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Análise da viabilidade da aplicação da “flexigurança” no Brasil

Análise da viabilidade da aplicação da “flexigurança” no Brasil

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Este artigo apresenta uma análise da viabilidade da aplicação da “flexigurança” no Brasil. De forma genérica, enfatiza-se a distinção entre “flexigurança” e “flexibilização”.


Sumário: Introdução; 1 Distinção entre “flexibilização” e “flexigurança”; 2 A reforma do mercado de trabalho e a “flexigurança”; 2.1 No país precursor: Dinamarca; 2.2 No Brasil;  3 Análise da viabilidade da aplicação da “flexigurança” no Brasil; Considerações Finais; Referências.


RESUMO

Este artigo apresenta uma análise da viabilidade da aplicação da “flexigurança” no Brasil. De forma genérica, enfatiza-se a distinção entre “flexigurança” e “flexibilização”. Faz-se uma abordagem acerca da reforma do mercado do trabalho e a “flexigurança” e, posteriormente, caracteriza-se da “flexigurança” na Dinamarca (país precursor) e no Brasil. Finalmente, analisam-se as principais discussões em torno dos limites e possibilidades da aplicação da “flexigurança” no Brasil.
 
Palavras-chave: “Flexigurança”. Flexibilização. Segurança. Mercado de Trabalho.


Introdução

Neste paper, analisar-se-á a viabilidade da aplicação da “flexigurança” no Brasil a partir da reforma do mercado brasileiro. O mercado de trabalho, atualmente, influenciado pela globalização e crise da economia brada por maior flexibilização das normas trabalhistas, porém, sem deixar de dar proteção ao obreiro, caracterizando, assim, a chamada “flexigurança”. Este fenômeno jurídico surgiu, primeiramente, na Dinamarca e, posteriormente, propagou-se na União Europeia. Nesse sentido, os marcos temporais foram a reunião, em março de 2000, do Conselho Europeu, consolidado no documento “Estratégias de Lisboa”, e o lançamento, em 2006, do “Livro Verde” (Modernizar o Direito do Trabalho para Enfrentar os Desafios do Século XXI) com exposições claras acerca da “flexicurity”. Finalmente, apontam-se algumas iniciativas surgidas no direito trabalhista brasileiro que evidenciam, mesmo que ainda timidamente, a adesão às propostas da “flexigurança”.
1 Distinção entre “flexibilização” e “flexigurança”

As terminologias “flexibilização” e “flexigurança” inseridas no contexto das crises nas relações de trabalho a partir da reforma do mercado de trabalho, não podem ser confundidas, posto que tratam de fenômenos e institutos jurídicos trabalhistas distintos.
A flexibilização nasce como mecanismo de contenção de crise nas relações trabalhistas, por isso “ao movimento de ideias que caracterizam o fenômeno típico da adaptação da rígida legislação trabalhista às novas exigências da economia e da revolução tecnológica convencionou-se denominar de flexibilização da legislação trabalhista” (ROMITA, 2008, p. 9). Nessa perspectiva, diz-se que “adaptabilidade, flexibilidade, capacidade de acomodação, versatilidade, todos são vocábulos que estudiosos procuram utilizar para caracterizar o fenômeno [...]” (SOARES, 2014, p. 131) da flexibilização.
No Brasil, o fenômeno da flexibilização surge a partir da década de 90, como manifestação de pensamento que milita pela diminuição do poder estatal na economia, nas relações sociais e, inclusive, na seara do Direito Trabalhista, isso feito com a intenção de criar instrumentos de desconstrução ou flexibilização das normas jurídicas trabalhistas, querendo-se com isso desarticular o sistema protetivo das normas estatais trabalhistas implementadas pela Constituição federal de 1988 (DELGADO, 2014, p. 116-117).
Nesse contexto, para Vólia Bonfim Cassar (2010, p. 40), “flexibilizar significa criar exceções, dar maleabilidade à rígida lei trabalhista, autorizar a adoção de regras especiais para casos concretos”, tendo em vista a revolução tecnológica, a globalização da economia e a crise econômica enfrentada por alguns países e, desse modo, a flexibilização surge como possibilidade de enfrentamento da crise em vista da acirrada disputa do processo econômico na finalidade de buscar a competividade (CASSAR, 2010, p. 39-40).
No entendimento de Alice Monteiro de Barros (2012, p. 69), a flexibilização acomodada no campo do trabalho refere-se a um fenômeno de reivindicação empresarial que requer menores custos sociais, assim como maior governabilidade do fator trabalho. Ela classifica a flexibilização em interna e externa. A primeira, diz respeito à ordenação do trabalho na empresa, caracterizando-se pela mobilidade funcional e geográfica, modificação das condições de trabalho, do tempo de trabalho, da suspensão do contrato e da remuneração. A segunda, por sua vez, relaciona-se com o ingresso do trabalhador na empresa, às modalidades de contratação, de duração de contrato, de dissolução de contrato e, além disso, podem-se citar os subcontratos e a empresa de contrato temporário.
Dentre as classificações de flexibilização propostas pelos doutrinadores, apresenta-se aquela defendida por Vólia Bomfim Cassar (2010, p. 54-56):
a) Flexibilização da adaptação. Visa-se derrogar os benefícios trabalhistas previstos em lei e na Constituição Federal, utilizando-se da autonomia coletiva;
b) Flexibilização de proteção. Admite-se a possibilidade da flexibilização das normas trabalhistas, desde que seja em benefício do operário. Opera-se, por exemplo, no caso em que haja risco à existência do empreendimento, favorecendo-se os interesses do empregador em detrimento aos dos empregados;
c) Flexibilização por desregulamentação. Trata-se de uma legislação menos vantajosa aos empregados, afetando-se leis protetivas, priorizando-se a negociação entre as partes;
d) Flexibilização autônoma e heterônoma. A autônoma decorre dos acordos e convenções coletivas. Já a heterônoma, realiza-se por força estatal através de leis e decretos. No Brasil, adotam-se os dois modelos;
e) Flexibilização condicionada e incondicionada. A condicionada refere-se a uma renúncia ou perda de direitos em decorrência de uma compensação pelo empregador ou pelo Estado. Por sua vez, a incondicionada corresponde à situação em que os direitos dos trabalhadores são retirados ou abdicados, porém sem nenhuma compensação, seja pela empresa ou pelo próprio Estado;
f) Flexibilização interna ou externa. Na interna, permite-se que cláusulas contratuais sejam alteradas, mesmo que em prejuízo do empregado. A externa, subdivide-se em flexibilidade de normas de entrada (momento da contração) e de saída (momento da demissão do obreiro);
g) Flexibilização jurídica e flexibilização real, ou de fábrica, ou produtiva.  O real caracteriza-se pela automatização da produção (dinâmica e realizada à medida da encomenda). Por fim, a jurídica – aplicável à mão de obra temporária e terceirizada flexível das fábricas – seria uma espécie de apoio à flexibilização real.
Quanto à expressão “flexigurança” (tradução proposta por Arion Sayão Romita), que provém do termo “flexicurity” (em inglês) ou “flexicurité” (em francês), que pelas normas clássicas do português tem sua correta tradução como “flexissegurança” (com dois “ss”), mesmo assim, em Portugal, o neologismo ficou consagrado com a grafia “flexisegurança” (somente com um “s”), querendo designar a conciliação de dois valores sensivelmente antagônicos: flexibilização do mercado de trabalho e a segurança dos trabalhadores (DALLEGRAVE NETO, 2014, p. 1).
É um fenômeno ou instituto do direito do trabalho que visa combinar flexibilidade e segurança, seja no campo econômico seja no campo social (ROMITA, 2008, p. 80). Advém como consequência da reforma do mercado de trabalho à luz da ideologia da flexibilidade (ROMITA, 2008, p. 30). Logo, quer dizer

uma nova forma de equilibrar a flexibilidade e a segurança no mercado de trabalho (não propriamente na empresa nem no trabalho), baseada na observação de que a globalização e o progresso tecnológico acarretam uma rápida evolução das necessidades dos trabalhadores e das empresas (ROMITA, 2008, p. 81).


Trata-se de estratégia política “[...] que tem por objetivo melhorar ao mesmo tempo a flexibilidade do mercado de trabalho e os novos métodos de produção por um lado, e a segurança do emprego e dos rendimentos, por outro lado” (ROMITA, 2008, p. 81), embora acredita-se ser “[...] dois valores sensivelmente antagônicos [...]” (DALLEGRAVE NETO, 2014, p. 1).
A flexibilização com segurança – “flexissegurança” – repousa numa relação triangular. De um lado, existe um mercado flexível devido à desregulamentação das regras trabalhistas; de outro lado, o Estado social que garante um sistema de indenizações generosas; e, no último lado, a existência de uma política de “ativação” do mercado de trabalho com a oferta de cursos de qualificação e métodos motivação em busca de um novo emprego (CASSAR, 2010, p. 53).  Assim, “[...] a flexigurança redefine a “segurança” como estando baseada na segu¬rança no trabalho e não a segurança do emprego. A sua razão de ser é a de proteger os trabalhadores e não os empregos [...]” (SULTANA, 2012, p. 5).
Como já salientado, “a flexigurança é uma abordagem política que procura combinar a flexibilidade dos mercados de trabalho para os empregadores com a segurança do emprego para os trabalhadores” (FUNDAÇÃO EUROPEIA PARA A MELHORIA DAS CONDIÇÕES DE VIDA E DE TRABALHO, 2009, p. 2). No que diz respeito propriamente à segurança, ela poderá

[...] assumir diferentes formas: segurança do posto de trabalho, segurança de emprego, segurança do rendimento e segurança combinada. Estas formas de segurança, que correspondem às diferentes formas de flexibilidade, podem ser protegidas através de várias medidas, empreendidas ou institucionalizadas por diferentes agentes (FUNDAÇÃO EUROPEIA PARA A MELHORIA DAS CONDIÇÕES DE VIDA E DE TRABALHO, 2009, p. 11).


Por essas considerações, pode-se dizer que a “flexigurança” expõe uma explícita política estratégica estatal, articulando flexibilidade e segurança nas relações de trabalho, garantindo os direitos fundamentais dos obreiros, mas também dando às empresas possibilidade de lucratividade e competitividade no novo cenário da reforma do mercado de trabalho mundial.

2 A reforma do mercado de trabalho e a “flexigurança”

Conceituar mercado de trabalho não é uma tarefa fácil. Não se revela, simplesmente, como um “encontro” de curvas entre oferta e demanda, mas requer a compreensão de um contexto e uma história ou mesmo, ainda, referência a grupo ou tipo de trabalho num determinado cenário geopolítico (OLIVEIRA; PICCININI, 2011, p. 1536). Entretanto, a definição predominante situa-se no âmbito “[...] onde o conjunto de ofertas e de demandas de emprego se confrontam e as quantidades oferecidas e demandadas se ajustam em função do preço, isto é, dos salários no mercado de trabalho” (OLIVEIRA; PICCININI, 2011 p.1519).
A globalização, a crise do mercado de trabalho atinge todas as regiões do mundo, sobretudo, causando uma constante interferência dos empregadores nas normas trabalhistas com grande espaço à flexibilização. Nos últimos tempos, os países adotam a postura da “flexigurança” que visa flexibilizar o direito do trabalho, mas somando-se à segurança aos trabalhadores.
Diante da reforma do mercado de trabalho, a Dinamarca inaugurou o sistema de “flexigurança” ao assumir os custos de proteção do empregado nas relações de trabalho (ROMITA, 2008, p. 44). Posteriormente, as bases da reforma do mercado de trabalho a partir da “flexigurança” se difundiram na União Europeia, relevantemente, em dois grandes momentos:
1º) Em março de 2000, com a realização de uma reunião do Conselho Europeu extraordinário de Lisboa que traçou um novo objetivo da União para a década seguinte: “[...] tornar-se na economia baseada no conhecimento mais dinâmica e competitiva do mundo, capaz de garantir um crescimento económico sustentável, com mais e melhores empregos, e com maior coesão social” (CONSELHO EUROPEU DE LISBOA, 2000, p. 2).
Nessa oportunidade, criou-se uma força-tarefa incumbida para criação de novos postos de trabalho, baseada no conhecimento da política de empego e, também, de reformas estruturais do mercado de trabalho (ROMITA, 2008, p. 40).
Direcionadamente, a força-tarefa recomenda com base na flexibilização do trabalho produtivo, modernização das garantias, proteção de trabalho e seguridade social, em vista da adequada qualidade do trabalho com maior mobilidade no mercado de trabalho. Nesse sentido, atenta-se aos seguintes pontos: a) Flexibilizar o tempo de trabalho; b) Promover o trabalho de tempo parcial; c) Mudar ou diminuir o grau de segurança nos contratos por tempo indeterminado; d) Implantar uma adequada segurança dos trabalhadores em contratos por tempo determinado ou atípicos, assegurando mão-de-obra; e) Promover as agências de mão-de-obra, combinando flexibilidade e segurança; e f) Modernizar os sistemas de proteção social no sentido da mobilidade no mercado de trabalho e prolongamento da vida produtiva do trabalhador (ROMITA, 2008, p. 40).
2º) Em 2006, surge a publicação do chamado “Livro Verde” (Modernizar o Direito do Trabalho para Enfrentar os Desafios do Século XXI) “[...] a fim de perspectivar a evolução do direito do trabalho no sentido do objetivo da estratégia de Lisboa de crescimento sustentável com mais e melhores empregos” (COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS, 2006, p.1).
Tem-se como meta fundamental o seguinte: “Os mercados do trabalho europeus devem enfrentar o desafio da articulação de uma maior flexibilidade com a necessidade de maximizar a segurança para todos” (COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS, 2006, p.1).
Mediante isso, no contexto atual da globalização e crise da economia associadas à competição internacional também o direito do trabalho sofre modificações para impulsionando concretizar uma reforma do mercado de trabalho.
Ademais, não se pode permanecer com características de modelos ultrapassados que não correspondem às novas exigências da contemporaneidade, com isso, a comunidade política internacional, atualmente, tenta implantar o modelo da “flexigurança” com uma alternativa para contenção da crise do mercado de trabalho, precisamente, para se amenizar, em tese, o desemprego.
 
2.1 No país precursor: Dinamarca

A “flexigurança”, primeiramente, surgiu na Dinamarca, podendo ser “[...] considerada como um sistema próprio dinamarquês de relações de trabalho” (ROMITA, 2008, p. 44), principalmente, pela “[...] combinação extraordinária de flexibilização da relação de trabalho e segurança econômica e social dos empregados” (ROMITA, 2008, p. 44).  
Na reforma do mercado de trabalho dinamarquês vigora a ideia de um “mercado de trabalho inclusivo” baseado na inclusão de pessoas no emprego ativo, com objetivos claros no sentido em que todo indivíduo tem uma responsabilidade social; que o Estado deve assegurar medidas que possibilitem o trabalhador a exercer suas funções durante toda a sua vida útil; que as pessoas com capacidade reduzida devem ter um emprego (“flexi-empregos”); e que cada vez mais pessoas devem ser empregadas. Além disso, no mercado inclusivo, valorizam-se a educação profissional, a integração das minorias étnicas e a melhoria das condições de trabalho (ROMITA, 2008, p. 45-46).
O sistema de “flexigurança” dinamarquês pode ser assim caracterizado pelos seguintes aspectos: a) elevada mobilidade entre os postos de trabalho (criação e supressão de empregos); b) o sistema de desemprego e as prestações da previdência social são custeados, principalmente, pelo Estado; c) baseia-se na “ativação” (equilíbrio entre direitos e obrigações); d) a política dinamarquesa retrata a metáfora do “triângulo dourado” onde há a flexibilidade na relação de emprego através de um sistema generoso de prestações por desemprego e uma nova política de ativação do mercado de trabalho (ROMITA, 2008, p. 44-46).
Em suma, quanto à reforma do mercado de trabalho e a “flexigurança na Dinamarca

[...] conclui-se que é sobretudo o Estado, mesmo sendo subprotetor, que se assume como elemento central na proteção dos desempregados, aparecendo as redes sociais e as atividades de substituição como proteções complementares e muitas vezes precárias (COSTA, 2009, p. 135).


2.2 No Brasil

A recente crise mundial que se manifesta, necessariamente, no aumento dos índices do desemprego e que tende a ter reflexo em todas as economias do mundo, traz à tona a discussão, também no Brasil, acerca de maior flexibilidade dos mercados de trabalho como antídoto para garantir maior competividade às empresas, acenando-se para uma maior preocupação com a segurança do trabalhador baseada na sua inclusão (SCHWARZ, 2008, p. 65).
Relativamente à flexibilização, a Constituição Federal de 1988 a possibilitou nos termos do art. 7º, incisos VI, XII e XIV, respectivamente, no que se acena à redução salarial, modificação da jornada de trabalho e o revezamento de turnos, desde que haja acordo ou convenção coletiva de trabalho (ROMITA, 2008, p. 73).
Desde então, admite-se uma mitigação do favor laboratoris (princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador), pois antes prevalecia sem restrições no direito do trabalho brasileiro. Entretanto, qualquer disponibilidade dos direitos trabalhistas em acordo ou convenção encontra seu limite nos direitos fundamentais (ROMITA, 2008, p. 73).
A legislação brasileira há tempos vem sendo flexibilizada. Basta perceber, por exemplo, a possibilidade de redução dos salários por negociação coletiva (Lei nº 4.923/65); a autorização de terceirização de trabalhadores para contratação temporária (Lei nº 6.019/74); a imposição da terceirização do vigilante (Lei nº 7.102/83); criação de contrato provisório para estímulo a novos empregos (Lei nº 9.601/98); limitação do poder normativo da Justiça do Trabalho e proibição de dissídio de natureza econômica unilateral (EC nº 45/04) e tantas outras normas trabalhistas (CASSAR, 2010, p. 59-62).
Em relação à “flexigurança”, existem iniciativas que tendem a inserir o Brasil, gradativamente, nesse novo cenário mundial. Nessa linha, a palavra de ordem do novo Direito do Trabalho é, portando, flexigurança (ROMITA, 2008, p. 84).
Exemplificando, no Brasil em 2001, se editou a MP n. 2164-41, e se introduziu, através do artigo 476-A da CLT a possibilidade do empregador suspender o contrato de trabalho para que o empregado participasse de curso ou programa de qualificação profissional (XAVIER; LÓPEZ, 2011, p. 3), mediante previsão em convenção ou acordo coletivo de trabalho, o chamado lay off  (ROMITA, 2008, p. 78).
Outro exemplo de “flexigurança” no Brasil é destacado por Schwarz (2008, p. 82):

No Brasil, recentemente, a FIESP e a Força Sindical iniciaram um diálogo devotado à flexibilização; o patronato propôs a flexibilização das relações de trabalho, mas não ofereceu a devida contrapartida, enquanto a central sindical propôs certa garantia de manutenção dos contratos de trabalho em troca de concessões como o corte parcial de salários. No entanto, diante da falta de flexibilidade do patronato, que insiste na perspectiva da flex-flexibility, a Força Sindical suspendeu, de forma muito compreensível, a negociação.


Mediante isso, nota-se que a “flexissegurança” é, essencialmente, injusta. Ela impõe sacríficos aos trabalhadores com uma distribuição de poderes e posições jurídicas ao empregador. A tal “segurança” oferecida ao trabalhador é custeada por todo, inclusive por ele próprio (XAVIER; LÓPEZ, 2011, p. 3).
Finalmente, neste país existem dois sistemas de proteção social aos desempregados: o seguro-desemprego (SD) e o fundo de garantia por tempo de serviço (CHAHAD, 2009, p. 92).
3 Análise da viabilidade da aplicação da “flexigurança” no Brasil

É imperioso destacar, inicialmente, que “a globalização da economia e a competição internacional podem exercer influência negativa sobre o processo social, principalmente em países, como o nosso, em vista de desenvolvimento” (ROMITA, 1998, p. 110).  Neste caso, a implantação da “flexigurança” no Brasil poderá ter influência negativa na vida social de todos os brasileiros.
Na verdade, “para caminhar em direção a um modelo sólido de flexibilidade com segurança, com suas próprias características, o Brasil necessita de amplas reformas institucionais” (CHAHAD, 2009, p. 102).
O Brasil ainda não pode ser visto como um país do bem-estar social. Subsistem ainda situações trabalho escravo ou em condição análoga; exploração de menores; trabalho em condições subumanas e uma legislação flagrantemente desrespeitada. Desse modo, é inadmissível a defesa do afastamento do Estado em relação a uma flexibilização das normas trabalhistas (CASSAR, 2010, p. 202).
Nesse sentido, aduz-se que:

