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A substituição tributária e o atendimento ao princípio constitucional da não-cumulatividade

A substituição tributária e o atendimento ao princípio constitucional da não-cumulatividade

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É sabida por todos a repulsa causada pela penetração em nosso ordenamento jurídico constitucional do § 7º do art. 150 da Carta Magna, através da E.C. n.º 3, de 17/03/93. Desde então, foi albergada, em nível constitucional, a figura jurídica que autoriza, às diversas Fazendas Públicas, a cobrança antecipada de tributo decorrente da ocorrência presumida da hipótese de incidência prevista em lei.

O regime de substituição tributária caracteriza-se pelo fato de o contribuinte substituto responsabilizar-se, antecipadamente, pelo cálculo e pagamento do montante do tributo da operação própria e das sucessivas, desobrigando os contribuintes subsequentes do seu recolhimento. Tal sistemática, encerrando o ciclo de tributação, antecipa uma obrigação tributária que só seria devida quando da ocorrência no caso concreto das sucessivas hipóteses de incidência expressamente previstas em lei. Apesar da forma diferenciada da sistemática de apuração do tributo devido, tal regime não induz a qualquer alteração na essência dos institutos que os norteiam, inclusive quanto ao atendimento ao princípio da não-cumulatividade, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias com o montante cobrado nas anteriores.

A Constituição Federal de 1998 delegou à norma jurídica complementar ( Art. 155, § 2º, XII, c da CF ) o disciplinamento acerca do regime de compensação do ICMS. Assim, a Lei Complementar nº 87/96, introduzindo regras ao regime de apuração do imposto, transferiu para as legislações estaduais a responsabilidade de dispor acerca do seu período de arrecadação. Mais adiante, o citado diploma legal estabelece que, em substituição ao regime periódico, poderá ser promovido o cotejo entre créditos e débitos específicos por mercadorias em cada operação. Logo, apesar da sistemática compensatória entre débito e crédito, via de regra, ser periódica, poderá vir a ser efetivada individualmente por mercadoria em cada operação, atendendo de pronto ao princípio da não-cumulatividade.

Através do regime de substituição tributária, o tributo devido em cada operação é apurado de forma individualizada, operação a operação, seguindo rigorosamente o sistema compensatório entre débito e crédito, diferenciando-se do regime normal, onde o confronto é efetivado em períodos legalmente determinados. Constata-se, então, que não há qualquer afronta ao princípio da não-cumulatividade, posto que o cálculo do ICMS – substituição tributária prevê o abatimento do ICMS - normal, conforme extrai-se do § 5º do art. 8º da Lei Complementar n.º 87/96 : O imposto a ser pago por substituição tributária, na hipótese do inciso II do caput, corresponderá à diferença entre o valor resultante da aplicação da alíquota prevista para as operações ou prestações internas do Estado de destino sobre a respectiva base de cálculo e o valor do imposto devido pela operação ou prestação própria do substituto.

Apesar de anômalo, o regime de substituição tributária atende ao princípio da não-cumulatividade. Aliás, tal matéria é por demais pacífica na jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores. O Supremo Tribunal Federal tem reiterado à constitucionalidade do regime de substituição tributária, bem como o acatamento ao princípio da não-cumulatividade ( STF, RE 190317/SP, DJU 01/10/99, p. 49 ). Neste mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça ( STJ, ROMS 8773/GO, DJ 02/08/99, p.137 ) inovou ao decidir que a substituição tributária é mera exigência de pagamento antecipado do tributo, não se caracterizando tal pagamento como recolhimento do tributo antes da ocorrência concreta da hipótese de incidência prevista em lei. Desta forma, a ocorrência concreta do fato gerador, que faz surgir a obrigação tributária, não se confunde com o ato de cobrança do tributo.

Entretanto, há aqueles que defendem que o famigerado regime ofende ao princípio da não-cumulatividade. A não compensação do ICMS pago a título de substituição tributária equivaleria tratar a operação seguinte como se fosse uma nova, sujeita à alíquota integral, sem direito ao crédito compensatório, posto que o montante pago antecipadamente não serviria de crédito para abatimento do ICMS devido nas operações seguintes. Tal entendimento chega a contrariar a própria Constituição Federal, visto que o acatamento da utilização como crédito do ICMS, pago a título de substituição tributária, representa uma cumulação de créditos, uma vez que na operação sucessiva, cuja ocorrência presumivelmente irá ocorrer, já houve a compensação antecipada do ICMS.

Com o encerramento do ciclo de tributação, ilógico seria esperar que as saídas de mercadorias sujeitas ao regime de substituição tributária se conformassem, posteriormente, ao regime normal de apuração. Na hipótese, a circulação de ditas mercadorias haverá de ser desonerada, de tal sorte que não ocorra qualquer débito pelas saídas, já que as mesmas foram alcançadas antecipadamente pelo tributo.

É neste sentido a única exceção legalmente permitida de utilização como crédito do valor do imposto relativo ao ICMS destacado e ao retido, quando o estabelecimento industrial receber mercadoria sujeita à substituição tributária para utilização em processo industrial de produto cuja saída seja tributada. É que, neste caso, as mercadorias sujeitas a este regime integram o custo industrial de produtos cujas saídas serão tributadas. Portanto, tais mercadorias, após processo de industrialização, transformam-se em produtos acabados tributados cujas saídas resultarão em um montante a recolher ( débito ), que será abatido dos créditos, inclusive daqueles pagos antecipadamente a título de substituição tributária, em obediência ao princípio da não-cumulatividade.

Apesar de toda discussão doutrinária a despeito da constitucionalidade ou não do regime de substituição tributária, verifica-se a não ocorrência de excesso da carga tributária final. Toda a celeuma criada em torno do citado regime decorre da falta de capacidade de se provocar a unificação das disciplinas que abarcam os tributos. Assim, contabilmente, comprova-se que não há a ofensa ao princípio da não-cumulatividade, mas, na seara jurídica, alguns entendem o contrário. No entanto, ao universo jurídico não foi dado o condão de desfazer os acontecimentos meramente aritméticos.


Autor

  • Alexandre Henrique Salema Ferreira

    Alexandre Henrique Salema Ferreira

    Professor de Direito Tributário e de Direito Financeiro do Curso de Direito da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), Auditor Fiscal da Receita Estadual da Paraíba, Mestre em Ciências da Sociedade pela UEPB e Especialista em Auditoria Fiscal-contábil pela UFPB

    é autor dos livros: - Planejamento tributário no campo de incidência do ICMS.Editora: EDUEP e -Política tributária e justiça social: relações entre tributação e os fenômenos associados à pobreza.Editora: EDUEP

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Alexandre Henrique Salema. A substituição tributária e o atendimento ao princípio constitucional da não-cumulatividade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 62, 1 fev. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3783. Acesso em: 24 abr. 2024.