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Há um futuro para o Direito Penal?

Há um futuro para o Direito Penal?

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Aborda-se no presente artigo os fins da pena no cenário contemporâneo, onde o Direito Penal se revela, ante a criminalidade moderna, complexa e portadora de uma rede de procedimentos dirigidos ao delito, não ter mais uma firme funcionalidade.

Sumário: 1. Introdução. 2. Angústia contemporânea. 3. Da prevenção (geral e especial). 4. Conclusão. 5. Referências bibliográficas.

 

1. Introdução

O presente artigo não tem a pretensão de tecer em minúcias intermináveis discussões e debates sobre a temática, mas introduzir a uma problemática, ante ao enfrentamento que o direito penal vem sofrendo na atualidade, em face ao instituto da pena, em especial, os fins da pena no cenário contemporâneo, partindo do conceito de prevenção (geral e especial) como fim do direito penal, o que revela não ser mais funcional no mundo atual, ante a criminalidade moderna e sua complexa rede de procedimentos dirigidos a prática do delito.

Ademais, tal caráter preventivo do direito penal parece padecer diante da violência atual, seja ela física ou virtual, o que aparenta não ter mais a funcionalidade disposta pelos seus idealizadores, o que nos confronta com um questionamento, qual seja: devemos mudar ? 

2. Angústia contemporânea

Já vivenciamos o tempo no qual a função do direito penal podia ser vista na compensação normativa de crime e culpabilidade. Hoje domina o paradigma preventivo: o melhoramento do mundo através do direito penal está inscrito profundamente em nosso entendimento normativo cotidiano, em nosso pensamento jurídico-penal e em nossa representação do Estado como fenômeno destinado ao cumprimento de fins. O direito penal é um representante da segurança do cidadão e a segurança é um conceito empírico.[1]

Estamos hoje ante os restos da esperança ingênua de que o direito penal curará tudo e devemos confessar que os espíritos que temos convocado tem crescido mais além de uma medida tolerável que não podemos domina-los e já não podemos nos livrar deles, então, devemos mudar ? e se a resposta for afirmativa ? até onde ?

O direito penal, ao menos nos modernos estados de direito constitucional é muito mais que a pena. O estado de direito constitucional que nos rege exige uma certa racionalidade neste discurso, que em outras épocas valia unicamente pelo exercício indiscutível da força ( através de Deus ou do oportuno derramamento de sangue).[2]

Winfried Hassemer expõe que, a chance de perceber a violência e o exercício da violência seguramente nunca foi melhor que hoje. Uma sociedade que dispõe, por um lado de meios de comunicação eficientes, e que, por outro lado, ao menos na estimação desses meios, no consumo comunicativo, está vivamente interessada nos fenômenos de violência, já não necessita experimentar a violência em seu próprio seio para percebê-la como onipresente  pois, poucas serão os exercícios espetaculares de violência no mundo que nos escolhemos.[3]

Violência, risco e ameaça constituem hoje fenômenos centrais da percepção social. A segurança do cidadão faz sua carreira como bem jurídico, e alimenta uma crescente industria da segurança.

Se a violência, risco e ameaça se convertem em fenômeno centrais da percepção social, então, este processo tem conseqüências inevitáveis em quanto a atitude da sociedade frente a violência  esta é a hora de conceitos como “lutar”, eliminar”, “repressão” em prejuízo de atitudes como “elaborar” ou “viver com”.

3. Da prevenção (geral e especial)

Inclusive a idéia de prevenção perde seu vicio de terapia individual ou social e se consolida como um instrumento efetivo e altamente intervencionista da política frente a violência e ao delito. A sociedade de ameaçada pela violência e o delito, se vê  posta contra a parede.

E mais, estamos hoje ante os restos da esperança ingênua de que o direito penal curará tudo e devemos confessar que os espíritos que temos convocado tem crescido mais além de uma medida tolerável que não podemos domina-los e já não podemos nos livrar deles ? devemos portanto mudar ? e se a resposta for afirmativa ? até onde ?[4]

Atualmente não parecer haver alternativa alguma sobre a prevenção como determinação do fim do direito penal. Sem embargo, é necessário reflexionar sobre alternativas, as conseqüências vinculadas as expectativas de que o direito penal está para oferecer segurança são demasiadas perigosas.