A implementação da flexissegurança no Brasil requer cautela e um estudo para sua viabilização, uma vez que a questão da flexibilização dos direitos trabalhista não pode abalar a proteção que é o cerne do Direito do Trabalho (SOUSA, 264, p. 2014)

Observa-se que a flexibilização dos direitos trabalhistas tem como objetivo único a maximização dos lucros dos empregadores. A flexibilização deve guardar estrita relação com a finalidade social, por que sua manutenção é de interesse público (CASSAR, 2010, 203).
Opina-se, em outras palavras que

[...] com o processo flexibilizatório do Direito do Trabalho, a classe patronal certamente usaria desta flexibilização em proveito próprio e com o fim de aumentar seus lucros, não se importando com a valorização do trabalho humano, desrespeitando o trabalhador por ser a parte mais fraca da relação de trabalho (GROSSO, 2007, p. 112).

 Teme-se que na realidade brasileira, “[...] uma maior fle¬xibilidade para os empregadores pode resultar numa maior insegurança para os trabalhado¬res” (SULTANA, 2012, p. 4), porque “[...] o sentido mais genuíno do direito do trabalho não pode ser outro que não a tutela do trabalhador, especialmente em tempos de crise” (SCHWARZ, 2008p. 83).
O modelo da “flexigurança” não é uma fórmula mágica, depende de aparatos e características viáveis para sua aplicação. Acredita-se que o Brasil não dispõe de uma estrutura viável para a aplicação da mesma, dado que a compensação aos trabalhadores implica em grandes ônus aos cofres públicos, o que aumentaria, substancialmente, os impostos a serem pagos pela sociedade (GONÇALVES, 2012, p. 71)
Em síntese,

a implantação de um modelo de flexicurity, com as características brasileiras, onde a maior flexibilidade no mercado de trabalho tivesse como contrapartida um sistema mais sólido de proteção social, deveria contar com adesão oficial do governo, que o transformasse numa “razão de Estado”, sendo colocado como uma prioridade nacional fundamental, e assim deveria ser tratada. A experiência mostra, contudo, que isto seria muito difícil de ocorrer no atual momento da realidade brasileira. Deve-se esclarecer que isto não é falta de iniciativa do atual governo federal, mas sim, dos governos brasileiros, em geral, onde o predomínio da questão econômica sempre foi, e continua sendo, um poderoso obstáculo ao desenvolvimento de outras áreas. (CHAHAD, 2009, p. 109).


Portanto, não se pode permitir que tendências de flexibilização e segurança no mercado de trabalho brasileiro violem direitos e garantias básicas do trabalhador (cláusulas pétreas) estabelecidos na Constituição Federal de 1988 e, também, amplamente reconhecidas pela doutrina e jurisprudência.

Considerações Finais

Esta pesquisa esteve orientada no sentido de discutir a viabilidade da aplicação da “flexigurança” no Brasil a partir da reforma do mercado brasileiro. A “flexigurança” é uma abordagem global que abrange a flexibilidade das normas trabalhistas e também quer oferecer segurança aos trabalhadores em tempo de inatividade. Resguarda suas bases jurídicas e históricas na União Europeia, especialmente tendo a Dinamarca como país precursor desse sistema. Quanto ao Brasil, discutiu-se que a flexibilização é um fenômeno jurídico amplamente aplicado, isso mesmo antes da Constituição Federal de 1998 que estabeleceu a flexibilização mediante acordo ou convenção coletiva. Finalmente, quanto ao aspecto central de pesquisa deste paper, defende-se que ainda que o Brasil carece de instrumentos jurídicos eficazes e condições econômicas eficientes para garantir uma real proteção aos trabalhadores em tempo de crise ou em situação de inatividade, pois não há como querer comparar o contexto de aplicação do sistema dinamarquês com a realidade brasileira.

Referências


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