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Consumidores ou construtoras: quem deve arcar com os problemas do mercado imobiliário?

Consumidores ou construtoras: quem deve arcar com os problemas do mercado imobiliário?

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O declínio econômico do mercado imobiliário e o total desrespeito ao consumidor vem transformando o sonho da casa própria em pesadelo na entrega dos imóveis.

Com a estabilidade da economia proporcionada após o Plano Real, e, mais recentemente, diante dos programas governamentais de distribuição de renda - tendo como carro chefe o “minha Casa minha vida” - a família brasileira lançou-se em uma verdadeira corrida do ouro em busca da realização do sonho da casa própria.

Amostras de dados apresentados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) apontam uma curva vertiginosa sobre o ápice de crescimento do mercado imobiliário e da construção civil. Em 2008, por exemplo, a taxa de crescimento do setor da construção civil atingiu 7,9% , superior a todas as outras cadeias produtivas da economia brasileira, incluindo setores estratégicos como a industria e a agropecuária.

O mercado prosperou até o ano de 2010, sustentando um percentual de crescimento para o setor da construção civil de 11,06%.

Obviamente, não se pode avaliar esse gráfico pujante sem observar as políticas de acesso ao crédito que foram, sem nenhuma dúvida, divisores de água para o mercado imobiliário.

Para demonstrar a afirmativa acima, em uma comunicação oficial, a Caixa Econômica Federal publicou em seus balanços por área, o recorde de créditos para habitação no primeiro trimestre de 2010, com uma elevação de 126% na concessão de empréstimos, comparado ao mesmo período em 2009. Um montante estimado em 19 bilhões de reais nos três primeiros meses do estimado ano. Ao final de 2010,  o valor de empréstimos habitacional se fixou em mais de 77 bilhões de reais, um valor exponencial para uma política de aquisição de bens materiais.

O cruzamento das informações em relação ao crescimento do mercado imobiliário e o acesso ao crédito habitacional nos mostra duas realidades: o sonho da casa própria ainda é a grande busca econômica das famílias brasileiras, e o esforço para a realização deste sonho não se dá de forma tão suave e fácil, mas através de linhas de financiamento que abarca, em sua grande maioria, um percentual interessante da renda familiar.

Ainda para embasar o exposto acima, dados da Abecip – Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança - mostram que o financiamento da casa própria é responsável por quase 30% a 40% da renda familiar no Brasil.

Entretanto, na dialética da lei da oferta e da demanda, o mercado não comportou a voracidade das construtoras. O aumento exponencial do preço do metro quadrado em todo o país, aliado à crise financeira e à conseqüente restrição de crédito, culminou no estouro da bolha imobiliária.

Em 2013, por exemplo, o mercado da construção civil cresceu míseros 1,6%, a menor taxa nos últimos 10 anos, muito abaixo do setor da agropecuária, que no mesmo ano atingiu o patamar de 7,3% através do índice de crescimento econômico do IBGE.

Esse cenário de declínio econômico, aliado com o total desrespeito ao direito do consumidor – e mais, ao sonho da casa própria – trouxe no seu bojo um fenômeno que vem apresentando uma grande preocupação para aqueles que apostaram na oportunidade de adquirir um imóvel: os atrasos nas entregas, o que passou a virar regra, e não mais exceção.

Conforme dados do Instituto Brasileiro de Estudo e Defesa das Relações de Consumo (IBEDEC), atualmente 95% das obras no Brasil são entregues com atraso.

Dentre os argumentos das construtoras para justificar tais atrasos estão à burocracia na concessão das licenças necessárias para os empreendimentos e a escassez de mão de obra no setor da construção civil. Ocorre que, se tal cenário é conhecido pela construtora antes de começar um empreendimento, deve-se exigir que o estabelecimento da data de previsão da entrega seja mais realista e condizente com o momento do ramo imobiliário no Brasil.

Fato é que, comprar um imóvel na planta, que à primeira vista parecia uma ótima alternativa para baratear o custo do imóvel, acabou se tornando um pesadelo para os consumidores.

O tema chegou finalmente ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) que logo estabeleceu um freio de arrumação nos casos e decidiu que, em caso de imóveis que não são entregues no prazo, a construtora responsável pelo atraso na entrega deve pagar, além das multas contratuais, reparação por danos morais e o valor correspondente aos aluguéis que o comprador deixou de receber no período de atraso da entrega do imóvel.

Não há de se relegar ao óbvio que a aquisição de um imóvel demanda uma série de privações e abdicações de toda a família adquirente. Ver frustrada a realização deste sonho, algumas vezes por anos, sem qualquer perspectiva de concretização, decerto é um dos maiores temores atuais na sociedade brasileira. Pouquíssimas dores psíquicas se comparam à incerteza de haver investido o labor de toda uma vida em um negócio frustrado. Eis porque é praticamente unânime o entendimento de que tais situações geram danos morais.

Outro argumento corriqueiramente utilizado pelas construtoras é a alegação de que a cláusula penal moratória contida nos contratos de compra e venda supriria o pedido de lucros cessantes.

Sobre o tema, a Ministra do STJ Nancy Andrigui, no julgamento do Recurso Especial 953.907/MS, asseverou que “a multa prevista pela cláusula penal não deve ser confundida com a indenização por perdas e danos pela fruição do imóvel, que é legítima e não tem caráter abusivo quando há uso e gozo do imóvel”.

Por derradeiro, e talvez esta seja a questão mais tormentosa neste tipo de ação, encontra-se o direito ao ressarcimento à renda que os consumidores deixaram de auferir por não poder alugar o imóvel objeto da compra.

Mais uma vez o Superior Tribunal de Justiça, através do Ministro Sidnei Beneti, no AgRg no REsp: 1202506, afirmou de forma cogente que “A jurisprudência desta Casa é pacífica no sentido de que, descumprido o prazo para entrega do imóvel objeto do compromisso de compra e venda, é cabível a condenação por lucros cessantes. Nesse caso, há presunção de prejuízo do promitente-comprador, cabendo ao vendedor, para se eximir do dever de indenizar, fazer prova de que a mora contratual não lhe é imputável”.

Entretanto, por força e lobby deste setor que ainda atua de forma concreta na economia brasileira, principalmente de forma regional e nos estados, alguns Tribunais Estaduais ainda proferem decisões divergentes entre si, deixando ao consumidor não somente o drama de ter o seu sonho transformado em pesadelo, mas a parte que deve arcar com essa transformação econômica do mercado.

O Tribunal de Justiça de Sergipe, em vanguarda no Judiciário Brasileiro, atualmente está julgando um incidente de uniformização de jurisprudência a fim de definir o posicionamento daquela Corte e minimizar a ocorrência de julgamentos conflitantes.

O processo 201300125531, que discorre exatamente sobre este tema, teve sua primeira discussão no dia 25/02 no pleno do Tribunal. Em seu voto, o desembargador relator, Jozé dos Anjos, proferiu uma posição totalmente favorável aos consumidores, determinando que as construtoras devem ressarcir os compradores de imóvel cuja entrega foi atrasada injustificadamente tanto nos danos morais sofridos quanto nos danos materiais, referentes aos valores que os adquirentes receberiam se alugassem seus imóveis, ainda que não haja comprovação.

A votação foi adiada pelo pedido de vistas de um dos Desembargadores que fazem parte da turma recursal, e, provavelmente, será posto novamente em votação nesta próxima quarta (11).

O judiciário sergipano caminha para consolidar um entendimento que protege o consumidor, que não o coloca duas vezes como vítima, ou seja, o preterido não só pela frustração por ter o seu planejamento de vida adiado, com o pesadelo da entrega dos imóveis, mas como a parte que deve se sujeitar a turbulência do cenário econômico atual, que exige do mercado da construção civil uma nova dinâmica.

É, portanto, uma definição de quem deve arcar com os problemas vivenciados no setor imobiliário, os consumidores ou as construtoras?


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