Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/36365
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Flexisegurança: mais do mesmo?

Flexisegurança: mais do mesmo?

Publicado em . Elaborado em .

Você sabe o que é flexisegurança? A partir do histórico que antecede a este fenômeno, busca-se revelar suas características e finalidade.

I. INTRODUÇÃO

            Houve quem disse que o capitalismo não cria problemas para os quais não possa dar solução.

            Diante de tantas crises, ainda parece ser a hegemônica sua presença.

            No entanto, as armadilhas também parecem ser as mesmas. A incessante busca pelo lucro tem criado alternativas que acabam por aumentar ainda mais o abismo social entre capitalistas e trabalhadores.

            Este presente trabalho pretende descrever a mais nova invenção do capital para expropriar riqueza da mão-de-obra: a flexisegurança.

            Para tanto, de maneira singela e objetiva, retrata algumas das transformações do mundo do trabalho e da economia, até desembocar nesta mais nova solução mágica.

II. DO ESTADO SOCIAL AO NEOLIBERALISMO

            A Constituição Mexicana (1917) e a Alemã, Weimar, (1919) inauguraram um novo período denominado de Constitucionalismo Social. Em seu bojo, as referidas constituições consagraram direitos de ordem social, assim definido como a categoria de direitos centrados em valores que exaltam a dignidade da pessoa humana.

O Estado Social, que surge após a Primeira Guerra e se firma na Segunda, intervém na economia, através de ações diretas e indiretas; e visa garantir o capitalismo através de uma proposta de bem estar (Wellfare State) que implica uma manutenção artificial da livre concorrência e livre iniciativa, assim como a compensação das desigualdades sociais através da prestação estatal de serviços e da concessão de direitos sociais.

Tal ruptura paradigmática vem redefinir clássicos direito de vida, liberdade, propriedade, segurança e igualdade. É a chamada “materialização”do Direito. O cidadão-proprietário do Estado Liberal passa a ser encarado como cliente de uma Administração Pública garante de bens e serviços. (CATTONI, 2002, p. 59)

            Dentre o rol destes direitos, destacam-se aqueles que consagraram o valor social do trabalho. Garantias como a limitação de jornada, proteção à maternidade, erradicação do trabalho infantil, justa remuneração, elevaram direitos trabalhistas a ordem de fundamentais.

            Sem dúvida, o Direito do Trabalho tem sua origem destacada a partir deste marco histórico, haja vista que as experiências anteriores além de esparsas, careciam de efetividade e eficácia.

            Tais Constituições deram início ao que denominam de Estado Social. Agora, diante das novas diretrizes traçadas, o Estado passa a centrar suas forças na paz e justiça social como finalidades precípuas.

            Colaboraram, igualmente, os fatos históricos que a partir de então eclodiram e alteraram a ordem mundial. A criação da Sociedade das Nações, pelo Tratado de Versalhes, e também, a criação da Organização Internacional do Trabalho - OIT, entidades supranacionais que imprimiriam esforços para a construção dos direitos humanos, promovendo o caráter cosmopolita do Direito do Trabalho[1].

            Anuncia DELGADO (2009, p. 92) que desde este período histórico o Direito do Trabalho passa a incorporar à matriz das ordens jurídicas dos países desenvolvidos democráticos. Desta maneira, o Direito do Trabalho se fortalece, e apresenta-se como principal instrumento de justiça social.

            O aprimoramento do Estado Social, denominado Estado do Bem Estar Social, experiências ocorridas nos países desenvolvidos da Europa Central, nos países nórdicos e nos EUA, acentuaram esse processo de socialização do Direito. Segundo DELGADO (2009, p. 92) esta fase é reconhecida como o clímax do Direito do Trabalho, pois estes países “não só incorporariam as normas justrabalhistas, mas principalmente diretrizes gerais de valorização do trabalho e do ser que labora empragaticiamente para outrem”.

            O Estado do Bem Estar Social adotou como prática as idéias de Keynes[2], que propunham o estímulo da economia a partir da concessão e majoração de benefícios sociais, aliada ao objetivo de pleno emprego. Sua proposta tinha como base a aceleração do consumo, e, conseqüentemente, da produção. Impulsionado pela intervenção do Estado surgiria um círculo virtuoso, no qual o aumento do salário e de benefícios sociais consagraria uma forte economia com base no consumo.