Nesse sentido, trazendo para o centro da discussão a questão atinente a prevenção, não poderíamos deixar de citar o posicionamento de Claus Roxin[5] sobre tal problemática, aduzindo que o ponto de partida de toda teoria hoje defendida deve se basear no entendimento de que o fim da pena somente pode ser preventivo, posto que as normas penais somente estão justificadas quando tendem a proteção da liberdade individual e a ordem social que está a seu serviço, também a pena concreta só pode perseguir isto, quer dizer, um fim preventivo do delito.

O significado da prevenção geral e especial se acentua também de forma diferenciada no processo de aplicação do direito penal, em primeiro lugar, o fim da cominação penal é de pura prevenção geral, pelo contrario, na imposição da pena na sentença tem de levar em consideração na mesma medida as necessidades preventivas especiais e gerais.

Justifica Roxin[6], tendo como referência o Direito Penal Alemão (StGB) que , o juiz ao fixar a pena deve ter em conta tanto o ponto de vista da culpabilidade como o da prevenção, porém não resolve a antinomia dos fins da pena, pois as pespectivas de chegar a um compromisso aceitável  entre “prevencionistas” e “retributistas” são relativamente boas, já que a formula básica contida no art. 46, parágrafo 1, seção 1[7], ao deixar praticamente sem objeto a discussão entre os partidários da “pena exata”e dos da “teoria da margem de liberdade”, suministra implicitamente também a base para aclarar a relação existente entre retribuição da culpabilidade e prevenção.

Assim, se a pena somente for um amaestramento por intimidação, para que o principio de culpabilidade, que é tido em conta por qualquer direito penal moderno cultivado ? O principio da culpabilidade  garante duas coisas: em primeiro lugar, que o fato no deve interpretar-se como causalidade ou como capricho do destino, senão como obra, artefato de uma pessoa, e em segundo lugar, que esta pessoa é competente para intervir em assuntos públicos.[8]

Continua Jakobs levantando a questão acerca da serventia do direito penal na atualidade, in verbis:

“a questão acerca do fim da pena também pode ser colocada em outro sentido distinto do que até agora se tem discutido aqui: para que serve todo o aparato penal ? a resposta problematicamente mais estendida na Alemanha é: para a proteção de bens juridicos. Na segunda parte de esta intervenção se pretende analisar criticamente esta resposta e a conclusão obtida na parte anterior, de aordo com a qual a pena deve ser entendida como uma contradição da desautorização da norma, já preconfigurada o resultado que se obterá nesse ponto:  a pena não assegura bens jurídicos  e muito menos ainda os repara, senão que assegura a vigência da norma. A proteção ds bens jurídicos em todo caso se obterá como resultado mediato”.[9]

A pergunta a historia da teoria da pena é portanto a seguinte: em que medida tem contribuído na mais recente historia , as grandes idéias sobre a pena como “retribuição”, “intimidação”, “prevenção” na luta de um direito penal melhor ?[10]

O problema do sentido da pena na natureza do direito penal, não conhece limites nacionais ou culturais, como demonstra a historia das teorias da pena, existem afinidades, tanto na compreensão como nas respostas que a filosofia do direito européia tem dado no transcurso do tempo a estas questões fundamentais.

Por certo, que o “moderno” paradigma preventivo tem trazido novos acentos e tem aberto novas pespectivas, sem que por ele se possa dizer que estamos no início de uma nova teoria, não que as teorias “clássicas”sobre os fins da pena tenham sido derrotadas.

As modernas distinções entre prevenção geral “negativa “e “positiva”e entre prevenção especial “negativa”e “positiva”etc, somente põem  de manifesta troca de lugares e talvez possibilitem um novo tipo de relação entre o fim da pena que, ainda que conhecidos , não representam nenhuma inovação fundamental.[11]

Quando nos referimos aos fins do direito penal, fazemos menção então a sua legitimação, a sua justificação em um sistema normativo e está em paises como o nosso necessariamente deve passar por tratar de reduzir ao mínimo possível o grau de violência que se gera em uma sociedade que é instável e muito propícia a exclusão, mais próxima a dialética amigo-inimigo.

O estado liberal contemporâneo instaura os princípios materiais e as garantias processuais uma enunciação dos princípios, deve indicar ao principio da igualdade, da ofensividade, de culpabilidade, da proporcionalidade e da humanidade.

As garantias processuais, por sua vez, passam pela estrita aplicação  dos princípios da legalidade e jurisdicionalidade.

Ocorre é que a respeito destes princípios e garantias implica a existência de uma tensão entre a necessidade de tratar de evitar a violência legal, o que obriga a construir um complexo entramado que se denomina como fins do direito penal, que deve levar em conta os bens jurídicos, o interesse da vitima, a tendência a liberdade por parte dos autores dos delitos, e a segurança jurídica da comunidade entre outras variáveis.

4. Conclusão

Dessa forma é que desde o ponto de vista de sua época, Sebastian Soler[12] afirmava que no delito se seguia vendo como uma criação coletiva, um resultado afastado da realidade física, uma superestrutura, obra humana e voluntária, cuja determinação depende de razões de oportunidade, criado de acordo a um fim coletivo em si mesmo variável, mal podia se pensar em que transgressões das normas de convivência social deviam corresponder a tipos antropológicos determinados.

Ademais, o que se percebe atualmente é que os meandros do inter criminis, bem como das características do agente criminoso no cenário globalizado está cada vez mais complexo o que dificulta a identificação da autoria, bem como a plataforma territorial delitiva, em especial para os delitos praticados por meios cibernéticos, com uso da tecnologia.

A dificuldade no pareamento do direito penal como instrumento preventivo da delinqüência se apresenta realista em diversos Estados, como comenta Roberto Bergalli[13], acerca da construção de um novo Estado na Espanha (Estado Social Democrático de Direito) ante ao desenvolvimento econômico decorrente do capitalismo e da globalização mundial.

Daí que Alessandro Barata[14] enumera os princípios característicos do Estado Social, quais sejam: a) princípio da legitimidade; b) princípio do bem e do mal; c) princípio de culpabilidade; d) princípio  do fim ou da prevenção; e) princípio da igualdade; f) princípio do interesse social e do delito natural.

Portanto, percebemos que devemos mudar sim ! fazer um direito penal eficaz, atual, moderno e com expressão de uma funcionalidade preventiva, com um desenho punitivo que realmente cumpra com o anseio intimidativo e preventivo, dirigido a aqueles que ensejem desferir alguma conduta lesiva a presente norma de controle social, fazendo-a expressiva e cumpridora de seu papel, hoje quase desacreditado em nossa sociedade, pois sabemos que não mais intimida ao agente delituoso, crente de sua impunidade, onde a mão do Estado não o alcança com sua pretensão punitiva, decorrente de seu estado de falência, seja ela administrativa, política, policial e por que não judicial.

5. Referências bibliográficas

BARATA, Alessandro. Criminologia critica y critica del derecho penal. Introducción a la sociologia jurídica. Buenos Aires: Siglo XXI Editores, 2004.

BERGALLI, Roberto. Panico social y fragilidad del estado de derecho. In: “Criminologia critica y control social. El poder Punitivo del estado”. Buenos Aires: Editorial Júris, 1993.

Código Penal Alemán. Claudia Lopez Diaz (traductora). Universidad Externado de Colômbia. Bogotá, 1999. http://www.juareztavares.com/textos/leis/cp_de_es.pdf acessado em 28/09/2011.

HASSEMER, Winfried. Critica al derecho penal de hoy.  Buenos Aires: AD-HOC, 2003.

HASSEMER, Winfried. Seguridad por intermedio del derecho penal. In: “Tiene un futuro el derecho penal ?”. Buenos Aires: AD-HOC, 2009.

