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As prerrogativas de prazo da Fazenda Pública e a busca pela celeridade no novo processo civil

As prerrogativas de prazo da Fazenda Pública e a busca pela celeridade no novo processo civil

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Busca-se demonstrar que não houve verdadeira diminuição dos prazos processuais da Fazenda e com isto demonstrar que o verdeiro objetivo do novo Código Civil é a busca da celeridade processual por meio da simplificação procedimental.

Introdução


            Uma das principais questões orientadoras do novo Código de Processo Civil foi com relação à celeridade processual. Insculpida no art. 5º LVII da CF a duração razoável do processo de tornou verdadeira obsessão da doutrina e dos três Poderes brasileiros.

           

            Com a promulgação do novo Código de Processo Civil esperasse maior velocidade no desenvolvimento das demandas, todavia, diferentemente do que possa aparentar em um primeiro momento, não será a diminuição dos prazos da Fazenda Pública o grande diferencial da nova legislação, mesmo porque a maior parte dos prazos foi, em verdade, aumentado, e bastante.

            O que se apresentará neste trabalho é, a priori, o conceito de Fazenda Publica, a justificativa para suas prerrogativas, o modificação dos seus prazos no novo Código de Processo Civil e, por fim, o que se espera deste novo código, onde se concluirá que o principal objetivo do novo diploma foi a simplificação processual.

Fazenda Pública

A expressão Fazenda Pública é, tradicionalmente, ligada a uma ideia de gestão das finanças estatais, possui, neste sentido, correlação com o conceito de Erário.[1] O uso freqüente do termo, todavia, modificou seu significado original, deste modo, o termo Fazenda Pública é utilizado como sinônimo de Administração Pública em sentido subjetivo[2].

Deste modo, nas palavras de Nunes “quando a legislação processual utiliza-se do termo Fazenda Pública está a referir-se à União, aos Estados, aos Municípios, ao Distrito Federal e suas respectivas autarquias e fundações[3]”.

Não se engloba, neste conceito, as pessoas jurídicas de Direito Privado, ainda que detentoras de capital exclusivamente público, pois, uma vez que regidas pelo regime de direito privado, não possuem prevalência sobre as sociedades de capital particular.

A título de exceção os Tribunais entendem que a empresa pública que presta serviços públicos próprios de Estado, que beneficiem a coletividade sem apresentar-se como forma de exploração econômica gozam das mesmas prerrogativas das pessoas jurídicas de Direito Público:

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS - ECT. EMPRESA ESTATAL PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO. ATUAÇÃO ESSENCIALMENTE ESTATAL. APLICAÇÃO DO DECRETO 20.910/32. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. 1. A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, empresa pública federal, entidade da Administração Indireta da União, criada pelo decreto-lei n. 509/69, presta em exclusividade o serviço postal, que é um serviço público, não consubstanciando atividade econômica (ADPF 46, Relator (a): Min. MARÇO AURÉLIO, Relator (a) p/ Acórdão: Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 05/08/2009, DJ 26/02/2010). Por essa razão, goza de algumas prerrogativas da Fazenda Pública, como prazos processuais, custas, impenhorabilidade de bens e imunidade recíproca. 2. Nessa linha, o prazo de 5 anos previsto no Decreto nº 20.910/32 para Fazenda Pública deve ser aplicado também para a ECT. 3. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é no sentido de que nas demandas propostas contra as empresas estatais prestadoras de serviços públicos, deve-se aplicar a prescrição quinquenal prevista no Decreto 20.910/32. Precedentes: REsp 863380/AC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 29/02/2012, DJe 13/04/2012; REsp 929758/DF, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/12/2010, DJe 14/12/2010; REsp 1196158/SE, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/08/2010, DJe 30/08/2010; AgRg no AgRg no REsp 1075264/RJ, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/12/2008, DJe 10/12/2008. 4. Agravo regimental não provido.