            A chamada Época de Ouro perdurou até a crise de 1970, conhecida como “Crise do Petróleo”. Revoltados com a postura norte-americana e dos principais países europeus em apoiar a fundação do Estado de Israel, os países árabes, que compunham a Organização dos Países Exportadores de Petróleo, iniciaram uma espécie de boicote. Para tanto, aumentaram os royalties do petróleo, o que resultou diretamente no aumento do custo da produção, já que esta matéria-prima era - e ainda é - base de toda e qualquer indústria. Desta maneira, uma crise se desencadeou dentre os países, que não mais conseguiam suportar os custos diretos e indiretos do aumento das despesas de produção. Assim, reduziram as arrecadações de impostos, e eclodiram cortes de despesas tanto no setor privado, como também, no público.

            Citando Ricardo Antunes, Gabriela Neves (DELGADOb, p. 120) destaca os motivos que propulsionaram as mudanças nas nações capitalistas: queda da taxa de lucro agregada ao aumento da força de trabalho; esgotamento do padrão taylorista e fordista de produção, hipertrofia da esfera financeira; maior concentração de capitais; crise do Estado de Bem-Estar Social e acentuação de suas privatizações.

            A crise do petróleo assolou não só as grandes potências, mas, sobretudo, os países periféricos. Este quadro permitiu que governos de extrema direita se instalassem, alterando o perfil de políticas nacionais.

            Diante desta crise, pensamentos liberais que, até então, estavam relegados ao segundo plano, ressurgiram como alternativa viável à crise. Tais pensamentos tinham como base as idéias de Friedrich Von Hayek e Milton Friedman, professor da conhecida Escola de Chicago.

            Propunha-se, desta forma, um “enxugamento” das contas do Estado, tendo como objetivo central, o superávit primário, ou seja, corte de despesas, aumento da arrecadação e pagamento dos juros das dívidas. Para tanto, era necessário que o Estado recuasse suas ações sociais e retomasse uma postura liberal, adequada aos novos tempos.

            Surge assim o Neoliberalismo, termo adequado para definir a adoção das idéias do liberalismo clássico sob uma nova roupagem da teoria econômica contemporânea.

            A afirmação da ideologia neoliberal contou com a participação de três chefes de governo que, mais tarde, ficou conhecida como a “Trinca de Ferro”: Ronald Reagan, nos EUA; Margareth Tatcher, na Inglaterra; e Helmut Kohl, na Alemanha. Estes importantes chefes de governo acabaram por implementar, com a precisa ajuda do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI), a ideologia nos demais países do globo, que, agora, precisavam recorrer a estas instituições financeiras para saudar suas dívidas internas, fruto da decréscimo do superado Estado Social.

            Neste aspecto, a globalização serviu como instrumento para disseminação da ideologia. A queda das barreiras internacionais apoiada ao surgimento da organização dos países em blocos econômicos, permitiram que as multinacionais se espalhassem por todo mundo, sobretudo, nos chamados Países de Terceiro Mundo, com a proposta de criação de empregos e aquecimento da economia interna.

            Para tanto, necessário que esses países criassem um ambiente propício para instalação das multinacionais, reduzindo cargas tributárias sobre a produção, ofertando subsídios e, inclusive, flexibilizando o Direito do Trabalho.

Enquanto os países centrais aplicam políticas protecionistas com relação mercado interno, os países periféricos são forçados pelos centrais a abrirem sua economia. É simples a lógica: indústrias do Primeiro Mundo, à procura de mais lucro, migram para os países pobres, onde encontrarão condições trabalhistas muito piores que em suas nações de origem, com maior exploração do trabalhador. Além disso, uma série de benefícios tributários lhes é oferecida.

A lógica é absurda: ao mesmo tempo que empregos surgem através das multinacionais, as empresas domésticas sofrem quebras, e o desemprego gerado não é absorvido. Por isso, é correto afirmar, que o neoliberalismo encontrasse intimamente ligado ao desemprego nos países periféricos.

E para piorar, para se implementar o modelo neoliberal destroem-se as conquistas sociais dos  trabalhadores. [...]

Para atrair o capital estrangeiro tudo é possível: redução de impostos para o capital externo, precarização do emprego, avanço da terceirização e flexibilização das leis trabalhistas.(GONÇALVES, 2004, p. 107/108)

            Outro fator que confirmou o status da ideologia neoliberal como dominante foi a queda vertiginosa do paradigma socialista. Com a fim da Guerra Fria, e da bipolarização do mundo entre Capitalismo e Socialismo, não mais havia alternativa viável senão adotar as regras que eram impostas pelos países centrais. O selvagem Capitalismo, agora, era a única e derradeira saída para os endividados países periféricos.