JAKOBS, Gunter. Cómo protege el derecho penal y qué es lo que protege ? contradición y prevención; proteción de bienes juridicos y proteción de la vigencia de la norma. In:“Tiene un futuro el derecho penal ?”. Buenos Aires: AD-HOC, 2009.

PAUL, Wolf. Esplendor y miseria de la teoria preventiva de la pena. In: “Prevención y teoria de la pena”. Chile:  Editorial Juridia ConoSur  LTDA, 1995.

PORTELA, Mario Alberto. La justificacion del castigo o los fines de la pena. In: “temas de derecho penal argentino”. Director: Juan Alberto Terrara. Coordinador: Aléxis Leonel Sinez. Buenos Aires: LA LEY, 2006.

ROXIN, Claus. Culpabilidad y prevención en derecho penal. Madri: Editorial REUS S/A, 1981.

ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte general. Tomo I.  Madri: Civitas, 1997.

SOLER, Sebastian. Exposición critica de la teoria del estado peligroso. Buenos Aires: Valério Abeledo Editor, 1929.

 


[1] HASSEMER, Winfried. Seguridad por intermedio del derecho penal. In: “Tiene un futuro el derecho penal ?”. Buenos Aires: AD-HOC, 2009.

[2] PORTELA, Mario Alberto. La justificación del castigo o los fines de la pena. In: “ Temas de derecho penal argentino”. Director: Juan Alberto Terrara. Coordinador: Aléxis Leonel Sinez. Buenos Aires: LA LEY, 2006.

[3] HASSEMER, Winfried. Critica al derecho penal de hoy.  Buenos Aires: AD-HOC, 2003.

[4] HASSEMER, Winfried. Seguridad por intermedio del derecho penal. In: “Tiene un futuro el derecho penal ?”. Buenos Aires: AD-HOC, 2009.

[5] ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte general. Tomo I.  Madri: Civitas, 1997.

[6] ROXIN, Claus. Culpabilidad y prevención en derecho penal. Madri: Editorial REUS S/A, 1981.

[7] “La culpabilidad del autor constituye el fundamento para la fijación de la pena. 2 Deben considerarse las consecuencias que son de esperar de la pena para la vida futura del autor en la sociedad”.

[8] JAKOBS, Gunter. Cómo protege el derecho penal y qué es lo que protege ? contradición y prevención; proteción de bienes juridicos y proteción de la vigencia de la norma. In:“Tiene un futuro el derecho penal ?”. Buenos Aires: AD-HOC, 2009.

[9] Idem 9. p.61.

[10] PAUL, Wolf. Esplendor y miseria de la teoria preventiva de la pena. In: “Prevención y teoria de la pena”. Chile:  Editorial Juridia ConoSur  LTDA, 1995.

[11] PORTELA, Mario Alberto. La justificacion del castigo o los fines de la pena. In: “temas de derecho penal argentino”. Director: Juan Alberto Terrara. Coordinador: Aléxis Leonel Sinez. Buenos Aires: LA LEY, 2006.

[12] SOLER, Sebastian. Exposición critica de la teoria del estado peligroso. Buenos Aires: Valério Abeledo Editor, 1929.

[13] BERGALLI, Roberto. Panico social y fragilidad del estado de derecho. In: “Criminologia critica y control social. El poder Punitivo del estado”. Buenos Aires: Editorial Júris, 1993.

[14] BARATA, Alessandro. Criminologia critica y critica del derecho penal. Introducción a la sociologia jurídica. Buenos Aires: Siglo XXI Editores, 2004.


Autor

  • George Geraldo Gomes Magalhães

    Advogado. Bacharel em Direito pela UNICAP (1999). Pós-Graduação em Comércio Exterior pela UFRPE (2000). Pós-Graduação em Direito Penal e Processo Penal pela Faculdade DAMAS (2010). Doutorando em Ciência Jurídica (Derecho Penal Económico) pela Pontificia Universidad Católica Argentina - UCA (2015).

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