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A Lei nº 8.958/94 (Lei das Fundações de Apoio) é aplicável somente na esfera federal

A Lei nº 8.958/94 (Lei das Fundações de Apoio) é aplicável somente na esfera federal

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O presente artigo aborda a esfera de incidência da Lei nº 8.958/94, que trata das relações entre instituições de ensino superior e de pesquisa científica e tecnológica e as fundações de apoio.

O presente estudo analisa a esfera de incidência da Lei nº 8.958, de 20 de dezembro de 1994, que trata das relações entre as instituições federais de ensino superior e de pesquisa científica e tecnológica e as fundações de apoio. Teria ela caráter nacional (e, portanto, aplicável às três esferas federativas) ou apenas federal (aplicável somente à União)?

É certo que a leitura da ementa da lei já indica se tratar de norma de alcance apenas federal, na medida em que faz referência a “instituições federais de ensino superior e de pesquisa científica e tecnológica”. A questão é: essa percepção preliminar é confiável?

A dúvida surge quando se lê o caput do art. 1º da Lei nº 8.958/94 (com redação dada pela Lei nº 12.863, de 24 de setembro de 2013):

As Instituições Federais de Ensino Superior - IFES e as demais Instituições Científicas e Tecnológicas - ICTs, de que trata a Lei nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004, poderão celebrar convênios e contratos, nos termos do inciso XIII do caput do art. 24 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, por prazo determinado, com fundações instituídas com a finalidade de apoiar projetos de ensino, pesquisa, extensão, desenvolvimento institucional, científico e tecnológico e estímulo à inovação, inclusive na gestão administrativa e financeira necessária à execução desses projetos.

O dispositivo faz menção a “demais Instituições Científicas e Tecnológicas” e, em seguida, remete para a Lei nº 10.973/2004, conhecida como Lei de Inovação. Esta Lei, a seu turno, define ICT como sendo “órgão ou entidade da administração pública que tenha por missão institucional, dentre outras, executar atividades de pesquisa básica ou aplicada de caráter científico ou tecnológico” (art. 2º, inciso V). Ou seja, não faz restrição à natureza federal, estadual ou municipal do órgão ou entidade da administração pública.

Diante desse contexto legislativo, há quem defenda que a aplicação da Lei nº 8.958/94 se estende às esferas federal, estadual, distrital e municipal. Essa é a opinião manifestada por João Batista Tavares[1], que, após combinar a leitura do art. 1º da Lei nº 8.958/94 com o inciso V do art. 2º da Lei nº 10.973/2004, assim concluiu:

Não será preciso concentrar-nos em maiores estudos e pesquisas para concluirmos que nesse conceito, enquadram-se as universidades públicas estaduais, as faculdades públicas e demais instituições científicas e tecnológicas que se constituam em órgão ou entidade da administração pública, e que tenham por missão institucional,  dentre outras, executar atividades de pesquisa básica ou aplicada de caráter científico ou tecnológico, passaram a enquadrarem-se à Lei nº 8.958/1994, podendo, consoante, permissão legal manter Convênio ECTI ou contratos dispensáveis de licitação nos termos do inciso XIII do caput do Artigo 24 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. [...] Assim sendo, e diante das disposições legais mencionadas, podemos  concluir do presente estudo, que as universidades e instituições científicas e tecnológicas públicas estaduais, enquadram-se perfeitamente no conceito de Instituição Científica e Tecnológica, estando inclusas no rol de instituições abarcadas pelo Artigo 1º da Lei nº 8.958/94, com a nova redação dada pela Lei nº 12.863/13. (grifos nossos)

Com a devida vênia às opiniões divergentes, penso que, para dirimir a controvérsia, é preciso ir além da interpretação da dicção literal do conceito legal de ICT presente no inciso V do art. 2º da Lei nº 10.973/2004. Antes, porém, de adentrar no cerne do assunto, façamos uma breve explanação sobre o regime jurídico da parceria institucionalizada entre as Instituições Federais de Ensino Superior e demais Instituições Científicas e Tecnológicas, de um lado, e as chamadas fundações de apoio, de outro lado.

As Instituições Federais de Ensino Superior – IFES englobam universidades, faculdades isoladas e centros de educação tecnológica mantidos pela União. O conceito de Instituição Científica e Tecnológica – ICT, já vimos, está expresso no inciso V do art. 2º da Lei de Inovação. A definição de fundação de apoio também consta na Lei de Inovação (art. 2º, inciso VII), verbis:

VII – instituição de apoio – fundação criada com a finalidade de dar apoio a projetos de pesquisa, ensino e extensão e de desenvolvimento institucional, científico e tecnológico de interesse das IFES e demais ICTs, registrada e credenciada nos Ministérios da Educação e da Ciência e Tecnologia, nos termos da Lei nº 8.958, de 20 de dezembro de 1994 (Redação dada pela Lei nº 12.349, de 15 de dezembro de 2010).

Conforme o art. 2º da Lei nº 8.958/94, as fundações de direito privado, sem fins lucrativos, interessadas em dar apoio a IFES e ICT devem solicitar prévio registro e credenciamento junto ao Ministério da Educação. Os pedidos protocolados nesta Pasta são encaminhados a um Grupo de Apoio Técnico (GAT), que examina se foram atendidos todos os requisitos de qualificação, à luz do Decreto nº 7.423, de 31 de dezembro de 2010. Em seguida, os pedidos são decididos por ato conjunto dos Ministros da Educação e da Ciência, Tecnologia e Inovação (artigos 1º e 3º do Decreto nº 7.423/2010).

Obtido o credenciamento, a fundação de apoio fica, então, apta a dar suporte a projetos de pesquisa, ensino e extensão e de desenvolvimento institucional, científico e tecnológico de interesse das instituições apoiadas, criando condições mais propícias a que as instituições apoiadas estabeleçam relações com o ambiente externo.

Nesse sentido, o art. 1º da Lei nº 8.958/94 estabelece que as IFES e ICT poderão celebrar “convênios e contratos”, nos termos do inciso XIII do caput do art. 24 da Lei nº 8.666/93, por prazo determinado, com as fundações de apoio em projetos de ensino, pesquisa, extensão, desenvolvimento institucional, científico e tecnológico e estímulo à inovação, inclusive para fins de gestão administrativa e financeira necessária à execução desses projetos.

Feita essa breve explanação, passo a cogitar se a Lei nº 8.958/94 é aplicável apenas a nível federal ou se, diversamente, trata-se de uma lei nacional e, portanto, aplicável a todos os entes da federação. Para tanto, vamos começar explorando, dentro da perspectiva federativa desenhada pela Constituição Federal (CF), se compete aos titulares dos Ministérios da Educação (MEC) e da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), com apoio do GAT, promover o credenciamento de fundações que visam apoiar entes públicos não federais, e qual a repercussão efetiva ou potencial disso no âmbito estadual, distrital e municipal.

Pois bem.

Nos termos do inciso IX do art. 24 da CF, a União, os Estados e o Distrito Federal[2] têm competência para legislar concorrentemente sobre “educação, cultura, ensino, desporto, ciência, tecnologia, pesquisa, desenvolvimento e inovação” (redação dada pela Emenda Constitucional nº 85, de 26 de fevereiro de 2015).

A Constituição adotou aqui a chamada competência legislativa concorrente não cumulativa, de forma que a União está adstrita somente ao estabelecimento de normas gerais (art. 24, §1º), devendo os Estados e o Distrito Federal descer aos detalhes para atender a suas peculiaridades, no exercício da competência suplementar (art. 24, §2º). Só em caso de inércia da União, ou seja, inexistindo lei federal sobre normas gerais de determinado assunto estampado no art. 24, aí sim os Estados e o Distrito Federal poderão exercer competência legislativa plena, observado, porém, o disposto nos §§3º e 4º do mesmo dispositivo.

Bem por isso, caso se entendesse que a Lei nº 8.958/94 foi editada à luz do inciso IX do art. 24 da CF, teríamos então que concordar que somente as normas gerais constantes naquela Lei vinculariam todos os entes federativos, enquanto as normas não gerais (especiais) teriam observância obrigatória apenas na órbita da União. Fazer essa distinção seria trabalho muito penoso (e certamente de difícil unanimidade), porque a Lei nº 8.958/94 não tratou de separar explicitamente as normas gerais (nacionais) das normas especiais (federais). Felizmente, porém, esse trabalho não será preciso.

Isso porque penso que o inciso IX do art. 24 não serve de fundamento para a aprovação da Lei nº 8.958/94, porque esta não trata propriamente de matéria de educação ou ciência, pelo menos não no sentido emprestado pelos artigos 205 a 214 e 218 a 219-B da CF. É dizer: tal Lei não trata do plano ou do sistema nacional de educação, dos princípios que regem o ensino público, do piso salarial de professores, dos deveres do Estado ou da participação da iniciativa privada nos serviços de educação, da promoção ou incentivo ao desenvolvimento científico, à pesquisa, à capacitação científica e tecnológica e à inovação, etc.

O que se pode dizer é que a Lei nº 8.958/94 cria condições mais propícias para que as entidades públicas qualificadas como IFES/ICT estabeleçam relações e se articulem com o ambiente externo (em especial com o setor privado), o que, em última instância, favorece o desenvolvimento de projetos de ensino, pesquisa, extensão, etc. Ou seja, tal Lei tem um valor instrumental para a educação e a ciência (assim como várias outras normas no sistema jurídico nacional), mas não versa imediata e diretamente sobre tais matérias, que penso ser o propósito do inciso IX do art. 24 da CF.

Uma outra hipótese seria alguém dizer que a Lei nº 8.958/94 foi editada à luz da competência privativa da União para legislar sobre “normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III” (art. 22, XXVII, CF). Se assim fosse, novamente nos veríamos aqui no apuro de ter que distinguir entre normas gerais (nacionais) e não gerais (federais).

No entanto, essa também não é a melhor interpretação. As normas gerais de licitação são as veiculadas, hoje, basicamente pela Lei nº 8.666/93 (Estatuto Geral de Licitações e Contratos Públicos), pela Lei nº 10.520/2002 (Pregão) e pela Lei nº 12.462/2011 (RDC).

A Lei nº 8.958/94, muito embora faça menção ao inciso XIII do art. 24 do Estatuto de Licitações e Contratos Públicos, o fez apenas para deixar claro que os convênios e contratos ali mencionados dispensam a realização de processo licitatório. A Lei das Fundações de Apoio não versa sobre normas gerais de licitação e contratação, e sim sobre um tipo específico de parceria público-privada (em sentido amplo) envolvendo entidades do Terceiro Setor.

A CF não autorizou a União a elaborar normas gerais sobre parcerias com entidades privadas sem fins lucrativos. Bem por isso, o Prof. Diogo de Figueiredo Moreira Neto[3] sustenta que instrumentos do gênero “acordo”, a exemplo dos convênios e instrumentos congêneres:

[...] obviamente, não estão sujeitos às normas gerais de contratação que passaram à competência da União, pois elas só teriam aplicação a esses pactos de natureza não contratual, se fosse possível admitir-se uma interpretação extensiva do art. 22, XXVII, da Constituição, - uma exegese incompatível com a sistemática da partilha de competências político-administrativas adotadas, na qual, em princípio, cada entidade da Federação dispõe sobre sua própria administração, só se admitindo exceções explícitas à autonomia administrativa federativa – portanto, contrárias ao princípio federativo.

Mesmo que se entenda que a União tem competência para editar normas gerais sobre parcerias com o Terceiro Setor, seja por força do inciso XXVII do art. 22, seja com esteio na competência legislativa concorrente de que trata o §1º do art. 24 da Constituição Federal, é certo que a Lei nº 8.958/94 em momento algum se propôs a estabelecer regras gerais aplicáveis a todas as esferas federativas. Restringiu-se deliberadamente, como vimos, a organizar os serviços prestados à coletividade pelas IFES e ICT da União.

Desta feita, entende-se que a Lei nº 8.958/94 é restrita ao âmbito federal.

Esta é também a opinião da Professora de Direito Administrativo da Universidade de São Paulo (USP), Maria Sylvia Zanella Di Pietro[4], que, após tecer várias considerações sobre a atual redação da Lei nº 8.958/94, assim concluiu:

A lei contém disposições altamente moralizadoras, porém aplicáveis à esfera federal apenas. Seria de todo conveniente que Estados, Distrito Federal e Municípios regulamentassem os vínculos com as fundações de apoio, na esteira do que foi feito na esfera federal. Essa disciplina legal da matéria é necessária para melhor proteger o patrimônio público que elas administram.

Esse entendimento é compartilhado por Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt[5], que também lamenta “a questão da abrangência exclusivamente federal desse permissivo, a despeito de uma ampla utilização da faculdade pelas instituições de outras esferas de governo”.

Para além das citações doutrinárias, a verdade é que a leitura integral da Lei nº 8.958/94 indica, muito claramente, que o legislador jamais teve a intenção de regular parcerias firmadas por fundações de apoio com instituições estaduais ou municipais de ensino superior ou científicas e tecnológicas. Vejamos.

O art. 1º restringe a aplicação da Lei nº 8.958/94 para instituições de ensino superior na órbita da União. Se tivesse a intenção de ser uma lei nacional (e não federal), teria simplesmente suprimido a palavra “Federais”, mas não o fez.

Nesse ponto, convém dizer que a mudança redacional promovida pela Lei nº 12.863/2013 não teve a pretensão de abarcar ICT estaduais e municipais, mas simplesmente evitar qualquer interpretação no sentido de que as únicas destinatárias do normativo fossem as instituições de ensino superior. Afinal, nem todas as ICT são ou estão vinculadas ao ensino superior. As unidades de pesquisa vinculadas ao MCTI, por exemplo, são ICT, mas não IFES (pelo menos em sua imensa maioria). É por essa razão que o atual caput do art. 1º fala “e demais Instituições Científicas e Tecnológicas – ICTs”.

Os arts. 1º-A, 1º-B e 1º-C também militam em favor da tese de lei exclusivamente federal: o primeiro, porque cita nominalmente instituições federais (FINEP e CNPq); o segundo, porque menciona no parágrafo único que a celebração de convênios será realizada mediante critérios de habilitação de empresas a serem regulamentados em ato do Poder Executivo federal; e o terceiro, porque também remete para ato do Poder Executivo federal a regulamentação dos convênios de que trata a Lei.

O inciso III do art. 2º estabelece que as fundações de apoio devem se submeter “ao prévio registro e credenciamento no Ministério da Educação e do Desporto e no Ministério da Ciência e Tecnologia, renovável bienalmente”, o que levanta o questionamento se é de se conceber que entes estaduais e municipais somente possam firmar parcerias com fundações de apoio se houver concordância de titulares de pastas federais. Já o parágrafo único do art. 2º reza que, em caso de renovação do credenciamento, “o Conselho Superior ou o órgão competente da instituição federal a ser apoiada deverá se manifestar quanto ao cumprimento pela fundação de apoio das disposições contidas no art. 4o-A” (grifo nosso).

Prosseguindo na investigação da mens legis, o caput do art. 3º da Lei nº 8.958/94 estabeleceu que as fundações de apoio deverão, nas suas contratações de terceiros com recursos provenientes do Poder Público, observar regulamento específico de aquisições e contratações de obras e serviços a ser editado por meio do Poder Executivo federal. Ao passo que o §1º do art. 3º deixa claro que as fundações podem captar recursos externos “sem ingresso na Conta Única do Tesouro Nacional”. A meu ver, tais disposições não fariam qualquer sentido se o propósito da Lei fosse regular também parcerias firmadas, exclusivamente, entre entes não federais e suas respectivas fundações de apoio.

A redação empregada pelo §2º do art. 4º e pelo art. 4º-C também indica que se trata de Lei voltada apenas para a esfera federal.

Além disso, é preciso lembrar que o pedido de registro e credenciamento de fundações de apoio encontra-se disciplinado apenas no Decreto Federal nº 7.423/2010, que insofismavelmente tem aplicação restrita à esfera da União. A própria atuação do GAT está prevista exclusivamente no referido ato do Chefe do Poder Executivo federal e em Portarias Interministeriais editadas pelos titulares do MEC e do MCTI (vide Portarias Interministeriais MEC/MCTI nº 191/2012 e 3.185/2004).

Não me parece razoável entender que instituições de ensino superior ou instituições científicas e tecnológicas estaduais, distritais ou municipais tenham que, obrigatoriamente, submeter-se à tramitação de pedido administrativo de credenciamento junto a órgãos federais, o que nos parece violar o princípio da autonomia federativa.

E, mesmo que os entes públicos estaduais, distritais e municipais desejem se submeter a esse trâmite (talvez pela falta de regulamentação local do tema), isso por si só não basta, seja porque o assunto não atrai o interesse da União, seja porque a mera vontade institucional desses entes não pode se sobrepor à disciplina legal do assunto.

É de se avaliar, outrossim, se o GAT – que só se reúne a cada dois meses – tem estrutura e condições operacionais de examinar pedidos de credenciamento de fundações de apoio vinculadas a ICT estaduais, distritais e municipais. Não me parece que o GAT – que é composto por dois representantes do MEC e um representante do MCTI – tenha sido concebido para essa missão ampliativa.

Também não se pode ignorar os movimentos implementados na esfera dos Estados e Municípios no sentido de regular suas próprias parcerias com fundações de apoio, o que fornece um indicativo muito claro de que tais esferas de governo não se veem – elas próprias – vinculadas aos termos da Lei nº 8.958/94.

Vejamos o caso do Estado do Rio de Janeiro. O inciso IV do art. 2º da Lei Estadual nº 5.361, de 29 de dezembro de 2008, dispõe que as Instituições de Apoio são:

“[...] fundações de direito privado, sujeitas ao prévio credenciamento na Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia, renovável a cada três anos, com a finalidade de dar apoio a projetos de pesquisa, ensino e extensão e de desenvolvimento institucional, científico e tecnológico de interesse das instituições sediadas no Rio de Janeiro” (grifo nosso).

Tem-se, portanto, que o legislador fluminense definiu que as instituições/fundações de apoio interessadas em auxiliar as ICT-RJ devem se sujeitar a prévio credenciamento perante a Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia, o que conflita com a tese de que o GAT, o MEC e o MCTI deteriam tal competência.

Quanto ao Estado de São Paulo, não tenho notícia da existência de lei que regule o credenciamento de fundações de apoio a nível local. No entanto, já existem inúmeras parcerias envolvendo entidades de apoio e instituições públicas estaduais de ensino superior e de pesquisa científica e tecnológica. Algumas leis estaduais fazem menção a fundações de apoio, a exemplo do §2º do art. 9º da Lei Complementar nº 1.049, de 19 de junho de 2008 (Lei de Inovação do Estado de São Paulo).

Tais parcerias, salvo melhor juízo, são disciplinadas pelas próprias instituições públicas, no âmbito de sua autonomia. Pelo menos é isso que indica a exposição de motivos do Projeto de Lei Estadual nº 455/2004 – não aprovado até a presente data –, que tem por objeto fixar diretrizes gerais a respeito do relacionamento entre as instituições públicas de ensino superior e de pesquisa científica e tecnológica vinculadas ao Estado de São Paulo e as entidades de apoio a projetos de ensino, pesquisa, extensão e desenvolvimento institucional.

De acordo com a exposição de motivos desse PL, as parcerias na órbita do Estado de São Paulo já são uma realidade institucional, em que pese a inexistência de disciplina específica sobre o tema. A ideia do PL é dispor que compete às instituições públicas estaduais de ensino superior e de pesquisa científica e tecnológica, no âmbito de sua autonomia, disciplinar o relacionamento com as entidades que prestem apoio a projetos de ensino, pesquisa, extensão e desenvolvimento institucional, de acordo com as características próprias de cada instituição, notadamente suas diretrizes de ensino, pesquisa e seu projeto de inserção social.

A USP, por exemplo, já conta com uma entidade de apoio a ela vinculada, a Fundação de Apoio à Universidade de São Paulo – FUSP, entidade privada sem fins lucrativos planejada com o compromisso de apoiar e dar suporte gerencial aos Institutos, Escolas, Núcleos de Apoio e Órgãos da Universidade, propiciando uma facilidade mais ampla na execução de projetos de interesse da USP.

Caso se entenda que incumbe aos titulares do MEC e do MCTI credenciarem fundações de apoio vinculadas a entes não federais, tal ato provavelmente remeteria para a ilegalidade várias parcerias celebradas há anos por instituições de ensino superior e ICT estaduais, distritais e municipais, fomentando um ambiente de caos administrativo e insegurança regulatória.

Afinal, a Lei nº 8.958/94 condiciona a celebração direta de contratos e convênios por IFES/ICT com fundações de apoio ao prévio registro e credenciamento destas entidades privadas no MEC e no MCTI (artigos 1º e 2º, III). A prevalecer a tese de que a Lei nº 8.958/94 se aplica a todos os entes federativos, teríamos que forçosamente concluir que os ajustes havidos até hoje entre instituições não federais e fundações de apoio estariam todos eivados de nulidade, já que nenhuma dessas fundações têm prévio registro no MEC/MCTI.

Ante todo o exposto, entende-se que não compete à União, por intermédio dos titulares do MEC/MCTI e com apoio do GAT, credenciar instituições privadas sem fins lucrativos interessadas em se tornar fundações de apoio vinculadas a entes públicos estaduais, distritais ou municipais, cabendo a cada ente federativo disciplinar, se assim entender conveniente, o processo de registro e credenciamento na esfera local, podendo, inclusive, dar outra solução no sentido de regular as parcerias com as instituições de apoio.

Anote-se, por oportuno, que não estou afirmando com tudo isso que instituições estaduais, distritais e municipais não possam firmar ajustes com fundações de apoio. Sim, elas podem. A hipótese de dispensa de licitação prevista no inciso XIII do art. 24 da Lei nº 8.666/93 é norma geral de contratação que se aplica a todos os entes federativos. Porém, eventuais avenças nesse sentido não devem ter por fundamento a Lei Federal nº 8.958/94, tampouco ficam condicionadas ao credenciamento de tais fundações junto ao governo federal. A opinião aqui defendida vem, na verdade, prestigiar a autonomia federativa de Estados, Distrito Federal e Municípios.

Sendo assim, conclui-se que a Lei nº 8.958/94 tem aplicação apenas na esfera da União.

REFERÊNCIAS

BITTENCOURT, Fernando Moutinho Ramalho. Contratações públicas e fundações de apoio. In: Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 43, n. 171, jul./set. 2006.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2012.

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

TAVARES, João Batista. Novo relacionamento entre Universidades e Instituições Científicas públicas estaduais e as Fundações de Apoio. Disponível em: < http://ultimainstancia.uol.com.br/exame-OAB/novo-relacionamento-entre-universidades-e-instituicoes-cientificas-publicas-estaduais-e-as-fundacoes-de-apoio/>. Acesso em: 12 de fevereiro de 2015.


[1] Novo relacionamento entre Universidades e Instituições Científicas públicas estaduais e as Fundações de Apoio. Disponível em: < http://ultimainstancia.uol.com.br/exame-OAB/novo-relacionamento-entre-universidades-e-instituicoes-cientificas-publicas-estaduais-e-as-fundacoes-de-apoio/>. Acesso em: 12 de fevereiro de 2015.

[2] Os Municípios têm competência apenas exclusiva (art. 30, I) e suplementar (art. 30, II), não concorrente.

[3] Curso de direito administrativo. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 182.

[4] Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 298.

[5] Contratações públicas e fundações de apoio. In: Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 43, n. 171, jul./set. 2006, p. 308.


Autor

  • Caio Márcio Melo Barbosa

    Advogado da União. Consultor Jurídico Substituto do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços. Ex-Consultor Jurídico Adjunto do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Especialista em Direito Processual Civil.

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