            Os países que sofriam com a crise eram obrigados a firmar acordos fiscais e comerciais junto aos países centrais e as instituições financeiras, sobre um alto custo econômico e social. Privatizações em série, redução de garantias sociais e desemprego estrutural foram os resultados imediatos da adoção da ideologia neoliberal.

Este proceso globalizador entraña, por lo menos, tres dramas para los trabajadores y para todos los que se preocupan por los problemas sociales: a) el relativo desinterés por el mercado interno, b) la limitación del poder estatal para gobernar lãs variables económicas; y c) el predomínio de ideologías que no privilegian al factor trabajo.(URIARTE, 1999. p. 71)

            Destarte, o Direito do Trabalho, que outrora reconhecido como instrumento para a garantia da justiça social, é ameaçado pela nova ideologia, tornando seu principal alvo. Para tanto, era necessário desconstruir aquilo que carregava como herança do fadado Estado Social: seu caráter intervencionista.

III. A FLEXIBILIZAÇÃO

                Como leciona GONÇALVES (2004) “em nova da governabilidade e da empregabilidade tudo se permite, até mesmo a usurpação dos direitos dos trabalhadores” (p. 105). O desemprego estrutural observado a partir da crise do petróleo e instalado na década de 80 fui suficiente justificativa para os Estados que adotavam a ideologia neoliberal promovessem a desconstrução do Direito do Trabalho. Como mecanismo para a solução desta questão como outras sócio-laborais, surge a flexibilização.

                De acordo com GONÇALVES (2004) e com base na obra de Sennett, a palavra flexibilidade tem origem na língua inglesa a partir da observação do efeito do vento sobre as árvores, que embora dobrassem, seus galhos voltavam sempre à posição original. “Flexibilidade designa essa capacidade de ceder e recuperar-se da árvore, o texte e restauração de sua forma” (p. 113).

                Contudo, a flexibilização traduzia muito mais a idéia de mitigação de direitos trabalhistas, do que, necessariamente, a adaptação que previa sua etimologia.

                Embora pareça um contrassenso, a flexibilização sempre existiu no Direito do Trabalho. Ocorre que, em outros tempos, o rígido Direito do Trabalho admitia uma flexibilização benéfica - se assim pode-se dizer, já que, em tempos atuais, o termo carrega consigo uma carga negativa.

                A cargo do Ser Coletivo, lhe caberia adequar as normas trabalhistas aos interesses da categoria que representavam, mas sem se olvidar do patamar mínimo civilizatório que garantia o Direito do Trabalho de maneira rígida. O que se chama de princípio da adequação setorial que, conforme DELGADO (2009), é o princípio de Direito Coletivo de Trabalho que adota critérios de harmonização entre as normas jurídicas oriundas da negociação coletiva e as normas justrabalhistas da legislação heterônoma estatal (p. 1212).

                Todavia, a priori, não importava em redução de direitos trabalhistas, mas sim, em conquistas da classe da trabalhadora ao estender tal patamar mínimo civilizatório em virtude das circunstâncias e necessidades da classe operária.

                Ocorre que, ao adotar a ideologia neoliberal, a flexibilização adquire uma nova e nefasta concepção. MAIOR (2000), desta forma, ilustra a concepção adquirida pelo termo, o diferencia daquilo que denomina com desregulamentação e conclui:

Por flexibilização entende-se a adaptação das regras trabalhistas à nova realidade das relações de trabalho, que permite, e muitas vezes exige, um reordenamento do sistema jurídico, não necessariamente no sentido de diminuição de direito ou de exclusão de regras positivadas, mas no sentido de regular, de modo diferente, as relação de trabalho. Por desregulamentação identifica-se a idéia de eliminação de diversas regras estatais trabalhistas, buscando uma regulamentação por ação dos próprios interessados. Ambas, no entanto, quando apoiadas no pressuposto da necessidade de alteração das relações de trabalho, para fins de satisfação do interesse econômico, no que se refere à concorrência internacional, e mesmo sob o prisma interno, acabam constituindo-se na mesma idéia, sendo que o termo “flexibilização” ainda possui um forte poder ideológico, por ter, conceitualmente, um significado, mas atuar em outro sentido. Como a idéia de flexibilização, em nossa realidade, tem sido utilizada com o pressuposto da satisfação do interesse econômico, optamos examinar os dois termos como sinônimos, para desmascarar a ideologia que o termo “flexibilização” carrega. (p. 139)

                Ainda, conforme GONÇALVES, a palavra flexibilização acaba por contar com grande aceitação, pois trata-se de um termo palatável, simpático aos olhos e ouvidos do senso comum, por, justamente, significar o contrário de rígido. Por isso, sua difusão é grande junto a boa parte da sociedade que sequer faz idéia dos graves efeitos. Seria como o cantar das sereias que, mitologicamente, seduziam os navegadores ao seu terrível destino.

                Desta forma, a flexibilização passaria a integrar a cartilha dos neoliberais. Como exigência dos países centrais, os periféricos permitiam a introdução da flexibilização em seus sistemas jurídicos, o que resultava na mitigação de direitos trabalhistas, e perda de conquistas históricas dos trabalhadores.

                Em geral, duas são as formas de flexibilizar:

a) pela redução imediata de garantias trabalhistas, promovidas pelos Estados, por meio de seu processo legislativo, o que se dá, em especial, o nome de desregulamentação;

b) pela retirada da proteção da norma trabalhista, permitindo ao Ser Coletivo que, por meio de negociação, estabeleça normas à categoria que representa, exaltando a autonomia coletiva.

                A primeira vista, parece sedutora a segunda forma de flexibilização. Entregar ao Ser Coletivo, a quem compete a defesa dos interesses da categoria, a construção de um pacto social é ideal aos anseios do Direito do Trabalho. Contudo, não se pode olvidar que em virtude do desemprego estrutural, se precarizada a relação de emprego, da mesma forma, o movimento sindical.

Enquanto o trabalhador é atingido pela perda de direitos e postos de trabalho, o movimento sindical se debilita diante de fatores como o ajuste estrutural da economia e conseqüente desemprego e trabalho informal afetando a sindicalização, privatizações, reformas administrativas do poder estatal, reestruturação produtiva, terceirização de serviços, intermediação de mão-de-obra. Portanto, ao mesmo tempo que as entidades sindicais administram crises internas, são chamadas a responder novos desafios diante das realidades das transformações da atual fase do capitalismo.(PASSOS & SILVA, 1999. p 142)

                Neste novo quadro, os Sindicatos tornam presas fáceis e acabam por recuar em sua atuação, permitindo que aquelas históricas conquistas sejam reduzidas ao pó.

                Por essas e outras questões, DELGADO identifica esse período como de “Crise e Transição do Direito do Trabalho”:

De fato, o ramo justrabalhista afirmou-se no período anterior como o mais clássico e abrangente instrumento de políticas sociais surgido no capitalismo, produzindo inquestionável internvenção normativa na economia, em favor, regra geral, de importante distribuição social dos ganhos do sistema econômico. Nesse contexto, a desregulamentação de suas regras ou, pelo menos, sua crescente flexibilização, tudo passou a compor foco destacado na matriz cultural que se generalizou no Ocidente no último quartel do século XX. (2009, p. 93)

IV. A FLEXIBILIZAÇÃO SOB UMA NOVA ROUPAGEM: A FLEXISEGURANÇA

                No curso da década de 80 até os anos 2000, a ideologia da flexibilização pareceu dominante, acima de tudo, nos países periféricos. No entanto, experiências como na Espanha e Argentina foram retratas, ao longo do tempo, como nefastas à economia e sociedade[3].

                O resultado dessa conclusão obrigou aos países a reverem o modelo adotado. A flexibilização, da forma como concebida pelo neoliberalismo, deixa de ser uma alternativa para tornar-se um grande problema.

                Isso fica claro nas denúncias promovidas pela Organização Internacional do Trabalho que, a cada ano, publica a redução dos números de postos de trabalho como alerta. Além disso, inicia-se um processo de primarização do trabalho, tendo em vista que a terceirização passa a não corresponder em termos econômicos e de qualidade dos serviços prestados.

                Surge, assim, uma nova concepção da ultrapassada idéia de flexibilização: a flexisegurança. Propagada como forma de combate ao desemprego estrutural, era necessário um sistema que garantisse postos de trabalho – promessa nunca cumprida pela flexibilização[4] -, mas que atendesse os interesses do capital, o que para tanto, era primordial continuar a protestar contra a rigidez das normas trabalhistas.

