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Análise crítica dos Direitos Humanos na América Latina

Análise crítica dos Direitos Humanos na América Latina

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Trata-se de uma resenha crítica sobre textos de três grandes autores sobre a questão dos direitos humanos na América Latina. Crítica a certo conteúdo meramente estatístico.

Kathrin Sikking e Carrie Booth Walling

                                e

Manuel Eduardo Gôndora Mera

Um  debate de idéias sobre os problemas que se apresentam como um labirinto histórico: Os direitos humanos na América Latina.

            Imediatamente nos explicamos quanto ao tema e aos autores e a proposta do título. Trata-se de um fichamento de textos dos autores em questão que versam sobre o ponto vulnerável dos Direitos Humanos na América Latina. Certamente nossa proposta não é escrever um artigo, antes, motivados pela força do debate das idéias, comparamos de maneira rápida, assim nos permite a regra, pensar o posicionamento de autores já lidos como Velley, Supiot, Bobbio, Ignatieff, Beitz, Douzinas , entre outros e verificarmos algo mais próximo à questão dos Direitos Humanos em sua visceralidade acadêmica. Sikkink  e Mera apresentam um excelente posicioanamento, plus réel et moins utopique .

 “ O mundo pode ser um palco. Mas o elenco é um horror”.

                                         Oscar Wilde          

Textos:

MERA, M.E. The Inter-American judicial constitucionalism . San Jose, 2011.

SIKKINK, K. and WALLING, Carrie Both. The impact of human rights trials in Latin America in Journal of Peace Research, v. 44, n. 4, 2007, p. 427-445.

                 A  ideologia

O texto de Sikkink e Walling representa um apanhado geral sobre a questão da anistia e dos Direitos Humanos na América Latina. Dados são apresentados e confrontados com as formas de atuação dos países que passaram por períodos de exceção no campo político.

            Percebe-se uma concentração mais detida das autoras nos anos que seguem a 1980, destacando os casos da Argentina e do Chile. O Brasil, “o anão diplomático” é pouco citado pelas excelentes autoras, apenas algumas vezes em páginas críticas sobre a questão dos Direitos Humanos  e o impacto do “Julgamentos de Direitos Humanos” .

            As autoras fazem um ampanhado quantitativo a partir dos anos 1980 , colocando o Brasil em situação frágil frente a análise( quantitativa) feita pelas autoras nos quadros comparativos. Espécie de “ índice de democracia” nos países da América Latina.

             O aspecto histórico não é relevante no texto, uma vez que os casos no Brasil e Chile nas décadas de 1960 e 1970 não são considerados. Casos Como Herzog, Rubens Paiva, Allende entre milhares de outros não são citados, ao contrário, Alfonsín e seu governo impiedoso no fim da década de 70 e início dos anos 80 é mencionado com certa relevância. Pinochet é trazido à tona em decorrência da extradição da Espanha do decrépito e adoecido ditador.

             Casos como o de Alberto Fujimori no Peru  , Alfredo Stroesnner  no Paraguai e Hugo Bánzer na Bolívia não são atingidos. No dizer das autoras não há como prever condições futuras sobre a solidez ou não de certas democracias.

O artigo se apresenta pragmático e embasado em dados e pesquisas numéricas. É clara a afirmação: "O PAÍS QUE NÃO LEVOU SEUS DITADORES A JULGAMENTO NÃO POSSUI CONFIABILIDADE DEMOCRÁTICA".

 Há o entendimento no texto sobre os “Julgamentos domésticos” e “julgamentos no exterior” . Países como  Argentina que promoveram julgamentos e condenações, aparecem com índicios de democracia, caso de Pinochet que se arrastou em um processo de justiçamento desde a Espanha conduzindo-o ao Chile para lá pagar seus erros e arbítrios.

Comissões da verdade

         As autoras se perguntam na página 434 do artigo: “Qual impacto ocasiona os julgamentos dos direitos humanos na democracia ?” Temem que tal situação minem a democracia e conduzam a golpes militares. Certamente as autoras se baseiam em dados estastísticos de autores , 33 (trinta e três) no total que apresentam certo conhecimento de causa. Nenhum deles é brasileiro.

Na página 435 as autoras colocam em pé de igualdade El Salvador e Moçambique, numericamente aceitável, em análise detida dos casos concretos de costumes e políticas parece pouco convencional. As comissões da verdade devem distanciar-se de “um abraço ao redor do passado” é o que se depreende.

Os termos: empírico e medida quantitativa são recorrentes:

 “ To address the issue, we try two kinds of empirical comparisons: first, using a quantitative measure, we compare the human rights situations in individual countries before and after trials to see if we can discern the impact of trials on human rights; and, second, we compare countries without trials to countries that had trials to gain further insight into the effects of trials. We also compare those countries that had a greater number of trials to those countries that had fewer trials”.(Nós grifamos)[1]

Há uma preocupação que nos incomoda,  se não há uma transposição histórica/numérica sobre fatos que ocorreram de formas distintas em distintos países. Sikkink possui o seguinte pensamento:

“ ... cuja vinculação ultrapassa as fronteiras nacionais, que estão unidos por valores comuns, por intensos intercâmbios de informação e serviços, e por discursos compartilhados. [...] O central na atividade da rede é o intercâmbio e o usoda informação. As redes não se caracterizam por uma coordenação duradoura de táticas como o fazem as coalizões, nem mobilizam um grande número de pessoas como os movimentos sociais” [2] (Tradução livre do autor do artigo)

Gôngora Mera se apresenta mais profundo em sua análise, possivelmente por pertencer ao quadro latino. Diz Mera com propriedade:

“A legislative omission may be defined as the negligence of the lawmaking body of the State when it has the constitutional duty to adopt a certain legal regulation, but fails to do so within a reasonable period. The total absence of a law is known in constitutional law as “absolute” omission, while a normative gap in an adopted regulation that fails to meet certain constitutional requirements (e.g. the principle of equality) is called “relative” omission. Many Latin American countries (e.g. Brazil, Colombia, Costa Rica, Ecuador, Paraguay, Venezuela and several Argentine provinces and Mexican states) establish different mechanisms to remedy the problem, including special complaints due to legislative omission. For example, the Brazilian judicial review system has a direct action of unconstitutionality due to omission (an abstract complaint for the objective protection of the constitutional order that may be initiated by certain high-ranking government bodies, political parties represented in the National Congress, nationwide unions and trade organizations or associations) and the so-called mandado de injunçao (an individual complaint for the protection of subjective rights affected by an omission of the Legislature to ensure rights guaranteed by the Constitution)” .[3]

As questões de julgamentos de anistiados no Brasil e Comissão da verdade e assuntos correlatos, são necessários à luz das informações trazidas por Sikkink e Mera. Precisamos nos posicionar no espaço e no tempo, para que sob a égide de reconstruir a história não façamos outra com final feliz sob os auspícios do justiçamento.

 Apesar de mais de 30 anos após sua promulgação, ainda hoje é discutido o teor da Lei da Anistia. Muitos ex-presos políticos na ditadura, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ministério da Justiça e Casa Civil refletiram seus posicionamentos: eles argumentam que a lei não pode se estender “a crimes comuns praticados por agentes da repressão contra opositores políticos durante o Regime Militar”.

Tal situação diferencia o Brasil do cenário da América Latina e escapa aos dados estastíticos. Cada povo faz a sua história dizia Marx, preciso se torna a compreensão dos fatos que tornaram possíveis tais feitos, não a culpabilidade dos agentes , uma vez endossados pela própria sociedade. 


[1]           p. 436 . Obra em comento.

[2]           Mixed Signals: US Human Rights Policy and Latin America (Cornell University Press, 2004).

[3]           Obra em comento p. 50.


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