa humana é tão patente, tão gritante, tão escandalosa, tão sugestiva, que julgamentos realizados pelo júri são anulados por nossos tribunais quando o acusado é mantido algemado durante a sessão. Se não, vejamos:

“Júri. Nulidade. Réu mantido algemado durante os trabalhos sob a alegação de ser perigoso. Inadmissibilidade. Fato com interferência no ânimo dos jurados e, conseqüentemente, no resultado. Constrangimento ilegal caracterizado. Novo julgamento ordenado. Aplicação do art. 593, III, a, do CPP. Írrito o julgamento pelo Júri se o réu permaneceu algemado durante o desenrolar dos trabalhos sob a alegação de ser perigoso, eis que tal circunstância interfere no espírito dos jurados e, conseqüentemente, no resultado do julgamento, constituindo constrangimento ilegal que dá causa a nulidade. (TJSP. Ap. 74.542-3. 2ª C. j. 8.5.89. rel. des. Renato Talli. RT 643/285).”

“Penal. Réu. uso de algemas. Avaliação de necessidade. A imposição do uso de algemas ao réu, por constituir afetação aos princípios de respeito à integridade física e moral do cidadão, deve ser aferida de modo cauteloso e diante de elementos concretos que demonstrem a periculosidade do acusado. Recurso provido. (STJ. RHC 5.663. Sexta Turma. j. 19.8.96. min. William Patterson. DJ de 23.9.96).”

A presunção de inocência proíbe que as medidas cautelares, como a prisão preventiva, sejam utilizadas como castigo, ou seja, muito além de sua finalidade de assegurar o escopo processual. A idéia da presunção serve para impedir que o réu seja tratado como se já estivesse condenado, desta maneira sofrendo restrições de direito que não sejam necessárias à apuração dos fatos e ao cumprimento da lei penal.

A repulsa, com relação ao abuso no uso de algemas, pois quando ocorrer tal circunstância a mesma pode configurar crime, conforme art. 3º, alínea i e art. 4º, alínea b da Lei nº 4.898/65, além do que, nossa Constituição Federal no seu artigo 5ª, inciso LVII, aduz a presunção de inocência, ou seja, ninguém pode ser considerado (ou tratado) como culpado, senão depois do trânsito em julgado de uma sentença condenatória e principalmente pelo principio da Dignidade da pessoa Humana é declarado no nosso sistema Constitucional.

Os tempos modernos são outros e a permissividade, ou mesmo perniciosidade, desses dispositivos legais agrava a sensação de impunidade, discriminação e favorecimento que existe no Brasil. É desvirtuada a finalidade de algemas: promove-se um privilégio e não se preocupa com a imobilização do conduzido, preso ou condenado.


4 - CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Concluindo, como a Constituição Federal ordena o respeito à integridade física e moral dos presos, proibindo, a todos, submeter alguém a tratamento desumano e degradante, devendo ser respeitadas a dignidade da pessoa humana e a presunção de inocência.

O constrangedor e aviltante uso de algemas símbolo maior de humilhação ao homem só pode se dar nas singulares e excepcionalíssimas hipóteses retro mencionadas, a saber, os arts. 284 c/c 292 do Código de Processo Penal e, mesmo assim, desde que esgotados todos os demais meios para conter a pessoa que se pretende prender ou conduzir.

Ou seja, quando houver inquestionável imprescindibilidade do uso de algemas, deve esta ser demonstrada e justificada caso a caso pela autoridade ou seu agente, não podendo a necessidade ser deduzida da gravidade dos crimes nem da presunção de periculosidade do detento, porque ilegal.

Todo preso, ou melhor, toda pessoa tem direito a fazer jus dos princípios constitucionais e utilizá-los nos momentos oportunos. Esses não podem ser violados por interpretação subjetiva dos agentes que realizam as prisões. As algemas são instrumentos que devem ser utilizados de forma correta e não com o objetivo de humilhar o preso.

O uso de algemas muitas vezes pode influenciar na opinião das pessoas, quando se atua como jurado, e vê entrando o réu algemado a impressão que se tem é que se trata de uma pessoa muito perigosa.

Por isso defendemos a idéia que só deve ser algemado as pessoas em três hipóteses a saber: no caso da pessoa ter uma vida voltada para o crime, no caso de pessoa ter acabado de cometer um crime violento, ainda no calor dos fatos e por último, no caso de resistência à prisão.


5 - REFERÊNCIAS 

ABNT. Boletim ABNT. Vários anos.      

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______. Decreto-Lei 1.002, de 21 de outubro de 1969. Código de Processo Penal Militar. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del1002.htm>. Acesso em: 08 ago. 2014.

______. Decreto-Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm>. Acesso em: 08 ago. 2014.

______. Decreto-Lei n° 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm>. Acesso em: 06 ago. 2014.

______. Lei n° 8.069 de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm>. Acesso em: 11 ago. 2014.

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CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. São Paulo: Atlas, 2008.

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