Sistemas modernos de segurança social, que garantam prestações de desemprego adequadas, e políticas activas de emprego são componentes essenciais que proporcionam segurança de rendimento e apoio na transição entre empregos. Para compensar as consequências negativas em termos de rendimento durante essa transição, são necessários sistemas que assegurem níveis suficientes de prestações de desemprego; no entanto, estas prestações podem ter repercussões negativas na intensidade da procura de emprego e reduzir os incentivos financeiros que levam a aceitar trabalho. Este problema pode ser compensado, em larga medida, pela criação de sistemas eficazes de apoio à procura de emprego e de incentivos ao trabalho que assegurem um equilíbrio entre direitos e obrigações.

[...]

Uma estratégia de flexigurança eficaz tem de conjugar cuidadosamente a função de garantia de rendimento do sistema de prestações de desemprego e uma abordagem adequada de "activação", destinada a facilitar as transições entre empregos e fomentar a progressão de carreira. A experiência demonstra que os trabalhadores sentem-se mais protegidos por prestações de desemprego adequadas do que por uma protecção rigorosa contra os despedimentos. Também as políticas activas de emprego têm um efeito positivo no sentimento de segurança dos trabalhadores. Quando questionados sobre as suas hipóteses de encontrar um emprego em caso de despedimento, os inquiridos reagem de forma muito diferente em função do país da Europa de onde provêm. Por exemplo, os trabalhadores franceses, cobertos por uma legislação rigorosa de protecção do emprego, classificam de muito baixas as hipóteses de encontrar outro emprego, enquanto os dinamarqueses, sujeitos a uma legislação moderada, as consideram muito boas. Este facto mostra que um nível adequado das prestações de desemprego, políticas activas de emprego eficazes e mercados de trabalho dinâmicos reforçam o sentimento de segurança das pessoas. (CHOUCO, 2008)

                Segundo SILVA (2008) duas idéias traduzem a flexisegurança: (a) flexibilizar, com a consequente precarização das relações de trabalho; (b) compensar, simultaneamente, com maior proteção no desemprego e maior formação profissional que permita a reconversão profissional e mais fácil e mais rápida (re)integração no mercado de trabalho.

                Tendo como espelho as experiências nos países nórdicos e na Holanda, a propaganda em torno da flexisegurança é difundida nos países centrais europeus como saída para a crise provocada pelo desemprego estrutural. Acresce-se ao “produto” a atuação do Estado em promover políticas de pleno emprego e sociais de estruturação do mercado de trabalho.

                A proposta parece ser atrativa, mas como denuncia DALLEGRAVE (2009), traz insitamente algo mais nefasto que a flexibilização:

A flexisegurança se apresenta como uma espécie de terceira via entre o modelo americano de total desregulamentação, de um lado, e a segurança do emprego surgida no modelo de Constitucionalização dos Direitos Sociais, iniciado pela Constituição mexicana de 1917 até a brasileira de 1988, de outro. Os exemplos que inspiram a nova idéia são o da Suécia, Holanda e (principalmente) da Dinamarca.

Ocorre que as realidades prodigiosas desses poucos países do norte europeu constituem situações ímpares, oásis na crise do mercado de trabalho mundial. [...]

Em nossa opinião, o problema do desemprego não se combate com flexibilização ou precarização das relações de trabalho, mas antes pelo aquecimento da economia e por uma política que reduza os encargos previdenciários sobre a folha de pagamento.

                Em suma, a flexisegurança pretende aliar a flexibilidade nas relações de trabalho com a adoção, por parte dos Estados, de uma política social de empregabilidade. Assim, em risco os direitos trabalhistas face a autonomia privatística, deixando a cargo dos Estados a reinserção do trabalhador ao selvagem mercado de trabalho.

V. CONCLUSÃO

                A recente crise do capital, iniciado no ano de 2009, demonstrou que a alternativa mais salutar é o fortalecimento da economia interna, tendo como instrumento precípuo a distribuição de riqueza entre os trabalhadores. Destarte, o Direito do Trabalho ergue como mecanismo de efetivação da justiça social pretendida, garantindo o retorno do círculo virtuoso, tal qual promovido no Estado Social.

                A proposta de se reformar o conceito de flexibilização pela flexisegurança não vai afastar os efeitos experimentados nas décadas passadas. Como se diz popularmente, “é o mais do mesmo”.

                Observa-se que o canto das sereias continua a ecoar, seduzindo a todos por uma mágica fórmula que, no fundo, não deixa de ser como a anterior.

                Basta sabermos se é esse o destino que nós, navegadores de uma nau em águas turbulentas, queremos para nosso futuro.

VI. REFERÊNCIAS

BARROS, Alice Monteiro. Curso de direito do trabalho. 3ª ed. São Paulo: LTr, 2007.

CATTONI, Marcelo. Direito constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002.

CHOUCO, Liliana; BRAS, Nuno. Flexisegurança. Instituto Politecnico de Coimbra. Instituto Superior de Engenharia de Coimbra. Departamento de Engenharia Civil. Maio/2008.

DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Flexissegurança nas relações de trabalho. Extraído do sítio: http://www.dallegrave.com.br/artigos1.asp?id=24, em 14/09/2010.

SILVA, José Augusto Ferreira. Flexisegurança: a desempregabilidade e seus reflexos na actividade económica e nos direitos sociais. Publicado em 19/04/2008 Extraído do sítio: http://fazer.com.br/a2_default2.asp?cod_ materia=2513, em 14/09/2010.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 8ª ed. São Paulo: LTr, 2009.

DELGADO, Gabriela Neves. O mundo do trabalho na transição entre os séculos XX e XXI in PIMENTA, José Roberto Freire et. al. (coord.) Direito do trabalho: evolução, crise e perspectivas. São Paulo: LTr, 2004.

GONÇALVES, Antônio Fabrício de Matos. Flexibilização trabalhista. 1ª ed. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004.

MAIOR, Jorge Luiz Souto. O direito do trabalho como instrumento de justiça social. São Paulo: LTr, 2000.

PASSOS, Edésio; SILVA, Diana de Lima. Sindicalismo, relações de trabalho na América Latina e crise neoliberal in PASSOS, Edésio, SILVA, Diana de Lima (coord.) Impactos da globalização: relações de trabalho e sindicalismo na América Latina e Europa. São Paulo: LTr, 1999.

URIARTE, Oscar Ermida. Globalización y relaciones laborales in PASSOS, Edésio, SILVA, Diana de Lima (coord.) Impactos da globalização: relações de trabalho e sindicalismo na América Latina e Europa. São Paulo: LTr, 1999.


[1] Segundo BARROS, dentre as características do Direito do Trabalho está o seu caráter cosmopolita, “isto é, influenciado pelas normas internacionais” (2007, p. 90)

[2] John Mayanard Keynes, economista britânico cujas idéias influenciaram a macroeconomia moderna, criando a escola denominada Teoria Keynesiana. Em contraponto à teoria liberal, baseada no pensamento de Adam Smith, Keynes propunha a intervenção estatal como medida para saída da crise de 1929. Sua principal obra é a Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda (KEYNES, John Maynard. General theory of employment, interest and money. Tradutor: CRUZ, Mário Ribeiro da. São Paulo: Editora Atlas, 1992.ISBN 978-85-224-1457-4). Faleceu em 1946, em plena época de Estado do Bem Estar Social, paradigma erigido sobre suas idéias.

[3] Sobre as experiências da adoção da teoria neoliberal e da flexibilização na Espanha e Argentina: GONÇALVES, Antônio Fabrício de Matos. Flexibilização trabalhista. 2a ed. Belo Horizonte: Mandamentos, 2007.

[4] Igualmente, indicamos a leitura da obra de GONÇALVES (2007) sobre o discurso da flexibilização.


Autor

  • Antônio Raimundo de Castro Queiroz Júnior

    Mestre em Direito pela PUCMINAS - linha de pesquisa: Direito do Trabalho, modernidade e democracia (2013); especialista em Direito Público pelo Instituto de Educação Continuada - IEC/PUCMINAS (2006), graduado em Direito pelo Instituto de Ensino Superior da Fundação Comunitária Educacional e Cultural de João Monlevade (2002). Coordenador Adjunto do curso de pós-graduação em Advocacia Trabalhista ofertado pela Escola Superior de Advocacia da OAB/MG. Professor de cursos de graduação e pós-graduação "lato sensu";, em especial, das disciplinas de Direito do Trabalho, Direito Processual do Trabalho e Direito Previdenciário, com experiência em renomadas instituições de ensino superior. Professor-colaborador da Escola Superior de Advocacia da OAB/MG. Autor de artigos científicos. Advogado trabalhista e previdenciário. Consultor jurídico nas áreas de Direito do Trabalho e Direito Contratual. Consultor do Programa de Desenvolvimento Associativo da Confederação Nacional da Indústria - CNI. Membro da Comissão de Direitos Sociais e Trabalhistas da OAB/MG. Membro do Conselho Consultivo Técnico da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas - ABRAT. Conselheiro da Associação Mineira de Advogados Trabalhistas - AMAT.

    Textos publicados pelo autor

    Fale com o autor

    Site(s):

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelo autor. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi.