Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/38636
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Da impossibilidade da aplicação da pena de cassação da aposentadoria para servidores aposentados compulsoriamente

Da impossibilidade da aplicação da pena de cassação da aposentadoria para servidores aposentados compulsoriamente

Publicado em . Elaborado em .

Trata da impossibilidade da aplicação da pena de cassação de aposentadoria prevista no art.127, IV da Lei 8.112/90 para servidores aposentados compulsoriamente, ou seja, aqueles que, de acordo com o art. 40, § 1º, II da Constituição Federal, foram apose

Autor: Paulo Cesar Carneiro Alves Filho

Trata este amontoado de palavras desconexas, de trazer à discussão um tema que vem sendo relegado ao esquecimento em nome da assim chamada “caça aos corruptos”, qual seja, a impossibilidade da aplicação da pena de cassação de aposentadoria prevista no art.127, IV da Lei 8.112/90 para servidores aposentados compulsoriamente, ou seja, aqueles que, de acordo com o art. 40, § 1º, II da Constituição Federal, foram aposentados aos 70 anos de idade.

            Como é sabido, ao atingir a idade de 70 anos, o servidor público é compulsoriamente aposentado do serviço público, por força do mandamento expresso no art. 40, § 1º, II da Constituição Federal. Não há portanto, nenhuma possibilidade de continuar ou retornar aos quadros da Administração Pública, nem mesmo em cargo comissionado - de livre nomeação e exoneração.

            A Lei 8.112/90, prevê entre as penalidades a serem aplicadas aos servidores públicos que infringirem as regras e deveres legais de conduta no exercício do cargo ou função, além das penas de advertência, suspensão, destituição de cargo ou função comissionada e demissão, a de cassação de aposentadoria para ilícitos que importem em pena de demissão.

            Vejamos as situações que se impõe:

            Se o servidor tiver se aposentado com menos de 70 anos, ou seja, voluntariamente, uma vez cassada a sua aposentadoria, este pode – e deve – retornar ao serviço público para trabalhar, afinal de contas, por aposentado, não foi demitido devido ao ilícito praticado e sim, teve a sua aposentadoria cassada, cancelada.

            Não há pois, ao que se saiba, nenhum óbice ao seu retorno. Aliás, na prática, diversos servidores públicos apenados (pois é uma pena administrativa) com a cassação da aposentadoria efetivamente retornaram ao trabalho em suas repartições de origem e passaram a receber seus salários normalmente, assim como a descontar para a Previdência.

            Se eventualmente serão “perseguidos” pela Administração ou se sofrerão Processos Administrativos Disciplinares por motivos diversos, é outra história a qual não cabe aqui adentrar neste momento.

            Vê-se então, que o efeito real o real apenamento, é o de retirar o servidor aposentado de seu assim chamado “merecido descanso” e novamente “torna-lo produtivo” a fim de que com seu trabalho quite seu débito com a Administração Pública. Claro que sem prejuízo das possíveis sanções judiciais, como por improbidade, por exemplo.

            Quitado este débito, não há óbice nenhum a que se aposente novamente compulsoriamente aos 70 anos de idade, já que contribuiu ao longo dos anos para tal.

            Já o servidor público aposentado compulsoriamente, ou seja, aos 70 anos de idade conforme apregoa a Constituição Federal, não pode retornar ao trabalho. Como então subsistir?

            A pena de cassação da aposentadoria acaba por lhe retirar qualquer possibilidade de subsistência, pois além de não mais receber sua aposentadoria – e na grande  maioria das vezes o servidor aposentado só tem esta fonte de renda, não pode mais regressar nem ao cargo e muito menos, em decorrência da idade, ao mercado de trabalho.

            Não se pode esquecer que ao longo dos anos e após as EC 3/1993 (servidores federais), EC 20/1998 (servidores estaduais e municipais em caráter facultativo) e EC 41/2003 (todos os servidores em caráter obrigatório), o servidor passou a contribuir obrigatoriamente para o sistema previdenciário nacional, e não mais para os respectivos tesouros.

            Desta maneira, a aposentadoria, antes uma concessão do Estado – e portanto cassável por assim dizer, passou a ser um direito do servidor, que contribui compulsoriamente para o sistema previdenciário e não mais para o tesouro. Nestes termos, a aposentadoria não é um prêmio, mas uma retribuição, uma consequência lógica do trabalhado e da contribuição feita ao longo dos anos.

            O TJSP, ao analisar esta questão através do voto do Des. Paulo Dimas de Bellis Mascaretti, apontou a incompatibilidade entre as leis que determinam a cassação de aposentadoria como sanção disciplinar, com a nova ordem constitucional estabelecida após as Emendas Constitucionais 3, 20 e 41, que tornaram o regime previdenciário dos servidores públicos um sistema de caráter contributivo e solidário.

“Inafastável, pois, a conclusão de que com a exigência de contribuição previdenciária visando financiar a futura aposentadoria, o processo administrativo disciplinar que conclui pela pena de cassação do benefício previdenciário viola diretamente o artigo 40, caput, e parágrafo 5º do artigo 195, ambos da Constituição da República, pois como mencionado acima, o sistema previdenciário tornou-se retributivo, o que acarreta na concessão e manutenção do benefício, após o implemento do tempo exigido de contribuição”, afirma o voto.

            Ora, o fundo criado com as suas contribuições para resgate futuro quando da aposentadoria está à disposição do servidor que por anos contribuiu. Negar o acesso a isso, além de flagrantemente contrário aos ditames constitucionais, constitui-se em verdadeiro confisco – o que também é vedado, além de enriquecimento sem causa do Poder Público.

            Afirma ainda o voto, que “Não se pode olvidar, ademais, que os proventos de aposentadoria têm caráter alimentar e a cassação do benefício, por causa alheia à legislação previdenciária aplicável, importa em relegar o servidor à situação de absoluta indigência, privando-o dos recursos indispensáveis à sua sobrevivência, justamente no momento em que normalmente já não ostenta plenas condições de trabalho.”

            A Constituição Federal proíbe expressamente as sanções perpétuas, capitais, cruéis e degradantes (art 5º, III e XLVII, “b”, “c”), elevando essas garantias ao status de cláusulas pétreas (art. 60, § 4º, IV). E o fez, com a finalidade de após punir, reconduzir o infrator ao convívio social, em respeito às garantias fundamentais à liberdade e à dignidade humana.

            Não pode pois o Estado, de forma desumana e irrazoável, cassar de forma perpétua um aposentado que por ter, em algum momento de sua carreira, cometido algum tipo de ilícito funcional.

            Para punir este tipo de ilícito funcional, mais do que a cassação da aposentadoria (e sustento) do servidor aposentado compulsoriamente, tem-se, se for o caso, as devidas ações penais e/ou de improbidade.

            Agir com se age hoje, é humilhar perpetuamente o servidor cuja aposentadoria foi cassada; é negar-lhe formas de subsistência, conduzindo-o a fim trágico e condenado pela Constituição, em flagrante desrespeito ao preconizado no art 5º, XLVII, “a”(não haverá pena de morte), “b” (de caráter perpétuo), “e” (cruéis).

            Destarte, por infringir normas constitucionais, há a clara impossibilidade de se sancionar o servidor compulsoriamente aposentado com a pena de cassação de sua aposentadoria, urgindo que a Administração Pública se adeque ao prescrito na Carta Magna, cabendo, em caso diverso, ao Judiciário faze-lo.

Fontes de Consulta:

Maria Sylvia Zanella Di Pietro; “Cassação de aposentadoria é incompatível com regime previdenciário dos servidores”; Consultor Jurídico; www.conjur.com.br.

Gomes de Mattos, Mauro Roberto”Tde Direito Administrativo Disciplinar”; Ed. Forense.

 



Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelo autor. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi.