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A não cumulatividade:diferença entre a não cumulatividade do ICMS, IPI e PIS/COFINS

A não cumulatividade:diferença entre a não cumulatividade do ICMS, IPI e PIS/COFINS

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Trata-se de análise acerca do princípio constitucional da não cumulatividade, bem como sua aplicabilidade sobre o ICMS, IPI e PIS/COFINS

O PRINCÍPIO DA NÃO CUMULATIVIDADE

            Em 1954, a França trouxe a não cumulatividade para o direito positivo, com finalidade de evitar transtornos à legislação tributária da época. Com efeito, a não cumulatividade se estabelece em praticamente toda união europeia, sendo apurada mediante a incidência do Imposto Sobre Valor Agregado (IVA)[1].

            No Brasil, a sistemática da não cumulatividade passou a ser adotada em 1964, mediante o Imposto Sobre Circulação de Mercadorias (ICM), o qual foi substituído pelo Imposto Sobre Circulação de Mercadorias.

            Vale ressaltar que a não cumulatividade brasileira se distingue daquelas disciplinadas pelos europeus e demais países, conforme leciona Fabio Rodrigues de Oliveira, a saber:

ainda que pertença ao mesmo grupo dos modelos adotado em outros países (Itàlia França, Espanha, Portugal, etc), a não cumulatividade brasileira se opera de maneira muito peculiar, especialmente quando se trata das contribuições sociais. 

         A característica principal da não cumulatividade de evitar o “efeito cascata”, razão pela qual incide somente sobre o valor agregado em cada operação, ainda, recai sobre os tributos plurifásicos, os quais incidem em diversas etapas da cadeia de comercialização de determinada mercadoria.

            Ao contrário, o tributo sujeito à cumulatividade incide com base na adição de todas as despesas, gastos e demais insumo utilizados no processo de comercialização do produto ou serviços.

            Cumpre destacar que, no que tange a cumulatividade e não cumulatividade, leciona Machado, nos seguintes termos:

“Diversamente  do que pode parecer à primeira vista, a introdução da não cumulatividade no regime jurídico de um imposto não tem por objeto a redução do ônus que esse imposto representa sobre o preço do produto, embora, em alguma situações, isto possa ocorrer. O maior ou menor ônus resulta dos elementos materiais quantificadores do imposto, em especial de sua alíquota. O verdadeiro objeto da não cumulatividade é tornar conhecido o ônus decorrente do imposto, independentemente do número de operações realizadas com mercadoria desde a sua produção até o consumo”[3].

            Como se verá a seguir, a não cumulatividade, por estar constitucionalmente prevista, trata-se de princípio constitucional, o qual está existente em tributos, como no ICMS, no IPI e nas Contribuições Sociais.

NÃO CUMULATIVIDADE DO ICMS

Na década de 60, a necessidade de se promover uma reforma tributária no Brasil se concretizou quando da Emenda Constitucional n° 18/65, que instituiu, além de outros tributos, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias – ICM.

Esse tributo, que substituiu o Imposto Sobre Vendas e Consignações -IVC, tinha natureza mercantil e incidia de forma cumulativa e plurifásica sobre todas as vendas da mercadoria, desde o produtor até o consumidor final. Sua finalidade específica era de arrecadar receitas ao entes competentes e suas alíquotas eram uniformes, pois não se aplicava alíquotas distintas em razão da essencialidade do produto.

Na época, muitos teóricos consideraram que a instituição desse novo modelo de arrecadação iria garantir maior desenvolvimento econômico e eliminar os antagonismos entre os Estados. Assim, a Emenda Constitucional n° 18/65 foi recepcionada pela Constituição Federal de 1967, de modo que o modelo tributário dessa constituição possibilitava à União ter maior poder de arrecadação tributária em relação aos demais entes. A guerra fiscal, que já era tema de muita discussão, não havia sido minimizada.

Diante de fatores econômicos, políticos e sociais, o Brasil passou por diversas transformações até a promulgação da Constituição Federal de 1988, que descentralizou o poder entre a União, Estados, Municípios e Distrito Federal.

Desse modo, o ICMS foi criado pelo art. 155, II, da Constituição Federal de 1988[4], que conferiu aos Estados e ao Distrito Federal instituir o ICMS, que possui as seguintes hipóteses de incidência: (a) sobre as operações mercantis, relativas à trasnferência de titularidade de mercadorias; (b) sobre prestação de serviços de transporte intermunicipal ou iterestadual; (c) sobre prestação de serviços de comunicação, ainda que estes sejam realizados no mesmo município.

Além disso, a Constituição Federal, no seu art. 155, §2, inciso I[5], disciplina a não cumulatividade do ICMS, a qual garante a possibilidade de o adquirente da mercadoria ou prestador de serviços (de transporte interestadual ou intermunicipal) compensar o montante devido com o valor do ICMS incidente na operação anterior.

            A sistemática da não-cumulatividade do ICMS, portanto, trata-se de um sistema de abatimento de créditos com débitos, no qual o sujeito passivo adquirente da mercadoria poderá, quando da revenda desta, utilizar os créditos oriundos da (s) operação (ões) anterior (es) para abatê-lo (s) do ICMS devido em sua etapa da operação.

            Desse modo, o princípio da não-cumulatividade tem a finalidade única e específica de inviabilizar o efeito cascata incidente sobre cada uma das operações ou prestações de uma cadeia mercantil. No passado, antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, a incidência do antigo ICM (antecessor do ICMS) era nitidamente cumulativa, dado que resultou numa tributação elevada pela Administração Pública e o consequente desequilíbrio nas bases econômicas do país.

O constituinte de 1988 foi cauteloso ao estabelecer o princípio da não-cumulatividade do ICMS, pois é um método de garantir um equilíbrio econômico entre os sujeitos passivos e o Estado.

Para melhor enfatizar o exposto acima, cumpre destacar o seguinte exemplo:

Na primeira etapa da operação, o sujeito passivo “A” vende sua mercadoria à “B” por R$ 100,00. Em razão da ocorrência do fato gerador do ICMS, “A” terá que pagar ICMS com base na alíquota de 10%, ou seja, o imposto devido é de R$10,00.

Na etapa seguinte, o sujeito passivo “B” revende a mercadoria adquirida para “C” pelo valor de R$200,00. Sobre esse valor, deverá ser aplicada a alíquota de 10%, e ainda, será subtraído o montante de R$10,00 atinente ao ICMS recolhido pelo sujeito passivo “A”. “B”, no entanto, deverá recolher R$10,00 de imposto.

Na terceira etapa da operação, “C” adquire a mercadoria de “B” e a revende pelo valor de R$400,00. Assim, o cálculo do ICMS devido deverá ser feito com base na alíquota de  10%, e deverá ser subtraído o valor do imposto pago por “B” e “A”, razão pela qual o ICMS devido do sujeito passivo “C” é de 20,00.

            O art. 155, §2, I, da Constituição Federal, trata claramente da não-cumulatividade do ICMS, mas em função da interpretação literal do dispositivo, muito se discutiu sobre a correta definição do vocábulo “cobrado”. A interpretação mais correta para o vocábulo “cobrado”, portanto, deve ser no sentido de “devido” ou “incidente”, de modo que o termo não expressa no sentido de “pago”[6].      

            Assim, não se leva em consideração se o ICMS foi devidamente recolhido na operação anterior para apuração do crédito tributário, uma vez que esse pode ser calculado com base no montante incidente na operação (ões) anterior (es)., conforme expressa o princípio constitucional da não cumulatividade.

            Demonstrado o regime não cumulativo do ICMS, vale lembrar que existem duas hipóteses das quais não se aplicam ao princípio:  a isenção e não incidência. Essas duas hipóteses são os únicos meios de afastar a não cumulatividade do ICMS, de modo que não implicam crédito para a compensação de créditos oriundos de operação anteriores. A anulação do crédito relativo à operação anterior se aplica para não prejudicar a própria Administração Fiscal, pois se a isenção ou não incidência implicasse créditos às operações seguintes, o Fisco arrecadaria menos no final da operação mercantil[7].

V.2 -Não-cumulatividade do IPI

A Constituição, ao tratar sobre as competências da União Federal, lhe concedeu a faculdade de dispor sobre produtos industrializados, devendo estes ser seletivo, em função da essencialidade do produto, e não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante exigido nas operações anteriores da cadeia mercantil, nos termos do art.153, IV e §3, I e II[8].

Desse modo, o texto constitucional estabelece a incidência do IPI sobre diversas etapas da cadeia mercantil, em observância ao mecanismo da não cumulatividade. O imposto devido, por sua vez, deve corresponder à soma de todos os montantes recolhidos, ou seja, desde o início até o término do processo de industrialização, que é a saída do produto industrializado para o consumo na finalidade à qual se destina.

Assim, o IPI incide sobre diversas etapas da cadeia de produção do bem, até o final do ciclo, quando do produto industrializado pronto para consumo na finalidade à qual se destina.

            Neste sentido, segue breve trecho do acórdão sob relatoria do Ministro Ilmar Galvão:

“a assegurar a compensação, em cada operação relativa a circulação de mercadoria, do montante do tributo que foi exigido nas operações anteriores, seja pelo próprio Estado, seja por outro, de molde a permitir que o imposto incidente sobre a mercadoria, ao final do ciclo produção-distribuição-consumo, não ultrapasse, em sua soma, percentual superior ao correspondente a alíquota máxima prevista em lei, relativamente ao custo final do bem tributado” (RE 109.486/SP – Rel. Min. Ilmar Galvão – DJ: 24/04/92)

            A incidência do IPI, portanto, deve observar o princípio constitucional da não-cumulatividade, de modo que seu critério material depende da produção da mercadoria, a qual exterioriza a sua hipótese de incidência.

            Dessa forma, o IPI trata de imposto real, o qual, além de recair sobre uma determinada categoria de bens (produtos da indústria), está consubstanciado pela essencialidade da mercadoria, ou seja, é uma técnica de incidência tributária que permite uma variação de alíquotas entre os bens essenciais e os mais supérfluos.

            Segue abaixo assertiva de Kiyosho Harada:

tendência do IPI é restringir-se à tributação de produtos considerados suntuários ou de luxo, com o que o imposto passará, efetivamente, a ter caráter seletivo, contribuindo para a consecução da justiça social, já que indiscutível sua natureza de imposto de consumo”[9]

            A base de cálculo do IPI, portanto, é o valor da operação de saída do produto do estabelecimento do contribuinte, ou seja, é o preço do produto, acrescido do valor do frete e outras despesas debitadas pelo contribuinte ao adquirente da mercadoria[10]

A legislação do IPI permite a apuração de créditos em relação a matéria prima, produto intermediário e material de embalagem, além das matérias primas e produtos intermediários, que, embora não se integrando ao novo produto, forem consumidos em seu processo de industrialização.

A não cumulatividade do PIS e da COFINS

A Constituição Federal, mediante o art. 195, consagra as contribuições sociais, as quais possuem finalidade única de custeio à seguridade social, mediante o financiamento pelo Estado e sociedade.

Com o advento da emenda constitucional nº 42, de 19.02.2003, introduziu o §12 no art. 195 da Constituição Federal[11], que autoriza ao legislador complementar a submeter determinados setores da atividade econômica ao regime não-cumulativo de apuração das contribuições incidentes sobre a receita ou o faturamento.

            De acordo com o texto constitucional, o legislador ordinário passou a ter competência para submeter determinados setores da atividade econômica ao regime não cumulativo de contribuições sociais incidentes sobre a receita ou o faturamento.

            Desse modo, o legislador ordinário tem o dever de observar todos os preceitos constitucionais que caracterizam a figura da não-cumulatividade das contribuições sociais incidentes sobre determinados setores da atividade econômica.

            Assim, o legislador, por sua vez, deve atuar com base na razoabilidade e racionalidade no exercício do poder de legislar. Ao contrário, poderá infringir o texto constitucional ao ponto de, por consequência, gerar grande impacto econômico e social.

A intenção do constituinte, ao criar a não cumulatividade das contribuições sociais, mediante o advento da Emenda Constitucional n° 42/03, foi evitar o efeito “cascata” incidente sobre todos os gastos e despesas inerentes ao desenvolvimento da atividade empresarial. Por meio da sistemática da não-cumulatividade, a Pessoa Jurídica fica sujeita à deduzir, da base de cálculo das contribuições sociais incidentes sobre a receita ou faturamento, os gastos e despesas ligadas à sua atividade-fim.

            Com Medida Provisória nº 66, de 29.08.2002, posteriormente convertida na Lei nº 10.637/2002, as pessoas jurídicas de direito privado e as que são equiparadas à apuração do IRPJ com base no lucro real ficaram submetidas à sistemática da não-cumulatividade.

            Em seguida, a COFINS passou a ter sua forma não cumulativa, mediante a Medida Provisória nº135, de 30 de dezembro de 2002, a qual foi convertida na Lei nº 10.833/03.

Como a Constituição Federal apenas menciona que as contribuições sociais poderão ser cumulativa, surgiram as correntes constitucionalista e legalista.

Os doutrinadores que adotam a primeira corrente entendem que o regime da não cumulatividade é um direito constitucional nas contribuições que tenham como fato gerador a receita ou o faturamento (Isso respeita o princípio da capacidade contributiva). Para essa corrente, a não cumulatividade é um princípio constitucional, de modo que a relação de créditos prevista nos art. 3º das Leis 10-.637/2002 e 10.833/2003 é meramente exemplificativa[12]. Assim, todos os custos e despesas necessários à atividade econômica são considerados como créditos para dedução da base de cálculo das contribuições sociais.

Já os doutrinadores que adotam a corrente legalista, partem da premissa de que a não-cumulatividade das contribuições sociais incidentes sobre o faturamento ou receita estão submetidos à autorização pela lei ordinária (Isso consubstancia a liberdade plena do legislador ordinário). Assim, o legislador é seria livre para atribuir o que pode e o que não pode ser considerado para aproveitamento de créditos.

Como se verá mais adiante, essa divisão entre a corrente institucionalista e legalista está interferindo diretamente no conceito da não-cumulatividade das contribuições sociais incidentes do faturamento ou receita.


[1] OLIVEIRA, Fabio Rodrigues.

[2] OLIVEIRA, Fabio Rodrigues. Definição de Insumos para apropriação de créditos do PIS e da COFINS. 2014. Ed. 3ºPag. 36

[3] 2009, p. 196

[4] CF/88 - Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

(...)

II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de

comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior”

[5] Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

(...)

II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;

(...)

§ 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:       

I - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;

[6] CARRAZZA, Roque Antonio – ICMS – 13ª Ed. – São Paulo, Malheiros, 2009. Pág. 341.

[7] MATTOS, Aroldo Gomes  - ICMS – Comentários à Legislação Nacional – São Paulo, Dialética, 2006, pág. 17.

[8] CF“Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:

(...)

IV - produtos industrializados;

(...)”

[9] HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário, 7. ed., p.309.

[10] SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 4. ed. p.1124.

[11] CF/88

“Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:

(...)

b) a receita ou o faturamento;

(...)

VI - diversidade da base de financiamento;

(...)

§ 12. A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do caput, serão não-cumulativas.”

[12] Manual do PIS COFINS - 134



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