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Reflexões sobre o caso mensalão à luz dos princípios do juiz natural e do duplo grau de jurisdição

Reflexões sobre o caso mensalão à luz dos princípios do juiz natural e do duplo grau de jurisdição

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REFLEXÕES SOBRE O CASO MENSALÃO À LUZ DOS PRINCÍPIOS DO JUIZ NATURAL E DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO

                O caso conhecido nacionalmente como mensalão trouxe à luz um dos mais completos esquemas de corrupção envolvendo os poderes Executivo e Legislativo. Esse caso ganhou notoriedade pública quando o ex-deputado Roberto Jefferson denunciou que deputados da base aliada do governo Lula recebiam dinheiro para votar favoravelmente os projetos do governo, especialmente aqueles que nasceram através de medidas provisórias.

                Passados vários anos desde a instauração da ação penal 470, sob a relatoria do Ministro Joaquim Barbosa, chegou o momento do julgamento, e após uma serie de discordâncias envolvendo o Ministro relator e o Ministro revisor, Ricardo Lewandovski, caminha o processo para o desfecho condenatório de todos os réus, sendo certo que além dos políticos os demais operadores do “esquema” também estão no banco dos réus, dentre eles o publicitário Marcos Valério, tido como o principal operador do esquema de distribuição da propina, bem como os diretores do Banco Rural, instituição financeira que era usada para operacionalizar a distribuição do dinheiro.

                O “caso mensalão”  está sendo julgado perante o Supremo Tribunal Federal apesar de envolver pessoas que teriam foro comum. Todavia, diante da presença de deputados no polo passivo da ação, a estes seria imposto foro especial, qual seja, o do Supremo Tribunal Federal. Nesse sentido, o voto do Ministro Celso de Mello, na petição 673, pleno, em primeiro de julho de noventa e três, ao enfatizar que “São processados e julgados pelo STF pela prática de qualquer infração penal, inclusive as de natureza militar e eleitoral, os deputados federais”. 

                O Código de Processo Penal, no artigo 84 e seguintes, trata da competência por prerrogativa de função, e determina que as pessoas com foro especial serão julgadas pelos tribunais superiores. Assim sendo, o juiz natural, ou seja, aquele que possui competência direta para o julgamento da lide (artigo 5, incisos IIIVII e LIII, da Constituição Federal), no julgamento dos deputados é o Supremo Tribunal Federal. Ocorre que dentre os réus, alguns são pessoas comuns e que não deteriam, em regra, o foro especial para serem julgados perante o STF.

                No caso em questão, apesar da existência de deputados e de pessoas comum no banco dos réus, e de acordo com o mesmo princípio do juiz natural, seriam elas julgadas em primeira instância, mas em razão da continência (artigo 77, inciso primeiro do Código de Processo Penal), esse concurso de pessoas faz com que as mesmas sejam julgadas perante o mesmo juízo. Assim, em razão do vínculo de continência, que induz à reunião de processos perante o tribunal mais graduado, o foro especial será imposto para todos os réus, como aliás determina a Súmula 704 do STF: “não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal a atração por continência ou conexão do processo do co-réu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados”.

                O princípio do duplo grau de jurisdição determina que toda decisão judicial desfavorável a uma das partes poderá ser revista pela instância superior, sendo este o corolário lógico desse mesmo princípio. Ele decorre do princípio do devido processo legal (artigo 5, LV, da Constituição Federal), que assegura aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

                O princípio do duplo grau de jurisdição, todavia, não será aplicado no julgamento do mensalão. Dos trinta e oito réus acusados, três são deputados federais e tem foro privilegiado (artigo 102, I, alínea b da CF), enquanto os demais não possuem aquele foro, mas de qualquer forma, se condenados, não terão os réus como recorrer à outra instância para reexaminar o caso, pois o julgamento já se dá na Corte Suprema.

                Essa situação levou o advogado e ex-ministro da justiça Marcio Thomaz Bastos, que defende um dos réus, a arguir perante os ministros do STF a incompetência da Corte para julgar os réus que não são deputados, entendendo que deveria haver o desmembramento do julgamento, em obediência ao princípio do duplo grau de jurisdição, mas seu pedido foi indeferido pela maioria dos ministros. É importante ressaltar que no caso em tela se está realmente ferindo o direito recursal da grande maioria dos réus, os quais não poderão ver reexaminadas as decisões caso sejam condenados. 



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