(STJ - AgRg no REsp: 1308820 DF 2011/0245864-0, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Julgamento: 04/06/2013, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/06/2013)

Ressalte-se que as chamadas agências reguladoras e agências executivas, por serem apenas formas de qualificação de autarquias especiais também se enquadram no conceito de fazenda pública e as pessoas jurídicas decorrentes de contrato de consórcio interfederativo a que tenha sido atribuída personalidade de direito público também estão enquadradas no conceito.

Deste modo, toda vez que a lei faz referência deve entender como constantes deste rol a União, estados, municípios e o Distrito Federal, além de suas autarquias e fundações públicas e empresas públicas prestadoras de serviços públicos.

               

Das prerrogativas da fazenda

            As prerrogativas da Fazenda são justificadas pelo interesses que defendem. Por ser mera representante do interesse público se confere à Fazenda Pública certas prerrogativas para que possa exercer seu mister. Alia-se a isto o fato da burocracia natural dos entes públicos que impõe um percurso maior e mais demorado para realização de suas ações do que os particulares.

            Ou seja, faz-se necessária a concessão de certas prerrogativas à Fazenda Pública “eis que contêm fundamento razoável, atendendo, efetivamente, ao princípio da igualdade, no sentido aristotélico de tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual.[4]

            A concessão de prazos diferenciados, por exemplo, atende à necessária lentidão com que trabalham as pessoas jurídicas de direito público brasileiro, muito em virtude de excessivas formalidades legais e ao excesso de demanda com que trabalham os advogados públicos.

            Moreira também expõe neste sentido que a prerrogativa “trata-se de diretriz tradicional no direito brasileiro, criticada por alguns, mas justificada, ao menos em princípio, pelas próprias peculiaridades dos referidos entes”[5].

            Apesar da crítica de alguns doutrinadores é facilmente perceptível a necessidade de concessão de prerrogativas aos entes de direito público. No novo Código de Processo Civil tais prerrogativas foram mantidas, embora tenha sido reduzidas em certos pontos e ampliadas em outros de modo a se buscar um melhor equilíbrio entre os litigantes.                       
 

Dos prazos para a Fazenda Pública no novo Código de Processo Civil

O Código de Processo Civil de 1973 prevê em seu art. 188 o prazo em quádruplo para contestar quando fosse réu a Fazenda Pública, em pouco tempo a jurisprudência se manifestou no sentido de que o termo “contestar” se mostrava impróprio se tratando de prazo para apresentar resposta, quer fosse contestação, reconvenção ou exceção. A título ilustrativo:

PROCESSUAL CIVIL - EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA - MUNICÍPIO - FAZENDA PÚBLICA - PRAZO EM QUÁDRUPLO - AGRAVO CONHECIDO E PROVIDO. 1.A MELHOR INTERPRETAÇÃO DOS PRECEITOS DOS ARTIGOS 188 C/C 112 E 297 DO CPC, É AQUELA QUE ATRIBUI AO MUNICÍPIO O DIREITO DE OPOR EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA COM PRAZO CONTADO EM QUÁDRUPLO. 2.SE A OPOSIÇÃO OCORREU NESTE PRAZO, EVIDENCIA-SE A TEMPESTIVIDADE DA EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA. 3.RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

(TJ-DF - AG: 94900720058070000 DF 0009490-07.2005.807.0000, Relator: BENITO TIEZZI, Data de Julgamento: 03/05/2006, 5ª Turma Cível, Data de Publicação: 31/08/2006, DJU Pág. 166 Seção: 3)

A nova regência dos prazos para a Fazenda Pública modificou a sistemática anterior dando novas prerrogativas e retirando algumas antigas, em primeiro lugar reduziu a dilação do prazo para resposta. Assim, se anteriormente a Fazenda Pública possuía prazo em quádruplo para contestar agora possui prazo em dobro, por outro lado concedeu à Fazenda o direito à prazo em dobro em todas as manifestações:

Art. 183. A União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público gozarão de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais, cuja contagem terá início a partir da intimação pessoal.

Ou seja, reduziu o prazo para resposta, mas aumentou o restante dos prazos. Deste modo se unifica a prerrogativa de prazo da Fazenda Pública que passa a possuir prazo em dobro para todas as manifestações.

Tal unificação vai ao encontro do projeto de simplificação das regras processuais que regem o novo código, tal qual se vê na exposição de motivos

“A simplificação do sistema, além de proporcionar-lhe coesão mais visível, permite ao juiz centrar sua atenção, de modo mais intenso, no mérito da causa.”

Amorim Silva também destaca que a nova sistemática corrigirá antigas distorções:

Tal prerrogativa é de vultosa relevância, em especial, no que se refere ao prazo dobrado para contrarrazões, ainda mais quando se considera que o novo CPC mantém a possibilidade de improcedência liminar, dispositivo semelhante ao atual Art 285-A, que permite ao Magistrado, de plano, julgar improcedente o pedido sem citar a outra parte, caso presentes os requisitos legais para tanto, hipóteses em que, havendo apelação, a parte contrária é citada para oferecer contrarrazões. Nesse tipo de situação, a Fazenda Pública, que teria prazo em quádruplo para contestar, por ter sido apenas citada para contrarrazões, acaba tendo que formular toda a sua defesa no prazo simples de 15 dias. O novo CPC, como se nota, não mantém esta incoerência.[6]

Observa-se que a busca pela simplificação, no caso, por meio da unificação do prazo da Fazenda Pública se mostrou como objetivo principal da reforma, ou seja, preferiu-se uma simplificação dos institutos jurídicos ao invés de uma simples diminuição das prerrogativas fazendárias.

Excepcionou-se essa regra a previsão do parágrafo segundo do art. 183 que prevê a inaplicabilidade do prazo em dobro quando a lei estabelecer prazo, de forma expressa, para o ente público.[7] A nova regra, todavia, não traz grandes novidades, visto que já era o entendimento pacificado da doutrina e da jurisprudência a não aplicabilidade nestes casos.

Convêm relembrar a inovação do Código de Processo recém aprovado de intimação pessoal dos advogados públicos. Ou seja, somente com a remessa dos autos ao setor jurídico da pessoa jurídica de direito público iniciará o prazo para manifestação no processo.

Por fim, como novidade aplicável a todos os advogados, não mais serão computados dias não úteis para contagem do prazo processual. O art. 219 do novo código prevê in litteris:

Art. 219.  Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis.

Em suma a sistemática dos prazos para a Fazenda Pública não foi drasticamente modificada, houve a instituição de necessidade de vista pessoal dos representantes da Fazenda, a diminuição do prazo para contestar e a ampliação dos prazos para falar nos autos de modo geral.

Da duração razoável do processo

O que se buscou no novo Código Civil foi claramente a simplificação do procedimento processual brasileiro. Mostra-se realmente interessante o modo em que isto foi buscado.

Ao analisarmos os prazos concedidos à Fazenda Pública perceberemos que a concessão de prazo em dobro para qualquer manifestação processual aliada à suspensão dos prazos nos fins de semana, em certos casos, levará à ampliação do tempo total no qual a Fazenda Pública terá os autos à sua disposição.

A título exemplificativo um processo com contestação e contrarrazões apresentadas pela fazenda, na sistemática atual, sem considerar qualquer feriado no curso dos prazos, teria a Fazenda Pública um total de setenta em cinco dias em seu poder. Pela sistemática atual, considerando a suspensão nos fins de semana, a Fazenda disporá de até oitenta e dois dias. Se considerarmos que só se considera intimada a Fazenda pessoalmente ampliará consideravelmente o tempo em que os autos ficarão a disposição.

Com isso se percebe claramente que o objetivo primário do legislador não foi reduzir prazos uma observação mais atenta, em verdade, nos mostrará que a maioria dos prazos foram ampliados. A aposta é, em verdade, por uma simplificação do trâmite processual, quer dizer, busca-se tornar mais claras as regras que regem o processo e espera-se que isto conduza à um trâmite processual próximo do razoável em questão de duração do processo.

A ideia, conquanto boa, mostra-se uma aposta antiga de padronização dos procedimentos judiciais como forma de garantia da celeridade, em verdade, é uma aplicação recente do velho conceito de burocracia.

A priori, não há motivos para crer na eficácia do projeto como modo de solução da falta de ineficácia do Poder Judiciário, mesmo porque, várias variáveis interferem nestes fatores. O certo é que os prazos para os particulares foram ampliados e os da Fazenda não foram reduzidos no quantum esperado.

Em verdade a grande quantidade de demandas aliadas à falta de qualidade de algumas decisões judiciais, além da falta de infraestrutura e de recursos humanos do Poder Juduciário e a atuação protelatória de alguns advogados ainda se mostram problemas maiores do que o tamanho dos prazos concedidos.

            Conclui-se, deste modo, que não há motivos para crer que o novo Código de Processo Civil trará celeridade em virtude da modificação na contagem dos prazos, espera-se tão somente que a simplificação dos mesmos torne o processo mais célere, o que, também parece improvável.

Conclusão

            Buscou-se no presente artigo uma apresentação célere das principais modificações processuais no que tange os prazos para Fazenda Pública. Deste modo, mostrou-se as principais alterações, em especial a que modificou a prerrogativa de prazo para contestar, recorrer e de qualquer modo falar nos autos e a que introduziu a necessidade de vista pessoal dos autos.

            Quanto às demais questões não houveram modificação significativa relevante, logo, questões antes controvertidas manterão a mesma solução, em regra.

            Por fim consigne-se que o objetivo do código não foi reduzir prazos ou prerrogativas, mas simplificar o procedimento para, deste modo, tornar mais célere a prestação jurisdicional o que, a nosso ver, tem eficácia bastante questionável.

Bibliografia

CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 12. ed. São Paulo: Dialética, 2014.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2014.

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de Direito Processual. Terceira Série. São Paulo: Saraiva, 1984. aupd NUNES, Allan Titonelli. Prerrogativas da Fazenda Pública no Projeto de Novo CPCJus Navigandi, Teresina, ano 16n. 27423 jan. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/18170>. Acesso em: 24 mar. 2015.

NUNES, Allan Titonelli. Prerrogativas da Fazenda Pública no Projeto de Novo CPCJus Navigandi, Teresina, ano 16n. 27423 jan. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/18170>. Acesso em: 24 mar. 2015.


SILVA, Luiz Antônio Miranda Amorim. Temas Aprofundados da Advocacia-Geral da União - AGU. 1. ed. São Paulo: Juspodivm, 2012.

[1] CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 12. ed. São Paulo: Dialética, 2014.

[2] (Administração pública em sentido subjetivo) pode também significar o conjunto de agentes, órgãos e pessoas jurídicas que tenham a incumbência de executar as atividades administrativas. Toma-se aqui em consideração o sujeito da função administrativa, ou seja, quem a exerce de fato. In CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2014.

[3] NUNES, Allan Titonelli. Prerrogativas da Fazenda Pública no Projeto de Novo CPCJus Navigandi, Teresina, ano 16n. 27423 jan. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/18170>. Acesso em: 24 mar. 2015.



 

[4] CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 12. ed. São Paulo: Dialética, 2014.p.38.

[5] MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de Direito Processual. Terceira Série. São Paulo: Saraiva, 1984. aupd NUNES, Allan Titonelli. Prerrogativas da Fazenda Pública no Projeto de Novo CPCJus Navigandi, Teresina, ano 16n. 27423 jan. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/18170>. Acesso em: 24 mar. 2015.


[6] SILVA, Luiz Antônio Miranda Amorim. Temas Aprofundados da Advocacia-Geral da União - AGU. 1. ed. São Paulo: Juspodivm, 2012.

[7] Art. 183. A União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público gozarão de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais, cuja contagem terá início a partir da intimação pessoal.

§ 2o Não se aplica o benefício da contagem em dobro quando a lei estabelecer, de forma expressa, prazo próprio para o ente público.


Autor

  • Yuri Alexander

    Advogado. Procurador do Município de Ouro Preto. Pós-graduando em Teoria do Direito e Filosofia Jurídica pela PUC-Minas. Bacharel em Direito pelo Instituto Vianna Júnior.

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