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Crédito presumido de IPI x parecer de contrato CST nº 65/79

flagrantes ilegalidades

Crédito presumido de IPI x parecer de contrato CST nº 65/79: flagrantes ilegalidades

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SUMÁRIO: 1. O objetivo do crédito presumido de IPI. 2. O Parecer Normativo nº 65/79: Ilegalidades. 3. Posição da jurisprudência administrativa. 4. Incoerência com o regime de tributos semelhantes e com a própria legislação atual. 6. Conclusão.


1. O OBJETIVO DO CRÉDITO PRESUMIDO DE IPI

O crédito presumido de IPI foi instituído pela Lei nº 9.363/96 objetivando incentivar a atividade de exportação, gerando condições favoráveis para aqueles que se dedicando a este campo de atuação tivessem possibilidade de, reduzindo sua carga tributária, concorrer no mercado internacional.

Deste modo, o contribuinte produtor-exportador tem ressarcido os valores relativos aos recolhimentos das contribuições para o PIS/COFINS que inevitavelmente oneraram o processo produtivo relativos aos bens fabricados.

Ocorre, porém, que em total descompasso com a mens legis as autoridades administrativas, não concordam com a inclusão no cálculo da base imponível do crédito presumido o valor referente ao consumo de energia elétrica utilizada no processo produtivo.

Este posicionamento se contrapõe por completo ao objetivo pretendido com tal benefício, pois certos setores vêm acumulando volumosos prejuízos, na medida em que a energia elétrica compõe uma parcela substancial no cálculo do mencionado benefício, comprometendo demasiadamente a concorrência no mercado internacional.


2. O PARECER NORMATIVO 65/79: ILEGALIDADES

Sustentam os agentes públicos que a energia elétrica não pode ser enquadrada no conceito de produto intermediário lato sensu, na medida em que não tem contato físico com o produto em fabricação, respaldando o entendimento no ultrapassado Parecer Normativo 65/79.

O mencionado parecer, todavia, pretendeu fazer letra morta o texto do antigo RIPI/79, bem como do atualmente vigente que expressamente previam a possibilidade de adição no cálculo do benefício não só das matérias-primas, dos produtos intermediários e do material de embalagem, como também de todos os bens que apesar de não integrarem o produto final forem consumidos no processo produtivo, conforme se pode depreender facilmente do excerto abaixo:

"Art. 147...

I – dos impostos relativos a matérias-primas, produtos intermediários e material de embalagem, adquiridos para emprego na industrialização de produtos tributados, incluindo-se, entre as matérias-primas primas e produtos intermediários, aqueles que, embora não se integrando ao novo produto, forem consumidos no processo de industrialização, salvo se compreendido entre os bens do ativo permanente; (grifo nosso)

Assim, o Parecer Normativo CST 65/79 ao criar um requisito inexistente no texto do regulamento ingressou em uma seara que lhe é vedado, pois não é veículo introdutor de normas no sistema jurídico, não podendo, destarte, inová-lo.

Neste contexto, a exigência de que o bem utilizado no processo produtivo tenha contato direto com o produto final é completamente descabida, pois, reitere-se esta imposição não consta no RIPI, não podendo norma de hierarquia inferior criá-la, sob pena de se estar desrespeitando o comando incerto no art. 99, do CTN, in verbis:

"Art. 99. O conteúdo e o alcance dos decretos restringem-se aos das leis em função das quais sejam expedidos, determinados com observância das regras de interpretação estabelecidas nesta Lei."

Da leitura deste artigo, infere-se que os decretos expedidos pelo Executivo, ou quaisquer normas inferiores não podem inovar o texto prescritivo a que estão vinculados, conforme precisa lição de Hely Lopes Meirelles:

"Decretos em sentido próprio e restrito, são atos administrativos da competência exclusiva dos chefes do Executivo, destinados a prover situações gerais ou individuais, abstratamente previstas de modo expresso, explícito ou implícito, pela legislação. Comumente, o decreto é normativo e geral, podendo ser específico ou individual. Como ato administrativo, o decreto sempre em situação inferior à lei e, por isso mesmo, não a pode contrariar. O decreto geral tem, entretanto, a mesma normatividade da lei, desde que não ultrapasse a alçada regulamentar de que dispõe o Executivo" [1]

O Ministro Carlos Mário VELLOSO, em sua obra "Temas de Direito Público", perfilha o mesmo entendimento, ao ponderar:

"Não pode o Presidente da República, entretanto, legislar via de decreto-regulamentar, por isso que o regulamento no Brasil, é ato normativo secundário, que não pode inovar, na ordem jurídica, porque só pode ser expedido para fiel execução da lei.

Também não tem guarida, no Direito brasileiro, o regulamento ‘praeter legem’, que é o editado para preencher espaço vazio da lei, também chamado de regulamento independente, que cede, todavia, diante da lei. Laborando no vazio, inova na ordem jurídica, impondo obrigações e estabelecendo limitações à liberdade individual, não previstas em lei. ‘Destarte, por aplicação estrita do princípio da legalidade, deveriam ser rejeitados por inconstitucionalidade’." [2]

Trilhando esta mesma linha de raciocínio, não pode o Parecer Normativo CST 65/79 inovar no mundo jurídico criando um pressuposto para o cálculo do crédito presumido de IPI, inexistente no RIPI/98. Só sendo permitido a esse minudenciar as normas constantes no referido diploma para lhe dar aplicabilidade.

É oportuno frisar ainda que as atribuições relativas às questões concernentes ao creditamento foi uma delegação expressa da norma de regência do IPI ao seu decreto regulamentador, de acordo com o disposto no art. 25 da Lei n.º 4.502/64 pela alteração 8ª do art. 2º do Decreto-Lei n.º 34/66, repetida ipsis verbis pelo art. 1º do Decreto-Lei nº 1.136/70:

"Art. 25. A importância a recolher será o montante do imposto relativo aos produtos saídos do estabelecimento, em cada mês, diminuído do montante do imposto relativo aos produtos neles entrados, no mesmo período, obedecidas às especificações e normas que o regulamento estabelecer." (grifo nosso)

Deste modo, o fundamento de validade das prescrições do RIPI, como não poderia deixar de ser, é a Lei nº 4.502/64 que expressamente atribuiu competência para o Poder Executivo, mediante decreto, regulamentar às matérias relativas ao aproveitamento de crédito.

Neste esteio, o Parecer Normativo CST 65/79 indiretamente inobservou o princípio da legalidade, pois, ressalte-se, a atribuição para regular a situação relativa ao crédito é do regulamento e não de norma hierarquicamente inferior.


3. POSIÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA ADMINISTRATIVA.

Em razão das ilegalidades demonstradas no Parecer Normativo CST 65/79, os próprios órgãos julgadores administrativos, em diversas oportunidades, apesar de não ser unânime o posicionamento, estão afastando a esdrúxula exigência de que o bem consumido no processo produtivo tenha que ter contato direto com o produto final, a fim de compor o custo no cálculo do benefício:

Número do Recurso: 100167

Órgão Julgador: Segunda Câmara

Número do Processo: 10930.001133/96-81

Tipo do Recurso: Voluntário

Matéria: Ressarcimento de IPI

Recorrente: Cia. Iguaçu de Café Solúvel

Recorrida/Interessado: DRJ-CURITIBA/PR

Data da Sessão: 09/12/97 13:00:00

Relator: Oswaldo Tancredo de Oliveira

Decisão: ACÓRDÃO 202-09744

Resultado: PPU - DADO PROVIMENTO PARCIAL POR UNANIMIDADE

Texto da Decisão: Por unanimidade de votos, deu-se provimento parcial ao recurso, nos termos do voto do relator.

Ementa: COFINS E PIS/PASEP - INCENTIVOS FISCAIS - Ressarcimento do valor dos créditos presumidos de IPI, decorrente das citadas contribuições sociais (MP nr. 948/95 e sucessivas convalidações) - A utilização da legislação do IPI, para efeitos do conceito de "insumos" (matérias-primas) tem caráter subsidiário (supletivo, auxiliar), não prevalecendo sobre a conceituação genérica adotada na ciência econômica. Energia elétrica, combustíveis e lubrificantes se incluem entre as matérias-primas, por participarem do processo industrialização, até mesmo à luz do art. 82, inciso I, do RIPI. Também as aquisições de insumos feitas as pessoas físicas, não contribuintes das contribuições em causa, dão direito ao crédito presumido, considerando-se que, em etapas anteriores, oneraram, em cascata, o custo do produto a ser exportado e têm sua incidência embutida nas operações anteriores (v. EM que encaminhou a MP nr. 948/95). A parcela relativa ao IPI constante das notas fiscais de aquisição, não se inclui na base de cálculo do incentivo em questão. Recurso provido, em parte.

"Número do Recurso: 107591

Câmara: Primeira Câmara

Número do Processo: 10930.000570/97-31

Tipo de Recurso: Voluntário

Matéria IPI

Recorrente: Companhia Cacique de Café Solúvel.

Recorrida/Interessada: DJR/Curitiba/PR

Data da Sessão: 17/08/99 10:00:00

Relator: Jorge Freire

Decisão: Acórdão 201-73022

Resultado: DPM – Dado Provimento por Maioria

(…)

4 – A teor do art. 3º, parágrafo único, da Lei nº 9.363/96, c/c o art. 393, inciso II, do RIPI/82, que considera como bem na produção "os produtos intermediários", inclusive os que, embora não integrando o produto final, sejam consumidos ou utilizados no processo industrial, não provando o Fisco que os combustíveis objeto da glosa não eram utilizados para a ativação da linha de produção da recorrente, fica a presunção de que sem os mesmos não haveria o processo de produção, razão pela qual deve ser incluído o seu valor no cálculo do benefício"

O próprio Delegado da Receita Federal de Salvador já teve a oportunidade de se pronunciar sobre o tema, posicionando-se no sentido de que a energia elétrica deve compor o cálculo do crédito presumido de IPI, excluindo-se apenas o montante utilizado fora da linha de produção:

"Processo: 10580.004220/00-83

Interessada: Sibra Eletrosiderúrgica Brasileira S.A.

Decisão DRJ/SDR N. 2.737/2000

No demonstrativo de controle de energia elétrica, fls. 35/37, constata-se que toda energia consumida na SIBRA está dividida em apenas duas colunas (forno e extrafornos). A Demanda Auxiliar (Extraforno) refere-se ao consumo de energia elétrica em área administrativa, o consumo em máquinas e equipamentos auxiliares do processo, havendo compatibilidade com os porcentuais de consumo indicados no Laudo Técnico às fls. 316 a 323, que desmembrou os consumos dos equipamentos auxiliares e da área administrativa. Nos Demonstrativos de Crédito Presumido de IPI, fls. 266 e 293 do volume anexo, referentes aos anos de 1999 e 2000, a Contribuinte, procedendo na forma da legislação do IPI e conforme a apuração do crédito presumido indicado no Auto de Infração, também excluiu do cálculo a energia auxiliar (extraforno), que abrange os equipamentos auxiliares e a área administrativa."

Não é outro o entendimento do Pretório Excelso o qual sustenta que as indústrias podem se creditar do valor relativo à energia elétrica consumida no processo produtivo, no intuito de não ferir o princípio da não-cumulatividade, conforme nos esclarece as lições precisas de Hugo de Brito Machado:

"O Supremo Tribunal Federal, todavia, já decidiu que somente as indústrias podem utilizar o crédito de ICMS da energia elétrica utilizada. Não o comércio. Neste a energia elétrica seria utilizada para consumo e não como insumo (RE 200.168-RJ, rel. Min. Ilmar Galvão, julgado em 08.10.96)" [3] (grifo nosso)


4. INCOERÊNCIA COM O REGIME DE TRIBUTOS SEMELHANTES E COM A PRÓPRIA LEGISLAÇÃO VIGENTE.

Apenas para espancar qualquer dúvida que ainda persistisse, a legislação do ICMS, tributo visceralmente ligado ao IPI, informados, inclusive, pelos mesmos princípios, expressamente prevê a possibilidade de aproveitamento da energia elétrica desde que consumida no processo produtivo, de acordo com as determinações do art. 33, II da LC 87/96 (nova redação dada pela LC 102/00):

"II – somente dará direito a crédito a entrada de energia elétrica no estabelecimento:

(...)

b) quando consumida no processo de industrialização;

E mais recentemente a Medida Provisória nº 2.202/01, convertida na Lei n.º 10.276/01 incluiu na base de cálculo do crédito presumido de IPI a energia elétrica, afastando qualquer situação de incerteza que ainda pudesse persistir, em um nítido reconhecimento da sempre existente possibilidade de se imputar a energia como custo desde que fosse utilizada no processo produtivo, in verbis:

"Art. 1º.. .

§ 1º A base de cálculo do crédito presumido será o somatório dos seguintes custos, sobre os quais incidiram as contribuições referidas no caput:

I – de aquisição de insumos, correspondentes a matérias-primas, a produtos intermediários e a materiais de embalagem, bem assim de energia elétrica e combustíveis, adquiridos no mercado interno e utilizados no processo produtivo;" (grifamos)

É oportuno salientar ainda que o revogado art. 74, § 1º do CTN equiparava expressamente a energia elétrica a produto industrializado, sinalizando claramente a possibilidade dos contribuintes deste tributo se creditarem deste insumo indispensável à produção industrial, o que, obviamente, é uma referência histórico-legislativa de suma importância para o deslinde da presente questão pela importância do mencionado Diploma Legal, que já trazia este permissivo, a saber:

"Art. 74. O imposto de competência da União, sobre operações relativas a combustíveis, lubrificantes, energia elétrica e minerais do País tem como fato gerador:

(...)

§ 1º Para os efeitos deste imposto a energia elétrica considera-se produto industrializado."


5. CONCLUSÃO.

Em linhas objetivas, pode-se fazer um resumo da questão nos seguintes termos:

a) O crédito presumido de IPI é um benefício fiscal que tem o objetivo de ressarcir ao exportador o valor de PIS/COFINS que incidiu nas relações tributárias antecedentes para reduzir o preço final do produto e proporcionar uma maior possibilidade de disputa da empresas nacionais no mercado externo;

b) Ao revés da pretensão legislativa, as autoridades administrativas, respaldadas no ultrapassado parecer normativo nº 65/79, estão inviabilizando o benefício do crédito presumido de IPI, pois as empresas industriais exportadoras estão sendo impedidas de integrar a energia elétrica que despendem no seu parque industrial na base de cálculo do referido benefício;

c) O parecer normativo, porém, não tem como se sustentar, uma vez que atenta contra a norma de regência do IPI, bem como o seu regulamento, criando vedação que os mencionados diplomas legais não prevêem;

d) A legislação do ICMS, imposto visceralmente ligado ao IPI, permite a utilização da energia elétrica, desde que consumida no processo produtivo; e

e) A Lei nº 10.271/01corroborando o entendimento esposado passou a expressamente permitir a inclusão da energia elétrica utilizada na atividade produtiva integrar a base de cálculo do crédito presumido de IPI.

Sendo assim, não tem como excluir da base de cálculo do crédito presumido de IPI os valores despendidos com energia elétrica mesmo antes do advento da Lei nº 10.271/01, tendo o contribuinte o ônus de comprovar o preenchimento dos únicos dois requisitos exigidos pelo RIPI, quais sejam, o seu consumo no processo produtivo e não integrar bens do ativo permanente.


Notas

01. Hely Lopes Meyrelles, Direito administrativo brasileiro, 20. Ed., São Paulo, Malheiros Ed., 1995.

02. Temas de direito público. Belo Horizonte: Del Rey, 1993, p.454.

03. O ICMS e a LC 102, Coordenação de Valdir Oliveira Rocha, ICMS: Créditos relativos a Energia Elétrica e Serviços de Comunicação – Hugo de Brito Machado, Ed. Dialética, 200, p. 96.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Hélio Veiga Peixoto dos. Crédito presumido de IPI x parecer de contrato CST nº 65/79: flagrantes ilegalidades. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 62, 1 fev. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3768. Acesso em: 24 abr. 2024.