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A prática de cartel no processo licitatório

A prática de cartel no processo licitatório

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O presente artigo visa abordar como se dá a prática ilegal de Cartel no Processo Licitatório.

1.INTRODUÇÃO

O processo licitatório a essa altura do estudo da administração pública, já é bastante conhecido, mas entende-se como importante frisar que este trata-se de um instrumento da administração pública direta e indireta que garante a formal compra de mercadorias e serviços para a satisfação das demandas da administração pública. É importante salientar que todo esse processo é regulamentado pelo ordenamento jurídico brasileiro na forma da lei 8.666 de 1993 e é indispensável a todo procedimento licitatório obedecer ao devido processo legal disposto pela lei em evidência.

O respeito de tal procedimento, segundo Celso Antônio Bandeira de Melo, a pule de Leila Lima da Silva, a licitação visa escolher a proposta mais vantajosa para a administração pública. Com o processo licitatório, pretende-se a competição entre as empresas licitantes tratadas de forma idêntica no processo, selecionar a melhor opção para o eficiente desemprenho da atividade contratada, favorecendo a administração pública e consequentemente a todos os contribuintes.

A lei 8.666/93, em seu artigo 3º, explana mais a fundo o intuito da licitação pela administração pública, relacionando ao atendimento a todos os seus princípios regentes. A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhe são correlatos. Este artigo esclarece como o processo licitatório deve ser tramitado e julgado, demostrando com enfoque maior para o estudo além da livre concorrência, os princípios da legalidade e moralidade, rejeitados pela prática do Cartel, instrumento que visa fraudar a finalidade licitatória.

2.CONCEITO DE CARTEL

O cartel de uma forma geral, segundo o dicionário Michaellis online, é “a reunião de empresas produtoras, as quais, embora conservem a autonomia interna, estabelecem monopólio, distribuindo entre si os mercados e determinando os preços”. Ainda, o ministério da justiça relata sobre o cartel: “é um acordo explícito ou implícito entre concorrentes para, principalmente, fixação de preços ou quotas de produção, divisão de clientes e de mercados de atuação”.

Em suma, os carteis se tratam de uniões entre empresas do mesmo ramo de produtos ou serviços para o estabelecimento único de preço, objetivando com isso, eliminar a concorrência comum do mercado, aumentando os seus lucros e impossibilitando a escolha do consumidor e prejudicando a economia local.

Se tratando de Cartel no processo licitatório, segundo Rossana Malta de Souza Gusmão é o “acordo entre competidores para, conjuntamente, eleger o vencedor de determinada licitação pública, com o objetivo de favorecer todos os pactuantes mediante a concessão de mecanismos de compensação às empresas vencedoras”. Sendo assim, os licitantes se reúnem com a perspectiva de fraudar o certame licitatório, impedindo a concorrência legal e evitando a soberania do interesse da economia pública.

  

3. TIPOS DE CARTEIS NOS PROCESSOS LICITATÓRIOS

A prática do cartel nos processos licitatórios são denominados internacionalmente de bid rigging, quando os licitantes retiram do controle estatal, ou melhor, legal  a seleção mais benéfica para administração pública sendo pela escolha da melhor técnica, do menor preço ou de ambos , passando a decisão do certame para o controle dos próprios licitantes, que acordam entre si para que as propostas excedam sempre a que está escolhida para ganhar. Desta forma, ajustam os valores dos serviços ou produtos da forma mais onerosa para os licitados, agindo de má-fé e se enriquecendo ilicitamente através das verbas públicas.

No estudo da Professora Rossana Malta em seu artigo “A tipificação na Lei Antitruste da prática de cartel em licitação pública”, didaticamente são divididos os tipos de carteis que são vislumbrados no processo de licitação, sendo denominados: Cover bidding, bid supression, bid rotation.

Dentre elas, as mais comuns são o cover bidding e o bid supression. O Cover bidding, é a forma de fraudar a licitação da forma mais camuflada possível, pois aqui, as empresas em cartel “competem” entre si, mas já com uma empresa combinada a vencer a licitação. Assim, todas as outras oferecem um valor à cima da predeterminada a vencer, criando uma concorrência ilusória ou no caso de uma seleção pela melhor técnica, colocam seus serviços em um padrão a baixo da que deve vencer.

Já no Bid supression, a concorrência não existe, o acordo entre as empresa é de que só a que for indicada pra vencer se habilite a licitação ou caso já exista empresas habilitadas, estas após o cartel se retiram do processo, só deixando a empresa já destinada a ganhar, não deixando opção de escolha pro ente licitante.

Essas são algumas das formas de cartel mais utilizadas nas licitações, mas, qualquer outra forma de associação entre empresas do mesmo ramo que pretendam com essa união fraudar a fruição legal do certame está cometendo ato ilícito e está sujeito a sanção pelo Conselho administrativo de defesa econômica – CADE, de acordo com a lei antitruste.

4. CONSEQUÊNCIA DOS CARTEIS NAS LICITAÇÕES PARA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E A ATUAÇÃO COERCITIVA DO ESTADO.

As consequências vislumbradas com a associação das empresas para a prática do cover bidding, bid supression  ou qualquer outro meio que seja usado pelos licitantes com o fim de prejudicar os pressupostos legais do processo, geram diversas consequência para o Estado. Essas práticas causam graves prejuízos ao erário público e a principal delas é o superfaturamento das empresas com a elevação dos preços dos produtos definidos em conluio e dividindo os lucros entre si.

Como já discutido, as empresas em cartel definem a ganhadora com a combinação de preços, fazendo com que essa já determinada para vencer, tenha o valor do seu produto como o mais baixo e “vantajoso” para o ente público. Caso o tipo licitatório seja pela melhor técnica, a empresa já acordada para vencer se mostrará no processo como a melhor para fornecer o objeto do certame, elevando desta forma o valor do serviço desempenhado por essa empresa em relação às demais licitantes, que também já elevaram o seu preço em relação ao valor do mercado. Lembrando, que esses exemplos são casos de cover bidding, quando há pseudoconcorrência, forma de chamar menos atenção para a prática do ilícito.

A elevação dos preços ocasionados por essas associações fraudulentas geram no fim das contas um grande déficit para a economia pública. O qual, segundo dados do ministério da justiça, com a prática do cartel, os preços dos produtos licitados sofrem um aumento de 20 %, o que ocasiona outra consequência, a alocação do dinheiro público. Os valores superfaturados pagos pelos serviços contratados poderiam ser usados para suprir outros serviços e atender melhor a população.

Quanto às prerrogativas legais para a sanção dos reunidos em carteis, a própria lei de licitação, a 8.666/93 menciona em seu Art. 90 que: Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação: Pena - detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Já na nova lei antitruste, os carteis em processos licitatórios estão tipificados em seu Art. 36 da Lei nº 12.529/2011: Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda

I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;

II - dominar mercado relevante de bens ou serviços;

III - aumentar arbitrariamente os lucros; e

IV - exercer de forma abusiva posição dominante. 

(…)                               

§ 3º As seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista no “caput deste artigo e seus incisos, caracterizam infração da ordem econômica:

 I - acordar, combinar, manipular ou ajustar com concorrente, sob qualquer forma:

a) os preços de bens ou serviços ofertados individualmente;

b) a produção ou a comercialização de uma quantidade restrita ou limitada de bens ou a prestação de um número, volume ou frequência restrita ou limitada de serviços;

c) a divisão de partes ou segmentos de um mercado atual ou potencial de bens ou serviços, mediante, dentre outros, a distribuição de clientes, fornecedores, regiões ou períodos;

d) preços, condições, vantagens ou abstenção em licitação pública;

Quanto ao caput do artigo 36, entende José dos Santos Carvalho Filho que “todos os tipos somente são puníveis a título de dolo. Em consequência, não haverá conduta punível se o fato decorrer de culpa do agente.”(2008, p. 287). Desta forma, se o agente não tinha intenção de causar dano à economia pública, esse não tem porque ser punido penalmente.

E primeiramente, o Código penal brasileiro dispôs sobre o crime de cartel em licitações de forma geral em seu Art. 355, para depois ele ser tratado de forma especial pela lei de licitação e a lei antitruste.

Traz o Art. 335: Impedir, perturbar ou fraudar concorrência pública ou venda em hasta pública, promovida pela administração federal, estadual ou municipal, ou por entidade paraestatal; afastar ou procurar afastar concorrente ou licitante, por meio de violência, grave ameaça, fraude ou oferecimento de vantagem:  Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa, além da pena correspondente à violência.

Parágrafo único - Incorre na mesma pena quem se abstém de concorrer ou licitar, em razão da vantagem oferecida.

A lei de uma forma geral, no código penal, tipificou a conduta da fraude à administração pública superficialmente, contudo foi bastante eficiente ao citar a fraude de concorrência nas licitações. Assim, a lei geral abriu precedente para a tipificação pela legislação especial, seja ela pela lei 8.666/93 ou pela nova lei antitruste, que tratou o ilícito de forma mais profunda e detalhada, adequando o dispositivo a realidade fática.

A legislação só confirma o embasamento doutrinário já relatado se observado aos destaques em negrito. O enquadramento da conduta a norma, ou seja, a tipicidade do fato criminoso será atendida quando encontrado dois aspectos, segundo Rossana Gusmão, sendo eles, a associação com prévio acordo de fraude, para evidenciar a existência do dolo e a obtenção de vantagem econômica. Tendo, no momento de aferimento dessas condutas em conjunto a intervenção sancionatória do Estado.

5.CONCLUSÃO

A licitação, como já esmiunçada, é um processo pelo qual, os entes públicos objetivam a melhor vantagem para administração pública e para isso, utiliza-se da livre concorrência e da obediência aos seus princípios norteadores. Mas, apesar da prerrogativa da livre iniciativa para concorrer e do tratamento isonômico garantido aos licitantes, empresas de forma prejudicial à economia pública associam-se com a intenção de obter maiores vantagens financeiras, como analisado.

Os valores retirados fraudulentamente do erário público poderiam ser repassados pra a execução de outros serviços ou até mesmo de políticas públicas destinadas ao desenvolvimento social do país. Essas, indiretamente também pretendem melhorar futuramente as condições econômicas da nação, não calculando essas empresas que com as fraudes só estão prejudicando seu país e a si mesmas, que futuramente poderiam lucrar com o alcance de uma condição social e econômica avançada por meios lícitos e morais.

As sociedades empresárias, não são criadas somente com o intuito econômico do lucro, mas também com o fim social, que não deve ser só atendido com a geração de empregos, mas visando de uma forma geral a melhoria da sociedade a qual presta o seu serviço.

A prática acarreta o enriquecimento ilícito das empresas envolvidas, passando a arrecadar dinheiro público de forma indevida. A ação direta do poder judiciário é a forma mais eficaz de interferir para afastar a prática do cartel nas licitações e essa ação não deve ser só na tipificação e aplicação da lei, mas principalmente no aferimento do crime antes mesmo que ele ocorra, na fase interna da licitação.

Apesar da legislação eficiente, quanto à defesa dos interesses econômicos do Estado, é preciso de uma execução satisfatória. A ação e propagação de mecanismos de defesa criados pela SDE - Secretaria de Defesa Econômica é o grande escudo para evitar que empresas continuem a interferir nos processos licitatórios de maneira ilegal, ocasionando prejuízos imensuráveis a economia e consequentemente a todos os cidadãos.

BIBLIOGRAFIA

FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito administrativo. Lumen Juris, 21ª ed., RJ, 2008.

DICIONÁRIO, Michaelis. UOL. Disponível em: http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portuguesportugues&palavra=cartel Acesso em: 04 de maio de 2013.

GUSMÃO, Rossana Malta de Souza. A tipificação na Lei Antitruste da prática de cartel em licitação pública . Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3274, 18 jun.2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/22038>. Acesso em: 08 maio 2013.

JUSTIÇA, Ministério. Defesa da concorrência. Governo Federal, Brasília. Disponível em: <http://portal.mj.gov.br/main.asp?ViewID=%7B9F537202%2D913E%2D4969%2D9ECB%2D0BC8ABF361D5%7D&params=itemID=%7BDEB1A9D4%2DFCE0%2D4052%2DA5D9%2D48E2F2FA2BD5%7D;&UIPartUID=%7B2868BA3C%2D1C72%2D4347%2DBE11%2DA26F70F4CB26%7D> Acesso em: 08 de maio de 2013.

SILVA, Leila Lima da. Licitação segundo a lei 8.666/93. Âmbito Jurídico, n 1325, 03 de junho de 2006. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1325> Acesso em: 06 de maio de 2013.

Vade Mecum OAB e concursos/obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Luiz Roberto Curia, Lívia Céspedes e Juliana Nicoletti – São Paulo: Saraiva, 2013.


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